quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

SERMÃO DO MANDATO - ANTÔNIO VIEIRA - COM GABARITO

 Sermão do Mandato


 Antônio Vieira

       O primeiro remédio que dizíamos, é o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera? São as afeições como as vidas, que não há mais certo de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas, que partem do centro para a circunferência, que tanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os Antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não atira; embota-lhe as setas, com que já não fere; abre-lhe os olhos, com que vê o que não via; e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às cousas, descobre-lhe defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais amor? O mesmo amor é a causa de não amar, e o de ter amado muito, de amar menos.

VIEIRA, Antônio. Sermão do Mandato. In: Sermões. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1980. 

Descritor 2 – Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade de um texto

QUESTÃO 01

 O tempo é a principal solução para os problemas. A frase que reproduz essa ideia é

(A) “Antigos sabiamente pintaram o amor menino...” (ℓ.5)

(B) “Atreve-se o tempo a colunas de mármore...” (ℓ.2)

(C) “O primeiro remédio que dizíamos, é o tempo.” (ℓ.1)

(D) “(...) o tempo tira a novidade às cousas...” (ℓ. 9-10)

(E) “(...) partem do centro para a circunferência...” (ℓ. 4)

SERMÃO DO MANDATO (FRAGMENTO)

O amor sempre é amoroso; mas umas vezes é amoroso e unitivo, outras vezes amoroso e forte. Enquanto amoroso e unitivo, ajunta as extremidades mais distantes: enquanto amoroso e forte, divide os extremos mais unidos. Quais são os extremos mais distantes e mais unidos que há no mundo? O nosso corpo, e a nossa alma. São os extremos mais distantes; porque um é carne, outro espírito: são os extremos mais unidos; porque nunca jamais se apartam. Juntos nascem, juntos crescem, juntos vivem: juntos caminham, juntos param, juntos trabalham, juntos descansam: de noite e de dia; dormindo e velando: em todo o tempo, em toda a idade, em toda a fortuna: sempre amigos, sempre companheiros, sempre abraçados, sempre unidos. E esta união tão natural, esta união tão estreita, quem a divide? A morte. Tal é o amor: Fortis est ut mors dilectio*. O amor, enquanto unitivo, é como a vida; enquanto forte, é como a morte. Enquanto unitivo, por mais distantes que sejam os extremos, ajunta-os: enquanto forte, por mais unidos que estejam, aparta-os.

Antes da Encarnação do Verbo, quais eram os extremos mais distantes? Deus e o homem. E que fez o amor unitivo? Trouxe a Deus do Céu à Terra, e uniu a Deus com os homens. Depois da Encarnação, quais eram os extremos mais unidos? Cristo, e os homens. E que fez o amor forte? Leva hoje a Cristo da Terra ao Céu.

* A morte é deleite do forte.

(VIEIRA, A . Sermões. Porto: Lello e Irmão, 1959)

QUESTÃO 02

O Barroco atribui especial atenção à sintaxe textual. A esse respeito, julgue os itens:

I. Verifica-se, com frequência, no texto, a condução do raciocínio do ouvinte, a qual se constrói através da estrutura pergunta-resposta-conclusão.
II. As orações coordenadas assindéticas Juntos nascem, juntos crescem, juntos vivem constituem uma gradação de caráter temporal.
III. No fragmento O amor, enquanto unitivo, é como a vida; enquanto forte, é como a morte., há indicação de paralelismo entre as partes.


Estão corretos:

A  I e II
B  I e III
C  Todos eles
D  Nenhum deles

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