Crônica: Fobia
Luís Fernando Veríssimo
Não sei como se chamaria o medo de
não ter o que ler. Existem as conhecidas claustrofobia (medo de lugares
fechados), agorafobia (medo de espaços abertos), acrofobia (medo de altura) e
as menos conhecidas ailurofobia (medo de gatos), iatrofobia (medo de médicos) e
até a treiskaidekafobia (medo do número 13), mas o pânico de estar, por
exemplo, num quarto de hotel, com insônia, sem nada para ler não sei que nome
tem. É uma das minhas neuroses. O vício que lhe dá origem é a gutembergomania,
uma dependência patológica na palavra impressa. Na falta dela, qualquer
palavra serve. Já saí de cama de hotel no meio da noite e entrei no banheiro
para ver se as torneiras tinham “Frio” e “Quente” escritos por extenso, para
saciar minha sede de letras. Já ajeitei o travesseiro, ajustei a luz e abri uma
lista telefônica, tentando me convencer que, pelo menos no número de
personagens, seria um razoável substituto para um romance russo. Já revirei
cobertores e lençóis, à procura de uma etiqueta, qualquer coisa.
Alguns hotéis brasileiros imitam
os americanos e deixam uma Bíblia no quarto, e ela tem sido a minha salvação,
embora não no modo pretendido. Nada como um best-seller numa hora
dessas. A Bíblia tem tudo para acompanhar uma insônia: enredo fantástico,
grandes personagens, romance, sexo em todas as suas formas, ação, paixão,
violência, – e uma mensagem positiva. Recomendo “Gênesis” pelo ímpeto
narrativo, “O cântico dos cânticos” pela poesia e “Isaías” e “João” pela força
dramática, mesmo que seja difícil dormir depois do Apocalipse.
Mas, e quando não tem nem a Bíblia? Uma
vez liguei para a recepcionista do hotel de madrugada e pedi uma Amiga.
– Desculpe, cavalheiro, mas o hotel não
fornece companhia feminina…
– Você não entendeu! Eu quero uma
revista Amiga, Capricho, Caras, qualquer coisa.
– Infelizmente, não tenho nenhuma
revista.
– Não é possível! O que você faz
durante a noite?
– Tricô.
Uma esperança!
– Com manual?
– Não.
Danação.
– Você não tem nada para ler? Na bolsa,
sei lá.
– Bem… Tem uma carta da mamãe.
– Manda!
Luís Fernando Veríssimo.
Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
Fonte: Língua
Portuguesa. Entre palavras – Edição renovada. Mauro Ferreira. 5ª série. Ed. FTD
– São Paulo – 1ª edição – 2002. P. 12-5.
Entendendo a crônica:
01 – Em um texto narrativo,
quem conta a história é o narrador,
que pode ser de dois tipos:
·
Aquele que apenas conta a história, sem
participar dos acontecimentos.
·
Aquele que é também personagem, isto é, conta
o que aconteceu com ele mesmo.
No texto lido, quem conta os
fatos e apenas narrador ou é narrador-personagem?
O narrador conta
fatos que aconteceram com ele mesmo; é, portanto, um narrador-personagem.
02 – O narrador fala de
situações que ele viveu e que foram motivadas por uma fobia que ele tem.
a)
Qual é essa fobia?
A fobia de não ter à disposição alguma coisa para ler.
b)
O narrador cita algumas maneiras que ele já
usou para, de forma desesperada, resolver o problema. O que ele fez, em cada
caso?
1 – Foi ao banheiro tentar ler as palavras “quente” e “frio” nas
torneiras;
2 – Leu a lista telefônica.
3 – Procurou a etiqueta de lençóis e cobertores.
4 – Leu a Bíblia.
5 – Ligou para a telefonista do hotel e pediu uma revista.
03 – Releia: “Já ajeitei o travesseiro, ajustei a luz e
abri uma lista telefônica, tentando me convencer que, pelo menos no número de
personagens, seria um razoável substituto para um romance russo.”
a)
Em uma história, o que são as personagens?
Personagens são as pessoas que participam dos fatos que acontecem na
história.
b)
Os nomes que aparecem em uma lista telefônica
são realmente personagens? Por quê?
Não. São apenas nomes de pessoas. Para se tornarem personagens,
deveria haver uma história da qual essas pessoas participariam.
c)
O narrador dá a entender que, nos romances
russos, aparecem muitas ou poucas personagens? Justifique sua resposta.
Muitas. Ele diz que a lista telefônica substitui um romance russo no
número de personagens. Como uma lista telefônica tem muitos nomes, conclui-se
que os romances russos são histórias com muitas personagens.
04 – Releia: “[...] deixam uma Bíblia no quarto, e ela
tem sido a minha salvação, embora não no modo pretendido. Nada como
um best-seller numa hora dessas.”
a)
Costumeiramente, que tipo de salvação a
Bíblia oferece aos leitores?
A Bíblia oferece a salvação espiritual; da alma.
b)
A Bíblia “salva” o narrador de que situação?
Ela “salva” o narrador da situação desesperadora de não ter o que
ler quando está num quarto de hotel.
c)
Calcula-se que já tenham sido impressos mais
de três bilhões de cópias da Bíblia. Ela é o maior best-seller de todos os
tempos. O que significa dizer que um livro é um best-seller?
Significa que ele é um livro muito vendido; que tem grande aceitação
do público leitor.
05 – Releia: “Recomendo [...] ‘Isaías’ e ‘João’ pela
força dramática, mesmo que seja difícil dormir depois do Apocalipse”. O
Apocalipse é uma das diversas partes da Bíblia. Baseado no trecho acima, você
acha que, no Apocalipse, são narradas coisas agradáveis ou coisas terríveis e
ameaçadoras?
Se depois de ler
o Apocalipse é difícil dormir, conclui-se que ele narra coisas inquietantes,
amedrontadoras, que fazem o leitor perder o sono.
06 – O narrador diz que é
maníaco por leitura. E você, de que tipo de leitura mais gosta? Procure se
lembrar de um livro ou de uma história que você tenha lido e que tenha achado
muito interessante. Converse com seus colegas sobre essa sua experiência com a
leitura.
Resposta pessoal
do aluno.
07 – Na escola e também fora
dela, você tem contato com diferentes tipos de textos escritos ou falados. Cada
texto tem uma finalidade: ensinar, divertir, orientar, discutir um assunto,
etc.
a)
Na sua opinião, para que serve o texto que
estamos estudando?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Trata de um texto humorístico,
que tem, portanto, a finalidade de divertir o leitor.
b)
No final do texto, aparece, em letras
menores, o título do livro do qual esse texto foi extraído. Esse título
confirma a resposta que você deu no item a?
Justifique.
Sim. O livro chama-se Comédia para ler na escola. Comédia é o nome dado a uma situação
engraçada, que faz rir.