Crônica: O Pinheiro
Walcyr Carrasco
HÁ MUITOS ANOS TIVE
um Natal especialmente feliz. Eu e um grupo de amigos nos reunimos para fazer
uma ceia em minha chácara. Cada um ficou encarregado de um detalhe. Uma semana
antes dei pela falta:
—- E a árvore?
O bando de gulosos,
de tão entusiasmado em discutir cardápio, achar receitas, comprar bebida, nem
se preocupara com um detalhe tão prosaico e ao mesmo tempo tão natalino. Houve
quem dissesse que árvore não precisava ter.
Insisti:
— Natal sem árvore
não dá.
Sou meio romântico,
apegado a certas deliciosas, tradições. Quando eu era criança, meus pais tinham
uma árvore de penas verdes (acreditem), precursora das de plástico. As bolas
coloridas, capazes de quebrar ao menor toque, ficavam guardadas o ano todo,
envoltas em papel de seda. Em cima colocava-se um ponteiro brilhante, e em
torno dos galhos, festões prateados cobertos com discutíveis pedaços de algodão
branco. Uma vizinha fazia um presépio famoso no bairro. As figurinhas de
cerâmica, pintadas. Um espelho fazia as vezes de rio. E grama, grama de
verdade, colocada sobre uma tênue camada de terra, deixando o presépio cheio de
vida. Eu, por mim, continuaria acreditando até em Papai Noel. Seria ótimo bater
o pé, anunciar o presente desejado e ficar fazendo caras e bocas até ganhar.
Entretanto, a verdade me foi revelada lá pelos sete anos, quando insisti em
ganhar um cavalo de corrida. Tanto chorei quando o cavalo não veio que minha
mãe não teve alternativa a não ser revelar a triste realidade. O Papai Noel que
cabia no orçamento familiar não abarcava cavalos. Mas da árvore eu nunca quis
abrir mão.
Um amigo saiu em
busca de um pinheiro verdejante. Demorou horas.
Voltou com uma
árvore raquítica e torta.
— Mas que pinheiro
pavoroso! — reclamei.
— Bati em vários
lugares, ninguém mais tinha. Achei este.
Pelo menos o homem
deu desconto.
Era uma tristeza
enfeitar aquele pinheiro tortinho. Compramos umas bolas, inventamos uns laços
de fitas, botamos umas luzinhas. Minha mãe veio, e na véspera, quando todos
estavam cozinhando, ela dedicou-se a conferir quantas cervejas cada um bebia.
— Se você continuar
bebendo vai deixar o pernil queimar! — anunciava.
O pudim de uma amiga
desandou. Inventei uma salada estranhíssima, que todo mundo experimentou por
educação, de nariz torcido. Eu mesmo comi para disfarçar. Mas o pernil e a
farofa estavam excelentes. Bebemos, comemos e trocamos presentes, e rimos
muito!. Para minha surpresa, as pessoas não ficaram o tempo todo correndo de um
lado para o outro. Sim, porque na maioria das vezes a ceia de Natal é parecida
com uma estação de metrô, com uma porção de gente entrando e saindo. Há quem
chegue atrasado porque precisou dar uma "passadinha" na casa de não
sei quem. E quem saia voando, sem comer direito, rir ou desfrutar, para ir a
outra casa, onde alguém pode ficar "chateado".
No dia seguinte um
grupo ainda se encontrou para desfrutar as sobras.
Dias depois o
pinheiro continuava lá, com as fitas já meio caídas. Pensei
em jogar no lixo.
Hesitei. Afinal estava vivo, não estava?
Achei que plantar
uma árvore era um bom sinal para o Ano-Novo. Decidi. Peguei a enxada. Abri uma
cova em frente da casa e botei o pinheiro, cortando o fundo da lata. As raízes
quebraram, achei que não fosse para a frente. Para minha surpresa, continuou
crescendo bem devagarinho, ano após ano. Certa vez, uma visita comentou:
— Meu avô, dizia
que, quando o pinheiro ultrapassa o telhado, o dono da casa morre.
Sou supersticioso.
Quase peguei o machado para cortar. Resisti, suspirando:
— Deixo nas mãos do
destino!
O pinheiro já está
bem mais alto que o telhado e eu continuo aqui. Minha mãe se foi. Muitos
daqueles amigos tomaram outros rumos, e o nosso Natal em comum é uma vaga
lembrança. Estranhamente o pinheiro cresceu de um jeito torto, com o tronco
fazendo uma curva pendendo para um lado. Mesmo assim, encontrou um equilíbrio —
como talvez todos nós, em situações de dificuldade. Ficou enorme e majestoso.
Ao olhá-lo, sinto sempre um calor no peito. Não só pela lembrança, mas também
pelo sentimento de continuidade. Em datas especiais, como Natal e Ano-Novo, é
essa a grande sensação. A alegria de enfeitar uma árvore. Os amigos que se
foram e os que estão chegando. Os laços. A troca. A felicidade de estar ao lado
de quem a gente gosta. E a vida, que se renova.
Entendendo o texto
01. Qual foi o detalhe esquecido pelos amigos na
preparação do Natal na chácara?
a) Comprar bebidas.
b) Escolher
presentes.
c) Decorar
a árvore.
d) Planejar o cardápio.
02. Como o autor
descreve a árvore de Natal de sua infância?
a) De plástico.
b) De penas
verdes.
c) Feita de algodão.
d) Com bolas de cerâmica.
03. Por que o amigo
teve dificuldades em encontrar um pinheiro para a chácara?
a) Todos estavam muito caros.
b) Estava fora de temporada.
c) Já estavam esgotados.
d) Ninguém mais tinha em estoque.
04. Como o autor
descreveu o pinheiro que o amigo trouxe?
a) Grande e frondoso.
b) Raquítico e torto.
c) Majestoso e retilíneo.
d) Pequeno e robusto.
05. O que a mãe do
autor fez na véspera do Natal enquanto todos estavam cozinhando?
a) Decorou a árvore.
b) Preparou presentes.
c) Conferiu a quantidade de cervejas de
cada um.
d) Fez uma salada estranha.
06. O que aconteceu
com o pinheiro depois do Natal?
a) Foi vendido.
b) Ficou na chácara.
c) Foi jogado no lixo.
d) Foi plantado.
07. Por que o autor
hesitou em jogar o pinheiro no lixo?
a) Porque estava morto.
b) Porque estava torto.
c) Porque estava vivo.
d) Porque estava sem enfeites.
08. Qual a
superstição mencionada por uma visita em relação ao pinheiro?
a) Quando ultrapassa o telhado, traz
boa sorte.
b) Quando ultrapassa o telhado, o dono
da casa morre.
c) Quando ultrapassa o telhado, é sinal
de prosperidade.
d) Quando ultrapassa o telhado, é
preciso cortá-lo.
09. O que o autor
decidiu fazer quando o pinheiro ultrapassou o telhado?
a) Cortar o pinheiro.
b) Ignorar a superstição.
c) Consultar um adivinho.
d)
Fazer uma cerimônia de proteção.
10. Qual é a
sensação que o autor tem ao olhar para o pinheiro nos dias especiais?
a) Tristeza pela perda dos amigos.
b) Calor no peito pela lembrança e
continuidade.
c) Arrependimento por não ter cortado o
pinheiro.
d) Alegria apenas pela decoração.