Crônica: Namoro
Luís Fernando Veríssimo
- Desliga você.
- Não, desliga você.
- Você.
- Você.
- Então vamos desligar juntos.
- Tá. Conta até três
. - Um... Dois... Dois e meio...
Ridículo agora, porque na hora não era não. Na
hora nem os apelidos secretos que vocês tinham um para o outro, lembra? Eram
ridículos. Ronron. Suzuca. Alcizanzão. Surusuzuca. Gongonha (Gongonha!) Mamosa.
Purupupuca... Não havia coisa melhor do que passar tardes inteiras num sofá,
olho no olho, dizendo:
- As dondozeira ama os dondozeiro?
- Ama.
- Mas os dondozeiro ama as dondozeira mais do
que as dondozeira ama os dondozeiro.
- Na-na-não. As dondozeira ama os
dondozeiro mais do que, etc. E, entremeando o diálogo, longos beijos, profundos
beijos, beijos mais do que de línguas, beijos de amígdalas, beijos catetéricos.
Tardes inteiras. Confesse: ridículo só porque nunca mais.
Depois de ridículo, o melhor do namoro são as
brigas. Quem diz que nunca, como quem não quer nada, arquitetou um encontro
casual com a ex ou o ex só para ver se ela ou ele está com alguém, ou para
fingir que não vê, ou para ver e ignorar, ou para dar um abano amistoso
querendo dizer que ela ou ele significa tão pouco que pode até ser amigos, está
mentindo. Ah, está mentindo.
E melhor do que as brigas são as reconciliações.
Beijos ainda mais profundos, apelidos ainda mais lamentáveis, vistos de longe.
A gente brigava mesmo era para se reconciliar depois, lembra? Oito entre dez
namorados transam pela primeira vez fazendo as pazes. Não estou inventando. O
IBGE tem as estatísticas.
Na última briga deles, a Suzana conseguiu fazer chegar
aos ouvidos do Alcyr que estava saindo com outro. Um colega do trabalho. E o
Alcyr fez a coisa sensata, o que qualquer um de nós faria. Passou a espionar a
Suzana escondido. Começou a faltar a sua aula de especialização em ciências
contábeis às 6 para ficar atrás de uma carrocinha de pipoca, vendo se a Suzana
saía do trabalho com o outro. Rondava a casa da Suzana. Uma noite, uma
sexta-feira, pensou ver a Suzana entrar em casa com um homem - e não viu o homem
sair da casa.
Quatro da
manhã e o Alcyr abraçado a uma árvore, tremendo de frio, de olho fixo na porta.
Todas as luzes da casa apagadas e o Alcyr pensando, quase chorando: não pode
ser, não pode ser. Como é que o seu Amorim e a dona Laurita deixam? Eu, eles
botavam na rua às onze e meia. O outro, deixam dormir com a Suzana na sua
própria cama. Porque a Suzana só podia estar na cama com o outro. Àquela hora,
não podiam estar mais no sofá, ela chamando ele de Dondozeiro. Ou podia? Não
podia. Podia, não podia, o Alcyr não se aguentou, pulou a cerca, se agachou sob
a janela da Suzana, bateu com o joelho em alguma coisa, gritou, e quando o seu
Amorim apareceu na porta dos fundos e perguntou "Quem é que está aí?"
tentou imitar um cachorro. Não convenceu ninguém, claro, tanto que, dez minutos
depois, estava sentado na mesa da cozinha, tiritando,
as calças sujas de barro, tomando o café da dona Laurita com uma mão, e o outro
braço em volta da cintura de Suzana. Sim, reconciliados, abraçados,
emocionados. Pois Suzana se enternecera com
o ciúme do seu Ipsilonezinho. Não havia outro nenhum, ela fora à farmácia com o
pai, o homem que ele vira entrar em casa com ela era o seu Amorim, bobo! Mas o
que realmente conquistara Suzana fora o ganido do Alcyr, tentando imitar um
cachorro. Só um homem muito apaixonado faria um ridículo daqueles. Em dois
meses estavam casados.
Até hoje a Suzana conta a história do Alcyr ganindo no quintal, por mais que
ele peça para ela não contar. As crianças já cansaram de ouvir a história, os
amigos ouvem um pouco sem jeito. E a Suzana e o Alcyr não se tratam mais por
apelidos. Quando fala nele, ela diz "Esse daí". Mas que foi bom, foi.
(VERÍSSIMO, Luís Fernando. Correio Braziliense. 13/06/1999.)
Fonte da imagem - https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPBxHlTUpn0mrW6I6NM1voIr64xF25FzQ_7sWzTinR0keG-KZdft8-RLUQkvrrg4yRB0Z49Mmd6SAGje4g4hkzLAMC_rQ44lBpuzRCNQW2IzBUyWAIZ09zvC1dFpHly-tcFP0vx2dcXKVG/s1600/namoro.jpg
Entendendo a Crônica
01.No texto, considera-se que o melhor do namoro
é o ridículo associado
A) às brigas por amor.
B) às mentiras inocentes.
C) às reconciliações felizes.
D) aos apelidos carinhosos.
E) aos telefonemas intermináveis.
02. Qual é o tema
principal do texto lido? Comprove a sua resposta com um trecho retirado da
crônica.
O tema é as coisas ridículas que dizemos quando
estamos enamorados. “...apelidos secretos que
vocês tinham um para o outro, lembra? Eram ridículos. Ronron. Suzuca.
Alcizanzão. Surusuzuca. Gongonha (Gongonha!) Mamosa. Purupupuca...”
03. O extremo do ridículo, segundo o narrador foi:
a) imitar um cachorro para não ser descoberto.
c) convidá-la para um chope
b) abraçar uma árvore.
d) apelidar a pessoa amada.
04. O que é, segundo o narrador do texto, melhor que as
brigas?
Melhor do que as brigas são as
reconciliações.
Qual o motivo do autor do texto ter utilizado a variante linguística própria daquele grupo social?
ResponderExcluirNo trecho “Eu ia consegui ficar em pé na minha triquilha tigrada, sair do back side, subir no lip, trabalhar a espuma, iiiiihhhhaaaaaaaaa! (...), as expressões destacadas são gírias próprias de que grupo social?
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