sábado, 12 de fevereiro de 2022

CRÔNICA: UMA AULA ESPECIAL - ANA MARIA MACHADO - COM GABARITO

 Crônica: Uma aula especial

              Ana Maria Machado

        [...]

        -- Isabel, eu mostrei à turma o retrato de sua bisavô e todo mundo começou a trazer retratos dos bisavós também. Então, resolvemos fazer uma pesquisa sobre o tempo em que eles viveram. Vamos passar algumas semanas estudando esse tempo, o final do século XX. Que é que você acha?

        Eu estava tão feliz de ter achado o retrato de Bisa Bia que não conseguia achar nada para falar. Ainda mais agora, com essa boa ideia, de ficar sabendo montes de coisas do tempo dela, ah! Ia ser ótimo!... Foi me dando um nó na garganta, uma vontade de chorar de alegria, de emoção, sei lá, nem consigo explicar. Aí, de repente, reparei que Vitor, o novo aluno, também estava disfarçando e enxugando uma lágrima no canto do olho. Não entendi por quê. Ainda bem que Dona Sônia não esperou minha resposta nem reparou no choro do Vítor (que menino mais esquisito... será que ele nunca ouviu falar que homem não chora?) e foi começando a aula, contando que havia escravos no tempo da minha bisavó, que os escravos tinham donos, como se fossem coisas, trabalhavam a vida inteira sem descanso, não tinham salário, não tinham direitos, enfim, uma porção de coisas assim, algumas até que a gente já tinha ouvido falar, mas nunca tinha reparado direito.

        De repente, quando ela perguntou se alguém tinha alguma dúvida, queria fazer uma pergunta ou algum comentário, o Vítor levantou a mão e, ainda com um jeito bem emocionado, começou a falar:

        -- Sabe, Dona Sônia, me deu um aperto no coração quando a senhora começou a falar da bisavó dela, porque eu comecei a pensar no meu avô e descobri que estou com muita vontade de falar dele. Posso?

        -- Claro que pode, Vítor.

        -- Vocês sabem que nós moramos muito tempo fora do Brasil. Por isso, eu conheci pouco o meu avô, porque ele ficou aqui. Mas o conheci muito bem. Quando nós fomos para o exílio, éramos muito pequenos e não nos lembramos de quase nada. Mas ele foi lá nos visitar algumas vezes. Depois, a gente sempre se escrevia, às vezes falava no telefone. E ele morreu enquanto nós estávamos lá longe, nunca deu para a gente curtir o avô direito, e isso dá muita saudade, muita tristeza, essa vontade de chorar, até hoje.

        Puxa! Ele enxugou outra lágrima! Não tinha medo de que ninguém risse dele... Na mesma hora descobri que o Vítor era o menino mais corajoso que eu já tinha conhecido. Tinha até coragem de chorar na frente da turma toda!

        Mas ele continuava:

        -- Lembro-me de uma noite, quando nós estávamos em Roma e ele tinha ido nos visitar. Era na véspera do embarque dele de volta para o Brasil. Maria e eu queríamos viajar com ele, queríamos que papai e mamãe também voltassem para a terra da gente, estávamos todos meio tristes... Eu não entendia direito por que não podíamos voltar. Aí vovô explicou que um dia íamos poder, mas falou que quem quer construir os tempos novos geralmente não é compreendido, é perseguido e sofre muito, e era isso que estava acontecendo com meus pais. Aí ele contou muita coisa da História do Brasil e do mundo. Disse que no tempo dele já tinha sido melhor do que no tempo do pai dele, não tinha mais escravos, os trabalhadores já recebiam salário, mas ele se lembrava de que, quando era pequeno, na cidade dele (que era cheia de fábricas), os trabalhadores ficavam nas máquinas catorze ou dezesseis horas por dia – nem lembro mais – e não podiam fazer greve também, criança pequena trabalhava, uma porção de coisas assim.

        Eu não lembro direito, porque isso tudo ficou misturado na minha cabeça, quer dizer, os detalhes da conversa, quando foi que cada coisa foi mudando. Conversamos muito sobre isso e não dá para lembrar tudo. Mas nunca vou esquecer o brilho dos olhos do meu avô quando me falava dessas coisas. Nem vou esquecer também que essa foi a primeira vez que eu vi meu pai chorar, enquanto escutava o papo do vovô.

        Até na gente, que não era da família nem nada, estava dando uma vontade de chorar. Era só ouvir o jeito emocionado do Vítor contando essas coisas acontecidas há alguns anos numa noite fria, lá longe do Brasil, no outro lado do mar, numa conversa com um velho que não existia mais.

        -- Nesse dia eu entendi que vovô ia sempre existir dentro de mim – continuava ele, como se estivesse lendo meus pensamentos.

        -- Depois de muito papo, vovô disse que cada vez nós tínhamos que fazer força para melhorar, para deixar um mundo melhor para nossos filhos, como papai fazia no trabalho de jornalista, e como mamãe fazia dando as aulas dela. Disse que estava muito orgulhoso dos meus pais e que o exílio estava sendo uma espécie de preço que a gente estava pagando par que o futuro fosse melhor, que havia muita gente pagando esse preço e outros preços mais duros ainda, mas que ia valer a pena... Agora, quando a gente estava falando da bisavó da Isabel, fiquei com saudade do meu avô, com pena de pensar que ele morreu antes da festa da nossa volta. Mas eu vi também como, em algumas coisas, nosso tempo já está sendo melhor do que o dele. E fiquei pensando nisso: como vai ser o mundo dos nossos netos? E dos nossos bisnetos? Acho que a gente podia pesquisar isso também. Era isso o que eu queria dizer.

        Disse e sentou.

MACHADO, Ana Maria. Bisa Bia, Bisa Bel. 4. ed. Rio de Janeiro: Salamandra, 2000. Adaptação.

                     Fonte: Língua Portuguesa – Coleção Mais Cores – 5° ano – 1ª ed. Curitiba 2012 – Ed. Positivo p. 31-5.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, quais as informações abaixo.

a)   Sobrenome da autora do texto: Machado.

b)   Nome da personagem narradora: Isabel.

c)   Local onde ocorre a história: Escola.

d)   Dois outros personagens dessa história: Vítor e Sônia.

e)   Local do exílio da família de Vítor: Roma.

02 – Leia a opinião de Isabel sobre Vítor.

        “[...] (que menino mais esquisito... será que ele nunca ouviu falar que homem não chora)?”

a)   Você concorda com a opinião de Isabel? Justifique sua resposta.

Resposta pessoal do aluno.

b)   Por que esse trecho do texto aparece entre parênteses?

Porque tratasse de um pensamento da personagem.

03 – No decorrer do texto, Isabel muda de opinião a respeito do seu colega de turma.

        “Na mesma hora descobri que o Vítor era o menino mais corajoso que eu já tinha conhecido.” Que motivo levou Isabel a modificar sua opinião?

      Porque ele chorou na frente da turma e, isto é um ato corajoso.

04 – Vítor comenta com seus colegas que, quando pequeno, ele e sua família estiveram no exílio.

a)   Procure no dicionário o significado da palavra em destaque.

Degredo, expatriação, desterro, expulsão de sua pátria.

b)   Discuta com seus colegas e professor sobre o significado da palavra exílio.

Resposta pessoal do aluno.

c)   Você tem conhecimento de alguém que tenha se exilado por algum motivo? Comente essa questão com seus colegas.

Resposta pessoal do aluno.

05 – Vitor tem opinião formada a respeito do tempo em que ele vive.

        “[...] fiquei com saudade do meu avô, com pena de pensar que ele morreu antes da festa da nossa volta. Mas eu vi também como, em algumas coisas, nosso tempo já está sendo melhor do que o dele.”. Converse com seus colegas sobre as questões a seguir.

a)   Você concorda com a opinião de Vítor sobre o tempo em que você está vivendo ser melhor que o de seus avós e bisavós? Em que sentido? Justifique sua resposta.

Resposta pessoal do aluno.

b)   O que precisa ser modificado para que o nosso país fique ainda melhor?

Resposta pessoal do aluno.

c)   O que você pode fazer para que o Brasil se torne um país melhor no presente e no futuro?

Resposta pessoal do aluno.

06 – Dona Sônia começou a aula contando como era o tempo em que vivia a bisavó de Isabel. Que fatos ela relata a respeito dessa época no que se refere aos trabalhos e aos direitos humanos?

      Naquele tempo havia escravos que tinham donos e trabalhavam sem receber e também não tinham direito a nada.

 

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