sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

POEMA: LIRA XIX - TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA - COM GABARITO


POEMA: LIRA XIX
                Tomás Antônio Gonzaga

        Preso, o eu lírico encontra conforto no seu amor por Marília e nas lembranças que guarda da amada.

Nesta triste masmorra,
De um semivivo corpo sepultura,
Inda, Marília, adoro
A tua formosura.
Amor a minha ideia te retrata;
Busca, extremoso, que eu assim resista

À dor imensa, que me cerca e mata.
Quando em meu mal pondero,
Então mais vivamente te diviso:
Vejo o teu rosto e escuto
A tua voz e riso.
Movo ligeiro para o vulto os passos:
Eu beijo a tíbia luz em vez de face,
E aperto sobre o peito em vão os braços.

Conheço a ilusão minha;
A violência da mágoa não suporto;
Foge-me a vista e caio
Não sei se vivo ou morto.
Enternece-se Amor de estrago tanto;
Reclina-me no peito, e com mão terna
Me limpa os olhos do salgado pranto.

Depois que represento
Por largo espaço a imagem de um defunto,
Movo os membros, suspiro,
E onde estou pergunto.
Conheço então que Amor me tem consigo;
Ergo a cabeça, que inda mal sustento,
E com doente voz assim lhe digo:

Se queres ser piedoso,
Procura o sítio em que Marília mora,
Pinta-lhe o meu estrago,
E vê, Amor, se chora.
Uma delas me traze sobre as penas,
E para alívio meu só isto basta.
                   Gonzaga, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. In: Proença Filho, Domício (Org.).
                   A poesia dos inconfidentes. Rio de Janeiro: Aguilar, 1996. p. 651-652. (Fragmento).

Interpretação do texto:
01 – Qual é o assunto desenvolvido na lira apresentada?
      O eu lírico, deprimido com a sua prisão, diz à sua amada que encontra forças para resistir ao sofrimento no amor que nutre por ela e na ilusão de contemplar sua figura.

a)   As situações poéticas apresentadas em Marília de Dirceu guardam estreita relação com episódios da vida de Tomás Antônio Gonzaga. Que semelhança existe entre a situação em que se encontra o pastor Dirceu e a vida do poeta?
O eu lírico encontra-se numa masmorra. O poeta, na vida real, foi preso logo após a inconfidência Mineira, da qual foi um dos integrantes, e escreve parte das liras no cárcere. Por isso, a relação entre a situação poética de Dirceu e os episódios vividos pelo poeta.

02 – Quais são os dois interlocutores a quem o eu lírico se dirige no poema?
      O primeiro interlocutor definido é a amada do poeta, Marília. O segundo é o Amor, que aparece personificado.

a)   O que ele diz a cada um deles?
A Marília, o eu lírico relata o sofrimento pela distância que se impôs entre eles em razão da prisão e como a imagem da amada, ainda que ilusória, o reconforta. Ao Amor, o eu lírico faz um apelo: que ele vá até sua amada e veja se ela está triste, pois, se isso acontecer, será um consolo para ele.

b)   Explique de que maneira o diálogo estabelecido com esses interlocutores indica a retomada de características da poesia de Camões.
Quando o eu lírico dirige-se à sua amada para tratar do sofrimento amoroso em razão do distanciamento entre eles, recupera um dos grandes temas clássicos desenvolvidos na poesia camoniana. A personificação do Amor, figura mitológica a quem o eu lírico faz seu apelo, é outro elemento que marca a retomada dos antigos poetas clássicos nos quais Camões se inspirava.

03 Releia.
        “Busca, extremoso, que eu assim resista
         À dor imensa, que me cerca e mata.
         [...]
         A violência da mágoa não suporto;”
a)   O que esses versos sugerem sobre o estado de espírito do eu lírico?
Esses versos mostram o eu lírico angustiado, triste, deprimido em razão do sofrimento que vive por estar preso e distante de sua amada.

b)   Os sentimentos expressos condizem com as características normalmente encontradas na poesia árcade? Por quê?
Não. A referência “à dor imensa”, “à violência da mágoa” (que o eu lírico não suporta) indicam um “exagero na apresentação dos sentimentos que é pouco comum entre os árcades.

c)   Que outros elementos apresentados no poema rompem com o convencionalismo árcade? Explique.
Além da manifestação “mais real” dos sentimentos do eu lírico, o que se evidencia como rompimento com característica do Arcadismo é o cenário: Dirceu não se encontra em uma paisagem tipicamente árcade, caracterizada como um lugar agradável (o locus amoenus), mas em uma masmorra lúgubre, muito diferente da natureza perfeita típica do Arcadismo.

04 Observe a linguagem utilizada no poema. Que elementos caracterizam a simplicidade formal pretendida pelos poetas árcades?
      É possível identificar a busca pela simplicidade formal pelo uso de uma linguagem mais clara, com um vocabulário mais simples e sem rebuscamento. Não há, no poema, metáforas complexas que dificultem a compreensão do que é dito.

05 – Esse texto foi escrito no período em que Gonzaga esteve preso por seu envolvimento na Inconfidência Mineira. Observe que, logo nos primeiros versos, o eu lírico expressa seu estado de espírito. Ele se vê como um “semivivo corpo” e a masmorra é sua “sepultura”. De onde vem a força capaz de fazê-lo suportar tanto sofrimento?
      A lembrança de Marília é a força que o mantém vivo.

06 – Na segunda estrofe, o eu lírico:
a)   Confessa que a saudade de Marília leva-o a meditar no mal que fez.
b)   Sente que Marília foge dele, evitando seus beijos e abraços.
c)   Revela que sente tanta saudade de Marília que parece vê-la nitidamente.
d)   Reconhece que se enganou com Marília, pois o que parecia amor, na verdade, não passava de ilusão.

07 – Na terceira e quarta estrofes:
a)    A ilusão do eu lírico é tão intensa que ele imagina sentir as mãos de Marília a enxugar-lhe o pranto.
b)   A dor da desilusão amorosa por Marília causa violenta mágoa no eu lírico.
c)   O eu lírico imagina que Marília está com ele na cela, confortando-o ternamente.
d)   Ocorre a personificação do Amor, que ampara e conforta o eu lírico.

08 – Na última estrofe, o eu lírico pede ao Amor que conte a Marília o seu sofrimento. Se ela chorar:
a)   Ele ficará aliviado porque será uma prova de que ela está arrependida de tê-lo feito sofrer.
b)   Ele se sentirá melhor, porque sabe que a dor a arrastará até ele.
c)   Ele sentirá alívio de seus males, porque saberá que ela o ama e sofre com sua ausência.

d)   Ele se sentirá mal, porque isso só aumentará suas penas de amor.  

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

MÚSICA(ATIVIDADES) OITAVO ANDAR(UMA CANÇÃO SOBRE AMOR) - CLARICE FALCÃO

Música(Atividades): Oitavo Andar (Uma Canção Sobre Amor)


                                                                 Clarice Falcão
Quando eu te vi fechar a porta
Eu pensei em me atirar pela janela do 8º andar
Onde a Dona Maria mora
Porque ela me adora e eu sempre posso entrar
Era bem o tempo de você chegar no T
Olhar no espelho o seu cabelo, falar com o seu Zé
E me ver caindo em cima de você
Como uma bigorna cai em cima de um cartoon qualquer

E ai, só nos dois no chão frio
De conchinha bem no meio fio
No asfalto riscados de giz
Imagina que cena feliz

Quando os paramédicos chegassem
E os bombeiros retirassem nossos corpos do Leblon
A gente ia para o necrotério
Ficar brincando de sério deitadinhos no bem-bom

Cada um feito um picolé
Com a mesma etiqueta no pé
Na autópsia daria pra ver
Como eu só morri por você

Quando eu te vi fechar a porta
Eu pensei em me atirar pela janela do 8° andar
Em vez disso eu dei meia volta
E comi uma torta inteira de amora no jantar.
      -- Tem como objetivo mostrar a forma como as figuras de linguagem podem contribuir para o melhor entendimento do textos em seus diferentes aspectos, como neste caso que é a música. Além de apontar mensagem implícitas nas canções através da ajuda destes recursos e desta forma sinalizar as complexidades da língua portuguesa.
      Vale evidenciar que as figuras de linguagem que serão abordadas especificamente são: comparação, ironia, hipérbole e eufemismo em seus diferentes graus do texto, ou seja, algumas figuras são mais constantes que outras no objeto estudado.

Compreendendo o texto:

01 – Que temática é abordada nesta canção?
      Uma história de amor.

02 – Nos versos:
        “E me ver caindo em cima de você
        Como uma bigorna cai em cima de um cartoon qualquer”.
Que figura de linguagem encontramos?
      Comparação.

03 – Cite as rimas encontradas na 3ª estrofe.
      Frio/fio; giz/feliz.

04 – Na quarta estrofe os verbos: chegassem e retirassem estão em que tempo verbal?
      Modo subjuntivo (expressam-se ações imprecisas, que ainda não foram realizadas) e no Pretérito Imperfeito.

05 – Na terceira estrofe existe uma metáfora em que verso?
      “De conchinha bem no meio fio.”

06 – Tem na quarta estrofe a figura de linguagem eufemismo, localize-a e copie abaixo.
      “Ficar brincando de sério deitadinhos no bem-bom.”




SONETO: CONVITE À MARÍLIA - BOCAGE - COM GABARITO

 CONVITE À MARÍLIA


        Algumas das principais características da poesia árcade podem ser identificadas neste soneto de Bocage.

Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus úmidos vapores;
A fértil Primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste:

Varrendo os ares o sutil nordeste
Os torna azuis; as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros, e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste:

Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo:

Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quanto me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!

                          Bocage. Obras. Porto: Lello & Irmão, 1968. p. 142.

Interpretação do texto:
01 – Qual é o assunto tratado no poema?
      O eu lírico faz um convite à sua amada para que desfrute, com ele, a beleza e a simplicidade da natureza.

02 – Um dos elementos caracterizadores do Arcadismo é o cenário em que se encontra o eu lírico. Que cenário é apresentado no poema? Como é descrito?
      O cenário apresentado é bucólico. O inverno se foi e a “fértil Primavera” enche o prado de flores, as aves voam e o vento nordeste torna o céu e o rio Tejo azuis.

a)   Explique que tema da poesia árcade é a apresentado na descrição desse cenário.
O tema árcade presente nessa descrição é o locus amoenus, isto é, a natureza é apresentada como um lugar tranquilo e agradável onde os amantes se encontram.

03 – Observe a forma e o conteúdo do poema. Que elementos evocam o Classicismo? Explique.
      Há dois elementos que retomam a poesia clássica: na forma, o uso do soneto; no conteúdo, a referência a elementos da mitologia clássica (os Zéfiros e os Amores).

04 – Releia.
      “Deixa louvar da corte a vã grandeza:
       Quanto me agrada mais estar contigo
       Notando as perfeições da Natureza!”
a)   Nessa estrofe, o eu lírico opõe dois cenários. Quais são eles e como são caracterizados?
Os cenários que se opõem são a cidade (simbolizada pela corte) e a natureza. A corte é caracterizada pela sua grandeza falsa, oca, e a natureza, pela perfeição.

b)   Que outro tema árcade é desenvolvido a partir dessa oposição? Explique.
O tema desenvolvido é o fugere urbem. O eu lírico convida a sua amada a abandonar a grandeza vazia da cidade, da urbanização, e a desfrutar da perfeição que o cenário bucólico oferece aos amantes.

05 – O poema pode ser dividido em duas partes: uma que enfatiza o cenário, e outra em que eu lírico faz um convite à sua amada. Quais estrofes compõem essas partes e o que é apresentado em cada uma delas?
      O cenário bucólico, com a descrição da natureza como um lugar agradável, é apresentado nas duas primeiras estrofes; o convite a amada, nos dois tercetos.

a)   É possível afirmar que a construção do cenário tem como objetivo preparar o desenvolvimento do segundo tema árcade do poema. Explique.
A construção do cenário, além de desenvolver o tema do locus amoenus, serve de base para a apresentação do fugere urbem. A natureza, apresentada como modelo de perfeição, é o argumento para que a amada aceite o convite do eu lírico, abandonando a “falsa” grandeza da corte.

06 – Na linha do tempo, quais acontecimentos e ideias geram, nas manifestações artísticas do Arcadismo, a busca pelo racionalismo e o retorno aos modelos clássicos da Antiguidade? Justifique sua resposta.
      Espera-se que os alunos, ao observarem os acontecimentos apresentados na linha do tempo, percebam a importância das novas ideias surgidas na Europa que se opõem à força da religião na determinação dos comportamentos humanos.



SONETO: RECREIOS CAMPESTRES NA COMPANHIA DE MARÍLIA - BOCAGE - COM GABARITO

Soneto: Recreios Campestres na companhia de Marília
             Bocage


Olha Marília, as flautas dos pastores
Que bem que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes
Os Zéfiros brincar por entre as flores?

Vê como ali beijando-se os Amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores!

Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folhas a abelhinha para,
Ora nos ares sussurrando gira:

Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira,
Mais tristeza que a morte me causara.

                                                         Bocage, Manoel M. Barbosa du.
                        Obras de Bocage. Porto: Lello & Irmão, 1968. p. 152.

Interpretação do texto:
01 – Leia o soneto abaixo. Nele, o poeta português Bocage constrói um cenário muito específico com os elementos da natureza.
a)   A quem se dirige o eu lírico?
O eu lírico se dirige a uma mulher, chamada Marília.

b)   Que convite ele faz a essa pessoa?
Que observe, com ele, as perfeições da natureza.

02 – Como a natureza é apresentada no poema?
      A natureza é apresentada de modo positivo: o rio Tejo “sorri”, as borboletas coloridas brincam, enquanto o rouxinol e a abelhinha voam; o campo é “alegre” e a manhã é clara. Em resumo, o cenário apresentado pelo eu lírico é alegre e acolhedor.

a)   No último terceto, a caracterização da natureza funciona como argumento para convencer Marília do quanto ela é amada. Explique qual é a relação estabelecida entre a natureza e os sentimentos do eu lírico.
O eu lírico usa a natureza para mostrar como o seu estado de espírito depende da visão de Marília. Quando caracteriza a natureza de modo positivo, definido um ambiente marcado pela alegria e pelo otimismo, está preparando a apresentação do argumento final: “Tudo o que vês, se eu não te vira, / Mais tristeza que a morte me causara”. A alegria e o bem-estar promovidos pelo lugar agradável em que se encontram perderiam o significado se ele não pudesse ver a sua amada Marília.

03 – Observe os verbos associados aos elementos da natureza e o diminutivo empregado no texto. O que eles demonstram?
     Os verbos associados aos elementos da natureza demonstram ações simples e inocentes: o rio sorri, o vento brinca, o rouxinol suspira, a abelhinha gira. O diminutivo abelhinha transmite uma certa infantilização e, portanto, marca inocência.  
  
a)   Explique de que modo a linguagem foi utilizada para sugerir um espaço agradável e inocente.
A combinação da descrição positiva, das ações associadas à natureza e do diminutivo provoca uma sensação de que há um clima de festa, de brincadeira que se desenrola naquele campo alegre diante do olhar de Marília.

04 – Há, no cenário natural do soneto, uma evidente artificialidade. Em que ela pode ser percebida?
      A perfeição do cenário sugere tratar-se de uma natureza artificial. O modo infantilizado como os elementos da natureza são referidos no poema também reforça a ideia de uma natureza pouco natural.

a)   Essa artificialidade pode ser comparada aos jardins do Palácio de Versalhes? Por quê?

Resposta pessoal do aluno. Espera-se que o aluno perceba que, no poema, a natureza é tão “construída” pelo olhar de Bocage quanto os jardins do palácio.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

POEMA - GREGÓRIO DE MATOS - COM GABARITO

POEMA: Aos afetos, e lágrimas derramadas na ausência da a quem queria bem
Gregório de Matos


Ardor em firme coração nascido;
Pronto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido.
Tu, que em um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.

Se és fogo, como passas brandamente,

Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.

                                       Matos, Gregório de. In: Wisnik, José Miguel
                                             (Sel., Intr. e notas). Poemas escolhidos.
                                                         São Paulo: Cultrix, 1997. p. 218.
Interpretação do texto:
01 – Quais são os dois elementos da natureza que se opõem e representam as contradições que o sentimento amoroso desperta no eu lírico?
      O fogo (ardor) e a água (pranto, contenção).

a)   O que cada um deles simboliza no poema?
O fogo simboliza a paixão que toma o eu lírico, e a água, o pranto pelo sofrimento amoroso, mas também pode ser interpretada como a contenção dessa paixão.

b)   Nas duas primeiras estrofes, quais as imagens e metáforas utilizadas pelo eu lírico para fazer referência a esses elementos?
As imagens utilizadas para fazer referência ao fogo são: “ardor”; “incêndio”; “abrasas”, “chamas”.
As imagens para a água temos: “pranto”; “mares de água”; “rio de neve”; “corres desatado”; “cristais”.

02 – Releia:
        “Incêndio em mares de água disfarçado;
        Rio de neve em fogo convertido”.

a)   Qual é a figura de linguagem que indica a tensão entre os opostos? Explique.
A figura que indica essa tensão é a antítese: o eu lírico opõe os termos “incêndio” a “mares de água”; e “fogo” a “rio de neve”.

b)   Há outros exemplos dessa figura no poema? Quais?
Abrasas X corres desatado; fogo X cristais; cristal X chamas; fogo X neve.

c)   O Barroso apresenta não apenas o confronto dos opostos, mas também sua fusão ou aproximação. Como ela pode ser observada nos versos transcritos?
A fusão ou aproximação dos opostos se dá pela transformação dos elementos que simbolizam os sentimentos descritos: o “incêndio” está disfarçado em “mares de água”; o “rio de neve” se converte em “fogo”. Assim, a paixão se funde com a manifestação de seu refreamento/sofrimento.

03 – Quem é o interlocutor a que o eu lírico se refere na segunda e na terceira estrofes?
      O interlocutor é o sentimento amoroso, a paixão.

a)   Como ele é caracterizado?
A paixão é caracterizada a partir de duas diferentes manifestações: ela “queima” escondida no peito do eu lírico e corre em pranto pelo seu rosto. Além disso, é fogo e, quando assim se manifesta, está aprisionada em cristais, simbolizando a contensão ou a prudência com relação a esse sentimento; quando cristal, é derretido pelas chamas.

b)   Qual é o questionamento feito pelo eu lírico nesses versos?
O eu lírico questiona a contradição na manifestação do sentimento amoroso: se ele é fogo, não deveria passar brandamente; se é neve, não poderia queimar tanto. Mais uma vez, temos as contradições da paixão, que confundem o eu lírico por uma manifestação conflituosa.

04 – No soneto, vemos a habilidade de Gregório de Matos em trabalhar a linguagem para conciliar os opostos. Releia os versos a seguir, observando os trechos destacados em negrito e em itálico.

“Se és fogo, como passas brandamente,
 Se és neve, como queimas com porfia?”
“Como quis que aqui fosse a neve ardente,
 Permitiu parecesse a chama fria.”

a)   No início do poema, o eu lírico apresenta a oposição entre o calor e o frio, o fogo e a água, a paixão e a contenção (ou refreamento). Explique de que maneira os dois primeiros versos transcritos acima encaminham a fusão que ocorrerá entre esses elementos opostos no fim do poema.
Nos dois versos, há paradoxos que encaminham a fusão completa entre os opostos que se concretizam nos versos finais. Ao questionar a contradição extrema que há entre um “fogo que passa brandamente” e a “neve que queima”, o eu lírico aproxima os elementos que se fundirão em uma única expressão nos últimos versos (“neve ardente” / “chama fria”).

b)   As expressões destacadas nos dois últimos versos são paradoxos, construídos a partir da oposição dos mesmos elementos: frio x calor; fogo x neve. Elas encerram o mesmo sentido? Por quê?
Não. Embora sejam construídas a partir da oposição dos mesmos elementos, temos uma inversão na porção de cada um deles: em “neve ardente”, o primeiro elemento refere-se ao frio e o segundo ao calor; em “chama fria”, temos primeiro a referência ao calor e depois ao frio. Por si só, essa inversão já altera o significado de cada expressão, mas, no contexto do poema, essa diferença é mais significativa.

c)   Considerando que a neve simboliza a prudência/o controle e o fogo, a paixão, qual é o significado, no contexto do poema, das expressões “neve ardente” e “chama fria”?
O paradoxo “neve ardente” pode ser interpretado como a contenção que desaparece quando a paixão nasce; por oposição, “chama fria” pode significar a paixão “controlada”, que não representa ameaça ou descontrole (não queima).

05 – O eu lírico afirma que o Amor “temperou” sua tirania. De que maneira isso foi feito? Por quê?
      O Amor, segundo o eu lírico, utilizou uma estratégia para “disfarçar” a sua tirania, fazendo com que parecesse menos ameaçadora: o que ele desejava era despertar um sentimento mais arrebatado (“como quis que aqui fosse a neve ardente”) que eliminasse qualquer defesa ou prudência contra a paixão. Para que isso de fato ocorresse, fez com que a paixão parecesse, primeiro, um sentimento contido (“Permitiu parecesse a chama fria”). Assim, garantiu que o eu lírico não se precavesse contra a paixão que ameaçava dominá-lo.

06 – Releia a linha do tempo. Que acontecimento ilustra como o século XVII era uma época dividida entre a razão e a fé?
      O julgamento de Galileu Galilei pelo Tribunal do Santo Ofício.

a)   Explique de que forma esse acontecimento exemplifica o contexto que gera o conflito do ser humano durante o Barroco.
Gostaríamos que os alunos, ao refletirem sobre o julgamento de Galileu, percebessem que a condenação do cientista ilustra o embate que caracteriza o conflito barroco. De um lado, está a razão: de outro, estão a fé e os dogmas da Igreja Católica, que condena a teoria de Copérnico por contradizer a visão geocêntrica defendida por ela.



TEXTO: MEDITAÇÃO XVII - JONH DONNE - COM GABARITO

Texto: MEDITAÇÃO XVII
           Jonh Donne


     [...] A Igreja é católica, universal, e assim são os seus atos; tudo o que faz pertence a todos. Quando ela batiza uma criança, tal ato me diz respeito; pois aquela criança, dessa forma, se une àquele corpo que igualmente é minha cabeça, e se enxerta naquele corpo do qual sou membro. E quando ela enterra um homem, tal ato me diz respeito: a humanidade toda é de um só autor, e constitui um só volume; quando um homem morre, não é um capítulo que se arranca do livro, mas é apenas um que se traduziu para idioma melhor; e todos os capítulos devem ser traduzidos. Deus emprega diversos tradutores; alguns trechos são traduzidos pela idade, outros pela doenças, outros pela guerra, outros pela justiça; mas a mão de Deus está presente em todas as traduções, e é sua mão que reencadernará todas as nossas folhas dispersas para aquela biblioteca onde cada livro deverá jazer aberto um para o outro. Portanto, assim como o sino ao anunciar o sermão não convoca apenas o pregador, mas a congregação inteira, assim também este sino convoca a todos nós [...]. Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um teu amigo, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti. [...]

  Donne, Jonh. In: Vizioli, Paulo (Intr., sel., trad. e notas). Jonh Donne.
                O poeta do amor e da morte. Ed. bilíngue. São Paulo: J. C. Ismael, 1985. p. 103-105.

Interpretação do texto:

01 – No século XVII, diferentes formas de arte exploram temas ligados à religião. O texto a seguir foi retirado de uma das meditações escritas por Jonh Donne, um bispo da Igreja Anglicana da Inglaterra.
Jonh Donne inicia sua meditação explicitando a tese que irá defender ao longo do texto. Que tese é essa?
      A tese de que, na perspectiva cristã, há uma irmandade entre os seres humanos. Portanto, aquilo que afeta uma pessoa afeta todas as demais.

02 – Podemos afirmar que a ideia básica por trás dessa tese é antecipada pela epígrafe: “Este sino, ora a dobrar por outro lentamente, me diz: ‘Irás morrer’”. Por quê?
      Para entender o sentido geral da epígrafe é preciso saber que, no ritual fúnebre da Igreja Católica, os sinos dobram pela pessoa que morreu. A epígrafe afirma que uma pessoa, ao ouvir o sino tocar pela morte de outra, deve entender tal ação como um anúncio da sua própria mortalidade. Sendo assim, a epígrafe também afirma o princípio geral da universalidade dos atos da Igreja.

03 – Duas imagens são utilizadas, por Jonh Donne, como uma “ilustração” metafórica da tese que defende. Quais são elas?
      A primeira imagem é a do corpo e seus membros. A Igreja Católica seria um corpo formado por todos os católicos, seus “membros”. Em seguida, aparece a imagem da humanidade como um livro, escrito por um só autor. Essas duas metáforas mantêm o princípio da unidade de todos os fiéis, que é a expressão da tese principal.

a)   Explique por que, na perspectiva cristã, tradução é uma boa metáfora para morte.
      Como, para os católicos, o momento da morte é um momento de passagem para a vida eterna, faz sentido representa-lo, metaforicamente, pela ideia de tradução. A tradução é a transposição de um texto escrito em sua língua para uma segunda língua. Nesse sentido, a morte traduz a vida terrena em vida eterna. Segundo o texto, o fato de haver diferentes tipos de morte poderia ser explicado porque Deus recorre a diferentes “tradutores” para promover a passagem de um estado humano, finito, terreno, para outro, celestial, eterno.

04 – Releia:
        “Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um teu amigo, ou o teu próprio.”
a)   Explique a nova metáfora utilizada pelo autor nessa passagem.
Quando utiliza a metáfora da ilha para afirmar que a morte de um indivíduo afeta a todos, o autor leva adiante a primeira afirmação feita no teto. Por trás da universalidade da Igreja, o que Donne pretende afirmar é a unidade de todos os seus membros a partir da figura central de Deus.

b)   De que modo ela expande a tese central do texto?
A tese defendida por Donne, nesta meditação, é a da irmandade dos seres humanos por meio de Deus. A ilha representa o isolamento, a solidão, a individualidade. Na passagem citada, o autor volta a falar sobre a morte de um indivíduo, recorrendo à imagem do torrão levado pelo mar, para explicitar que a perda é muito maior, porque o próprio continente seria afetado.

05 – Podemos identificar uma organização semelhante no quadro de El Greco e no texto de Jonh Donne no que diz respeito às ideias católicas. Explique essa semelhança.
      No quadro de El Greco, observamos um movimento que sugere o caminho dos fieis em direção a Deus. Soberano, Cristo preside o julgamento das almas que deixam a dimensão terrestre, garantindo-lhes vida eterna. Nesse sentido, ele é o fator de união de todos aqueles que se encontram sob sua proteção e misericórdia. Isso fica representado, na tela, pela posição superior e central que Cristo ocupa. Jonh Donne explora a mesma ideia, por meio de suas metáforas. A tese defendida por ele é a de que a humanidade constitui um único corpo e, na hora da morte, Deus se encarrega de “reencadernar” as folhas nos volumes que compõem a sua grande biblioteca. Mas uma vez, Deus está presente como elemento central em torno do qual se organizam os seres humanos.