quarta-feira, 23 de outubro de 2024

CONTO: LUVIBÓRIX - FRAGMENTO - CARLOS EMILIO CORRÊA LIMA - COM GABARITO

 Conto: Luvibórix – Fragmento

        Ele mantém somente um olho fechado para que o outro veja normalmente o espaço. Tampa um olho enquanto mantém outro aceso vibrando, vivo, vivendo. Interessantíssimo. Por que não abre os dois juntos? Não pode. Um olho está costumado. Não pode fazer assim. Se vendasse o outro olho e reabrisse o direito, por exemplo, veria outro espaço, outros seres e coisas, um universo distinto desse em que nós estamos. Com os dois olhos abertos misturaria os dois universos numa visão simultânea. O universo esquerdo se chocaria com o universo que flui do olho direito, com este universo que resiste sólido, dentro do qual vivemos tudo que é possível. As coisas e seres novos se embaralhariam com tudo que já existe, se fundiriam, tudo poderia mesmo atingir o ponto da destruição final.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnje-27dIW0k-GCmFlFhU9w89RQQjIWe93MBXDuH-4JIbcVoN9abbE3N0Wh4aJi4o1x8OVhHuxUyTVBPySOq8vknokHm5vg68XYv1U-lgs2wo5aW7dzvHPmRli1JmeAMPljdvwjlDnsxgBz0xQfHbQ_WdlsLHbH9Vl3mtVq9IzgeKGOyioqI3g-IAxo3I/s320/2%20UNIVERSOS.jpg


    Os dois universos, o oculto dentro do seu globo ocular, e o visível, cujas raízes são os raios do seu olho desimpedido, não podem ocorrer ao mesmo tempo exato. Não caberiam juntos no espaço. Seria o desastre, o cataclismo temido desde sempre? Por isso o guardam, por isso o servem e protegem. Eu sou um desses.

        Quando o vi pela primeira vez, mantinha-se quieto, melancólico, no fundo do grande poço, e continuava a ser alimentado por pedras maciças, granito e mármore, cristais e ferro, torres e pináculos, restos das estátuas e paredes das demolições preciosas por ele prefixadas com sábia antecedência. Jogávamos-lhe amontoados de rosas também. Esfregava as rosas nas superfícies ásperas, granulosas, irritantes de certos blocos de pedra inteiriça e só depois é que os comia. Ouvíamos o triturar de suas mandíbulas dentadas. Raras vezes podia sair lá debaixo. Gostava mesmo de caminhar pelas galerias subterrâneas e de molhar seu corpo de réptil nas águas das cavernas secretas, nas cachoeiras profundas. Seu olho direito dilatado mantinha o mundo suspenso e intacto, perene. O horizonte, as montanhas e os povos.

        Ao digerir pela enésima vez uma cabeça de apóstolo João, esculpida em série por um artesão-escultor do século XII, anônimo, exasperou-se, lembrou-se. Precisava novamente vistoriar o canteiro de obras de devastação em que se transformara o planeta fixado pelo seu olhar de limites. Resolveu pedir para habitar a superfície da Terra por algumas semanas (foi o que disse no início) para realizar mais uma inspeção, ver como iam seguindo os trabalhos de seus desejos.

        Pôs o tapa-olho preferido sobre o olho hermeticamente fechado, perpétuo em sua imobilidade; subiu lentamente pela escada de aço e pediu-me que o guiasse pelos arredores porque, disse-me, entre entristecido e indiferente, ficara desacostumado e tudo na superfície se modicava muito rapidamente mercê das ações de suas formigas obreiras, nós, os seres humanos. Não reencontraria os caminhos do milênio passado, bastante provável, entre os novos guindastes que se moviam entre um entrecruzar-se metálico pela planície de neve interminável.

        Ouçam a sirene vermelha do carro-esteira. Escondam-se todos no interior das máquinas, em suas casas-nômades. É ainda o olho direito que está aberto! Mesmo assustados com sua passagem todos vocês podem respirar com alívio, nosso universo, nosso mundo equilibra-se a salvo. Posso notar que é olho direito arregalado e tenso, sedento de ar e de luz, a irradiar e a reter tudo o que está presente, posso perceber com perfeição o olho aberto modelador já que bem perto de mim ele sentou-se, instalou-se, sua cabeça. Não tenho medo, fui capacitado para não sentir pavor ante sua presença e depois, aqueles que, como eu, não são feitos de granito e de rocha, nada precisam temer das mandíbulas de Luvibórix, o eterno...

LIMA, Carlos Emílio Corrêa. Luvibórix. In: TAVARES, Braulio (org.) Páginas de sombras: contos fantásticos brasileiros. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009. p. 133-136.

Fonte: Maxi: Séries Finais. Caderno 1. Língua Portuguesa – 7º ano. 1.ed. São Paulo: Somos Sistemas de Ensino, 2021. Ensino Fundamental 2. p. 57-58.

Entendendo o conto:

01 – Quem é Luvibórix e qual sua principal característica?

      Luvibórix é uma entidade poderosa que possui a capacidade de criar e destruir universos com seus olhos. Sua principal característica é a capacidade de controlar a realidade através do seu olhar, mantendo um universo estável com um olho fechado e observando outro universo com o olho aberto.

02 – Qual o significado do olho fechado e do olho aberto para Luvibórix?

      O olho fechado representa um universo oculto e potencial, enquanto o olho aberto representa o universo manifesto e visível. Ao alternar entre os dois, Luvibórix controla a criação e a destruição, mantendo um equilíbrio cósmico delicado.

03 – Qual a relação de Luvibórix com os humanos?

      Luvibórix vê os humanos como "formigas obreiras" que executam seus desejos de destruição e reconstrução. Ele os observa com uma mistura de indiferença e superioridade, utilizando-os para moldar o mundo de acordo com sua vontade.

04 – Qual o objetivo de Luvibórix em visitar a superfície da Terra?

      Luvibórix visita a superfície da Terra para inspecionar os resultados de suas ações e garantir que seus planos de destruição e reconstrução estejam progredindo conforme o esperado. Ele busca verificar se o mundo está sendo moldado de acordo com sua visão.

05 – Qual a sensação que os humanos sentem diante da presença de Luvibórix?

      Os humanos sentem medo e respeito diante da presença de Luvibórix. Eles reconhecem seu poder e sabem que suas ações podem ter consequências devastadoras. No entanto, também há uma sensação de fascínio e admiração pela sua capacidade de controlar a realidade.

06 – Qual o papel das "pedras maciças" e das "rosas" na história?

      As "pedras maciças" e as "rosas" servem como alimento para Luvibórix, representando a matéria prima que ele utiliza para criar e destruir. As rosas, em particular, podem simbolizar a beleza e a fragilidade da criação, que é consumida e transformada pela entidade.

07 – Qual a atmosfera geral criada pelo conto?

      O conto cria uma atmosfera de mistério, poder e destruição. A figura de Luvibórix é imponente e aterrorizante, enquanto a descrição do mundo transformado por ele evoca uma sensação de desolação e caos. Ao mesmo tempo, há um elemento de beleza e fascínio na descrição da capacidade de Luvibórix de controlar a realidade.

 

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