quarta-feira, 17 de abril de 2024

CARTA: QUINTA - FRAGMENTO - SÓROR MARIANA ALCOFORADO - COM GABARITO

 Carta: QUINTA – Fragmento

           Sóror Mariana Alcoforado

        Escrevo-lhe pela última vez e espero fazer-lhe sentir, na diferença de termos e modos desta carta, que finalmente acabou por me convencer de que já me não ama e que devo, portanto, deixar de o amar.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdrfCvhUF3D0hXUAIzRM1YVre8bYuIulaWIJSyes8Xiw8rmHXFjRwLurDIoOaTmRWFnf406FBzkJLnH2fT0Wt1yANAlIPk15teWoy790vkJN7BdNrA_mBPjCxeSV5ARaaqMrtiKWKm0-iY-Re54Cx_4zrPd5PqhtD3SFl2nbFJvMJk3B7KCHi_gV96KYs/s320/CARTA.jpg


        Mandar-lhe-ei, pelo primeiro meio, o que me resta ainda de si. Não receie que lhe volte a escrever, pois nem sequer porei o seu nome na encomenda. [...]

        Não conheci o desvario do meu amor senão quando me esforcei de todas as maneiras para me curar dele, e receio que nem ousasse tentá-lo se pudesse prever tanta dificuldade e tanta violência. Creio que me teria sido menos doloroso continuar a amá-lo, apesar da sua ingratidão, do que deixá-lo para sempre. Descobri que lhe queria menos do que à minha paixão, e sofri penosamente em combatê-la, depois que o seu indigno procedimento me tornou odioso todo o seu ser.

        O orgulho tão próprio das mulheres não me ajudou a tomar qualquer decisão contra si. Ai, suportei o seu desprezo, e teria suportado o ódio e o ciúme que me provocasse a sua inclinação por outra! Ao menos, teria qualquer paixão a combater. Mas a sua indiferença é intolerável.

        Os impertinentes protestos de amizade e a ridícula correção da sua última carta provaram-me ter recebido todas as que lhe escrevi e que, apesar de as ter lido, não perturbaram o seu coração.

        Ingrato! E a minha loucura é tanta ainda, que desespero por já não poder iludir-me com a ideia de não chegarem aí, ou de não lhe terem sido entregues.

        Detesto a sua franqueza. Pedi-lhe eu para me dizer pura e simplesmente a verdade? Porque me não deixou com a minha paixão? Bastava não me ter escrito: eu não procurava ser esclarecida. Não me chegava a desgraça de não ter conseguido de si o cuidado de me iludir? Era preciso não lhe poder perdoar? Saiba que acabei por ver quanto é indigno dos meus sentimentos; conheço agora todas as suas detestáveis qualidades. Mas, se tudo quanto fiz por si pode merecer-lhe qualquer pequena atenção para algum favor que lhe peça, suplico-lhe que não me escreva mais e me ajude a esquecê-lo completamente. Se me mostrasse, ao de leve que fosse, ter sentido algum desgosto ao ler esta carta, talvez eu acreditasse; talvez a sua confissão e o seu arrependimento me enchessem de cólera e de despeito; e tudo isso poderia de novo incendiar-me.

        Não se meta pois no meu caminho; destruiria, sem dúvida, todos os meus projetos, fosse qual fosse a maneira porque se intrometesse. Não me interessa saber o resultado desta carta; não perturbe o estado para que me estou preparando.

        Parece-me que pode estar satisfeito com o mal que me causa, qualquer que fosse a sua intenção de me desgraçar. Não me tire desta incerteza; com o tempo espero fazer dela qualquer coisa parecida com a tranquilidade. Prometo-lhe não o ficar a odiar: por de mais desconfio de sentimentos de sentimentos exaltados para me permitir intentá-lo. Estou convencida de que talvez encontrasse aqui um amante melhor e mais fiel; mas ai!, quem me poderá ter amor? Conseguirá a paixão de outro homem absorver-me? Que poder teve a minha sobre si? Não sei eu por experiência que um coração enternecido nunca mais esquece quem lhe revelou prazeres que não conhecia, e de que era suscetível?, que todos os seus impulsos estão ligados ao ídolo que criou? que os seus primeiros pensamentos e primeiras feridas não podem curar-se nem apagar-se?, que todas as paixões que se oferecem como auxílio, e se esforçam por o encher e apaziguar, lhe prometem em vão um sentimento que não voltará a encontrar? , que todas as distrações que procura, sem nenhuma vontade de as encontrar, apenas servem para o convencer que nada ama tanto como a lembrança do seu sofrimento? Porque me deu a conhecer a imperfeição e o desencanto de uma afeição que não deve durar eternamente, e a amargura que acompanha um amor violento, quando não é correspondido? E porque razão, uma cega inclinação e um cruel destino, persistem quase sempre em prender-nos àqueles que só a outros são sensíveis? [...].

        Ao devolver-lhe as suas cartas, guardarei, cuidadosamente, as duas últimas que me escreveu; hei de lê-las ainda mais do que li as primeiras, para não voltar a cair nas minhas fraquezas. Ah, quanto me custam e como teria sido feliz se tivesse consentido que o amasse sempre! Reconheço que me preocupo ainda muito com as minhas queixas e a sua infidelidade, mas lembre-se que a mim própria prometi um estado mais tranquilo, que espero atingir, eu então tomarei uma resolução extrema, que virá a conhecer sem grande desgosto. De si nada mais quero.

        Sou uma doida, passo o tempo a dizer a mesma coisa. É preciso deixá-lo e não pensar mais em si. Creio mesmo que não voltarei a escrever-lhe.

        Que obrigação tenho eu de lhe dar conta de todos os meus sentimentos?

        FIM

ALCOFORADO, Sóror Mariana. Quinta carta. In: MAGALHÃES, Isabel Allegro de. História e antologia da literatura portuguesa – Século XVII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. p. 80-81.

Fonte: Língua Portuguesa. Se liga na língua – Literatura – Produção de texto – Linguagem. Wilton Ormundo / Cristiane Siniscalchi. 1 Ensino Médio. Ed. Moderna. 1ª edição. São Paulo, 2016. p. 93-95.

Entendendo a carta:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Desvario: loucura.

·        Impertinentes: inadequados.

·        Correcção: cuidado.

·        Cólera: ira.

·        Intentá-lo: tenta-lo.

·        Suscetível: capaz de receber.

02 – Qual o objetivo da quinta carta de Alcoforado?

      Registrar sua indignação com o amante e pedir a ele que não escreva mais para ela.

03 – Que tipo de sentimento você identificou nela?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Raiva, mágoa, indignação, desprezo, etc.

04 – A carta de Alcoforado nos permite inferir, de acordo com o ponto de vista da remetente, algumas características morais de seu amante. Quais seriam elas?

      Pode-se inferir, pela leitura da carta, que o amante de Alcoforado é um homem ingrato, indigno, indiferente e franco.

05 – Qual é o tema central da carta "Quinta" de Sóror Mariana Alcoforado?

      O tema central é o desgosto e a desilusão amorosa da autora em relação a alguém que não corresponde ao seu amor, expressando sua dor e tentativas de superação.

06 – Como a autora descreve a sua reação diante da indiferença da pessoa amada?

      A autora descreve a indiferença como intolerável e mais dolorosa do que qualquer desprezo, ódio ou ciúme que poderia ter enfrentado.

07 – Quais são os sentimentos predominantes expressos pela autora em relação ao seu amor não correspondido?

      A autora expressa sentimentos de desgosto, desilusão, tristeza e incredulidade diante da indiferença e da falta de reciprocidade do seu amor.

08 – Como a autora percebe a franqueza da pessoa amada?

      A autora detesta a franqueza da pessoa amada, questionando por que a verdade foi revelada se não havia intenção de buscar esclarecimentos, preferindo viver na ilusão da paixão.

09 – Qual é o pedido final da autora para a pessoa amada ao final da carta?

      A autora suplica que a pessoa amada não lhe escreva mais e a ajude a esquecê-lo completamente, prometendo não odiá-lo e buscando alcançar um estado de tranquilidade emocional.

10 – Como a autora espera lidar com suas emoções futuras em relação ao amor não correspondido?

      A autora espera alcançar um estado mais tranquilo e promete tomar uma "resolução extrema" quando atingir esse estado, sugerindo um distanciamento definitivo.

11 – Qual é a atitude que a autora decide tomar em relação ao seu amor não correspondido no desfecho da carta?

      A autora decide que é necessário deixar de amar essa pessoa e não pensar mais nela, expressando resignação e aceitação da situação.

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