TEXTO:A REDAÇÃO E O
DICIONÁRIO
Lygia Bojunga Nunes
Se você fosse
morar numa ilha deserta e distante e só poderia levar um livro pra ler por lá,
que livro você levaria?
Quando chegou a
minha vez de responder a essa pergunta eu disse que, mesmo não gostando de
carregar peso em viagem, eu levava um dicionário da minha língua.
Mas eu só senti
o gosto do dicionário quando eu comecei a escrever livro. E assim mesmo, foi um
gosto que veio vindo devagar.
Eu tive uma
professora de português que achava impossível a gente viver sem um dicionário
perto. Eu não gostava da professora; ela tinha unha comprida e pintava de um
vermelho meio roxo, quando ela escrevia no quadro volta e meia a unha raspava a
pedra. Que aflição! Mas não era por isso que eu não gostava dela não: eu tinha
dois motivos muito mais emocionais que a unha. O primeiro é que eu achava que
ela tinha tomado o lugar da professora anterior, que eu adorava; o segundo é
que ela corrigia tintim por tintim tudo que é redação que eu fazia. Usando
caneta. E, pelo jeito, que cometia tanta barbaridade gramatical, que ela se via
obrigada a reescrever a minha redação quase que todinha. Com tinta vermelha.
Quando eu relia
a minha escrita, assim toda avermelhada para um português correto, eu sempre
sentia a impressão esquisita que a minha redação estava fazendo careta pra mim.
Mas eu nunca
parei pra pensar por que eu sentia assim. Me lembro que eu ficava chateada e
pronto: esquecia a careta. E quando eu tinha de novo que fazer redação eu me
aplicava igualzinho: redação era o único dever que gostava de fazer.
A professora
corrigia tintim por tintim outra vez. E a nota que ela me dava ficava sempre em
torno de 5. Ela justificava a dádiva com a seguinte observação: composição
imaginativa. Embaixo do FIM que eu botava sempre no fim da minha redação, ela
escrevia um lembrete (vermelho também):
“Habitue-se a
consultar o dicionário”.
Não deu outra:
me habituei a nunca abrir um dicionário.
[...]
Livro, um encontro com Lygia Bojunga Nunes.
Rio de Janeiro: Agir, 1998.
1 – Lygia tornou-se uma grande escritora. Considerando seu
depoimento, o que você pode apreender sobre a importância de contar e imaginar
histórias desde pequeno?
Resposta pessoal.
2 – Que outros elementos, relacionados ao aprendizado da
escrita, podemos apreender desse depoimento sobre as aulas de redação de Lygia?
Primeiro, há um elemento emocional que perpassa toda a relação
professor-aluno. Segundo, a professora que trabalhava muito, ao corrigir
aspectos ortográficos e gramaticais da redação da aluna em tinta vermelha, com
a melhor das intensões, parece dar preferência a indicadores relacionados à
norma padrão. Mesmo assim, a menina não parecia estar se sentindo motivada para
utilizar o dicionário, naquele momento.
3 – Este texto de Lygia Bojunga continua apresentando “as
falhas” que a professora destacava em vermelho.
a) Indique algumas delas.
Algumas respostas
possíveis: “tava”, “pra”, expressões coloquiais.
b) Nesse texto, as formas utilizadas são
interpretadas como falhas?
NÃO, pois a autora está
dando um depoimento, portanto, o texto é uma transcrição contendo formas da
oralidade. O livro do qual foi tirado o texto é um monólogo que a autora
apresenta.
c) Que conclusão você tira das duas
frases finais?
Resposta pessoal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário