terça-feira, 22 de janeiro de 2019

POEMA: SONETO DO AMOR TOTAL - VINÍCIUS DE MORAES - COM GABARITO

POEMA: Soneto do Amor Total

                                                 Vinicius de Moraes

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

                                     Composição: Vinícius de Moraes

Entendendo o poema:



01 – O título do poema é “Soneto do amor total”. O poema é mesmo um soneto?
      Sim. Porque é um poema que segue a estrutura de um soneto: forma fixa, composto por catorze versos (tradicionalmente dois quartetos e dois tercetos).

02 – Relacione a última estrofe ao título do poema.
      O amor que o eu lírico sente é um amor total, muito intenso, e que será vivido até seu último instante, e que ainda assim morrer será de tanto amor.

03 – Amor é um sentimento que une os seres. Dependendo da circunstância de tal envolvimento, percebemos que há várias formas de amor: materno, à pátria, à natureza, entre outras. Na primeira estrofe, o amor aparece “como amigo e como amante”. O que é para você, amor total? Explique.

      Resposta pessoal do aluno.

04 – O poema lírico deve ser rico em musicalidade. Que recurso sonoro se destaca na terceira estrofe deste soneto?
      A aliteração.

05 – A extensão regular dos versos, a métrica, é um fator que confere ritmo à poesia. Quantas sílabas possui cada verso do soneto de Vinícius de Morais?
      É um soneto decassílabo, ou seja, cada verso possui dez sílabas.

06 – Qual é o esquema de rimas dessa composição poética?
      ABAB / ABBA / CDC / DCD.

07 – De quem é a voz do poema? De um homem ou de uma mulher? Comprove sua resposta com um verso.
      De um homem. “Amo-te como amigo e como amante”.

08 – Observe a repetição da expressão “amo-te” em todo o poema. Que efeito se produz com tal repetição?
      Intensifica-se a declaração de amor que o eu lírico faz a sua amada.

09 – O eu lírico manifesta o seu “amor total” pelo ser amado. De que maneira ele explica esse “amor total”?
      Mostrando que a ama em toda e qualquer circunstância: como amigo, como amante, em qualquer realidade, na ausência (“presente na saudade”), eternamente e sempre. Afirma, inclusive, que haverá de morrer de tanto amar

ENTREVISTA:LÍNGUA ENROLADA - REVISTA VEJA E PASQUALE - MARIO SABINO


Entrevista: Língua enrolada
     
   O professor de português mais conhecido do país fala sobre os maus-tratos cotidianos infligidos ao nosso idioma.
                                                                                  Mario Sabino.

        "O sujeito que usa um termo em inglês no lugar do equivalente em português é um idiota"


        A agenda do paulista Pasquale Cipro Neto, de 42 anos, anda carregadíssima. Ele ministra cursos, mantém programas no rádio e na televisão, presta consultoria a jornais e está finalizando um livro. Em meio a tantas atividades, ainda encontrou tempo para estrelar um comercial de uma rede de lanchonetes. Poder-se-ia até pensar que se trata de um mago da autoajuda ou de um administrador com técnicas mirabolantes de reengenharia. Pasquale, no entanto, é professor de português um idioma que, de tão maltratado no dia-a-dia dos brasileiros, precisa ser divulgado e explicado para os milhões que o têm como língua materna. Num intervalo de seus afazeres, ele deu a seguinte entrevista a VEJA.

        Veja – Por que o português é tão mal falado e tão mal escrito no Brasil?

        Pasquale – Há duas causas visíveis. Com o depauperamento geral da educação, o ensino da língua portuguesa acabou confiado a professores despreparados para a tarefa. Os brasileiros também leem pouco, o que resulta numa tremenda limitação de vocabulário. Existe, ainda, um motivo invisível para o estado trágico em que se encontra o português no Brasil: a má intenção. Uma grande parcela da população é mantida na ignorância, com o propósito de distanciá-la da sintaxe dominante. E é na sintaxe dominante que são redigidos os contratos e as leis, um exemplo cabal de que língua é poder. Sem ter acesso a ela, o povo é facilmente manobrado.

        Veja – Como o senhor vê o uso de tantas palavras inglesas no cotidiano dos brasileiros?

        Pasquale – Essa invasão é a face mais irritante de um país colonizado culturalmente como o nosso. Outro dia, presenciei uma cena surrealista no banheiro de um centro de compras, vulgo shopping center. Ao lavar as mãos, um sujeito quebrou a saboneteira porque traduziu "push", "empurrar" em inglês, por "puxar". Não há motivo para uma saboneteira no Brasil ter inscrições em outra língua. Sempre me pergunto por que as pizzarias que entregam por encomenda têm de ser "delivery". Sem falar no "disk", que é uma bobagem de origem indecifrável. O sujeito que usa um termo em inglês no lugar do equivalente em português é, na minha opinião, um idiota. Evidentemente, não há mal nenhum em utilizar palavras estrangeiras que não têm correlato na nossa língua. Tenho muita simpatia, por 53 exemplo, pela palavra "dumping", que significa vender abaixo do preço de custo. É sintética e forte não existe em português uma palavra para substituí-la adequadamente.

        Veja – Em que lugar do Brasil se fala o melhor português?

        Pasquale – Certa vez fui ao Maranhão porque me disseram que lá se falava um português menos contaminado. Pura lenda. Acho que, no cômputo geral, o carioca é o que se expressa melhor sob a ótica da norma culta. Ele não come o "s" quando usa o plural, utiliza os pronomes com mais propriedade, não erra tanto nas concordâncias e tem uma linguagem mais criativa.

        Veja – E onde se fala o pior?

        Pasquale – A São Paulo que fala "dois pastel" e "acabou as ficha" é um horror. Não acredito que o fato de ser uma cidade com grande número de imigrantes seja uma explicação suficiente para esse português esquisito dos paulistanos. Na verdade, é inexplicável.

       Veja – O que o senhor acha da sintaxe do presidente Fernando Henrique Cardoso?

      Pasquale – O presidente segue aquilo que se chama norma urbana culta. É claro que, sob a luz da gramática normativa, há problemas em seus discursos, em especial naqueles feitos de improviso. Mas dá para entender as dificuldades de Fernando Henrique: se falar difícil, podem chamá-lo de pedante. Se falar muito fácil, haverá quem diga que se trata de um demagogo. De qualquer forma, ele tropeça muito menos no português do que o Fernando anterior.

        Veja – O ex-presidente Fernando Collor errava muito?

        Pasquale – E como! O curioso é que muitas pessoas que votaram nele justificaram sua escolha dizendo que o Lula era analfabeto. Ora, o Fernandinho detonava a língua. Ele costumava mandar bilhetinhos para seus assessores com erros de concordância. Certa vez escreveu "Causa-me espanto as repercussões", com o verbo no singular e o sujeito no plural. Fernandinho também dizia barbaridades do tipo "a polícia interviu" e tal coisa "não se adéqua". Ninguém falava nada. Em compensação, o mundo caiu em cima do ex-ministro Rogério Magri quando ele soltou o "imexível". Sabe por quê? Porque língua no Brasil é um incrível elemento de discriminação social. Os mesmos que apedrejam o Lula porque ele fala "penso de que" bancam os surdos ao ouvir um empresário cometer uma bobagem idêntica. Não há diferença entre a linguagem média do empresário brasileiro e a de um sindicalista. Estamos todos nivelados por baixo.

        Veja – De onde vem o famigerado "a nível de"?

      Pasquale – O "a nível de" é uma daquelas bizarrices que surgem da cabeça do cidadão que, na falta de conteúdo, tenta sofisticar seu discurso lascando no meio umas expressões de efeito. No caso específico do "a nível de", virou praga mundial. O pior é que em 99% das vezes não faz o menor sentido. Já ouvi gente dizendo que "o jogador sofreu uma contusão a nível de joelho", o que é ridículo. Assim como essa, existem outras expressões idiotas. Hoje, por exemplo, ninguém faz nada "para", mas "no sentido de". Usar a língua direito não é inventar rococós, é ser claro, direto.

        Veja – Por que os brasileiros se confundem tanto na hora de usar crase?

        Pasquale – O caso da crase espelha bem a desgraça do ensino de português no Brasil. Crase é uma coisa maravilhosa. É um fenômeno da língua portuguesa que pode ser explicado de uma forma muito simples: antes de mais nada, é preciso dizer para o aluno que a palavra "crase" vem do grego e significa "fusão", "mistura". Depois, o professor deve mostrar que uma crase normalmente é formada pela fusão da preposição "a" exigida pela palavra anterior com o artigo feminino "a" da palavra posterior. O aluno precisa entender ainda que, quando coloca o maldito acento chamado "grave", e não "acento crase", está indicando a ocorrência do fenômeno. É necessário mastigar todo o processo, o que poucos colegas fazem.

        Veja – O que o senhor acha do Dicionário Aurélio, o mais popular do Brasil?

        Pasquale – Um bom dicionário tem de ter critérios bem definidos, não pode oscilar entre o rigor absoluto com a língua e a condescendência. Desse ponto de vista, o Aurélio é inconsistente. Do verbo "conscientizar", para citar um exemplo, ele só registra a forma transitiva direta. No Aurélio, as pessoas "conscientizam o problema" e não "se conscientizam do problema", que é como todo mundo fala. Já "parabenizar", que não é português, transformou-se em um verbete. Há também erros de grafia, o que é imperdoável. No verbete "trólebus", a palavra está sem acento. Além disso, ele não tinha direito de escrever "fôrma", com o acento diferencial no "o". Esse acento diferencial de timbre caiu na reforma ortográfica de 1971. Como o Aurélio era contra a eliminação do diferencial, registrou a palavra do jeito dele.

        Veja – Como o senhor avalia o português falado na televisão?

        Pasquale – Não assisto a novelas e, por isso, não posso avaliar o que se passa nelas. Quanto aos apresentadores de telejornais, os que vêm do meio impresso parecem dominar melhor o português. No esporte, porém, é uma tragédia. Os locutores vivem inventando umas expressões bobas, como "correr atrás do prejuízo", usada para o time que precisa virar uma partida. Quem é o maluco que "corre atrás do prejuízo"? As pessoas correm atrás é do lucro. Outra 54 cretinice é o "handicap", "desvantagem" em inglês, que virou seu antônimo nas transmissões esportivas – a equipe que joga em casa no Brasil passou a ter um "handicap".

        Veja – Qual foi o pior erro que o senhor já cometeu?

    Pasquale – Morro de vergonha de ter esquecido em certa ocasião, enquanto estava corrigindo uma prova do vestibular do ITA, a forma irregular do pretérito perfeito do verbo "prazer": "aprouve". Cometi um deslize também na gravação de um dos comerciais que fiz recentemente. Em determinado momento, cansado de gravar e regravar, soltei: "Portanto, você deve dizer para mim comer". O pessoal caiu na risada. Antes que eu me esqueça: o correto é "para eu comer".

        Veja – É mais confortável vender hambúrgueres do que hamburgers?

      Pasquale – Quando aceitei fazer os comerciais, impus a condição de não mencionar o produto. Não vendi hambúrgueres nem hamburgers. Divulguei a língua portuguesa.

     CIPRO NETO, Pasquale. Língua enrolada. Veja, Abril, São Paulo, ed. 1512, ano 30, n. 36, p. 9-122, 10 set. 1997. Entrevista concedida a Mario Sabino.

Entendendo a entrevista:
01 – Você deve ter percebido que o texto que leu é uma entrevista. Uma entrevista publicada em jornais e revistas, em geral, é organizada a partir de um formato fixo: o par pergunta – resposta, mesmo que a entrevista realizada oralmente não tenha sido tão ordenada assim. Quem é o entrevistado? Quem é o entrevistador?
      O entrevistado é Pasquale Cipro Neto e o entrevistador é Mario Sabino, da revista Veja.

02 – O objetivo de uma entrevista é, em tese, obter informações sobre um tema, um fato em especial, ou mesmo sobre a pessoa entrevistada. Qual foi o objetivo dessa entrevista?
      Obter informações sobre um tema: a língua portuguesa no Brasil.

03 – A maioria das entrevistas inclui uma pequena biografia da figura entrevistada. Esse mecanismo de apresentação justifica a entrevista. Por que se considera que o entrevistado tem algo a dizer sobre o tema, objetivo da entrevista?
      Porque é um professor de português que adquiriu notoriedade ao aparecer em programas e comerciais de TV. Em tese, é um especialista no assunto.

04 – Na apresentação, também é possível encontrar o ponto de vista do entrevistador sobre o entrevistado. Pasquale é descrito de forma positiva ou negativa?
      É descrito de forma positiva: comenta-se que é um profissional muitíssimo requisitado e que exerce várias atividades relacionadas à profissão de professor de língua portuguesa.

05 – Observe que a primeira pergunta do entrevistado já parte de um pressuposto, ou seja, de uma ideia preconcebida sobre língua e usuários da língua. Que ideia é essa?
      A de que o português é “mal falado e mal escrito” no Brasil.

06 – O entrevistado endossa essa ideia ou a rejeita? Explique.
      Endossa. Ele responde à questão, explicando as causas desse “problema”: o depauperamento geral da educação que acaba confiando o ensino de língua para professores despreparados, e o fato de os brasileiros lerem muito pouco.

07 – Observe que a terceira e a quarta perguntas também partem de pressupostos sobre a língua. Quais são?
      A de que existem lugares que falam “melhor” ou “pior” a língua portuguesa. Isso significa também que é possível supor que as pessoas de determinado estado ou região falam “igual” – não se consideram, portanto, diferenças de escolaridade (que existem em todos os estados brasileiros). Pode-se supor também que a língua portuguesa é uma só e deve ser falada da mesma forma em qualquer situação.

08 – Explique quais são as opiniões do entrevistado sobre os seguintes assuntos:
·        Uso de palavras estrangeiras no cotidiano: Considerado uma “invasão”, típica de países colonizados culturalmente. Aceita, caso não exista outra palavra em português para substituir o estrangeirismo adequadamente.

·        Uso da crase: Espelha a desgraça do ensino de português no Brasil.

·        Dicionário Aurélio: É inconsistente.

·        Português falado na TV: Os apresentadores de telejornais dominam a língua, mas os locutores esportivos incorrem em erros “trágicos”.

09 – O entrevistado cita um “erro” que cometeu quando corrigia provas de vestibular: o esquecimento do pretérito perfeito do verbo prazer, aprouve. Você já leu ou ouviu essa forma verbal? Ela é comum ou rara?
      Resposta pessoal do aluno. A forma verbal “aprouve” não é usual.

CONTO: ESPERANÇA(FRAGMENTO)-GISELDA LAPORTA NICOLELIS - COM GABARITO

Conto: Esperança (fragmento)
                            Giselda Laporta Nicolelis

        -- Criança? – Marcelo deu um salto e saiu correndo pra atender o telefone.
        -- É o Marcelo?
        -- Sou sim. Como é seu nome? Você quer o Buscapé?
        -- Espere um pouco. Eu me chamo Wanderlei mas quem vai falar com você é o Claudinei, o meu irmão.
        -- Oi, Marcelo.
        -- Oi, Claudinei. Quantos anos você tem?
        -- Treze.
        -- Ah, que bom! Você quer o Buscapé?
        -- Quero – disse o menino. – Eu preciso muito de um cachorro. Quando a minha mãe leu a notícia pra mim no jornal eu pensei: “Agora eu resolvo tudo”.
        -- Resolve o quê? Por que você não leu sozinho?
        -- Sabe, eu sou cego. Preciso de um cão guia. Mas sou pobre, não posso comprar um cachorro de raça. Será que o Buscapé consegue fazer isso?
        -- É muito difícil? – quis saber o Marcelo.
        -- Não é fácil, não. O cão precisa parar antes de atravessar a rua, antes de um buraco, qualquer coisa perigosa. Andar sempre na minha frente para me avisar. Com ele eu podia sair sozinho, ser livre.
        -- E se eu treinasse o Buscapé pra você? – ofereceu o Marcelo, num impulso. – Sabe, ele só obedece a mim, quando obedece. Nós tínhamos que nos encontrar pra ele ir acostumando com você.
        -- Puxa, ia ser bom! – animou-se o Claudinei. – Por que você não vem até a minha casa? Pra você é mais fácil.
        -- Dê seu endereço e telefone – pediu o menino.
        -- Telefone eu não tenho. Estou falando do orelhão da esquina. Tome nota do endereço.
        -- Clau, Claudinei, amanhã sem falta eu vou aí na sua casa.
        [...]
        Tocaram a campainha da casa e veio atender um menino mais ou menos do tamanho do Marcelo, moreno de cabelos crespos.
        -- Por favor, o Claudinei está?
        -- Sou eu.
        -- Eu sou o Marcelo.
        -- Oi, Marcelo – o menino sorriu –, você trouxe o Buscapé?
        -- Trouxe sim e a dona Fátima, minha professora, veio junto.
        -- Como vai, Claudinei? – perguntou a professora.
        -- Muito bem, e a senhora? Vamos entrar?
        Na sala, o Buscapé se enfiou embaixo da cadeira do Marcelo.
        -- Se você não tivesse contado eu nem ia perceber que você não enxergava – disse o Marcelo.
        -- Ah, por aqui eu ando muito bem. Mas meu sonho é sair por aí, em liberdade, atravessar avenidas, levar uma vida normal, entende? Mamãe é medrosa, com o Buscapé aposto que ela deixa eu ir.
        -- Você vai à escola? – quis saber dona Fátima.
        -- Vou, claro, só que os meus livros são todos em braile. Eu estou na quinta série e vou ser advogado.
        -- Braile? – estranhou o Marcelo. – Que é isso?
        -- É uma escrita especial para ser lida com os dedos – explicou a professora. – Você encontra facilmente os livros, Claudinei?
        -- Que nada, às vezes, é difícil, não existem. O meu irmão então copia os livros em braile pra mim. Ele está na mesma classe.
        -- Na mesma classe?
        -- Ele é mais novo dois anos, eu estou um pouco atrasado. Nós conseguimos uma licença especial para ficar na mesma classe para ele me ajudar nas provas. Eu faço as provas em braile e ele passa para a linguagem comum.
        -- Puxa, ele tem de ser honesto pra burro, hein? – falou o Marcelo. – É difícil aprender braile?
        -- Um pouco. Mas foi o único jeito de eu poder frequentar a escola.
        -- Muito bem pensado – aplaudiu a professora. – Tenho certeza que você e o Buscapé serão grandes amigos. Afinal vocês precisam um do outro.
        -- Tomara. Vamos treinar ele, Marcelo?
        -- Mãos à obra. A senhora espera, dona Fátima?
        -- Mamãe saiu mas já volta – avisou o Claudinei.
        -- Não se preocupem comigo. Vão treinar e boa sorte.
        [...]
        Mas tarde na hora da saída, foi aquele rebuliço.
        -- Segura o Buscapé – gritou o Marcelo para o Claudinei.
        -- Tô segurando – falou o menino, usando todas as suas forças para conter o cachorro que esperneava.
        -- Depressa, Marcelo – pediu o Claudinei, abrindo só um pouco o portão para a professora e o menino passarem.
        Nessa altura, o Buscapé deu um arranco e livrou-se do Vanderlei. Mas fecharam o portão bem no focinho dele. Mesmo assim ficou latindo e uivando, como um condenado, até o carro sumir de vista.

   NICOLELIS, Giselda Laporta. Um dono para Buscapé.
São Paulo, Moderna, 1983. p. 21-7.
Entendendo o conto:
01 – Pelo texto dá para perceber algumas funções de um cão guia. Quais são elas?
      Ele precisa parar antes de atravessar a rua, antes de um buraco, ficar atento a coisas perigosas.

02 – O que Marcelo propôs ao Claudinei?
      Treinar o cão Buscapé para guia-lo.

03 – Que tipo de cão normalmente é utilizado nessas tarefas?
      Cão de raça.

04 – Como é Claudinei fisicamente?
      Moreno de cabelos crespos.

05 – Qual é o sonho de Claudinei? O que ele quer ser?
      Seu sonho é andar livremente. Quando crescer quer ser advogado.

06 – Por que foi difícil encontrar uma escola que aceitasse o Claudinei?
      Porque geralmente as escolas convencionais não possuem uma infraestrutura adequada ao ensino de deficientes físicos.

07 – Como reagiu o Buscapé na saída de Marcelo? Por que ele reagiu assim?
      Ficou latindo e uivando, porque não queria se separar de Marcelo.



POEMA: RITUAL - CARLOS QUEIROZ TELLES - COM QUESTÕES GABARITADAS

Poema: Ritual 

        Carlos Queiroz Telles

Este corpo que agora me veste
ainda é casca
e casulo
de um outro bicho
que cresce.

Esta capa que me acompanha
desde os tempos
de criança
desce inútil aos meus pés.

Sou a ponte
que me liga.



Sou o gesto
que me une.

Sol e lua,
Noite e dia.

Sou o fui
e o serei.

Este tempo
que me guarda
para um outro
amanhecer
é lembrança e
é promessa,
recordação e
esperança,
morte e vida
enoveladas
na meada
das mudanças.

Carlos Queiroz Telles.  Sementes de sol. São Paulo: Moderna, 1992. p. 36-7.

Entendendo o poema:
01 – Leia estas afirmações:
l. Quanto às ideias que apresenta, esse texto pode ser dividido em duas partes.
II. A 1ª parte reúne as estrofes 1 e 2 e trata das transformações físicas do eu lírico.
III. A 2ª parte é formada apenas pela última estrofe, que trata da identidade do eu lírico em um momento de mudanças.
IV. Na 1ª parte, o eu lírico compara-se a um animal em transformação. Com base nessas afirmações, pode-se concluir que
A) apenas a III está correta.
B) III e IV estão corretas.
C) II e III estão corretas.
D) I, II e IV estão corretas.

02 – Na 2ª estrofe, o eu lírico faz referência a uma capa, que “desce inútil” a seus pés, como se ele estivesse se despindo de uma “roupa” que o acompanhara por longo tempo. De que tipo de roupa ele estaria se desfazendo?
A) Da “roupa” (ou do papel) de criança.
B) Dos sentimentos contraditórios.
C) Das mudanças.
D) Das recordações.

03 – Ao comparar-se a um animal em transformação, na 2ª parte do texto, o eu lírico tenta definir a si mesmo, fazendo uso de linguagem figurada. Nos versos “Sou o fui / e o serei”, os verbos destacados são substantivados. Que substantivos podem substituir esses verbos sem que haja mudança de sentido?
A) Passado e futuro.
B) Recordação e esperança.
C) Mudanças e lembrança.
D) Tempo e promessa.

04 – A que ritual se refere o texto?
a) A transformação da lagarta em outro animal.
b) O nascimento de uma criança
c) A adolescência, passagem da infância para a idade adulta.
d) A cerimônia de passagem da vida para a morte.
e) A passagem da infância para a adolescência.

05 – O poema é escrito na primeira pessoa: “Este corpo que me veste...  Esta capa que me acompanha... desce inútil dos meus pés... Sou a ponte... Sou o gesto...” Quem é o EU do poema?
a) Um ou uma adolescente
b) Lagarta.
c) Um adulto.
d) Uma criança.
e) Um ou uma pessoa idosa.

06 – O poema fala de um tempo que é ao mesmo tempo sol e lua, noite e dia, morte e vida.  Por que esse tempo de que fala o poema é um tempo de opostos, de contrários?
a) Porque o tempo urge, tudo passa.
b) Porque as lembranças o tempo não apaga.
c) Porque é um tempo de mudanças.
d) Porque o tempo é surpreendente com as pessoas.
e) Porque é um tempo de sentimentos confusos.









TEXTO: RITUAIS ANTROPOFÁGICOS - JORGE CALDEIRA - COM QUESTÕES GABARITADAS

Texto: Rituais antropofágicos
                  
    Jorge Caldeira

        A antropofagia foi o ritual indígena que mais atraiu a atenção dos europeus. Provavelmente surgido na época de guerras, esse ritual estava muito longe da selvageria. Era antes uma homenagem à coragem do adversário batido em combate. Nos guerreiros que caíam prisioneiros era posto um colar de algodão – em casos especiais suas mãos eram atadas ao colar. Antes de entrar na aldeia, recebiam tratamento especial: tinham o cabelo cortado e ganhavam vistosos cocares. Na entrada, eram saudados por todos com gritos.
        A vida do prisioneiro não era difícil. Ofereciam-lhe uma mulher, que lhe garantia alimentação e com quem dividia a rede. Embora proibido de deixar a aldeia, podia andar por onde quisesse e conversar com todos. Muitas vezes, nascia um filho de seu relacionamento com a mulher que lhe fora destinada. A esta, na hora do sacrifício, cabiam várias providências, como preparar as vasilhas e as bebidas do evento. Enquanto isso, os homens tratavam de espalhar a notícia, convidando membros de outras tribos.
        A cerimônia podia durar vários dias. No primeiro, o prisioneiro recebia uma corda de algodão especial e era conduzido ao terreiro, onde lhe pintavam todo o corpo. No segundo e no terceiro dia realizavam-se danças em torno da grande figura. No quarto, ele era levado logo cedo para um banho, e só então começava o sacrifício propriamente dito. Sua coragem era testada durante todo o tempo, e esperava-se que demonstrasse altivez para merecer morte tão importante.
        No quinto dia consumava-se o sacrifício. Pela manhã a mulher se despedia e ia chorar em sua oca. Toda a preparação ritual, as danças e os cantos chegavam ao fim. Armado de borduna, um guerreiro valente o abatia; se caía de costas, era sinal de que o matador iria morrer; de bruços, que a tribo teria grande futuro. Então seus restos eram levados para o lado de uma fogueira. Algumas partes do corpo eram comidas cruas; outras, mais nobres, eram moqueadas ou assadas.

                        CALDEIRA, Jorge. Viagem pela História do Brasil.
Cia das Letras: São Paulo, p. 17.
Entendendo o texto:

01 – Qual é a finalidade desse texto?
      Informar o leitor sobre o ritual indígena da antropofagia.

02 – Qual é a informação mais importante de cada parágrafo?  Escreva-a no seu caderno.
      1° parágrafo: A antropofagia, ritual indígena que atraiu a atenção dos europeus, era uma homenagem à coragem do prisioneiro.
      2° parágrafo: O prisioneiro era bem tratado durante os dias que antecedem sua morte: recebia alimentação e a ele era destinada uma mulher.
      3° parágrafo: O cerimônia podia durar vários dias e sua coragem era testada o tempo todo.
      4° parágrafo: Depois do sacrifício, algumas partes de seu corpo eram comidas pelos adversários.

03 – Considere que esse texto faz parte de um livro que tem, como finalidade, contar a História do Brasil. A descrição detalhada do ritual antropofágico indígena constitui uma pausa no decorrer do relato histórico, organizado em uma narração sistemática e cronológica dos acontecimentos históricos. Que justificativa se dá para essas informações?
      O fato de este ser o ritual indígena que mais atraiu a atenção dos europeus da época.

04 – Releia este comentário: “Esse ritual estava muito longe da selvageria”.
a)   O dicionário traz alguns significados para a palavra “selvagem”, que origina “selvageria”. Considerando o contexto linguístico em que está inserida, responda: qual das acepções é a adequada?
1.   Das selvas, ou próprio delas; selvático, silvático, silvestre.
2.   Habitante das selvas; silvícola, selvícola.
3.   Silvestre.
4.   Inculto, sáfaro, agreste.
5.   Desabitado, deserto, ermo.
6.   Bravo, bravio, feroz.
7.   Que ainda não foi domado, amansado, domesticado, ou que é difícil de o ser.
8.   Sem civilização, primitivo, bárbaro.

b)   O termo possui conotação positiva ou negativa?
Negativa.

c)   Com esse comentário, o autor estaria dando uma resposta a quem considera o ritual uma selvageria. De quem poderia ser essa tese?
Da cultura europeia, religiosa cristã, que não vê com bons olhos a ideia de comer carne humana.

d)   Pode-se afirmar, portanto, que o comentário pressupõe um leitor “ideal”? Explique.
Sim. Explicar que o ritual não era uma “selvageria”, significa pressupor leitores que assim pensem ou leitores que conheçam a tese dos europeus da época.

05 – Releia este trecho do texto: “Sua coragem era testada o tempo todo, e esperava-se que demonstrasse altivez para merecer morte tão importante”. O autor descreve como eram os “testes”? Por que não o faz?
      Não. Provavelmente porque se supõe que o leitor poderia considerar esse detalhes “atos de selvageria”.

06 – Além do pressupor um leitor ideal, o comentário de que “esse ritual estava muito longe da selvageria” também pode ser lido como uma tese, ou seja, uma proposição que se expõe para ser defendida. Como o autor a defende?
      O autor defende tal tese com dois procedimentos: primeiro, descrevendo apenas os aspectos do ritual que a cultura religiosa europeia cristã considera positivos: o prisioneiro era bem tratado, recebia tratamento especial, podia andar e conversar com quem quisesse, tinha mulher e era alimentado. Segundo, omitindo detalhes das “provas” que testavam a coragem do prisioneiro e da execução propriamente dita, detalhes esses que poderiam ser considerados pelo leitor, atos de “selvageria”.

07 – Observe que a descrição dos fatos sempre passa pela interpretação subjetiva do historiador. Considere, por exemplo, o fato de o prisioneiro “ganhar” uma mulher para “dividir a rede” com ele, e a possibilidade inclusa de se gerar um filho. O fato foi interpretado pelo historiador de forma positiva, como um “presente”, uma cortesia do inimigo. Há outra interpretação para esse aspecto do ritual? Comente.
      Sim. Considerando que as nações indígenas admiravam a força, a coragem e a valentia do prisioneiro a ser morto, a finalidade de promover o relacionamento com alguém da aldeia poderia ser justamente a geração de um filho com as mesmas características que tanto admiravam. Portanto, não haveria nenhuma relação com “cortesia”.

08 – O texto “Rituais antropofágicos” informa que a coragem do prisioneiro “era testada durante todo o tempo, e esperava-se que demonstrasse altivez para merecer morte tão importante”. Pode-se deduzir, a partir desse trecho, alguns valores atribuídos à cultura indígena. Quais?
      A valentia e a coragem eram os valores cultuados. A morte em um ritual antropofágico era um prêmio para o guerreiro corajoso.