quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

CRÔNICA: NAMORO - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Crônica: Namoro

                   Luís Fernando Veríssimo

 O melhor do namoro, claro, é o ridículo. Vocês dois no telefone:

 - Desliga você.
 - Não, desliga você.
 - Você. 
- Você.
 - Então vamos desligar juntos.
 - Tá. Conta até três
. - Um... Dois... Dois e meio... 
Ridículo agora, porque na hora não era não. Na hora nem os apelidos secretos que vocês tinham um para o outro, lembra? Eram ridículos. Ronron. Suzuca. Alcizanzão. Surusuzuca. Gongonha (Gongonha!) Mamosa. Purupupuca... Não havia coisa melhor do que passar tardes inteiras num sofá, olho no olho, dizendo: 
- As dondozeira ama os dondozeiro?
 - Ama. 
- Mas os dondozeiro ama as dondozeira mais do que as dondozeira ama os dondozeiro.
 - Na-na-não. As dondozeira ama os dondozeiro mais do que, etc. E, entremeando o diálogo, longos beijos, profundos beijos, beijos mais do que de línguas, beijos de amígdalas, beijos catetéricos. Tardes inteiras. Confesse: ridículo só porque nunca mais. 
Depois de ridículo, o melhor do namoro são as brigas. Quem diz que nunca, como quem não quer nada, arquitetou um encontro casual com a ex ou o ex só para ver se ela ou ele está com alguém, ou para fingir que não vê, ou para ver e ignorar, ou para dar um abano amistoso querendo dizer que ela ou ele significa tão pouco que pode até ser amigos, está mentindo. Ah, está mentindo. 
E melhor do que as brigas são as reconciliações. Beijos ainda mais profundos, apelidos ainda mais lamentáveis, vistos de longe. A gente brigava mesmo era para se reconciliar depois, lembra? Oito entre dez namorados transam pela primeira vez fazendo as pazes. Não estou inventando. O IBGE tem as estatísticas.

 Na última briga deles, a Suzana conseguiu fazer chegar aos ouvidos do Alcyr que estava saindo com outro. Um colega do trabalho. E o Alcyr fez a coisa sensata, o que qualquer um de nós faria. Passou a espionar a Suzana escondido. Começou a faltar a sua aula de especialização em ciências contábeis às 6 para ficar atrás de uma carrocinha de pipoca, vendo se a Suzana saía do trabalho com o outro. Rondava a casa da Suzana. Uma noite, uma sexta-feira, pensou ver a Suzana entrar em casa com um homem - e não viu o homem sair da casa.   

    Quatro da manhã e o Alcyr abraçado a uma árvore, tremendo de frio, de olho fixo na porta. Todas as luzes da casa apagadas e o Alcyr pensando, quase chorando: não pode ser, não pode ser. Como é que o seu Amorim e a dona Laurita deixam? Eu, eles botavam na rua às onze e meia. O outro, deixam dormir com a Suzana na sua própria cama. Porque a Suzana só podia estar na cama com o outro. Àquela hora, não podiam estar mais no sofá, ela chamando ele de Dondozeiro. Ou podia? Não podia. Podia, não podia, o Alcyr não se aguentou, pulou a cerca, se agachou sob a janela da Suzana, bateu com o joelho em alguma coisa, gritou, e quando o seu Amorim apareceu na porta dos fundos e perguntou "Quem é que está aí?" tentou imitar um cachorro. Não convenceu ninguém, claro, tanto que, dez minutos depois, estava sentado na mesa da cozinha, tiritando, as calças sujas de barro, tomando o café da dona Laurita com uma mão, e o outro braço em volta da cintura de Suzana. Sim, reconciliados, abraçados, emocionados. Pois Suzana se enternecera com o ciúme do seu Ipsilonezinho. Não havia outro nenhum, ela fora à farmácia com o pai, o homem que ele vira entrar em casa com ela era o seu Amorim, bobo! Mas o que realmente conquistara Suzana fora o ganido do Alcyr, tentando imitar um cachorro. Só um homem muito apaixonado faria um ridículo daqueles. Em dois meses estavam casados.

            Até hoje a Suzana conta a história do Alcyr ganindo no quintal, por mais que ele peça para ela não contar. As crianças já cansaram de ouvir a história, os amigos ouvem um pouco sem jeito. E a Suzana e o Alcyr não se tratam mais por apelidos. Quando fala nele, ela diz "Esse daí". Mas que foi bom, foi.

(VERÍSSIMO, Luís Fernando. Correio Braziliense. 13/06/1999.)

Fonte da imagem - https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPBxHlTUpn0mrW6I6NM1voIr64xF25FzQ_7sWzTinR0keG-KZdft8-RLUQkvrrg4yRB0Z49Mmd6SAGje4g4hkzLAMC_rQ44lBpuzRCNQW2IzBUyWAIZ09zvC1dFpHly-tcFP0vx2dcXKVG/s1600/namoro.jpg

 Entendendo a Crônica

01.No texto, considera-se que o melhor do namoro é o ridículo associado

A) às brigas por amor. 

B) às mentiras inocentes.
C) às reconciliações felizes. 
D) aos apelidos carinhosos. 
E) aos telefonemas intermináveis.

02. Qual é o tema principal do texto lido? Comprove a sua resposta com um trecho retirado da crônica.

     O tema é as coisas ridículas que dizemos quando estamos enamorados. “...apelidos secretos que vocês tinham um para o outro, lembra? Eram ridículos. Ronron. Suzuca. Alcizanzão. Surusuzuca. Gongonha (Gongonha!) Mamosa. Purupupuca...”

03. O extremo do ridículo, segundo o narrador foi:

a) imitar um cachorro para não ser descoberto.        

c) convidá-la para um chope   

b) abraçar uma árvore.                                        

d) apelidar a pessoa amada.

 

04. O que é, segundo o narrador do texto, melhor que as brigas?

     Melhor do que as brigas são as reconciliações. 

 


2 comentários:

  1. Qual o motivo do autor do texto ter utilizado a variante linguística própria daquele grupo social?

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  2. No trecho “Eu ia consegui ficar em pé na minha triquilha tigrada, sair do back side, subir no lip, trabalhar a espuma, iiiiihhhhaaaaaaaaa! (...), as expressões destacadas são gírias próprias de que grupo social?

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