CONTO: O MATO
Veio o vento frio, e depois o
temporal noturno, e depois da lenta chuva que passou toda a manhã caindo e
ainda voltou algumas vezes durante o dia, a cidade entardeceu em brumas. Então
o homem esqueceu o trabalho e as promissórias, esqueceu a condução e o telefone
e o asfalto, e saiu andando lentamente por aquele morro coberto de um mato
viçoso, perto de sua casa. O capim cheio de água molhava seu sapato e as pernas
da calça; o mato escurecia sem vaga-lumes nem grilos.
Pôs a mão no tronco de uma árvore
pequena, sacudiu um pouco, e recebeu nos cabelos e na cara as gotas de água
como se fosse uma bênção. Ali perto mesmo a cidade murmurava, estava com seus
ruídos vespertinos, ranger de bondes, buzinar impaciente de carros, vozes
indistintas; mas ele via apenas algumas árvores, um canto de mato, uma pedra
escura. Ali perto, dentro de uma casa fechada, um telefone batia, silenciava,
batia outra vez, interminável, paciente, melancólico. Alguém, com certeza já
sem esperança, insistia em querer falar com alguém.
Por um instante o homem voltou seu
pensamento para a cidade e sua vida. Aquele telefone tocando em vão era um dos
milhões de atos falhados da vida urbana. Pensou no desgaste nervoso dessa vida,
nos desencontros, nas incertezas, no jogo de ambições e vaidades, na procura de
amor e de importância, na caça ao dinheiro e aos prazeres. Ainda bem que de
todas as grandes cidades do mundo o rio é a única a permitir a evasão fácil
para o mar e a floresta. Ele estava ali num desses limites entre a cidade dos
homens e a natureza pura; ainda pensava em seus problemas urbanos - mas um
camaleão correu de súbito, um passarinho piou triste em algum ramo, e o homem
ficou atento àquela humilde vida animal e também à vida silenciosa e úmida das
árvores, e à pedra escura, com sua pele de musgo e seu misterioso coração
mineral.
ARRIGUCCI, Jr. Os melhores contos de Rubem Braga. São
Paulo: Editora Global Ltda, 1985.
Descritor
10 – Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a
narrativa
01. No texto, o elemento que
gera a história narrada é
(A) a preocupação do homem
com os problemas alheios.
(B) a proximidade entre a
casa do homem e o morro com mato viçoso.
(C) o desejo do
homem de buscar alento próximo da natureza.
(D) o toque insistente do
telefone em uma casa fechada e silenciosa. (E) os ruídos vespertinos da cidade,
com seus murmúrios constantes.
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