POEMA: LIRA XIX
Tomás Antônio Gonzaga
Preso, o eu lírico encontra conforto no
seu amor por Marília e nas lembranças que guarda da amada.
Nesta triste masmorra,
De um semivivo corpo
sepultura,
Inda, Marília, adoro
A tua formosura.
Amor a minha ideia te
retrata;
Busca, extremoso, que eu
assim resista
À dor imensa, que me cerca e
mata.
Quando em meu mal pondero,
Então mais vivamente te
diviso:
Vejo o teu rosto e escuto
A tua voz e riso.
Movo ligeiro para o vulto os
passos:
Eu beijo a tíbia luz em vez
de face,
E aperto sobre o peito em
vão os braços.
Conheço a ilusão minha;
A violência da mágoa não
suporto;
Foge-me a vista e caio
Não sei se vivo ou morto.
Enternece-se Amor de estrago
tanto;
Reclina-me no peito, e com
mão terna
Me limpa os olhos do salgado
pranto.
Depois que represento
Por largo espaço a imagem de
um defunto,
Movo os membros, suspiro,
E onde estou pergunto.
Conheço então que Amor me
tem consigo;
Ergo a cabeça, que inda mal
sustento,
E com doente voz assim lhe
digo:
Se queres ser piedoso,
Procura o sítio em que
Marília mora,
Pinta-lhe o meu estrago,
E vê, Amor, se chora.
Uma delas me traze sobre as
penas,
E para alívio meu só isto
basta.
Gonzaga,
Tomás Antônio. Marília de Dirceu. In: Proença Filho, Domício (Org.).
A poesia dos inconfidentes. Rio de Janeiro:
Aguilar, 1996. p. 651-652. (Fragmento).
Interpretação do texto:
01 – Qual é o assunto
desenvolvido na lira apresentada?
O eu lírico,
deprimido com a sua prisão, diz à sua amada que encontra forças para resistir
ao sofrimento no amor que nutre por ela e na ilusão de contemplar sua figura.
a)
As situações poéticas apresentadas em Marília
de Dirceu guardam estreita relação com episódios da vida de Tomás Antônio
Gonzaga. Que semelhança existe entre a situação em que se encontra o pastor
Dirceu e a vida do poeta?
O eu lírico encontra-se numa masmorra. O poeta, na vida real, foi preso
logo após a inconfidência Mineira, da qual foi um dos integrantes, e escreve
parte das liras no cárcere. Por isso, a relação entre a situação poética de
Dirceu e os episódios vividos pelo poeta.
02 – Quais são os dois
interlocutores a quem o eu lírico se dirige no poema?
O primeiro interlocutor definido é a
amada do poeta, Marília. O segundo é o Amor, que aparece personificado.
a)
O que ele diz a cada um deles?
A Marília, o eu lírico relata o sofrimento pela distância que se
impôs entre eles em razão da prisão e como a imagem da amada, ainda que
ilusória, o reconforta. Ao Amor, o eu lírico faz um apelo: que ele vá até sua
amada e veja se ela está triste, pois, se isso acontecer, será um consolo para
ele.
b)
Explique de que maneira o diálogo
estabelecido com esses interlocutores indica a retomada de características da
poesia de Camões.
Quando o eu lírico dirige-se à sua amada para tratar do sofrimento
amoroso em razão do distanciamento entre eles, recupera um dos grandes temas
clássicos desenvolvidos na poesia camoniana. A personificação do Amor, figura
mitológica a quem o eu lírico faz seu apelo, é outro elemento que marca a
retomada dos antigos poetas clássicos nos quais Camões se inspirava.
03 Releia.
“Busca, extremoso, que eu assim resista
À dor imensa, que me cerca e mata.
[...]
A violência da mágoa não suporto;”
a)
O que esses versos sugerem sobre o estado de
espírito do eu lírico?
Esses versos mostram o eu lírico angustiado, triste, deprimido em
razão do sofrimento que vive por estar preso e distante de sua amada.
b)
Os sentimentos expressos condizem com as
características normalmente encontradas na poesia árcade? Por quê?
Não. A referência “à dor imensa”, “à violência da mágoa” (que o eu
lírico não suporta) indicam um “exagero na apresentação dos sentimentos que é
pouco comum entre os árcades.
c)
Que outros elementos apresentados no poema
rompem com o convencionalismo árcade? Explique.
Além da manifestação “mais real” dos sentimentos do eu lírico, o que
se evidencia como rompimento com característica do Arcadismo é o cenário:
Dirceu não se encontra em uma paisagem tipicamente árcade, caracterizada como
um lugar agradável (o locus amoenus), mas em uma masmorra lúgubre, muito
diferente da natureza perfeita típica do Arcadismo.
04 Observe a linguagem
utilizada no poema. Que elementos caracterizam a simplicidade formal pretendida
pelos poetas árcades?
É possível identificar a busca pela
simplicidade formal pelo uso de uma linguagem mais clara, com um vocabulário
mais simples e sem rebuscamento. Não há, no poema, metáforas complexas que
dificultem a compreensão do que é dito.
05 – Esse texto foi escrito
no período em que Gonzaga esteve preso por seu envolvimento na Inconfidência
Mineira. Observe que, logo nos primeiros versos, o eu lírico expressa seu
estado de espírito. Ele se vê como um “semivivo corpo” e a masmorra é sua
“sepultura”. De onde vem a força capaz de fazê-lo suportar tanto sofrimento?
A lembrança de
Marília é a força que o mantém vivo.
06 – Na segunda estrofe, o
eu lírico:
a)
Confessa que a saudade de Marília leva-o a
meditar no mal que fez.
b)
Sente que Marília foge dele, evitando seus
beijos e abraços.
c)
Revela que sente tanta saudade de
Marília que parece vê-la nitidamente.
d)
Reconhece que se enganou com Marília, pois o
que parecia amor, na verdade, não passava de ilusão.
07 – Na terceira e quarta
estrofes:
a)
A
ilusão do eu lírico é tão intensa que ele imagina sentir as mãos de Marília a
enxugar-lhe o pranto.
b)
A dor da desilusão amorosa por Marília causa
violenta mágoa no eu lírico.
c)
O eu lírico imagina que Marília está com ele
na cela, confortando-o ternamente.
d)
Ocorre a personificação do Amor,
que ampara e conforta o eu lírico.
08 – Na última estrofe, o eu
lírico pede ao Amor que conte a Marília o seu sofrimento. Se ela chorar:
a)
Ele ficará aliviado porque será uma prova de
que ela está arrependida de tê-lo feito sofrer.
b)
Ele se sentirá melhor, porque sabe que a dor
a arrastará até ele.
c)
Ele sentirá alívio de seus males,
porque saberá que ela o ama e sofre com sua ausência.
d)
Ele se sentirá mal, porque isso só aumentará
suas penas de amor.