sábado, 20 de abril de 2019

CRÔNICA: CORINTHIANS (2) VS PALESTRA (1) - ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO - COM GABARITO

Crônica: Corinthians (2) vs Palestra (1)
                         
Antônio de Alcântara Machado
       

Prrrrii!
      — Aí, Heitor!
A bola foi parar na extrema esquerda. Melle desembestou com ela.
A arquibancada pôs-se em pé. Conteve a respiração. Suspirou:
    — Aaaah!
Miquelina cravava as unhas no braço gordo da Iolanda. Em torno do trapézio verde a ânsia de vinte mil pessoas. De olhos ávidos. De nervos elétricos. De preto. De branco. De azul. De vermelho.
      Delírio futebolístico no Parque Antártica.
        Camisas verdes e calções negros corriam, pulavam, chocavam-se, embaralhavam-se, caíam, contorcionavam-se, esfalfavam-se, brigavam. Por causa da bola de couro amarelo que não parava, que não parava um minuto, um segundo. Não parava.
        — Neco! Neco!
        Parecia um louco. Driblou. Escorregou. Driblou. Correu. Parou. Chutou.
        — Gooool! Gooool!
        Miquelina ficou abobada com o olhar parado. Arquejando. Achando aquilo um desaforo, um absurdo.
        Aleguá-guá-guá! Aleguá-guá-guá! Hurra! Hurra! Corinthians!
        Palhetas subiram no ar. Com os gritos. Entusiasmos rugiam. Pulavam. Dançavam. E as mãos batendo nas bocas:
        — Go-o-o-o-o-o-ol!
        Miquelina fechou os olhos de ódio.
        — Corinthians! Corinthians!
        Tapou os ouvidos.
        — Já me estou deixando ficar com raiva! A exaltação decresceu como um trovão.
        — O Rocco é que está garantindo o Palestra. Aí, Rocco! Quebra eles sem dó!
        A Iolanda achou graça. Deu risada.
        — Você está ficando maluca, Miquelina. Puxa! Que bruta paixão!
        Era mesmo. Gostava do Rocco, pronto. Deu o fora no Biagio (o jovem e esperançoso esportista Biagio Panaiocchi, diligente auxiliar da firma desta praça G. Gasparoni & Filhos e denodado meia-direita do S. C. Corinthians Paulista, campeão do Centenário) só por causa dele.
        — Juiz ladrão, indecente! Larga o apito, gatuno!
        Na Sociedade Beneficente e Recreativa do Bexiga toda a gente sabia de sua história com o Biagio. Só porque ele era frequentador dos bailes dominicais da Sociedade não pôs mais os pés lá. E passou a torcer para O Palestra. E começou a namorar o Rocco.
        — O Palestra não dá pro pulo!
        — Fecha essa latrina, seu burro!
        Miquelina ergueu-se na ponta dos pés. Ergueu os braços. Ergueu a voz:
        — Centra, Matias! Centra, Matias!
        Matias centrou. A assistência silenciou. Imparato emendou. A assistência berrou.
        — Palestra! Palestra! Aleguá-guá! Palestra Aleguá! Aleguá!
        O italianinho sem dentes com um soco furou a palheta Ramenzoni de contentamento. Miquelina nem podia falar. E o menino de ligas saiu de seu lugar, todo ofegante, todo vermelho, todo triunfante, e foi dizer para os primos corinthianos na última fileira da arquibancada:
        — Conheceram, seus canjas?

      O campo ficou vazio.
        — Ó... lh'a gasosa!
        Moças comiam amendoim torrado sentadas nas capotas dos automóveis. A sombra avançava no gramado maltratado. Mulatas de vestidos azuis ganham beliscões. E riam. Torcedores discutiam com gestos.
        — Ó... lh'a gasosa!
        Um aeroplano passeou sobre o campo.
        Miquelina mandou pelo irmão um recado ao Rocco.
        — Diga pra ele quebrar o Biagio que é o perigo do Corinthians.
Filipino mergulhou na multidão.
        Palmas saudaram os jogadores de cabelos molhados.
        Prrrrii!
        — O Rocco disse pra você ficar sossegada.
        Amílcar deu uma cabeçada. A bola foi bater em Tedesco que saiu correndo com ela. E a linha toda avançou.
        — Costura, macacada
        Mas o juiz marcou um impedimento.
        — Vendido! Bandido! Assassino!
        Turumbamba na arquibancada. O refle do sargento subiu a escada.
        — Não pode! Põe pra fora! Não pode!
        Turumbamba na geral. A cavalaria movimentou-se. Miquelina teve medo. O sargento prendeu o palestrino. Miquelina protestou baixinho:
        — Nem torcer a gente pode mais! Nunca vi!
        — Quantos minutos ainda?
        — Oito.
        Biagio alcançou a bola. Aí, Biagio! Foi levando, foi levando. Assim, Biagio! Driblou um. Isso! Fugiu de outro. Isso! Avançava para a vitória. Salame nele, Biagio! Arremeteu. Chute agora! Parou. Disparou. Parou. Aí! Reparou. Hesitou. Biagio Biagio! Calculou. Agora! Preparou-se. Olha o Rocco! É agora. Aí! Olha o Rocco! Caiu.
        — CA-VA-LO!
        Prrrrii!
        — Pênalti!
        Miquelina pôs a mão no coração. Depois fechou os olhos. Depois perguntou:
        — Quem é que vai bater, Iolanda?
        — O Biagio mesmo.
        — Desgraçado.
        O medo fez silêncio.
        Prrrrii!
        Pan!
        — Go-o-o-o-ol! Corinthians!
        — Quantos minutos ainda?
        Pri-pri-pri!
        — Acabou, Nossa Senhora!
        Acabou.
        As árvores da geral derrubaram gente.
        — Abr'a porteira! Rá! Fech'a porteira! Prá! O entusiasmo invadiu o campo e levantou o Biagio nos braços.
        — Solt'o rojão! Fiu! Rebent'a bomba! Pum! CORINTHIANS!
        O ruído dos automóveis festejava a vitória. O campo foi-se esvaziando como um tanque. Miquelina murchou dentro de sua tristeza.
        — Que é — que é? É jacaré? Não é!
        Miquelina nem sentia os empurrões.
        — Que é — que é? É tubarão? Não é!
        Miquelina não sentia nada.
        — Então que é? CORINTHIANS!
        Miquelina não vivia.
        Na Avenida Água Branca os bondes formando cordão esperavam campainhando o zé-pereira.
        — Aqui, Miquelina.
        Os três espremeram-se no banco onde já havia três. E gente no estribo. E gente na coberta. E gente nas plataformas. E gente do lado da entrevia.
        A alegria dos vitoriosos demandou a cidade. Berrando, assobiando e cantando. O mulato com a mão no guindaste é quem puxava a ladainha:
        — O Palestra levou na testa!
        E o pessoal entoava:
        — Ora pro nobis!
        Ao lado de Miquelina o gordo de lenço no pescoço desabafou:
        — Tudo culpa daquela besta do Rocco!
        --- Ouviu, não é Miquelina? Você ouviu?
        — Não liga pra esses trouxas, Miquelina.
        --- Como não liga?
        — O Palestra levou na testa!
        --- Cretinos.
        — Ora pro nobis!
        --- Só a tiro.
         — Diga uma cousa, Iolanda. Você vai hoje na Sociedade?
        — Vou com o meu irmão.
        — Então passa por casa que eu também vou.
        — Não!
        — Que bruta admiração! Por que não?
        — E o Biagio?
        — Não é de sua conta.
        Os pingentes mexiam com as moças de braço dado nas calçadas.

               Antônio de Alcântara Machado. Brás, Bexiga e Barra Funda –
Notícias de São Paulo. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Villa Rica, 1994.

Entendendo a crônica:
01 – Vimos que o título do texto é “Corinthians (2) vs. Palestra (1)”. Com base em sua leitura do texto, explique esse título e diga o que significam os números que aparecem entre parênteses.
      O título remete ao resultado de uma partida de futebol entre o Corinthians e Palestra. Os números entre parênteses representam o placar final do jogo ao qual o título se refere.

02 – A paixão pelo futebol é apenas uma das razões que fazia a personagem Miquelina ser torcedora do Palestra. Que outras razões são sugeridas no texto?
      Miquelina gostava de um dos jogadores que atuava no Corinthians, mas passou a namorar um jogador do time adversário (o Rocco, do Palestra). Ao mudar de namorado, mudou também de time.

03 – As intervenções do narrador do texto são pontuadas por muitos diálogos. Releia-os atentamente. Depois responda no caderno:
a)   É sempre possível saber quem são as personagens que “falam” nesses diálogos?
Não. Em muitos diálogos os locutores não são localizáveis.

b)   Na sua opinião, por que isso acontece?
Resposta pessoal do aluno.

c)   Que efeito de sentido esses diálogos provocam no leitor?
As falas de Miquelina e as de Iolanda são pontuadas por discursos relatados alheios, o que cria no texto uma atmosfera de confusão, de entrecruzamento de vozes, que procura imitar a plateia de uma partida de futebol.

d)   Nesses diálogos, há também inúmeras interjeições e expressões típicas da oralidade. Localize alguns exemplos.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: “pri-pri-pri”; “ora pro nobis”; “gooool”.

e)   Que recursos próprios da língua escrita o autor do texto utiliza para tentar imitar a fala das personagens?
As letras maiúsculas contínuas (“CORINTHIANS” ou “CA-VA-LO”) para imitar o grito; o uso excessivo dos pontos de exclamação em contexto dialogal; a repetição das vogais das sílabas tônicas das palavras, o que imita o alongamento vocálico produzido na fala; o uso do hífen e do apóstrofo na grafia de determinadas palavras.

04 – O que significa a palavra prrrrii que aparece em algumas passagens do texto?
      Trata-se de uma onomatopeia (palavra que representa um ruído) para o som produzido pelo apito.

05 – Leia em voz alta este trecho do texto:
        “Biagio alcançou a bola. Aí, Biagio! Foi levando, foi levando. Assim, Biagio! Driblou um. Isso! Fugiu de outro. Isso! Avançava para a vitória. Salame nele, Biagio! Arremeteu. Chute agora! Parou. Disparou. Parou. Aí! Reparou. Hesitou. Biagio Biagio! Calculou. Agora! Preparou-se. Olha o Rocco! É agora. Aí! Olha o Rocco! Caiu.
        — CA-VA-LO!”
a)   Em sua opinião, os pontos de exclamação são utilizados com que finalidade?
É um recurso da língua escrita que mostra ao leitor a maneira como o texto deve ser lido em voz alta.

b)   Uma palavra que se repete nesse trecho é . Essa palavra possui um único sentido ou ela varia de acordo com a ocorrência? Explique.
O sentido da palavra varia conforme a ocorrência.

c)   A sucessão dos verbos no pretérito perfeito simples é intercalada por palavras, como agora, que traduzem a ideia de presente, de ação que está ocorrendo no momento em que se fala. Por que, na sua opinião, o autor faz essa “mistura” de presente com passado?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Nesse caso, o presente remete ao momento dialógico da enunciação. O passado é relato do narrador.

d)   Por que a palavra cavalo está escrita com tosas as letras maiúsculas e com as sílabas separadas?
Porque essa grafia representa o grito.

06 – Procure no dicionário os significados da palavra pingente, que aparece no última linha do texto. Qual o sentido que essa palavra tem no texto? Explique.
      Pingente, no texto, significa um passageiro que viaja pendurado num transporte coletivo.




TEXTO: ENTENDA O IBÊJI E CONHEÇA OS ALIMENTOS PREFERIDOS DOS ORIXÁS - JANAÍNA FIDALGO - COM GABARITO


Texto: Entenda o Ibêji e conheça os alimentos preferidos dos orixás
                          

                Janaína Fidalgo

        Sincretizado com os santos Cosme e Damião, Ibêji é celebrado neste sábado com o “caruru dos meninos”; veja quais são as predileções alimentares dos orixás do candomblé.
        Dizia Jorge Amado que os Ibêji, orixá duplo do candomblé sincretizado com os santos Cosme e Damião, são amigos da boa mesa da culinária baiana.
        Quando se observa a fartura do "caruru dos meninos", celebrado neste sábado, a gourmandise desse orixá fica evidente. Aos gêmeos protetores da infância oferenda-se caruru e também acarajé, abará, vatapá, xinxim de galinha, farofa, rapadura, cana-de-açúcar...
      "O candomblé é uma religião de antepassados. E, segundo as antigas tradições, quando se cultua os antepassados, oferece-se tudo que é necessário à vida, sobretudo comida e bebida", diz o sociólogo Reginaldo Prandi, professor aposentado da Universidade de São Paulo e autor de "Mitologias dos Orixás". "Cada orixá tem predileção por um alimento."
        No dia de Ibêji, o caruru (prato à base de quiabo, camarão seco e dendê) é oferecido ao orixá e depois a sete crianças, que o recebem em uma grande tigela. Quando terminam, só então os adultos são convidados a compartilhar o alimento.
        "A comida é elo entre a comunidade e os ancentrais", diz o antropólogo Vilson Caetano de Sousa Júnior, professor da Uneb (Universidade do Estado da Bahia) e autor de "Banquete Sagrado", com publicação prevista para o final deste ano.
        "Uma coisa é o cortado de quiabos, outra é a oferenda de caruru que se faz a Ibêji", diz. "Diferentemente da comida do dia-a-dia, a comida ritual, votiva, é preparada de acordo com preceitos que pressupõem da abstinência sexual à exigência de que o corpo esteja limpo."
        Dos terreiros para a rua
        Na Bahia, as promessas feitas a Ibêji, do termo iorubá para gêmeos, são pagas com um grande caruru e com a distribuição de doces e presentes para as crianças. O tamanho do prato é medido em quiabos: caruru de mil, de 5.000 quiabos.
        "Com o tempo, a festa de Ibêji foi além dos terreiros. Atinge até quem não é do candomblé. Assim como a festa de 31 de dezembro, nas praias, era uma festa de terreiro para Iemanjá e hoje é de todos", diz Prandi. Um traço importante das comidas de orixá é o uso, quase onipresente, do dendê --quase porque há orixás que têm o ingrediente como um tabu alimentar, caso de Oxalá.
        "A palmeira de dendê foi aclimatada ao Brasil para suprir a região de um óleo que é essencial nesta culinária sagrada", diz Prandi. "As comidas [de terreiro] nada mais eram que as comidas do dia-a-dia, que acabaram sendo trazidas para o Brasil pelo tráfico de escravos. Com a restauração da religião negra no Brasil, essas receitas se mantiveram vivas. Claro que sofreram adaptações, porque nem todos os ingredientes de lá estavam disponíveis aqui."
        A culinária sagrada, porém, não ficou limitada aos terreiros. "É certo que a culinária baiana saiu dos terreiros. O acarajé é uma comida sagrada que passou a ser vendida nas ruas de Salvador", diz o antropólogo Rodnei William Eugênio, autor do livro "Acaçá, Onde Tudo Começou - Histórias, Vivências e Receitas das Cozinhas de Candomblé". "Muitas mães-de-santo ganharam sua vida e muitas negras compraram sua alforria vendendo quitutes feitos nos terreiros."
        Para o professor da Uneb, os terreiros de candomblé preservaram as técnicas africanas. "No fundo, o sagrado come o que os homens comem", diz. "É extremamente positiva a popularização de tais comidas. Isso mostra o poder que a cultura de matriz africana teve de se disseminar, de se espalhar."
        As iabassês e os tabus
        A preparação das comidas de oferenda, chamadas de ebós, cabe a uma mulher, a Iabassê. "No candomblé, a cozinha é um templo, é um espaço sagrado e cheio de interdições", diz Eugênio. Oxalá, por exemplo, é um orixá cheio de tabus. Tem, por isso, uma cozinha exclusiva, onde não entram dendê nem sal. "Os tabus são formas de criar a sua identidade através de uma exclusão", explica Prandi.

           Folha de São Paulo. In:www1.folha.uol.com.br /folha/comida/ult
10005u448985.shtml, acesso em 12/1/2009.
Entendendo o texto:
01 – Segundo o texto, por que se costuma, durante as festas religiosas do candomblé, oferecer alimentos aos orixás?
      Porque as oferendas de alimentos fazem parte do ritual dessas festas religiosas.

02 – Ritual é uma cerimônia que ocorre sempre da mesma maneira.
a)   Por que a festa de Ibêji, na Bahia, pode ser considerada um ritual?
Porque segue sempre um mesmo “roteiro”: o caruru é oferecido primeiramente a Ibêji e depois a sete crianças. Somente quando as crianças terminam de comer é que os adultos participantes da festa podem comer também.

b)   Como você compreende a expressão “comida ritual”, que aparece no texto?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: é uma comida oferecida às divindades durante determinado ritual.

03 – Além da festa de Ibêji, o texto cita outra festa que surgiu nos terreiros de candomblé.
a)   Que festa é essa?
A festa em homenagem a Iemanjá.

b)   Você sabe algo a respeito dessa festa?
Resposta pessoal do aluno.

04 – O texto está dividido em três partes. Facilmente é possível perceber essas divisões. O que possibilita visualizar essas divisões do texto?
      Os intertítulos seccionam o texto em três partes e facilitam essa visualização.

05 – “Dos terreiros para a rua” e “As iabassês e os tabus” são intertítulos do texto. Pesquise em outros textos extraídos de jornais se aparecem intertítulos. Em sua opinião, para que servem os intertítulos?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Para poder localizar mais facilmente um determinado assunto.

06 – Além do dia 2 de fevereiro, há outra data que comemoram o dia de Iemanjá, qual é a data que é feita esta festa e por que motivo são feitas tantas oferendas a está divindade?
      É o dia 31 de dezembro, último dia do ano no calendário civil. São lançadas ao mar oferendas a Iemanjá nas cidades litorâneas com pedidos de sorte e felicidade para o ano-novo.


sexta-feira, 19 de abril de 2019

MÚSICA(ATIVIDADES): EU - ARNALDO ANTUNES - COM GABARITO

Música(Atividades): Eu
                                 Arnaldo Antunes

Eu
Coberto de
Pele
Coberta de
Pano
Coberto de
Ar

E debaixo de meu pé cimento
E debaixo do cimento terra
E sob a terra petróleo correndo
E o lento apagamento do

Sol
Por cima de
Tudo e depois do Sol
Outras estrelas se apagando
Mais rapidamente que a chegada
De sua luz até aqui.
                                     Composição: Arnaldo Antunes / Enzo Banzo

Texto: Eu coberto de pele coberta de pano coberto de ar e debaixo de meu pé cimento e debaixo do cimento terra e sob a terra petróleo correndo e o lento apagamento do sol por cima de tudo e depois do sol outras estrelas se apagando mais rapidamente que a chegada de sua luz até aqui.

                                            As coisas. São Paulo, Iluminuras, 2002.

Entendendo a canção:

01 – Você conhece muitos poemas e talvez até saiba alguns de cor. Que diferenças mais nítidas você percebe entre a música e o texto?
      O texto foi escrito num único bloco, sem divisão de versos e estrofes. Estrutura-se em um único período, que se desenvolve, sem qualquer sinal de pontuação, da maiúscula inicial até o ponto final. Já na música foi dividida em estrofes e versos.

02 – E quantas estrofes e quantos versos possui a canção?
      Possui 03 estrofes e 17 versos.

03 – O pronome Eu é a palavra central do texto.
a)   Interprete e explique como o eu lírico se vê sem relação ao mundo.
O eu lírico se vê envolvido, por baixo e por cima, como se o mundo se dispusesse em torno dele, em camadas cada vez mais distantes, desde a sua pele até as estrelas mais longínquas.

b)   A palavra eu é a primeira do poema. Que outra retoma o significado desse pronome? Que interpretação se pode dar à localização do pronome e dessa palavra no texto?
A palavra é o advérbio aqui. A interpretação, é que o poema se abre com o eu e se encerra com o aqui.

04 – A expressão das emoções na poesia lírica não é necessariamente direta e explícita. Que sentimentos do eu lírico em relação ao seu “ser/estar no mundo” podemos interpretar em nossa leitura?
      Podemos interpretar o sentimento de solidão e as sensações de encerramento e de pequenez. Até a luz do sol e das estrelas se apaga, impedida de transpor tantas camadas que o envolvem.

POEMA: MAL SECRETO - RAIMUNDO CORREIA - COM GABARITO

Poema: Mal Secreto
        
             Raimundo Correia

Se a cólera que espuma, a dor que mora
Na alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja a ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

                Raimundo Correia. Rio de Janeiro: Agir, 1978.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a temática do poema?
      De acordo com o poema, nem sempre as pessoas que demonstram felicidade são, na verdade, venturosas. Muitas vezes ocultam um “mal secreto” que disfarçam em meio a sorrisos.

02 – Você concorda com a afirmação de que muitas pessoas fingem seus verdadeiros sentimentos? Por quê?
      Resposta pessoal do aluno.

03 – Seria melhor se as pessoas mostrassem claramente seus sentimentos? Esclareça sua resposta.
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sim, para que outras pessoas não ficassem sendo enganados.

04 – Qual a função morfológica da palavra se no início da primeira e da segunda estrofe?
      Conjunção subordinada adverbial condicional.

05 – Qual é o gênero do texto?

      O texto é um poema.

06 – O texto apresenta características da poesia mais tradicional. Qual é essa características?

      “Mal Secreto” apresenta rimas, versos com o mesmo número de sílabas, estrofes. É um soneto, texto introduzido na Literatura Portuguesa em 1498.

07 – Quanto ao tema, o que o poema apresenta?

      Trata-se da falsidade humana.



CONTO: BOI DE GUIA - CORA CORALINA - COM QUESTÕES GABARITADAS

Conto: BOI DE GUIA
                Cora Coralina

      O menino tinha nascido e se criado em Ituverava, da banda de Minas. O pai era um carreiro de confiança, muito procurado para serviços e colheitas. Tinha seu carro antigo, de boa mesa rejuntada, fueirama firme, esteirado de couro cru, roda maciça de cabiúna ferrada, bem provido o berrante de azeite e com seu eixo de cocão cantador que a gente ouvia com distância de légua. Desses que antigamente alegravam o sertão e que os moradores, ouvindo o rechinado, davam logo a pinta do carreiro.
        O pai tinha o carro e tinha as juntas redobradas em parelhas certas, caprichadas, bois arados, retacos, manteúdos, de grandes aspas e pelagem limpa. Era só que possuía. O canto empastado onde morava, família grande, meninada se formando e sua ferramenta de trabalho – os bois de carro.
        Trabalhava para os fazendeiros de roda, principalmente na colheita de café e mantimentos, meses a fio, enchendo tulhas e paióis vazios. Quando acabava o café, era a cana, do canavial para os engenhos, onde as tachas ferviam noite e dia e purgavam as grandes formas de açúcar, cobertas de barro.
        O candeeiro era ele, pirralho franzino, esmirrado, de cinco anos.
        Os pais antigos eram duros e criavam os filhos na lei da disciplina. Na roça, criança não tinha infância. Firmava-se nas pernas, entendia algum mandado, já tinha servicinho esperando.
        Aos quatro anos montava em pelo, cabresteava potranquinha, trazia bezerro do pasto, levava leite na cidade e entregava na freguesia.
        Era botado em riba do selote, não alcançava estribo. Se descesse, não subia mais. Punha o litro nas janelas.
        O cavalo em que montava era velho, arrasado manso e sabido. Subia nas calçadas, encostava nos alpendres, conhecia as ruas, desviava-se das buzinas e parava certo nos fregueses.
         Quando de volta, recolhendo a garrafa vazia, gritava desesperadamente:
        -- Garrafa do leite...garrafa vaziiia! ...
        Um da casa, atordoado com a gritaria, se apressava logo a entregar o litro requerido.
        Ajudava o pai. Desde que nasceu, contava ele. Nunca se lembra de ter vadiado como os meninos de agora. Quando começou a entender o pai, a mãe, os irmãos, o cachorro e o mundo do terreiro, já foi fazendo servicinho. Catava lenha fina, garrancheira para o fogão, caçava pela saroba os ninhos das botadeiras, ia atrás dos peruzinhos e já quebrava xerém às chocas de pinto. Do pasto trazia os bois de serviço. Seu gosto era vir pendurado no chifre do guia barroso – tão grande, tão forte, tão manso – sempre remoendo seus bolos de capim, nem percebia, também não se importava, não dava mostras.
        Acostumou-se com os bois e os bois com ele. Sabia o nome de todos e os particulares de cada um. Chamava pra mangueira. O pai erguia os braços possantes e passava as grande cangas lustrosas; encorreiava os canzis debaixo das barbelas, enganchava o cambão, encostava o coice, prendia a cambota. Passava mão na vara, chamava. As argolinhas retiniam e o carro com sua boiada arrancavam o caminho das roças.
        Com cinco anos, era mestre-de-guia, com sua varinha argolada.
        Às vezes, o serviço era dentro de roças novas, de primeira derrubada, cheia e tocos, tranqueirada de paulama, mal-encoivaradas, ainda mais com seus muitos buracos de tatu.
        O carreador, mal-amanhado, só dava o tantinho das rodas. Os bois que aguentassem o repuxado, e o menino, esse, ninguém reparava nele. Aí era que o carro vinha de caculo. A colheita no meio da roça. Chuvas se encordoando de norte a sul ameaçando o ar do tempo mudado e o fazendeiro arrochando pressa.
        A boiada tinha de romper a pulso. O aguilheiro na frente, pequeno, descalço, seu chapeuzinho de palha, seu porte franzino, dando o que tinha.
        Sentia nas costas o bafo quente do guia. Sentia no pano da camisa a baba grossa do boi. O pai atrás, gritando os nomes, sacudindo o ferrão. A boiada, briosa e traquejada, não queria ferrão no couro, a criança atrapalhava. Aí, o guia barroso dava um meneio de cabeça, baixava a aspa possante e passava a criança pra um lado.
        O menino tornava à frente. Outra vez a baba do boi na camisa, o grito do carreiro afobado, o tinido das argolinhas e a grande aspa passando a criança pra um lado.
        O pai gritou frenisado:
        -- Quem já viu aguiero chamá boi de banda...Passa pra frente porquera...
        -- Nhô pai, é o boi que me arreda...
        -- Passa pra frente, covarde. Deixa de invenção, inzoneiro...
        O menino enfrentou de novo. O homem sacudiu a vara e pondo reparo. A argola retiniu, as juntas arrancaram. O barroso alcançou a criança. Ia pisar, ia esmagar com sua pata enorme e pesada.
        Não pisou, não esmagou. Virou o guampaço num jeito e passou a criança pra um lado sem magoar. Aí o velho carreiro viu...viu o boi pela primeira vez...
        Sentiu uma gastura e pela primeira vez uma coisa nova inchando seu coração no peito e a limpou uma turvação da vista na manga da camisa.

                         Cora Coralina. Estórias da casa velha da ponte. 2. ed. São Paulo:
Global, 1988.
Entendendo o conto:

01 – O narrador utiliza os primeiros parágrafos do texto quase exclusivamente para descrever o carro de bois. Por que esse veículo é tão importante na história?
      Porque é a ferramenta de trabalho do pai do menino.

02 – No segundo parágrafo, descrevem-se os bois que conduzem o carro. Nessa descrição, empregam-se termos regionais da língua portuguesa. Algum deles é empregado em sua região? Qual?
      Resposta pessoal do aluno.

03 – Releia a frase a seguir e explique no caderno o trecho em destaque: “Na roça, então, criança não tinha infância.”
      As crianças tinham pouca liberdade, obedeciam cegamente aos pais e tinham que ajudar no trabalho.

04 – Você se lembra do trecho: “... já tinha servicinho esperando”? Releia os serviços que o garoto faz e responda no caderno: na sua opinião, são mesmo “servicinhos”? Por quê?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: É a ironia desse diminutivo no contexto.

05 – No caderno resuma, com suas palavras, a rotina do menino ao entregar leite.
      O menino precisava ser colocado em cima da sela do cavalo, porque não conseguia montar sozinho; O cavalo ia parando sobre as calçadas, e o litro de leite era colocado nas janelas. Quando voltava, o garoto recolhia os litros vazios.

06 – Quando se cavalga, o cavaleiro é o condutor. Essa afirmativa vale para o texto lido? Por quê?
      Não, pois nesse caso o verdadeiro condutor é o cavalo, que conhece o trajeto, para sobre as calçadas, desvia de buzinas e sabe onde ficam as casas dos fregueses.

07 – Esse serviço, nas roças novas, era difícil para o menino. Por quê?
      Porque o espaço era pequeno para manobrar o carro de bois, além de o chão estar ainda muito bruto e esburacado.

08 – Imagina a posição de um condutor de carro de bois. Em seguida, explique esta fala do pai do menino:
        “--- Quem já viu aguiero chama boi de banda...”
      O pai critica o menino por meio de ironia. Sendo o aguilheiro, o garoto deveria tomar a dianteira dos bois. No entanto, como era muito pequeno, o boi de guia o suspendia com os chifres e o colocava de lado.

09 – Resuma a cena que leva o pai a acreditar no menino.
      Ao ser advertido pelo pai, o menino vai de novo para a frente dos bois. O pai sacode a vara e presta atenção. O boi avança, poderia esmagar a criança com seu peso, mas ajeita os chifres, pega o garoto e o passa para o lado.

10 – Qual foi a reação do pai ao presenciar a cena?
      O pai ficou aflito, comovido e quase chorou.

11 – Releia o trecho: “O cavalo [...] parava certo nos fregueses.”
        Na verdade, onde parava o cavalo?
      Na casa dos fregueses.

12 – Identifique a troca que ocorre nestes outros exemplos de metonímia:
a)   Ituverava inteira conhecia o menino.
O nome da cidade substitui a referência aos seus habitantes.

b)   Tomou uma garrafa de leite.
O conteúdo (leite) é substituído pelo continente (garrafa).

c)   Quando ouviam as argolinhas, os bois se movimentavam.
O efeito (som) é substituído por aquilo que o produz (argolinhas).

13 – O que significa a expressão destacada em cada uma das frases a seguir?
a)   Aos quatro anos montava em pelo...
Sem sela.

b)   Estava nu em pelo.
Inteiramente nu.

14 – “--- Nhô pai, é o boi que me arreda...”. Dê o sentido do termo destacado e explique como ele se formou.
      Nhô: senhor. Da forma senhor resultou sinhô e, desta, siô e nhô, termos empregados pelos escravos quando se dirigiam aos seus senhores.