Texto: Um planeta chamado Islândia
Não há nada igual a esta ilha do
Ártico, tomada por geleiras, vulcões, gêiseres e uma colossal falha tectônica.
Isolada no Atlântico Norte, na altura
do Círculo Polar Ártico, a Islândia passa despercebida do resto do mundo. É um
lugar do qual só costumamos nos lembrar quando é sacudido por alguma erupção
vulcânica mais violenta – o que costuma acontecer a cada cinco anos, em média
–, ou então quando a cantora Bjork, sua habitante mais ilustre, comete alguma
excentricidade. Os fãs de Júlio Verne também já ouviram falar desta ilha,
embora a descrição que o escritor faz de sua paisagem tão peculiar leve alguns
a achar que ela só existe na ficção.
O ponto de partida de Viagem ao centro
da Terra, um dos livros de aventura mais fascinantes escritos por Júlio Verne,
é uma frase dedicada à Islândia: “Desça até a cratera do Yocul de Sneffels, que
a sombra do Scartari vem acariciar antes das calendas de julho, e atingirás, ó
viajante audaz, o centro da Terra. O que eu fiz. Arne Saknussemm”. Esta era a
imagem que eu fazia deste estranho país desde a juventude – um lugar cuja
estranha topografia escondia o acesso às misteriosas entranhas do nosso
planeta.
Em seu livro, Júlio Verne descreve uma
ilha árida e inóspita, embora repleta de belezas e fenômenos naturais. De fato,
nenhum outro lugar reúne tantas e tão diversas manifestações da natureza como a
Islândia. É possível encontrar, ao cabo de apenas um dia de viagem, gêiseres,
cataratas, vulcões, geleiras, fiordes, cavernas, lagos de águas turquesas e
fontes termais. Entre setembro e fevereiro, quando a noite polar é mais densa,
dá até para fechar esse roteiro com a visão da magnífica aurora boreal. Seria
preciso percorrer o mundo inteiro para encontrar um pouco de tudo o que existe
aqui. Mas tantos fenômenos naturais assim tão próximos, espremidos num
território de pouco mais de 100 mil quilômetros quadrados, área equivalente à
de Pernambuco, só mesmo na Islândia. Ou em outro planeta.
A Islândia é o país mais novo da Terra,
não em termos geopolíticos, mas geológico. Tão novo que ainda está em formação.
Não é exagero chamar a Islândia de um parque temático de fazer inveja ao
Jurassic Park. A fauna é quase inexistente nestas latitudes, mas o viajante
pode passear no tempo e ter uma aula ao vivo de como era o mundo há alguns
milhões de anos.
Islândia, ou Iceland, em inglês,
significa “terra do gelo”, o que parece bem apropriado para um país gélido como
este, em que as geleiras cobrem 12% da superfície. Mas ele também poderia se
chamar Fireland “terra do fogo”, considerando que está dividido ao meio por uma
falha geológica e abriga 40 vulcões ativos e mais mil inativos (assim
classificados os que não entram em erupção no último milênio). Essa constante
atividade faz com que o país, com quase um terço do território tomado por
campos de lava, não pare de crescer. Ao largo da costa sul islandesa há
diversas ilhotas que nasceram nas últimas décadas. O mais ativo dos vulcões, o
Monte Hekla, entrou em erupção pela última vez em 2000.
Geiserland também seria um nome
pertinente. A Islândia é a nação com a maior quantidade de gêiseres, os
esguichos de água quente que brotam da terra quando a água das geleiras escorre
para o subsolo e encontra o magma, a massa rochosa em permanente fusão abaixo
da crosta terrestre. [...] As fontes térmicas também são abundantes por aqui. “Para
ter uma piscina aquecida no jardim, basta cavoucar a terra”, me disse um amigo
islandês, meio brincando, meio a sério.
A Islândia existe devido à persistência
humana. Não é todo mundo que se adapta à vida com apenas duas horas de sol no
inverno, ou com meras duas horas de noite no verão. Nove meses do ano são
consumidos por essa dualidade. Nos meses mais quentes, um toque de verde cobre
parte do país com musgos ervas e liquens, mas árvores robustas [...] não
existem. Uma piada local diz que se você estiver perdido dentro de uma floresta
islandesa, basta se levantar e ficar de pé para achar a saída.
A capital, Reykjavik, uma cidade
bastante agradável e de vida noturna surpreendentemente animada, acomoda cerca
de metade dos 300 mil islandeses. Mas não é isso que atrai os visitantes à
Islândia. Aqui a natureza é o show e vale a pena reservar pelo menos três dias
para poder sentir um pouco de tudo o que o país pode oferecer.
Os vulcões da ilha são uma atração
assustadora e maravilhosa. O Hekla e o Katla são os mais ativos nesse momento,
liberando lava e fumaça para o deleite de cientistas e visitantes. Mesmo sobre
espessas camadas de gelo, como as do Glaciar Vatnajokull, com mais de um
quilômetro de espessura, surgem impressionantes crateras de fogo. Nesse embate
entre forças da natureza, a cor da terra ganha os tons mais diversos. O
cinza-escuro da lava endurecida é apenas uma das mais de dez cores diferentes
que encontramos nas regiões com atividades vulcânicas e geotérmicas. [...]
Todas as incursões por esta terra
estranha começam e terminam na capital. A primeira que fiz foi à Geleira
Vatnajokull, num veículo 4x4 com pneus bem maiores do que os habituais, para
poder vencer a neve. É uma viagem de aproximadamente duas horas, com muitas
atrações também pelo caminho. [...]
Meu segundo dia na Islândia foi
dedicado ao que se intitulou Golden Circle, um roteiro que visita num único dia
a falha geológica, a Catarata Gullfoss e a região dos gêiseres e fontes
termais. A falha geológica corta a ilha de norte a sul e passa a poucos metros
de Thingvellir, vilarejo a 60 quilômetros de Reykjavik onde funciona o
parlamento irlandês, reconhecidamente o mais antigo do mundo – fundado no ano
930 pelos Vikings que chegaram à ilha a partir de 874, fugindo da tirania do
rei Harald. Ao caminhar por dentro da fenda, é difícil não imaginar o que
aconteceria se um tremor acontecesse naquele momento.
Geysir, o gêiser original que deu nome
ao fenômeno, já se aposentou, mas o Strokkur, descendente direto dele, entretém
os turistas manifestando-se a cada cinco minutos, a 100 metros do jorro antigo.
Nesse local, apesar de vários avisos sobre a temperatura da água, é comum ver
alguns turistas queimarem as mãos em poças d’água absolutamente transparentes.
Perto dali, a Catarata Gullfoss é composta por dois saltos seguidos, como dois
degraus com desnível de mais de 32 metros no Rio Hvitá. Lá é possível ficar a
poucos metros da vertente e sentir a incontrolável força da natureza.
Igualmente impressionante é o sobrevoo
dessa mesma região num teco-teco – duas horas saboreando os contrastes
islandeses lá do alto, por 170 dólares. As geleiras Tindfjallajokull e
Eyjafjallajokull, campos de lava, o vulcão Hekla, com suas fumarolas, tudo isso
fica ao alcance das câmeras fotográficas a bordo do aviãozinho. [...] O retorno
do voo é feito próximo ao litoral, onde a paisagem fica plana e podemos
contemplar rios e estuários, onde icebergs costumam encalhar nas praias na
primavera, época do degelo. [...]
Ramalho, José.
Terra. São Paulo: Peixes, n. 178.
p. 44-45 e 52-57,
fev. 2007. (Fragmento adaptado).
Interpretação do texto:
01 – A finalidade do texto fica clara logo no primeiro
parágrafo. Qual é ela?
Apresentar um país pouco conhecido pela maioria das pessoas: a Islândia.
a)
Que elementos do primeiro parágrafo permitem
identificar o objetivo do autor?
O autor começa por apresentar uma descrição que informa a
localização da Islândia, algo desnecessário em relação a países mais
conhecidos. Aliás, a primeira palavra utilizada no texto destaca a
singularidade desse país.
02 – Dado o objetivo do
texto, ele deve trazer um certo tipo de informações. Que informações são essas?
Exemplifique.
Espera-se que o texto traga informações
sobre as características da Islândia. Isso realmente é feito pelo autor em
diversos momentos. Alguns deles são os seguintes: “...nenhum outro lugar reúne
tantas e tão diversas manifestações da natureza como a Islândia. É possível
encontrar ao cabo de apenas um dia de viagem, gêiseres, cataratas, vulcões,
geleiras, fiordes, cavernas, lagos de águas turquesas e fonte termais [...]
espremidos num território de pouco mais de 100 mil quilômetros quadrados...”;
“A Islândia é o país mais novo da Terra, não em termos geopolíticos, mas
geológico”; “... as galeiras cobrem 12% da superfície”; “... está dividido ao
meio por uma falha geológica e abriga 40 vulcões ativos e mais de mil
inativos...”; “A Islândia é a nação com a maior quantidade de gêiseres, os
esguichos de água quente que brotam da terra quando a água das geleiras escorre
para o subsolo e encontra o magma, a massa rochosa em permanente fusão abaixo
da crosta terrestre.”
03 – Uma das estratégias
utilizadas pelo autor para destacar características da Islândia é propor
diferentes nomes para o país. Explique por quê.
O autor parte do
significado do nome do país para destacar um dos aspectos definidores da
Islândia: é um lugar gelado. Como lá também há um grande número de vulcões e
gêiseres, José Ramalho comenta que também seria possível denominar o país
Fireland ou Geiserland. Esse recurso destaca, para os leitores do texto,
características definidoras da natureza do país apresentado.
04 – Na revista em que o
texto foi publicado originalmente, a reportagem é introduzida por uma
fotografia que ocupa duas páginas. Observe:
Foto Terra. São Paulo: Peixes, n. 178,
fev. 2007. p. 44-45.
a)
Essa fotografia “traduz” de modo adequado
algum aspecto definidor do país apresentado? Por quê?
Sim. A Islândia, como o nome indica, é a “terra do gelo”.
b)
A presença de um homem que caminha em meio ao
gelo estabelece uma relação direta com uma passagem do texto da reportagem. Que
passagem é essa?
A relação é estabelecida com o 2° parágrafo do texto, que vai de “O
ponto de partida de Viagem ao centro da Terra...” até “... escondia o acesso às
misteriosas entranhas do nosso planeta”.
c)
Qual e a relação entre a imagem e o texto?
A imagem mostra um homem caminhando em direção ao que parece ser o
“centro” da geleira. Evoca, portanto, o parágrafo inicial da obra de Júlio
Verne, referida pelo repórter. Na verdade, pelos comentários feitos no 2°
parágrafo, José Ramalho deixa clara a influência do romance Viagem ao centro da
Terra na imagem que fazia da Islândia.
05 – Em diferentes passagem,
percebe-se a preocupação do autor do texto em trazer para o leitor, aspectos
pitorescos do país que está sendo apresentado. Transcreva algumas dessas
passagens no caderno.
“Para ter uma piscina aquecida no jardim,
basta cavoucar a terra, me disse um amigo islandês, meio brincando, meio a
sério”; “Uma piada local diz que se você estiver perdido dentro de uma floresta
islandesa, basta se levantar e ficar de pé para achar a saída.”
a)
Que finalidade elas têm no texto?
Essas passagens introduzem um toque de humor no texto, que poderia
ser composto, essencialmente, por informações objetivas sobre o país que está
sendo caracterizado. Informações como essas introduzem uma espécie de “cor
local”, tornando mais viva a descrição da Islândia.
06 – Em reportagem dessa
natureza, o autor frequentemente explicita sua visão pessoal sobre aquilo que
descreve. No caderno, copie do texto as passagens em que José Ramalho se
manifesta sobre a Islândia.
“Esta era a
imagem que eu fazia deste estranho país desde a juventude – um lugar cuja
estranha topografia escondia o acesso às misteriosas entranhas do nosso planeta”;
“Aqui a natureza é o show e vale a pena reservar pelo menos três dias para
poder sentir um pouco de tudo o que o país pode oferecer”; “Os vulcões da ilha
são uma atração assustadora e maravilhosa”; “Mesmo sobre espessas camadas de
gelo [...] surgem impressionantes crateras de fogo”; “Igualmente impressionante
é o sobrevoo dessa mesma região num teco-teco...”.
a)
Que efeito essas opiniões podem ter sobre o
leitor do texto? Explique.
O testemunho entusiasmado do autor sobre a Islândia contribui para
formar, junto ao leitor, uma imagem positiva do país que está sendo descrito. O
leitor, influenciado pela opinião do repórter, pode concluir que a Islândia é
um país que merece ser visitado.