Millôr Fernandes
Esta pungente história se passou no
meio de uma selva, nas areias de um deserto, num velho navio abandonado e sem
rumo, em qualquer lugar em que há dificuldades de alimentação e o homem começa
a sentir a antropo ou qualquer outra fagia a lhe espicaçar o estômago.
Pois, sozinho e sem se alimentar há vários dias, o homem vinha caminhando no vasto areal (ou selva, ou, etc.), seguido apenas de seu fiel cachorro. Lá para as tantas lhe deu, porém, o espicaçar acima enunciado, a fome bateu-lhe às portas da barriga: “pan, pan, pan, ó de casa!” Já batera antes, mas o homem tinha fingido que não ouvia. Naquele momento, porém, não resistiu mais e atendeu à fome. Matou o cachorrinho, única coisa comível num raio de quilômetros. Matou-o, assou-o num fogo improvisado, e comeu-o todo, todo, com uma fome canina (perdão). Quando tinha acabado de comer o animal, sentou-se, plenamente satisfeito. E foi então que olhou em torno e começou a chorar: “Ai, ai, ai” – soluçou – “pobre do Luluzinho! Como ele adoraria roer esses ossos!”
Pois, sozinho e sem se alimentar há vários dias, o homem vinha caminhando no vasto areal (ou selva, ou, etc.), seguido apenas de seu fiel cachorro. Lá para as tantas lhe deu, porém, o espicaçar acima enunciado, a fome bateu-lhe às portas da barriga: “pan, pan, pan, ó de casa!” Já batera antes, mas o homem tinha fingido que não ouvia. Naquele momento, porém, não resistiu mais e atendeu à fome. Matou o cachorrinho, única coisa comível num raio de quilômetros. Matou-o, assou-o num fogo improvisado, e comeu-o todo, todo, com uma fome canina (perdão). Quando tinha acabado de comer o animal, sentou-se, plenamente satisfeito. E foi então que olhou em torno e começou a chorar: “Ai, ai, ai” – soluçou – “pobre do Luluzinho! Como ele adoraria roer esses ossos!”
Moral da história: Quando eu tiver uma
casa bem confortável, escreverei um trabalho de sociologia.
Fábulas
fabulosas. Rio de Janeiro: Nórdica, 1991. p. 68.
·
“Para
se exercer as virtudes do espírito é necessário um mínimo de conforto
material”. (Santo Agostinho)
Entendendo a fábula:
01 – De acordo com o texto, qual o significado das
palavras abaixo:
· Antropofagia: consumo de carne humana por seres humanos, geralmente com
caráter ritual; canibalismo.
·
Espicaçar: picar com instrumento agudo, furar; torturar.
02 – Observe o 1° parágrafo do texto.
a)
No início do parágrafo, há uma palavra que
remete à história que vai ser contada. Qual é essa palavra?
O demonstrativo esta.
b)
Há, no parágrafo, uma expressão que resume os
lugares citados pelo narrador. Que expressão é essa?
“Qualquer lugar em que há dificuldades de alimentação”.
03 – No final do 1°
parágrafo e no início do 2°, o narrador chama sua personagem de o homem. Considerando o
contexto, o artigo definido o confere a esse substantivo, nas duas situações, o
mesmo sentido? Justifique sua resposta.
Não. No 1°
parágrafo, o homem, é tomado como espécie, com o significado de todos os
homens; no 2°, como um ser humano determinado, alguém que está sozinho, tem
fome, tem um cão, etc.
04 – Observe o 2° parágrafo
da fábula.
a)
Esse parágrafo é introduzido pela conjunção
coordenativa explicativa pois.
Qual é o sentido de pois no contexto?
Diante disso, então, pois então, ora.
b)
No final da 1ª frase deste parágrafo, há uma
palavra que indica que o cachorro pertence ao homem. Que palavra é essa?
Seu.
05 – O pronome lhe foi empregado três vezes no
texto. Veja em que situações:
“Começa
sentir a antropo ou qualquer outra fagia a lhe espicaçar o estômago”.
“Lá para as tantas lhe deu,
porém, o espicaçar acima enunciado”.
“A fome bateu-lhe às portas da
barriga”.
Observe que o pronome lhe não apresenta o mesmo valor
nas três situações. Em quais delas esse pronome pessoal tem valor de
possessivo? Reescreva as frases de forma a explicitar esse valor.
Na 1ª e na 3ª situações. / a espicaçar o
seu estômago / a fome bateu às portas de sua barriga.
06 – Observe as formas
verbais presentes nestas frases do texto:
“A
fome bateu-lhe às portas da barriga”
“Já batera antes”.
a)
A que diferença de tempo verbal indica para o
leitor?
Que são duas ações no passado, a segunda delas situada em um passado
anterior ao passado da primeira.
b)
Na frase “Já batera antes, mas o homem tinha
fingido que não ouvia”, que palavra estabelece uma relação de oposição entre as
duas ações?
A conjunção mas.
07 – O texto apresenta os fatos
em sequência e de acordo com uma relação de causa e efeito. Além disso,
situa-se em relação ao tempo e ao espaço.
a)
Por que o homem matou o cachorro?
Porque ele estava com fome.
b)
A expressão fome canina apresenta uma
ambiguidade proposital. Qual é ela?
De acordo com o contexto, pode-se entende-la como fome que cachorro
tem, ou como fome de comer até cachorro.
c)
Identifique no texto alguns indicadores
temporais, isto é, palavras e expressões que marcam a passagem do tempo.
Lá para às tantas, antes, naquele momento, quando tinha acabado, e
foi então que.
08 – Há no texto palavras
que retomam outras, expressões anteriormente. Esse procedimento de retomada tem
o objetivo de tornar o texto mais dinâmico, evitando repetições.
a)
Identifique no 2° parágrafo as palavras que
são empregadas para retomar a palavra homem e a palavra cachorro.
Homem: lhe; cachorro: cachorrinho, coisa, o, animal, Luluzinho, ele.
b)
Que expressão foi usada para retomar a ideia
de fome sugerida no 1° parágrafo por meio da expressão “espicaçar o estômago”?
“O espicaçar acima enunciado”.
09 – Use V para verdadeiro e F para falso, de acordo com as
informações do texto lido:
(V) O homem da história passou por
vários lugares até matar o cãozinho.
(V) O sol escaldante do vasto areal
fez o homem lembrar-se de seu outro cãozinho: Luluzinho.
(F) Depois de saciar a fome o homem
se mostra ditoso por ter matado seu cãozinho.
(V) Alguma ciência, como a sociologia
ou a antropofagia, ensinou o homem a espicaçar seu cãozinho.
10 – “Esta pungente história se passou no
meio de uma selva...”. Substituindo a palavra em destaque sem acarretar
prejuízo ao texto, temos:
a)
Antológica.
b)
Lancinante.
c)
Eloquente.
d)
Arguciosa.
e)
Imberbe.
11 – O texto lido é uma
fábula. Sobre esse tipo de texto:
I – Pode ser escrito em
prosa ou em versos com caráter moralizante.
II – Seus protagonistas
geralmente são animais ou plantas com atributos humanos.
III – É escrito
especialmente para s crianças.
IV – É uma narrativa
inverossímil com fundo didático.
a)
III e IV estão corretas.
b)
I, II e III estão corretas.
c)
I, II e IV estão corretas.
d)
II, III e IV estão corretas.
e)
II e III estão corretas.
12 – Indique a frase que não contém um indicador
temporal:
a)
“Já batera antes, mas o homem fingia que não
ouvia”.
b)
“Naquele momento, porém, não resistiu mais e
atendeu a fome”.
c)
“Quando tinha acabado de comer todo o animal,
sentou-se...”.
d)
“Matou o cachorrinho, única coisa
comível num raio de quilômetros”.
e)
“Lá para às tantas lhe deu, porém, o
espicaçar acima anunciado...”.