sábado, 25 de maio de 2019

FÁBULA: O RENASCER DOS BELOS SENTIMENTOS, UMA VEZ SATISFEITAS AS NECESSIDADES BÁSICAS - MILLÔR FERNANDES - COM GABARITO

Fábula: O renascer dos belos sentimentos, uma vez satisfeitas as necessidades básicas
         
                                Millôr Fernandes

    Esta pungente história se passou no meio de uma selva, nas areias de um deserto, num velho navio abandonado e sem rumo, em qualquer lugar em que há dificuldades de alimentação e o homem começa a sentir a antropo ou qualquer outra fagia a lhe espicaçar o estômago.

 Pois, sozinho e sem se alimentar há vários dias, o homem vinha caminhando no vasto areal (ou selva, ou, etc.), seguido apenas de seu fiel cachorro. Lá para as tantas lhe deu, porém, o espicaçar acima enunciado, a fome bateu-lhe às portas da barriga: “pan, pan, pan, ó de casa!” Já batera antes, mas o homem tinha fingido que não ouvia. Naquele momento, porém, não resistiu mais e atendeu à fome. Matou o cachorrinho, única coisa comível num raio de quilômetros. Matou-o, assou-o num fogo improvisado, e comeu-o todo, todo, com uma fome canina (perdão). Quando tinha acabado de comer o animal, sentou-se, plenamente satisfeito. E foi então que olhou em torno e começou a chorar: “Ai, ai, ai” – soluçou – “pobre do Luluzinho! Como ele adoraria roer esses ossos!”
        Moral da história: Quando eu tiver uma casa bem confortável, escreverei um trabalho de sociologia.
                              Fábulas fabulosas. Rio de Janeiro: Nórdica, 1991. p. 68.

·        “Para se exercer as virtudes do espírito é necessário um mínimo de conforto material”. (Santo Agostinho)

Entendendo a fábula:
01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·  Antropofagia: consumo de carne humana por seres humanos, geralmente com caráter ritual; canibalismo.

·        Espicaçar: picar com instrumento agudo, furar; torturar.

02 – Observe o 1° parágrafo do texto.
a)   No início do parágrafo, há uma palavra que remete à história que vai ser contada. Qual é essa palavra?
O demonstrativo esta.

b)   Há, no parágrafo, uma expressão que resume os lugares citados pelo narrador. Que expressão é essa?
“Qualquer lugar em que há dificuldades de alimentação”.

03 – No final do 1° parágrafo e no início do 2°, o narrador chama sua personagem de o homem. Considerando o contexto, o artigo definido o confere a esse substantivo, nas duas situações, o mesmo sentido? Justifique sua resposta.
      Não. No 1° parágrafo, o homem, é tomado como espécie, com o significado de todos os homens; no 2°, como um ser humano determinado, alguém que está sozinho, tem fome, tem um cão, etc.

04 – Observe o 2° parágrafo da fábula.
a)   Esse parágrafo é introduzido pela conjunção coordenativa explicativa pois. Qual é o sentido de pois no contexto?
Diante disso, então, pois então, ora.

b)   No final da 1ª frase deste parágrafo, há uma palavra que indica que o cachorro pertence ao homem. Que palavra é essa?
Seu.

05 – O pronome lhe foi empregado três vezes no texto. Veja em que situações:
        “Começa sentir a antropo ou qualquer outra fagia a lhe espicaçar o estômago”.
        “Lá para as tantas lhe deu, porém, o espicaçar acima enunciado”.
        “A fome bateu-lhe às portas da barriga”.

        Observe que o pronome lhe não apresenta o mesmo valor nas três situações. Em quais delas esse pronome pessoal tem valor de possessivo? Reescreva as frases de forma a explicitar esse valor.
      Na 1ª e na 3ª situações. / a espicaçar o seu estômago / a fome bateu às portas de sua barriga.

06 – Observe as formas verbais presentes nestas frases do texto:
        “A fome bateu-lhe às portas da barriga”
        “Já batera antes”.
a)   A que diferença de tempo verbal indica para o leitor?
Que são duas ações no passado, a segunda delas situada em um passado anterior ao passado da primeira.

b)   Na frase “Já batera antes, mas o homem tinha fingido que não ouvia”, que palavra estabelece uma relação de oposição entre as duas ações?
A conjunção mas.

07 – O texto apresenta os fatos em sequência e de acordo com uma relação de causa e efeito. Além disso, situa-se em relação ao tempo e ao espaço.
a)   Por que o homem matou o cachorro?
Porque ele estava com fome.

b)   A expressão fome canina apresenta uma ambiguidade proposital. Qual é ela?
De acordo com o contexto, pode-se entende-la como fome que cachorro tem, ou como fome de comer até cachorro.

c)   Identifique no texto alguns indicadores temporais, isto é, palavras e expressões que marcam a passagem do tempo.
Lá para às tantas, antes, naquele momento, quando tinha acabado, e foi então que.

08 – Há no texto palavras que retomam outras, expressões anteriormente. Esse procedimento de retomada tem o objetivo de tornar o texto mais dinâmico, evitando repetições.
a)   Identifique no 2° parágrafo as palavras que são empregadas para retomar a palavra homem e a palavra cachorro.
Homem: lhe; cachorro: cachorrinho, coisa, o, animal, Luluzinho, ele.

b)   Que expressão foi usada para retomar a ideia de fome sugerida no 1° parágrafo por meio da expressão “espicaçar o estômago”?
“O espicaçar acima enunciado”.

09 – Use V para verdadeiro e F para falso, de acordo com as informações do texto lido:
(V) O homem da história passou por vários lugares até matar o cãozinho.
(V) O sol escaldante do vasto areal fez o homem lembrar-se de seu outro cãozinho: Luluzinho.
(F) Depois de saciar a fome o homem se mostra ditoso por ter matado seu cãozinho.
(V) Alguma ciência, como a sociologia ou a antropofagia, ensinou o homem a espicaçar seu cãozinho.

10 – “Esta pungente história se passou no meio de uma selva...”. Substituindo a palavra em destaque sem acarretar prejuízo ao texto, temos:
a)   Antológica.
b)   Lancinante.
c)   Eloquente.
d)   Arguciosa.
e)   Imberbe.

11 – O texto lido é uma fábula. Sobre esse tipo de texto:
I – Pode ser escrito em prosa ou em versos com caráter moralizante.
II – Seus protagonistas geralmente são animais ou plantas com atributos humanos.
III – É escrito especialmente para s crianças.
IV – É uma narrativa inverossímil com fundo didático.
a)   III e IV estão corretas.
b)   I, II e III estão corretas.
c)   I, II e IV estão corretas.
d)   II, III e IV estão corretas.
e)   II e III estão corretas.

12 – Indique a frase que não contém um indicador temporal:
a)   “Já batera antes, mas o homem fingia que não ouvia”.
b)   “Naquele momento, porém, não resistiu mais e atendeu a fome”.
c)   “Quando tinha acabado de comer todo o animal, sentou-se...”.
d)   “Matou o cachorrinho, única coisa comível num raio de quilômetros”.
e)   “Lá para às tantas lhe deu, porém, o espicaçar acima anunciado...”.

POEMA: 3 DE MAIO - OSWALD DE ANDRADE - COM GABARITO

Poema: 3 de maio
          
  Oswald de Andrade

Aprendi com meu filho de dez anos
Que a poesia é a descoberta
Das coisas que eu nunca vi.

 ANDRADE, Oswald de. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.

Entendendo o poema:
01 – No Manifesto da Poesia Pau-Brasil, Oswald de Andrade propunha: “Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres”.

a)   Aponte semelhanças entre o poema “3 de maio” e as ideias defendidas por Oswald no Manifesto da Poesia Pau-Brasil.
A verdadeira poesia é tida como aquela que é capaz de nos levar a ver as coisas como se fosse pela primeira vez.

b)   De acordo com as ideias presentes no poema e no manifesto, em que consiste “ver com olhos livres”?
Ver as coisas como elas realmente são. 

TEXTO: DIETA DO BRASILEIRO É POBRE EM NUTRIENTES E RICA EM CALORIAS - ANTÔNIO GOIS & DENISE MENCHEN - COM GABARITO


Texto: Dieta do brasileiro é pobre em nutrientes e rica em calorias
                     
ANTÔNIO GOIS & DENISE MENCHEN

    Pesquisa do IBGE mostra que o prato mais comum ainda é o arroz com feijão e carne, mas faltam frutas e verduras

        Refrigerante é o quinto produto mais consumido; ingestão de vitaminas, cálcio e fibras é insuficiente.

        O brasileiro consome menos frutas, verduras, legumes, leite e alimentos com fibras do que o recomendado.
        Ao mesmo tempo, ingere excesso de biscoitos, refrigerantes e outros produtos industrializados com muitas calorias e poucos nutrientes.
        O resultado dessa dieta é que brasileiros a partir de dez anos apresentam padrões altos demais de ingestão de sódio (oriundo do sal), açúcar e gordura saturada – substâncias associadas ao desenvolvimento de hipertensão, diabetes e até câncer.
        O consumo de vitaminas A, D e E, cálcio e fibras está abaixo do recomendado.
        A constatação é do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que ouviu 34 mil pessoas entre 2008 e 2009 para o primeiro estudo de abrangência nacional sobre consumo individual de alimentos.
      Foram considerados os produtos ingeridos dentro e fora de casa.
        "Embora tenha uma alimentação ainda à base de arroz e feijão, que têm teores de nutrientes bons, o brasileiro precisa melhorar o consumo de frutas, legumes e verduras e diminuir o de sódio e de açúcar", diz André Martins, técnico do IBGE e um dos responsáveis pelo estudo.

        FALTA VITAMINA

        De acordo com o endocrinologista Isaac Benchimol, especializado em nutrologia, o baixo consumo de vitaminas e cálcio constatado pela pesquisa pode levar ao desenvolvimento de osteoporose e a problemas nos olhos, na pele e nos cabelos, entre outros.
        Um dos "vilões" apontados por André Martins, do IBGE, é o refrigerante, que já aparece entre os cinco produtos mais consumidos pelos brasileiros, atrás do café, do feijão, do arroz e dos sucos e refrescos. Mesmo ingeridos em quantidades menores, biscoitos, salgadinhos, pizzas e doces também preocupam.
        Outro problema é a escassez de frutas, verduras e legumes –alimentos que, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), deveriam somar ao menos 400 g por dia.
        De acordo com a pesquisa, mais de 90% da população com dez anos ou mais de idade consome menos do que isso. Metade sequer atinge 69 g diários – ou seja, pouco mais de um sexto do ideal.

        CAMPANHA

        Para a coordenadora geral de alimentação e nutrição do Ministério da Saúde, Patrícia Constante Jaime, os dados do estudo confirmam a "urgência" de políticas públicas para a promoção da alimentação saudável no país.
        Segundo ela, o governo está desenvolvendo um plano nacional de combate à obesidade e outro para o combate às doenças crônicas. Ambos devem ser lançados até o fim deste ano.
        O objetivo é não só conscientizar os consumidores para a necessidade de fazer escolhas mais saudáveis mas também adotar medidas que permitam elevar a qualidade dos alimentos disponíveis para consumo.
        Exemplos dessa estratégia são acordos com a indústria para a redução dos teores de sódio dos alimentos processados e o fomento da agricultura familiar.
        Para corrigir o déficit generalizado de nutrientes, porém, a melhor receita é dar preferência a alimentos naturais e montar um prato colorido, como ensina o endocrinologista Isaac Benchimol.

    Antônio Góis e Denise Menchen. Dieta do brasileiro é pobre em nutrientes e rica em calorias. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 jul. 2011. C8. (Saúde).

        FALTA DE TEMPO DEIXA COMIDA DE VERDADE FORA DA MESA
                                                              DANIEL MAGNONI

        A situação nutricional do brasileiro é compatível com as piores expectativas da atualidade, assim como observamos em outros países em desenvolvimento e do Primeiro Mundo.
        O maior tempo dedicado ao trabalho leva a um consumo crescente de alimentos industrializados, prontos e com excesso de sal, açúcar e gordura saturada, além da opção pelo fast food.
        A manipulação dos alimentos na forma natural, principalmente frutas, legumes e verduras, está sendo relegada ao segundo plano do planejamento doméstico.
        Ao mesmo tempo, cada vez mais observamos a popularização do uso de suplementos de minerais, como cálcio, potássio e zinco, ou de vitaminas, na tentativa de suprir uma necessidade artificial, criada pela publicidade.
      É mais fácil tomar uma pílula do que comer três porções de frutas e vegetais todos os dias.
      Grupos específicos, como idosos, podem precisar dessa suplementação, em forma de produtos farmacêuticos ou de alimentos fortificados com fibras solúveis, ômega-3 etc.
      Mas o que as pesquisas mostram é a necessidade de projetos educacionais para a alimentação saudável, que ataquem tanto a desnutrição infantil quanto a obesidade.
        Seria necessário um pacto incluindo a indústria da alimentação e as esferas de governo em prol dessas ações educativas. Por que não um projeto "Obesidade Zero"?

DANIEL MAGNONI. Falta de tempo deixa comida de verdade fora da mesa.
Folha de São Paulo, São Paulo, 29 jul. 2011. C8 (Saúde).
Entendendo o texto:
01 – O texto apresenta informações sobre um assunto que merece ser divulgado ao público em geral devido à polêmica que provoca. Qual é a ideia central apresentada no texto?
      A má alimentação dos brasileiros, que é pobre em nutrientes e rica em calorias.

02 – Você leu um texto e um artigo de opinião, respectivamente. Sobre o assunto discutido, você concorda com o posicionamento dos autores? Comente.
      Resposta pessoal do aluno.

03 – O texto e o artigo de opinião circularam em que veículo de comunicação?
      Em um jornal impresso, Folha de São Paulo.

04 – Identifique o público alvo do texto.
      O público em geral.

05 – Observe que tanto o texto quanto o artigo de opinião foram publicado no mesmo dia e tratam sobre o mesmo assunto.
a)   No entanto, em relação à forma, como eles se posicionam sobre o tema? Qual é a diferença entre eles?
O texto apresenta várias informações sobre o assunto. No artigo, o autor expõe seu ponto de vista sobre o assunto.

b)   Qual deles pressupõe uma pesquisa mais ampla sobre assunto?
O texto.

c)   Em que consiste essa pesquisa?
Consiste no levantamento de dados estatísticos e na transcrição das falas de algumas autoridades sobre o assunto.

06 – No texto é dito que o brasileiro consome muitos alimentos prejudiciais à saúde em vez de ingerir produtos necessários para o bom desenvolvimento do ser humano. Que doenças esse comportamento pode acarretar?
      Hipertensão, diabetes, câncer, osteoporose, problemas nos olhos, na pele, nos cabelos, etc.

07 – Esses dados tem como fonte o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Eles apontam pontos positivos e negativos a respeito dos hábitos alimentares da população. Identifique-os.
      O ponto positivo é que o brasileiro ainda consome em maior número arroz e feijão, que apresentam nutrientes. O ponto negativo é que ainda é necessário melhorar o consumo de frutas, legumes e verduras e diminuir o de sódio e o de açúcar.

08 – O texto ouviu o depoimento da coordenadora geral de alimentação e nutrição do Ministério da Saúde, Patrícia Constante Jaime. Ela aponta uma atitude necessária para resolver esse problema.
a)   Que atitude é essa?
Políticas públicas que visem à promoção da alimentação saudável no país.

b)   O que tem sido feito nesse sentido e com qual objetivo?
De acordo com ela, o governo está desenvolvendo um plano nacional para combater a obesidade e as doenças crônicas. O objetivo é conscientizar as pessoas para consumir alimentos mais saudáveis e adotar medidas que elevem a qualidade dos produtos disponíveis para o consumo da população.

c)   Com que intenção depoimentos como esses são colocados em um texto?
Para dar credibilidade aos assuntos que estão sendo discutidos.

09 – No artigo, ao comentar sobre o assunto, o articulista (denominação dada ao produtor do artigo) aponta algumas situações que colaboram para que os hábitos alimentares das pessoas sejam ruins. O que ele fala sobre isso?
      Daniel Magnoni explica que o fato de as pessoas dedicarem mais tempo ao trabalho acaba por fazer com que sobre pouco tempo para preparar alimentos saudáveis em casa. Além disso, há o consumo maior de suplementos, todos impulsionados pela publicidade, que cria uma necessidade nas pessoas que anteriormente elas não tinham.

10 – No final de sua análise, Daniel Magnoni expõe dois problemas opostos em nossa sociedade e que precisam ser revistos.
a)   Que problemas são esses?
Desnutrição infantil e obesidade.

b)   Segundo Daniel, o que poderia ser feito para resolvê-los?
O articulista mostra que há a necessidade de criar projetos educacionais para uma alimentação saudável e adequada.




sexta-feira, 24 de maio de 2019

POEMA: MORTE E VIDA SEVERINA - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

Poema: Morte e Vida Severina
             João Cabral de Melo Neto

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias. 
[...]

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida). 
[...]
João Cabral de Melo Neto. Poesias completas. cit. p. 203-4.

FALAM  AS DUAS CIGANAS QUE HAVIAM
APARECIDO COM OS VIZINHOS 



  --  Atenção peço, senhores,
para esta breve leitura:
somos ciganas do Egito,
lemos a sorte  futura.
Vou dizer todas as coisas
que desde já posso ver
na vida desse menino
acabado de nascer:
aprenderá a engatinhar
por aí, com aratus,
aprenderá a caminhar
na lama, como goiamuns,
e a correr o ensinarão
o anfíbios caranguejos,
pelo que será anfíbio
como a gente daqui mesmo.
Cedo aprenderá a caçar:
primeiro, com as galinhas,
que é catando pelo chão
tudo o que cheira a comida
depois, aprenderá com
outras espécies de bichos:
com os porcos nos monturos,
com os cachorros no lixo.
Vejo-o, uns anos mais tarde,
na ilha do Maruim,
vestido negro de lama,
voltar de pescar siris
e vejo-o, ainda maior,
pelo imenso lamarão
fazendo dos dedos iscas
para pescar camarão.

  
--  Atenção peço, senhores,
também para minha leitura:
também venho dos Egitos,
vou completar a figura.
Outras coisas que estou vendo
 é necessário que eu diga:
não ficará a pescar
de jereré toda a vida.
Minha amiga se esqueceu
de dizer todas as linhas
não pensem que a vida dele
há de ser sempre daninha.
Enxergo daqui a planura
que é a vida do homem de ofício,
bem mais sadia que os mangues,
tenha embora precipícios.
Não o vejo dentro dos mangues,
vejo-o dentro de uma fábrica:
se está negro não é lama,
é graxa de sua máquina,
coisa mais limpa que a lama
do pescador de maré 
que vemos aqui vestido
de lama da cara ao pé.
E mais: para que não pensem
que em sua vida tudo é triste,
vejo coisa que o trabalho
talvez até lhe conquiste:
que é mudar-se destes mangues
daqui do Capibaribe
para um mocambo melhor
nos mangues do Beberibe.


O Carpina fala com o retirante que esteve
de fora, sem tomar parte em nada.
João Cabral de Melo Neto

(...) -- Severino retirante,
deixe agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, Severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida Severina.

                                          Poesias completas. cit. p. 236-41.
Entendendo o poema:
01 – De acordo com o texto de o significado das palavras abaixo:  
·        Aratu: pequeno caranguejo de cabeça triangular.
·    Goiamum: tipo de crustáceo que vive em lugares lamacentos, em tocas que ele mesmo cava.
·        Monturo: grande quantidade de lixo.
·   Jereré: aparelho feito de madeira e rede usado na pesca de siris, camarões e peixes pequenos.
·        Mucambo: barraco.
·        Carpina: carpinteiro.

02 – Severino é um substantivo próprio, é o nome do retirante, protagonista da história. No entanto, a palavra severino é empregada como adjetivo nas expressões “morte severina” e “vida severina”. Interprete: qual é o sentido da palavra severina nessas situações?
      Em “morte severina”, tem o sentido de uma morte anunciada pelas péssimas condições de vida; e em “vida severina”, de uma vida sofrida, de luta pela sobrevivência.

03 – De origem medieval, os autos são textos teatrais que representam um nascimento, quase sempre o de Cristo, encenado por ocasião das festas do Natal.
No fragmento lido de Morte e vida severina:
a)   A presença de duas personagens confere ambientação mística à cena. Quais são essas personagens?
As duas ciganas.

b)   Elas correspondem a que personagens da cena do nascimento de Cristo?
Correspondem aos três reis magos.

c)   O que há em comum entre o bebê nascido e Cristo?
A origem humilde, o conteúdo de esperança que representa, o destino incerto.

04 – Ambas as ciganas fazem previsões quanto ao futuro bebê.
a)   Em que se diferenciam as previsões?
A primeira cigana prevê que o bebê será um homem ligado ao rio; a segunda, que será um operário.

b)   Em que se assemelham?
Em ambas as profissões, ele será um homem socialmente marginalizado, mais um severino.

05 – Na conversa entre Severino e mestre carpina, o retirante pergunta ao mestre “se não vale mais saltar / fora da ponte e da vida”. De acordo com o texto:
a)   Quem acaba respondendo a Severino?
A vida.

b)   Qual é a resposta dada?
A vida, mesmo quando severina, vale a pena.

06 – Nos últimos versos, mestre capina diz:
        “Mesmo quando é uma explosão
         como a de há pouco, franzina;
         mesmo quando é a explosão
         de uma vida severina.”

        O texto, no conjunto, faz uma forte crítica social. Contudo, pela ótica que ele apresenta, há esperança?
      Sim, pois cada vida que brota, mesmo tendo um destino “severino”, renova as esperanças de uma vida melhor.

07 – A explosão de mais “uma vida severina” parece dar continuidade a essa corrente de severinos. Eles não estão somente no sertão seco do Nordeste; estão em todo o país, severinamente lutando contra a “morte em vida”.
a)   Afinal, quem são os severinos deste país?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: São os trabalhadores em geral, que, no campo ou na cidade, lutam pela vida, apesar da miséria, da ineficácia dos governantes, da corrupção, etc.

b)   Como se justifica o título da obra: Morte e vida severina?
Morte e vida se equivalem, pois a vida é uma luta constante contra a morte, uma luta para manter-se a vida, mesmo que “severina”, isto é, sofrida.




CRÔNICA: NA ESQUINA E NA PRAÇA - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

Crônica: Na esquina e na praça
                      
                 Marina Colasanti

        Dobramos a esquina e vi o homem caído. Não. Dobramos a esquina e ouvi os gritos do homem caído. Não. Dobramos a esquina e ouvi os gritos. Aí vi que eram de um homem caído.
        -- Mãe, vou até a praça com a Rita brincar nos balanços.
        -- Tá bem. Não demora. Rita, traz leite na volta.

        Vi o homem caído e pensei que estivesse ferido e falei, para o carro que o homem está ferido. Mas logo pensei que estivesse bêbado, mania minha de dramatizar. Aí vi o sangue.
        Começou a chover, achei que as meninas tinham se protegido debaixo de alguma marquise. Não me preocupei por elas estarem demorando.
        O homem estava caído ao lado da carrocinha de cachorro-quente, na calçada da praia. Saltamos do carro correndo. Pensei que tinha se machucado carregando engradados de refrigerantes, tinha se cortado nos cacos. Tentei inventar uma história para justificar de forma incolor o homem caído no sangue. Mas o homem tinha a sua história.
        Reclamei com as duas quando as vi chegar. Vinham suadas, de cabelo molhado. Cadê o leite? Perguntei.
        -- Foi assalto. Levaram todo o dinheiro. Estavam de carro.
        O homem pálido, a cabeça encostada num embrulho, quase não se mexia. Cadê a ambulância? Já vem. O sangue na calçada ia virando mingau, os sapatos deixaram uma marca clara revelando o cimento.
        -- Mãe, você não sabe o que aconteceu!
        -- Deram tiro nele de pura malvadeza. Não queriam pagar o cachorro-quente e ainda levaram o dinheiro.
        O homem gemendo. Me leva, gente, me leva que eu estou morrendo. Tá morrendo nada, foi na perna, amigo, perna não mata ninguém. É, mas é na perna que tem o femural, eu fosse a senhora levava ele, a ambulância não vem mesmo, o homem acaba morrendo.
        Acaba morrendo no meu carro. Aí, o que é que eu faço? E vai manchar tudo de sangue. Não, não é por causa do sangue, mas é porque a gente não deve mexer em gente ferida. Não é não, é por causa do medo mesmo, estou com medo de me envolver com o homem, com o sangue do homem, com a morte e a vida do homem. Oh, meu Deus, por que é que eu fui passar por esta esquina e dar de cara com a minha mesquinhez?
        -- Mãe, foi um bando de meninos [...]. Eles rodearam a gente e atiraram areia e pedras na gente, puxaram o cabelo da Rita, aí disseram que minha mãe era piranha e eu disse que não era, que minha mãe é jornalista, e eles não deixavam a gente ir embora nem andar, e disseram que iam arrancar minha carteira e tomar meu dinheiro e ainda me davam uma surra.  
        -- Eu vi da janela quando deram o tiro nele.
        Será que o homem morre mesmo? e se morrer e eu não tiver levado ele, como é que vou viver depois? E seu levar e morrer no caminho, como é que eu vou viver depois? Mas eu juro que a ambulância vem, o homem disse que vinha. Eu preciso que a ambulância venha.
        -- Aí, mãe, chegaram dois moços e vieram salvar a gente. Espantaram os meninos, deram a maior bronca, e trouxeram a gente até aqui embaixo.
        Lá vem a ambulância. Pronto. É pela boca da calça que se levanta a perna de um ferido. Eles sabem mexer sem machucar. O homem não está morrendo, não vai morrer, não tem femural nenhuma. Foi um tiro na perna, e eu estou salva.
        -- Tive tanto medo, mãe.

                     Marina Colasanti. Na esquina e na praça. In: _______ A casa das palavras. São Paulo: Ática. [s.d.] v. 32.
Entendendo a crônica:

01 – O que você achou do texto e das situações apresentadas nele?
      Resposta pessoal do aluno.

02 – O que a leitura desse texto despertou em você? Comente com os colegas e verifiquem se eles também tiveram a mesma sensação ao ler o texto.
      Resposta pessoal do aluno.

03 – Por que o primeiro parágrafo, a narradora relata os fatos na ordem não linear? Que efeito de sentido isso causa na compreensão?
      Isso ocorreu porque ela foi relatando os fatos com base no que ia recordando, o que torna a narrativa não linear. O efeito é a ideia de agitação da vida cotidiana.

04 – Embora a história seja contada de forma desordenada, é possível perceber que duas situações diferentes de violência foram relatadas.
a)   Que situações são essas?
O homem que levou um tiro na perna e as meninas que foram assaltadas.

b)   Identifique em cada parágrafo do texto cada uma das duas histórias apresentadas.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A resposta está indicada no texto.

05 – Releia o seguinte trecho: “Acaba morrendo no meu carro. Aí, o que é que eu faço? E vai manchar tudo de sangue. Não, não é por causa do sangue, mas é porque a gente não deve mexer em gente ferida. Não é não, é por causa do medo mesmo, estou com medo de me envolver com o homem, com o sangue do homem, com a morte e a vida do homem. Oh, meu Deus, por que é que eu fui passar por esta esquina e dar de cara com a minha mesquinhez?”

a)   Por que o narrador se considera mesquinha? Explique.
Porque ela reconhece que estava mais preocupada com a sua própria situação do que com o problema vivenciado pela pessoa que estava precisando de ajuda.

b)   A maneira como a narradora desse trecho trata o problema revela que a violência é vista de que forma?
A atitude dela revela que a violência é vista de maneira banal.