Crônica: Professores de Inglês
Cecília Meireles Hoje qualquer pessoa pode aprender
inglês com a maior facilidade: há institutos e cursos especializados, livros
que dispensam professor, aulas pelo rádio e pela televisão, métodos tão modernos
que nem me atrevo a descrever, com medo de me sentir inatual. Mas houve um
tempo em que não era assim: os professores de inglês eram difíceis de
encontrar, os alunos também não pareciam muito numerosos, a literatura francesa
dominava com uma encantadora prepotência, e parece que todo brasileiro educado
devia saber, em matéria de idiomas, apenas português e francês.
Mas, por ter descoberto Keats e Shelley,
nem sei bem como eu andava à procura de quem me ensinasse inglês, fosse por que
método fosse, contanto que eu pudesse chegar à poesia inglesa com a maior
rapidez possível.
Comecei a frequentar um instituto onde
havia muitos cursos de arte e literatura. Parecia-me que aquele era o caminho.
E dispunha-me a uma dedicação total aos meus exercícios. Mas a boa professora,
embora sem ser inglesa, mas com cursos no estrangeiro, grande prática em aulas
particulares e outras especificações, iniciou suas aulas com um pequeno
discurso sobre a absoluta necessidade de se conjugar perfeitamente os verbos
"to be" e "to have", antes de se conhecer sequer uma
palavra do vocabulário.
Ora, nem todos os estudantes haviam
descoberto Keats ou Shelley, e frequentavam as aulas por simples obrigação.
Ninguém estava pensando em versos ingleses: nem mesmo a professora. E foi um
tal de recitar indicativos, condicionais e subjuntivos, presentes, futuros e
passados, ora perfeitos, ora imperfeitos, ora mais que perfeitos, afirmativa,
negativa e interrogativamente, que aqueles solos e coros me conduziam a uma inevitável
sonolência.
Mas havia salas próximas em que se
estudavam piano e violino. De modo que eu podia descansar na música, sempre que
os verbos chegavam àquele ponto de monotonia em que só me restava ou
enlouquecer ou dormir.
A minha segunda professora de inglês
era inglesa mesmo. Também acreditava na eficácia dos verbos "to be" e
"to have". Acrescentava-lhes ainda o "to get", ao qual se
referia com um sorriso tão carinhoso que até dava vontade de se começar por aí.
Mas essa professora tinha um método encantador: oferecia-me uma xícara de chá,
para acompanhar as aulas. Sua sala era absolutamente igual às que se veem nos
livros ilustrados para o ensino do inglês. Exceto a lareira, tudo estava lá. E
como eu já sabia um pouco de verbos, passamos àquelas frases em que o chapéu
ora é nosso, ora é da nossa prima e o gato ora está embaixo da mesa, ora em
cima da cadeira. Mas era tão difícil chegar a Keats e Shelley!
A terceira professora gostava de
histórias de fantasmas, de sinos que batem à meia-noite, e em cima da sua mesa
havia uma bola de cristal, por onde ela adivinhava o futuro. Mas no meio das
suas histórias levantavam-se às vezes o "to be" e o "to
have" e ela me pedia para recitar todos os seus modos e tempos
acompanhando os meus esforços com um sorriso que talvez não fosse completamente
macabro, mas era bastante assustador.
Feitas essas primeiras experiências,
pareceu-me melhor ir diretamente aos autores, e, de vez em quando,
aperfeiçoar-me por meio de quantos livros de "inglês sem mestre"
fossem aparecendo.
Encerrando o ciclo das professoras,
começou o dos professores. Um era persa e dava-me a traduzir sentenças
filosóficas, sem se ocupar dos modos e tempos do "to be" nem do
"to have". 0 outro vinha da Austrália: contava histórias de
feitiçaria (esse era para o inglês falado), mas no meio das histórias ficava
com tanto medo do que estava contando que era preciso tranquilizá-lo e mudar de
assunto.
Por isso, no dia em que visitei a casa
de Keats, em Roma, não pude deixar de pensar com ironia e tristeza: como são
longos, às vezes, os caminhos da vida! E quanto tempo se pode levar para se
chegar a um poeta!
MEIRELES, Cecília.
Inéditos. Rio de Janeiro: Bloch, 1967, p. 151.
Fonte: Português – Língua e Cultura. Carlos Alberto Faraco. Volume 1. 2. Ed. – Curitiba: Base Editorial, 2010. P. 14-5.
Entendendo a crônica:
01 – O que fez a autora
querer estudar inglês?
Segundo parágrafo
(chegar à poesia inglesa).
02 – A autora começa seu
texto contrastando o presente ("hoje") e o passado ("um tempo em
que não era assim"), Que diferença ela nota entre estes dois momentos
quanto ao ensino de inglês?
Mas, por ter descoberto Keats e Shelley,
nem sei bem como eu andava à procura de quem me ensinasse inglês, fosse por que
método fosse, contanto que eu pudesse chegar à poesia inglesa com a maior
rapidez possível.
03 – A autora passou por
diferentes professoras e professores sem nenhum resultado prático. Mas nos
apresenta cada um deles com muito humor. Que elementos ela vai aproveitando em
cada caso para nos fazer sorrir?
1ª professora – 3°
parágrafo. Mas a boa professora, embora sem ser inglesa, mas com cursos no
estrangeiro, grande prática em aulas particulares e outras especificações.
2ª professora – 6° parágrafo. Sua sala
era absolutamente igual às que se veem nos livros ilustrados para o ensino do
inglês.
3ª professora – 7° parágrafo. A terceira
professora gostava de histórias de fantasmas, de sinos que batem à meia-noite,
e em cima da sua mesa havia uma bola de cristal, por onde ela adivinhava o
futuro.
1° professor – 9° parágrafo. Um era persa
e dava-me a traduzir sentenças filosóficas, sem se ocupar dos modos e tempos do
"to be" nem do "to have".
2° professor – 9° parágrafo. 0 outro vinha
da Austrália: contava histórias de feitiçaria (esse era para o inglês falado),
mas no meio das histórias ficava com tanto medo do que estava contando que era
preciso tranquilizá-lo e mudar de assunto.
04 – A autora arremata sua
crónica com uma breve reflexão motivada por toda a experiência que nos relatou.
E diz: "não pude deixar de pensar com ironia e tristeza". 0 que você
acha que há de irónico e triste em toda esta "história que a vida
conta"?
Resposta pessoal do aluno.
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