Conto: Bárbara
No conto “Bárbara”, o narrador relata a
ambição dessa mulher que, ao fazer pedidos absurdos ao marido (um narrador
homodiegético), assume proporções físicas colossais e heterotópicas.
Em relação aos espaços heterotópicos, Foucault
(2001, p. 416) nos alerta que “as heterotopias assumem, evidentemente, formas
que são muitos variadas e, talvez, não se encontrasse um única forma de
heterotopia que fosse absolutamente universal.” A heterotopia analisada nos
contos de Murilo Rubião está relacionada aos diferentes espaços que os objetos
e os personagens ocupam de forma real, no entanto, assumem formas inquietas e
múltiplas, como as mutações e as transformações que os personagens sofrem, que
se enquadram como heterotópicas, pelo fato de elas serem imprevisíveis em um
mundo real.
Murilo Rubião, em sua obra, lança mão
de uma escrita direta que transporta o leitor, com facilidade, para um mundo
onírico, construído por imagens e espaços que se apresentam entre o real e o
fantástico. A hesitação no conto “Bárbara” surge como consequência da natureza
dos próprios acontecimentos e dos espaços ficcionais que os objetos ocupam, no
caso: um oceano, um baobá, um navio e uma minúscula estrela (ORIONE, 2012).
O conto inicia-se com o
narrador-personagem, o marido de Bárbara, apresentando de uma só vez a
informação de que Bárbara, a protagonista, “gostava somente de pedir. Pedia e
engordava” (RUBIÃO, 1979). Essa relação de pedir e engordar permeia a história
toda, sendo o fio condutor do fantástico. Além disso, o pedir e o engordar
remetem o leitor à insatisfação e à frustração permanente da personagem-título.
Os pedidos de Bárbara ao marido estão
ligados intimamente à carência das relações humanas. Bárbara projeta todo o seu
vazio nesses pedidos. Por isso eles são tão absurdos na dimensão espacial, pois
sua carência é não tem fim. Embora, Todorov nos alerte de que uma das condições
para se ter o fantástico resida no fato do leitor ter que recusar tanto a
interpretação alegórica quanto a poética, aqui nesse conto, Murilo Rubião
trabalha com uma prosa poética fantástica. Dessa forma, ele provoca um
balanceamento entre o poético e o fantástico, não descaracterizando o
fantástico de sua obra, ao contrário, apenas enriquecendo-o.
O primeiro estranhamento que podemos
analisar se inicia como o modo do narrador descrever Bárbara, dizendo que “o
crescimento do seu corpo se avolumava à medida que se ampliava sua ambição”
(RUBIÂO, 1979, p. 33) e que seu corpo definhava “enquanto lhe crescia
assustadoramente o ventre” (RUBIÂO, 1979, p. 34). O narrador, ao relatar a
maneira como Bárbara vai adquirindo “formas mais amplas”, (RUBIÂO, 1979, p. 33)
consegue provocar estranhamento no leitor, pois a imagem de Bárbara é insólita,
é fantasiosa. No entanto, a hesitação finalmente toma seu ápice quando a
personagem Bárbara faz o seu primeiro pedido: ela queria um oceano. Seu marido,
sem nenhuma objeção, parte no mesmo dia rumo ao litoral para lhe satisfazer a
vontade. O que não acontece literalmente, pois o marido de Bárbara com medo de
ela engordar proporcionalmente ao pedido, traz-lhe somente “uma pequena garrafa
contendo água do oceano” (RUBIÂO, 1979, p. 35) e ela fica satisfeita.
O espaço ficcional que esse pedido nos
apresenta causa um estranhamento duplo: primeiro, em consequência da personagem
pedir o oceano, sendo algo inacessível de se ter para si, e, segundo, pela
imensidão horizontal enorme que esse apresenta, uma imensidão não absorvida em
sua totalidade.
Depois do primeiro pedido de Bárbara
ter sido atendido, o marido apreensivo volta a relatar como o corpo da
protagonista sofre mudanças cada vez mais assustadoras. A descrição da
metamorfose de Bárbara é feita de forma totalmente fantástica. Os próprios
adjetivos e substantivos atribuídos ao novo corpo colaboram para o absurdo da
situação, como “gordíssima”, “colossal barriga”, “terrivelmente gorda” e
“excessiva obesidade”.
O corpo de Bárbara é um corpo
heterotópico, multiforme em seu alargamento e surpreende pela sua metamorfose.
Seguindo o pensamento de Foucault (2001), o espaço utópico é o que representa o
desejo da sociedade aperfeiçoada, ou seja, o da irrealidade. Assim sendo, o
desejo da sociedade é que ela não mais formulasse seus desejos e não engordasse,
que ficasse com um corpo utópico. Assim, a personagem Bárbara não se enquadrava
no desejo linear e esperado pela sociedade, como um corpo perfeito e sem
mutações.
O segundo pedido de Bárbara é ter um
“baobá”, que se encontra no terreno ao lado de sua casa, no terreno alheio,
proibido. O baobá “era demasiado frondoso, medindo cerca de dez metros de
altura” (RUBIÂO, 1979, p.36). O espaço que essa árvore ocupa é de extensão
vertical estrondosa. E o fato da personagem o querer para si é estranho, mas já
coerente, se levarmos em conta que o seu primeiro pedido consistiu em ter um
oceano. Dessa forma, o sobrenatural que Murilo Rubião propõe nesse conto é
aceito e isso caracteriza, conforme Todorov, o fantástico maravilhoso.
O terceiro pedido de Bárbara é um
navio, uma embarcação de grande porte. A espacialidade desse objeto se
assemelha ao primeiro pedido, o “oceano”, porque ambos possuem uma extensão
horizontal e remetem à água. Mar/oceano e navio/barco, de acordo com Foucault
(2001), são espaços heterotópicos por excelência. Para conceder o terceiro
pedido, o marido faz muito esforço. Como consequência, Bárbara continuava a
engordar ainda mais na proporção dos seus desejos.
O quarto pedido da protagonista foi
“uma minúscula estrela”, astro com luz própria e, mais uma vez, um desejo
inacessível. Mas o narrador-marido, surpreendentemente, fica feliz porque o
pedido de Bárbara foi o de conseguir “apenas” uma “minúscula estrela”, quase
invisível a olho nu, já que ele supôs que ela fosse pedir a lua. E ele nos
relata: “Fui buscá-la” (RUBIÂO, 1979, p. 39). Não determinamos esse como o seu
último desejo, ainda que a narrativa termine logo depois do enunciado do
marido. Nas narrativas de Rubião, quase nunca há conclusões e esse conto segue
este padrão. Em suas narrativas surge sempre uma experiência extra para dar
continuidade aos fatos. A espacialidade da estrela volta á dimensão vertical
como o baobá. Nesse sentido, as espacialidades, embora todas imensamente
estranhas pela dimensão que ocupam, seguiram um ciclo vertical horizontal,
sugerindo o desejo da protagonista de tudo abarcar, para todos os lados, de
todas as formas, heterotopicamente.
Entendendo o conto:
01 – Com base na leitura e
análise do conto “Bárbara”, classifique as afirmações seguintes de verdadeiras
ou falsas:
a)
(F) Trata-se de um conto narrado na terceira
pessoa.
b)
(F) A mania de pedir coisas surgiu quando Bárbara
estava grávida.
c)
(F) Na infância, Bárbara era franzina e nada pedia
ao narrador.
d)
(V) Desde menina, Bárbara comprazia-se em pedir
coisas absurdas ao narrador; à medida que os pedidos eram satisfeitos,
engordava.
e)
(F) O filho de Bárbara nasceu raquítico porque o
narrador recusou-se a dar à esposa o oceano que ela pediu na gravidez.
f)
(F) Bárbara deu à luz um filho gigante.
02 – Com base na leitura e
análise do conto “Bárbara”, classifique as afirmações de verdadeiras ou falsas:
a)
(F) O filho de Bárbara era feio e raquítico; por
isso, ela não o aceitou.
b)
(V) Bárbara recusava-se a aceitar o filho porque
ele não era fruto de um pedido dela.
c)
(F) O filho de Bárbara cresceu rapidamente graças à
fartura de leite que encontrou nos seios da mãe.
d)
(F) Bárbara pediu uma árvore ao narrador, mas
contentou-se apenas com um pequeno galho da planta.
e)
(F) Bárbara exigiu que a árvore fosse transplantada
para o quintal dela, e o narrador obedeceu.
f)
(F) O filho de Bárbara cresceu rapidamente e
engordava tal qual a mãe.
03 – Com base na leitura e
análise do conto “Bárbara”, classifique as afirmações seguintes de verdadeiras
ou falsas:
a)
(F) O narrador descobriu uma maneira de fazer
Bárbara emagrecer; bastava leva-la ao cinema ou ao estádio de futebol.
b)
(F) Bárbara só emagreceu quando pediu um navio ao
narrador e teve o seu pedido frustrado.
c)
(F) O narrador comprou um navio para Bárbara, mas
não pode montá-lo por falta de terreno.
d)
(V) Depois que o navio foi montado, Bárbara
mudou-se para a embarcação e não desceu mais à terra.
e)
(F) Com a compra do navio, faltava dinheiro até
para a alimentação. Só assim, passando fome, Bárbara conseguiu emagrecer.
04 – Com base na leitura e
análise do conto “Barbara”, classifique as afirmações seguintes de verdadeiras
ou falsas:
a)
(F) A história termina quando Bárbara pede a lua ao
narrador.
b)
(F) O narrador desiste de Bárbara quando ela lhe
pede a lua.
c)
(F) O narrador desiste de Bárbara quando ela lhe
pede uma estrela.
d)
(V) Bárbara pede coisas absurdas ao narrador;
também absurdo é o fato de ele satisfazê-la a qualquer custo.
e)
(V) Para Bárbara, o filho era mais importante que a
sua obsessão pelos pedidos.