quinta-feira, 19 de setembro de 2024

TEXTO: O QUE É UM HERÓI? - HELOISA PRIETO - COM GABARITO

 Texto: O que é um herói?

           Heloisa Prieto

        Um homem corajoso? Um campeão na luta? Um sujeito muito inteligente?

        Ou aquele intrépido que vive salvando mocinhas indefesas de vilões igualmente fortes, corajosos e espertos?

        Na idade média, quando os homens lutavam com arcos e flechas, lanças e espadas, surgiram os cavaleiros.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQ7O1kjpuEKuszEd5vxD2iztUwz8K8k8TGxt9Oy1wJGtC2tR9pbBTGksxU8bXIzMPXdi1Jf2at8a4jLY_xZ2s-Wq4OPLft5lH5sWUhsSrTlw_qGK4b5uvWpqYEmPQVhWA18Z6Rsp_V2TeatFpWt2hebOZDR3kMqo15Mp-bzs9p_s-Uc53-bUPFKEfUej8/s320/cruzadas01.jpg


        E, com eles, um código de honra que se chamava código da cavalaria. Naqueles tempos do passado, o herói era o cavaleiro que seguia esse código. E, segundo as leis da cavalaria, ele deveria ser justo, leal, obedecer ao rei, defender os injustiçados e... proteger donzelas em perigo.

        Quando lutava, o cavaleiro não podia atacar o inimigo pelas costas, mas devia enfrentá-lo face a face. A vitória a qualquer preço não interessava mais. Era melhor morrer com honra do que vencer pela traição e golpes baixos. Aquele que conquistava a vitória por meio da crueldade e deslealdade era considerado um vilão, uma pessoa desprezível.

PRIETO, Heloisa. Heróis e guerreiros – Quase tudo o que você queria saber. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1995. p. 7.

Fonte: Livro – Português: Linguagem, 6ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 2ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2002. p. 43-44.

Entendendo o texto:

01 – Quais são algumas das características tradicionais associadas a um herói mencionado no início do texto?

      O herói pode ser descrito como um homem corajoso, um campeão na luta, uma pessoa inteligente ou alguém que salva mocinhas indefesas de vilões.

02 – Quando surgiu o conceito de cavaleiro e o código da cavalaria?

      O conceito de cavaleiro e o código da cavalaria surgiram na Idade Média, quando os homens lutavam com arcos e flechas, lanças e espadas.

03 – O que o código da cavalaria foi projetado para um herói?

      O código da cavalaria prevê que o herói fosse justo, leal, obedecesse ao rei, defendesse os injustiçados e protegesse donzelas em perigo.

04 – Como os cavaleiros deveriam lutar, de acordo com o código da cavalaria?

      Os cavaleiros deveriam lutar contra o inimigo de frente, sem atacá-lo pelas costas. A vitória deveria ser alcançada com honra, sem traição e golpes baixos.

05 – Como eram vistos aqueles que conquistaram vitórias por meio de crueldade ou deslealdade?

      Aqueles que conquistaram a vitória, eram considerado um vilão, uma pessoa desprezível.

 



 

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

POESIA: A BOMBA ATÔMICA i - (FRAGMENTO) - VINÍCIUS DE MORAES - COM GABARITO

 Poesia: A bomba atômica I – Fragmento

             Vinícius de Moraes

Dos céus descendo
Meu Deus eu vejo
De paraquedas?
Uma coisa branca
Como uma forma
De estatuária
Talvez a forma
Do homem primitivo
A costela branca!

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiE0ZGmVVXTZEfdtFIoJihCJ6ffKcZas3_dwaAlL8SvroZtSC5wDCYJtXUMVYMBBRucPrgyrkIHfzoInljAUhn4iNkT-I3jZhLea8yQPoXILJ43JyIvN2ahUOd1hKZqICRhpEXyou_QmqCrD44ELgiX6KQEYDnlCF6qN5CGTluDWXptActFNfWkvxGxlaM/s320/BOMBA.png 
  

Talvez um seio
Despregado à lua
Talvez o anjo
Tutelar cadente
Talvez a Vênus
Nua, de clâmide
Talvez a inversa
Branca pirâmide
Do pensamento
Talvez o troço
De uma coluna
Da eternidade
Apaixonado
Não sei indago
Dizem-me todos
É A BOMBA ATÔMICA.

Vinícius de Moraes.

Fonte: livro Língua e Literatura – Faraco & Moura – vol. 3 – 2º grau – Edição reformulada 9ª edição – Editora Ática – São Paulo – SP. p. 23.

Entendendo a poesia:

01 – Qual a principal sensação evocada pelos versos iniciais do poema?

      Os versos iniciais ("Dos céus descendo / Meu Deus eu vejo / De paraquedas?") evocam uma sensação de espanto e mistério, como se o eu lírico estivesse diante de uma aparição celestial ou de um objeto desconhecido e grandioso. A imagem do "paraquedas" contrasta com a gravidade da situação que se revelará posteriormente, criando um efeito de suspense.

02 – Como o poeta descreve a forma da bomba atômica?

      O poeta utiliza diversas comparações para descrever a forma da bomba, como "uma coisa branca", "uma forma de estatuária", "a costela branca", "um seio despregado à lua", entre outras. Essas comparações revelam a dificuldade do eu lírico em compreender e descrever a forma estranha e aterrorizante do objeto. A variedade de imagens também sugere a complexidade e a imprevisibilidade da bomba atômica.

03 – Qual o significado da "inversa branca pirâmide do pensamento"?

      A "inversa branca pirâmide do pensamento" é uma metáfora complexa e abstrata. Ela pode ser interpretada como uma representação da destruição da racionalidade e do conhecimento diante da força bruta da bomba atômica. A pirâmide, símbolo de ordem e construção, aparece invertida, sugerindo a subversão de valores e a fragilidade da civilização.

04 – Qual a importância da repetição da palavra "talvez" no poema?

      A repetição da palavra "talvez" expressa a incerteza e a perplexidade do eu lírico diante do objeto observado. O poeta não tem certeza do que está vendo e busca em diversas comparações uma explicação para o que parece ser inexplicável. Essa incerteza reflete a própria natureza da bomba atômica, que representa uma força desconhecida e aterrorizante para a humanidade.

05 – Qual a principal temática do poema?

      O poema "A bomba atômica I" aborda a temática da destruição e da violência, representadas pela bomba atômica. Vinícius de Moraes utiliza uma linguagem poética e repleta de metáforas para expressar o horror e a perplexidade diante desse poder destrutivo. A obra também pode ser interpretada como uma reflexão sobre a condição humana e a fragilidade da civilização.

 

 

POEMA: PAPEL EM BRANCO - ROSEANA MURRAY - COM GABARITO

 Poema: Papel em branco

             Roseana Murray

No papel em branco
cabe o mundo:
Todas as palavras
que já foram ditas,
que já foram escritas,
e que ainda se dirá;

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaaZ0uboy0BkC8R-ztJ1z-HzWxcTU-WN9-lzLMUT2uEu7Xfi5wXd2DzbXjrfJIq3rsFJee2_jotuKd2X2XjolOHjp3FMmNYKr1BdKdGJfs8fdLeJYUOemtKb0YZSE-wDuWgMIXFmqrER8YBU5JnIwgeGmzb46x1JxxthmZpZ6G16wxJ2yEY-d0yk8IY7g/s320/PAPEL.png

Cabe o passado,
o presente e o futuro,
cabe o que já existe
e o que nunca existirá...

Todas as cores dentro do branco. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. p. 9.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 6º ano. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. 7ª edição reformulada – São Paulo: ed. Saraiva, 2012. p. 251.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o tema principal do poema?

      O tema principal do poema é o potencial ilimitado do papel em branco, que pode conter todas as palavras e ideias possíveis, incluindo o passado, o presente e o futuro.

02 – O que o papel em branco simboliza no poema?

      O papel em branco simboliza o infinito das possibilidades, onde tudo pode ser criado ou imaginado. Representa tanto o que já foi dito e escrito quanto o que ainda está por vir.

03 – Que relação o poema faz entre o papel em branco e o tempo?

      O poema estabelece uma relação entre o papel em branco e o tempo ao mencionar que nele cabem o passado, o presente e o futuro, ressaltando a ideia de que o papel pode registrar eventos de todas as épocas.

04 – Como o poema aborda o conceito de criação?

      O poema trata a criação como algo sem limites, onde o papel em branco permite a existência de tudo o que já foi criado e de tudo o que pode ser imaginado, incluindo o que nunca existirá.

05 – Qual é o tom do poema?

      O tom do poema é reflexivo e contemplativo, convidando o leitor a pensar sobre a vastidão das possibilidades que o papel em branco oferece, tanto em termos de palavras quanto de ideias e tempo.

 

POEMA: CONVITE - JOSÉ PAULO PAES - COM GABARITO

 Poema: CONVITE

             José Paulo Paes

Poesia é brincar com palavras

como se brinca com bola, papagaio, pião.

 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTnmCQJz_YyJjIXIhaCa-8IHXo6ZpqzERaqvFa_ASIYFhe4mk3ET0D5nYxlAfwNZFx9nlS8U-L7SaDXEvkplJAmMTZ-XMNujF-q8Md7Bhb4VDaRO5eMqk9PtUjeqzOyH5c84NRE_28WSEd76ded5m8wZSBgQQDQbzexB86E_FP0aEEZdvCwL30j0_NJks/s320/piao.jpg

Só que bola, papagaio, pião

de tanto brincar se gastam.

 

As palavras não:

quanto mais se brinca com elas

mais novas ficam.

 

Como a água do rio

que é água sempre nova.

 

Como cada dia

que é sempre um novo dia.

 

Vamos brincar de poesia?

José Paulo Paes. Poemas para brincar. São Paulo: Ática, 1990.

Fonte: Livro – Português: Linguagem, 6ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 2ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2002. p. 202.

Entendendo o poema:

01 – Qual a principal comparação que o poeta faz no início do poema?

      O poeta compara a poesia com brincadeiras como jogar bola, empinar papagaio e brincar de pião. Essa comparação serve para mostrar que a poesia é uma atividade lúdica e prazerosa, assim como essas brincadeiras da infância.

02 – O que acontece com os objetos de brincadeira e com as palavras quando usamos muito?

      Os objetos de brincadeira, como a bola, o papagaio e o pião, se desgastam com o uso. Já as palavras, ao contrário, se renovam e ganham novos significados quanto mais são utilizadas.

03 – Qual a metáfora utilizada para ilustrar a renovação das palavras?

      O poeta utiliza a metáfora da água do rio para ilustrar a renovação das palavras. Assim como a água do rio está sempre se movimentando e se renovando, as palavras também se transformam e adquirem novos significados ao longo do tempo.

04 – Qual o convite que o poeta faz ao leitor?

      O poeta convida o leitor a brincar de poesia, ou seja, a explorar a linguagem de forma criativa e divertida. Ele sugere que a poesia é uma atividade acessível a todos e que pode trazer muitos prazeres.

05 – Qual a principal mensagem do poema?

      A principal mensagem do poema é que a poesia é uma forma de expressão que nos permite brincar com as palavras, explorando seus diversos significados e sonoridades. Além disso, a poesia é uma atividade que nos renova e nos conecta com o mundo de uma forma mais profunda e significativa.

 

 

 

POESIA: CANTIGA DE AMOR (TROVADORISMO) - BERNARDO DE BONAVAL

 Poesia: Cantiga de amor (Trovadorismo)

             Bernardo de Bonaval

A dona que eu sirvo e que muito adoro
Mostrai-ma, ai Deus! Pois vos imploro,
Senão, dai-me a morte.


Essa que é luz destes olhos meus
Por quem sempre choram, mostrai-ma, ai Deus!
Senão, dai-me a morte.

Essa que entre todas fizeste formosa,
Mostrai-ma, ai Deus! Onde vê-la eu possa,
Senão, dai-me a morte.

A que me fizestes mais que tudo amar,
Mostrai-ma onde possa com ela falar,
Senão, dai-me a morte.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgLzdmJRicekuLoHrIhdLAIDF3InI2c8f5d9oFDGde5yF25642-N3JIXC5_dgk7lFhDJXIfAULiZbG9nxgT-WWPyxc0IOd-HrLPckVUJCxEG4MOMuJhBn2-4SpY8D5F6SrE6jXEuCmDR839FlwgD-SaOSEtscHRnOWIqwVxvYmU97LGxGH9pu6rTCykq5I/w196-h217/CANTIGA.jpeg

Bernardo de Bonaval.

Fonte: livro Língua e Literatura – Faraco & Moura – vol. 1 – 2º grau – Edição reformulada 9ª edição – Editora Ática – São Paulo – SP. p. 158.

Entendendo a poesia:

01 – Qual a principal emoção expressa pelo eu lírico na cantiga?

      A principal emoção expressa é o amor intenso e sofrido pelo eu lírico em relação à dama. Ele demonstra uma profunda saudade e desejo de vê-la, a ponto de implorar a Deus por esse encontro ou, caso contrário, pela morte.

02 – Que papel desempenha a figura divina na cantiga?

      A figura divina desempenha um papel central na cantiga, sendo invocada pelo eu lírico para interceder em seu favor. Deus é visto como um mediador entre o amante e a amada, com o poder de realizar seus desejos e aliviar seu sofrimento amoroso.

03 – Quais são as principais características da dama idealizada na poesia trovadoresca?

      A dama idealizada na poesia trovadoresca é geralmente descrita como superior ao eu lírico, inacessível e bela. Ela é um objeto de culto e adoração, e o amor por ela é visto como uma força que eleva o trovador. Na cantiga de Bernardo de Bonaval, a dama é descrita como "luz destes olhos meus" e "entre todas fizeste formosa".

04 – Que tipo de sofrimento o eu lírico experimenta por causa do amor não correspondido?

      O sofrimento do eu lírico é intenso e constante. Ele chora pela amada, sente-se incompleto sem ela e deseja ardentemente a reciprocidade de seus sentimentos. A ausência da dama causa-lhe uma dor profunda, que só pode ser aliviada com seu encontro ou com a morte.

05 – Qual a importância da repetição na construção do sentido da cantiga?

      A repetição é um recurso expressivo fundamental na cantiga de amor, contribuindo para a criação de um ritmo e uma sonoridade que intensificam a emoção expressa. A repetição do pedido a Deus para ver a amada ou, caso contrário, a morte, reforça a intensidade do desejo do eu lírico e a impossibilidade de encontrar alívio para seu sofrimento.

 

 

CONTO: O BOQUINHA DA NOITE - JAIR VITÓRIA - COM GABARITO

 Conto: O BOQUINHA DA NOITE

             Jair Vitória

        Boca da noite, Boquinha da Noite – um apelido bem dado e bem certo. E que não vinha de coisas estranhas. Gostava tanto de dança que chegava à casa da pagodeira logo à boca da noite. Dançava de dar íngua nas virilhas e debaixo dos braços. Homenzinho já beirando os cinquenta mas que era uma espoleta nas gafieiras. Os rapazes ficavam basbacados com os mandos deles nas rodas de
dança. E as moças gostavam de dançar com ele...

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwqwcjc9usXCtZGebSAulHwlnmQLJbE2Muvap-Wl0EOi1cncAJG_PBb6b9GeDA6H91YMosihmbxwsbIQBp9F9igx5Jg45Yi1C507x330WU1YeTPilKYbo8OaRRY2NtO24vpqTVptxhFS2ag5hOmcmodsVFvx6wPI9S2l1Z52DH0sy7fCJ_B7DqvnHVtoU/s320/BOCA.jpg


      Andava ele quase de felicidade malvivida; mas, se sabia disso, não se importava. Pulava o Rio Grande toda vez que havia um baile no Triângulo Mineiro. Dançava até molhar toda a roupa de suor. Saía para o terreiro, torcia a camisa, secava um pouco, depois voltava e, enquanto houvesse o fole falando música e houvesse dama, estava ele sacolejando as cadeiras. Cabelo já empainando. Tinha um cavalo castanho de encher os olhos. E só, também.

        -- Pacatau, pacatau, pacatau – era o Boquinha da Noite enforquilhado no lombo do Castanho, esfregando na sela as carnes do fundo. Tinha também um cachorro pintado que era seu amigo fiel. Meio de bem, meio de mal com a tal felicidade. Por outros tempos, longe, ele tinha ficado de mal com ela. Tinha sido lá nas margens do São Francisco, para as bandas de Xique-Xique. Naquele rincão ele perdeu a bem-amada. Ficou sorumbático um naco de tempo. Andou de bico virado para as coisas do mundo. Mas um dia pegou a trouxa e, sonhando com as terras de São Paulo, apontou o nariz para o sul. E tinha vivido e vivia sozinho – sem mulher. Pererecava e sambangava daqui e dali e achava pedaços de alegria nos bailes de roça. Morava numa espelunca em vivência com outro rapaz solteiro já meio também chegado nos anos. Era o Ninico.

        -- Pacatau, pacatau, pacatau – sempre o Boquinha enforquilhado no Castanho. Queria ver as mulheres-esposas e moças com os olhos brilhantes para o lado dele. O cavalo era bonito, sabia muito bem daquilo. Enganar a si mesmo não era tolice tanta. As mulheres olhavam para o cavalo, mas olhavam para ele
também. Era bom demais dar de possuir um cavalo bonito.

        -- Castanho, vai comer um pouco de capim, que a gente vai mais de noitinha num baile.

        O cavalo começava a pastar o capim-jaraguá bem depressa.

        -- Tigre, sai pra lá, sá bichinho. Esse cachorrinho anda de maus modos, Ninico.

        Ninico pôs o prato vazio no jirau e não falou nada. A noite vinha
pingando orvalho no capinzal.

        Mas apareceu uma mudança e encheu a tapera onde o Boquinha passava em frente aos pacataus, pacataus, pacataus. Família de grande prole. Havia uma moça de beleza pequena e de sorriso malfeito. Entretanto, tinha o corpo de bom feitio. Voz até grossa e de falar áspero.

        -- Sabe o nome da moça que mudou pra tapera do Jorginho, Ninico?

        -- Sei não, inda não. Só vi pelas costas ainda. É bonita?

        -- Bonita até falar chega, pois...

        -- Mas você não pode mais não nem pensar em moça.

        -- Tu é besta, sô; sou homem de cativar mulher demais ainda.

        -- Ora Boquinha, deixa de pensamento bobo.

        -- Pois vou ganhar a Odete pra mim. esse é o nome dela, ODETE, nome doce de fazer arrepio pelo corpo afora.

        -- Você pega com muita coisa que eu vou lá e tomo essa moça de você, Boquinha...

        -- Pensa nem isso não, Ninico... vou ser o dono dela.

        A noite estava no terreiro, pretinha de fazer medo. Boquinha da Noite dormiu com a cabeça cheia de primaveras. No dia seguinte bateu visita na casa da família novata. Castanho estava no terreiro da sala mastigando o freio e o cachorro Tigre foi cheirar a lata de lavagem na cozinha. Boquinha tagarelou com o chefe. Conversou com os rapazotes. Depois ganhou uma xícara de café da moça. Ficou trêmulo e queimou a boca de apuro de beber café pelando. Minou até água dos olhos do homenzinho, mas ele aguentou firme. O que mais fervia era o sangue dele em doidura de amor. Estava de bater a cabeça sem rumo de paixão pela Odete. Ofereceu ajuda que não dispunha à família pobre. O Boquinha da Noite conversou o que não sabia. O chefe da espelunca que era folgado aceitou tudo. Disse que era bom fazer amizade com os vizinhos novos.

        -- Pacatau, pacatau, pacatau – foi-se o Boquinha enforquilhado no arreio do Castanho. Rindo sozinho pela estrada. A Odete tinha gostado dele sim. Dera-lhe a xícara de café mais um sorriso. Agora ele estava em doidura séria de amor. Ninico iria morrer de inveja.

        Os outros rapazes iriam ficar de olhos arregalados ao vê-lo nos bailes com a mão no ombro da Odete. Ela era mais alta que ele, mas tinha nada não.

        Chegou em casa e conversou com os animais, porque o Ninico não estava. Notava toda a beleza da floresta num pedação de natureza que começava do outro lado do córrego. Beleza maior era casar de novo e com uma doninha de dezessete anos. Ele, o dançarino fanático de cabelos empainando. Feliz mais que sabiá em tardes de sol e em manhãs radiosas. Ria de falar chega a si mesmo
e de fazer graça aos animais. Sacudia a cabeça à toa.

        Quando a noite vinha de novo e o Ninico ainda não havia chegado da roça, Boquinha saiu com um frango carijó debaixo do braço. Era o primeiro de uma série de presentes que ele levaria para a família de Odete.

        -- Seo Roque, tá aqui um franguinho que eu trouxe de presente pra vocês. Na Bahia tinha desse costume com o vizinho novo.

        No vaivém da conversa, na luz mortiça da sala, Odete saiu para ajudar a esticar o assunto. O Boquinha da Noite sentiu o sangue ferver de amor. Conversou o que não sabia. O Sr. Roque disse que ele podia ficar na sala conversando com os meninos enquanto ele ia lavar os pés. Odete de amizade com o homenzinho de língua elástica sentou no mesmo banco. Quando ele foi embora, saiu tonto de paixão olhando para as estrelas. O vento sacudia as ramas e a lua começava a nadar no céu. Boquinha enchia os pulmões de ar e o coração de esperança. Decerto ela também tinha gostado dele.

        O Boquinha agora estava dando de toda a noite passar um pedaço de tempo na casa de Odete. Não era nada a casa dos velhos, mas casa da Detinha. Mandou mais frangos de presente e esqueceu um pouco dos pagodes. Odete não ia aos bailes no começo, pois não tinha roupa. Mas apareceram cortes de vestido de presente. O velho Roque viu o gosto do Boquinha da Noite pela filha. Deixou aquilo acontecer como água de regato que corre normalmente. Era
proveitoso, não precisava comprar vestido para a Detinha, ela ganhava do homenzinho atacado de paixão. Boquinha passava de galope três ou quatro vezes por dia em frente à casa da moça.

        -- Ninico, vê se gosta desse pano. Vou dá pra Detinha.

        -- É bonito sim. Mas tira isso da cabeça, sô. A moça tá aí querendo te enganar, sô.

        -- Enganar. Tu que não sabe. Já peguei na mão dela lá embaixo daquela figueirinha e dei até bicota nela. Ela riu, sô.

        -- Então o negócio tá sério mesmo, uai.

        -- Falo com o velho daqui uns tempos.

        Os rapazes da vizinhança abusavam do Boquinha. Achavam que Odete queria apenas presente dele.

        -- A Odete vai casar com Baianinho, seo Roque? – era um desses homens de língua elástica que perguntava ao pai da moça.

        -- Ham – rosnou o Sr. Roque erguendo o cutelo de cortar arroz. – Eu vou dar uma pedrada só, mas a minha pedrada vai ser certeira, eu não erro não, vou dar uma pedrada só; onde já se viu coisa dessa?!

        Roque falava daquilo, mas ficava muito contente quando a filha ganhava um corte de vestido do Boquinha da Noite e a família ganhava um frango para almoçar no domingo.

        Boquinha da Noite estava de deitar e levantar pensando na Detinha. Remediava o tempo com alegrias sonhadas de amor. Mulher mais bonita do mundo!

        Mulher mais bonita do mundo, sim senhor. Passar noites com ela num colchão de palha era viver de verdade. Aquela de outros tempos, noutro lugar, nem menos chegava perto da Detinha. Estava iludido mais que peixe pela isca. Veio a primavera de verdade e as árvores floresceram sem medo. Os ipês já tinham ficado carregadinhos de flor. Era a coisa mais bonita do mundo pensar
na Detinha com os olhos cheios de flor. Cabelo empainando, sem mentira, mas sentindo amor de verdade. Nunca deixava de levar presente à moça. Quando saía da casa da amada, depois de tempão de namoro, tinha vontade de voltar para trás quando chegava no meio do caminho. Os noitibós faziam frejo no charco, mas aquilo não espaventava seu querer de amor. Estava de não dormir direito. Dava agora de trabalhar no roçado do pai da criatura amada só para dar
de mão, sem cobrar nada. No fundo, no fundo mesmo do íntimo, Roque até gostava do Boquinha da Noite. Ele era amigo dos leais que ajudavam sem medir esforço. Mas aquele homenzinho dos cabelos empainando casar com a filha dele, isso era neca. Queria o sérico dele, os presentes. Deixava o Boquinha namorar com a filha só para iludi-lo com momentos de alegria.

        -- Sabe, Ninico, já três vezes fiz ameaça de falar com o velho no meu casamento com a Detinha.

        -- Ela aceita?

        -- Falei com ela ainda não de casamento, mas aceita sim, ora.

        -- Sei não. Acho que ela tá só te iludindo.

        -- Sou eu algum bobo... lá minha cara, sô.

        Passou mais um pedaço de tempo e o povo da redondeza comentava o caso com galhofa. Boquinha da Noite nem queria saber de nada. Era ele e ele mesmo o dono da Detinha. Estava de botar orgulho em si mesmo. Cabeça erguida enforquilhado na sela do Castanho.

        Um dia, voltando da roça por uma vereda onde as formigas passeavam também, o Boquinha ensaiou demoradamente para pedir Detinha em casamento. Com muito esforço o pedido de casamento saiu com voz tremida. Roque ouviu com naturalidade, sem dar importância.

        -- Sei, sei, eu não sou contra nada, Severino – Roque respondeu falando o nome de batismo do Boquinha da Noite.

        Boquinha da Noite pegou o trilho e foi para casa com um sufocamento de felicidade. Contou ao companheiro Ninico o caso que tinha acontecido. Ninico torceu o bigode e até acreditou que o Boquinha da Noite conseguiria mesmo casar com a Detinha. Ficou matutando aquilo muito tempo. O Boquinha da Noite era um homenzinho de língua solta mesmo, dono de uma lábia comprida.
Até ele próprio estava com inveja do Boquinha. Ah, sujeitinho de sorte. Como era possível um homem feito beirando os cinquenta anos casar com uma menina de dezessete?

        Detinha precisava arranjar um namorado de verdade mesmo. Roque falou isso com um risinho sarcástico pendurado nos lábios. Boquinha da Noite pensava que aquilo fosse namoro sério. Mas Detinha precisava de um namorado jovem.

        E foi o que aconteceu num baile. Detinha toda cheirosa e bonita dentro de um vestido presenteado pelo Boquinha. Ele, feliz que nem um passarinho. Naquela noite namoraria à beça. Mas Detinha deu-se de esquerda e olhou firme para outro moço. Depois de pouco tempo trançaram as mãos. Noite alta de amargura. Severino... Boquinha da Noite ficou macambúzio num canto. Desapontado mais que nunca. Detinha rindo à solta com o braço do rapaz enlaçado em sua cintura mesmo com a sanfona calada. Uma provocação ferindo fundo!

        Madrugada de amargura. Boquinha da Noite saiu com palpite de morte no coração. Ninico ficou no pagode. Em casa pegou o Castanho, botou a arreata no lombo do animal, encavalou-se e saiu com palpite de morte já mais crescido ainda. Que presente e que presentes tinha dado à Detinha.

        -- Pacatau, pacatau, pacatau – a madrugada acordando sob os cascos do Castanho na estrada do Rio Grande. E mais vontade de morrer aparecendo. E o rio, cheio de roncar medo. Era uma baixada longa e perigosa. Um palpite sem limite de morte. Nadar ele não sabia, tinha até medo d'água.

        Disparou o Castanho apertando com cegueira as esporas e batendo o chicote com alucinação. Um cavalo bom de rédea e obediente até demais. Foi o cavalo disparado e sem parar caiu no rio até de meio-mergulho. Uma loucura na madrugada. A lua não estava olhando e nem velando por ninguém. A água brava! Foi-se o corpo do homem para não mais ser encontrado. O cavalo amanheceu pastando no varjão, ainda arreado; Detinha chorou umas lágrimas
sentidas quando soube de tudo aquilo, mas depois o tempo apagou o sentimento de culpa.

        Contam os visionários demais, que, pela boquinha da noite, um homem dança no meio do rio, sobre as águas, e uma sanfona soa indefinidamente. Mas o vulto some quando os visionários demais afirmam a visão, e o som da sanfona vai embora quando eles aguçam os ouvidos.

VITÓRIA, Jair. O Boquinha da Noite. In: Cuma-João. 2. ed. São Paulo: Ática, 1978. p. 49-54.

Fonte: livro Língua e Literatura – Faraco & Moura – vol. 1 – 2º grau – Edição reformulada 9ª edição – Editora Ática – São Paulo – SP. p. 111-115.

Entendendo o conto:

01 – Qual a principal característica de Boquinha da Noite que dá nome ao conto?

      Sua paixão por dança, que o levava a frequentar bailes até altas horas da noite.

02 – Qual a relação de Boquinha da Noite com o cavalo Castanho?

      O cavalo era seu fiel companheiro, um símbolo de status e um meio de transporte para os bailes.

03 – Como o passado de Boquinha da Noite influencia seu comportamento presente?

      A perda da bem-amada no passado o deixou solitário e em busca constante de afeto, o que o leva a perseguir a paixão por Odete.

04 – Qual o papel de Odete na vida de Boquinha da Noite?

      Odete representa a esperança de amor e felicidade para Boquinha, mas também se torna o objeto de sua obsessão e, posteriormente, a causa de sua tragédia.

05 – Como o ambiente rural e os bailes são retratados no conto?

      O ambiente rural é retratado como um espaço de sociabilidade e onde os bailes são eventos importantes para a comunidade.

06 – Qual a importância da figura de Ninico na narrativa?

      Ninico serve como contraponto a Boquinha, oferecendo uma visão mais realista da situação e tentando alertá-lo sobre as ilusões de Odete.

07 – Como o final do conto pode ser interpretado?

      O final é trágico e ambíguo. Pode ser interpretado como uma punição por sua obsessão, uma libertação de sua dor ou até mesmo uma elevação ao status de lenda local.

08 – Quais os temas principais abordados no conto?

      Amor, paixão, obsessão, ilusão, morte, solidão e a busca por felicidade são alguns dos temas presentes na narrativa.

09 – Qual a importância da linguagem utilizada pelo autor para contar a história?

      A linguagem simples e direta, com expressões populares, contribui para a construção de um universo realista e próximo do universo dos personagens.

10 – Qual a sua opinião sobre a atitude de Boquinha da Noite ao longo da história?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Esta é uma pergunta aberta que incentiva a reflexão individual sobre as ações e motivações do personagem.

 






CONTO: A MARGARIA ENLATADA - (FRAGMENTO) - CAIO FERNANDO ABREU - COM GABARITO

 Conto: A margarida enlatada – Fragmento

           Caio Fernando Abreu

        Foi de repente. Nesse de repente, ele ia indo pelo meio do aterro, quando viu um canteiro de margaridas. Margarida era um negócio comum: ele via sempre margaridas quando ia para sua indústria, todas as manhãs. Margaridas não o comoviam, porque não o comoviam levezas. Mas exatamente de repente, ele mandou o chofer estacionar e ficou um pouco irritado com a confusão de carros às suas costas. O motorista precisou parar um pouco adiante, e ele teve que caminhar um bom pedaço de asfalto para chegar perto do canteiro. Estavam ali, independentes dele ou de qualquer outra pessoa que gostasse ou não delas: aquelas coisas vagamente redondas, de pétalas compridas e brancas agrupadas em torno dum centro amarelo, granuloso. Margaridas. Apanhou uma e colocou-a no bolso do paletó.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqmW9vaR8c0IUgnLafSUL9kktaVJEvCxbuMP_nDMGN0ZOFeW1QbwluQdUTpkez0E-wdvlAfWkDNd7oBIh-kDJLiU-p1hggV5twrNx8jdfkxF5rg8Ysp4d8SmYc0FtM9T22EM0KSLCqZawb3-pVwTM5bbN0npDd_8L8hfaNdleXf0hJYIOS2gR-90xHWaw/s320/margarida-chrysanthemum-leucanthemum-1-e1590544414648.jpg

        Diga-se em seu favor que, até esse momento, não premeditara absolutamente nada. Levou a margarida no bolso, esqueceu dela, subiu pelo elevador, cumprimentou as secretárias, trancou-se em sua sala. Como todos os dias, tentou fazer todas as coisas que todos os dias fazia. Não conseguiu. Tomou café, acendeu dois cigarros, esqueceu um no cinzeiro do lado direito, outro no cinzeiro do lado esquerdo, acendeu um terceiro, despediu três funcionários e passou uma descompostura na secretária. Foi só ao meio-dia que lembrou da margarida, no bolso do paletó. Estava meio informe e desfolhada, mas era ainda uma margarida.

        [...]

        No dia seguinte, acordou mais cedo do que de costume e mandou o chofer rodar pela cidade. Os cartazes. As ruas cheias de cartazes, as pessoas meio espantadas, desceu, misturou-se com o povo, ouviu os comentários, olhou, olhou. Os cartazes. O fundo negro com uma margarida branca, redonda e amarela, destacada, nítida. Na parte inferior, o slogan:

        Ponha uma margarida na sua fossa.

        Sorriu. Ninguém entendia direito. Dúvidas. Suposições: um filme underground, uma campanha antitóxicos, um livro de denúncia. Ninguém entendia direito. Mas ele e sua equipe sabiam. Os jornais e revistas das duas semanas seguintes traziam textos, fotos, chamadas:

        O índice de poluição dos rios é alarmante.
        Não entre nessa.
        Ponha uma margarida na sua fossa.

                                Ou

        O asfalto ameaça o homem e as flores.
        Cuidado.
        Use uma margarida na sua fossa.

                                Ou

        A alegria não é difícil.
        Fique atento no seu canto.
        Basta uma margarida na sua fossa.

        Jingles. Programas de televisão. Horário nobre. Ibope. Procura desvairada de margaridas pelas praças e jardins. Não eram encontradas. Tinham desaparecido misteriosamente dos parques, lojas de flores, jardins particulares. Todos queriam margaridas. E não havia margaridas. As fossas aumentaram consideravelmente. O índice de alcoolismo subiu. A procura de drogas também. As chamadas continuavam.

        O índice de suicídios no país aumentou em 50%.

        Mantenha distância.

        Há uma margarida na porta principal.

        Contratos. Compositores. Cibernéticos. Informáticos. Escritores. Artistas plásticos. Comunicadores de massa. Cineastas. Rios de dinheiro corriam pelas folhas de pagamento. Ele sorria. Indo ou vindo pelo meio do aterro, mandava o motorista ligar o rádio e ficava ouvindo notícias sobre o surto de margaridite que assolava o país. Todos continuavam sem entender nada. Mas quinze dias depois: a explosão.

        As prateleiras dos supermercados amanheceram repletas do novo produto. As pessoas faziam filas na caixa, nas portas, nas ruas. Compravam, compravam. As aulas foram suspensas. As repartições fecharam. O comércio fechou. Apenas os supermercados funcionavam sem parar. Consumiam. Consumavam. O novo produto:
margaridas cuidadosamente acondicionadas em latas, delicadas latas acrílicas. Margaridas gordas, saudáveis, coradas em sua profunda palidez. Mil utilidades: decoração, alimentação, vestuário, erotismo. Sucesso absoluto. Ele sorria. A barriga aumentava. Indo e vindo pelo aterro, mergulhado em verde, manhã e noite — ele sorria. Sociólogos do mundo inteiro vieram examinar de perto o fenômeno. Líderes feministas. Teóricos marxistas. Porcos chauvinistas. Artistas arrivistas. Milionários em férias. A margarida nacional foi aclamada como a melhor do mundo: mais uma vez a Europa se curvou ante o Brasil.

        Em seguida começaram as negociações para exportação: a indústria expandiu-se de maneira incrível. Todos queriam trabalhar com margaridas enlatadas. Ele pontificava. Desquitou-se da mulher para ter casos rumorosos com atrizes em evidência. Conferências. Debates. Entrevistas. Tornou-se uma espécie de guru tropical. Comentava-se em rodinhas esotéricas que seus guias seriam remotos mercadores fenícios. Ele havia tornado feliz o seu país. Ele se sentia bom e útil e declarou uma vez na televisão que se julgava um homem realizado por poder dar amor aos outros. Declarou textualmente que o amor era o seu país. Comentou-se que estaria na sexta ou sétima grandeza. Místicos célebres escreviam ensaios onde o chamavam de mutante, iniciado, profeta da Era de Aquarius. Ele sorria. Indo e vindo. Até que um dia, abrindo uma revista, viu o anúncio:

        Margarida já era, amizade.

        Saca esta transa:

        O barato é avenca.

        Não demorou muito para que tudo desmoronasse. A margarida foi desmoralizada. Tripudiada. Desprestigiada. Não houve grandes problemas. Para ele, pelo menos. Mesmo os empregados, tiveram apenas o trabalho de mudar de firma, passando-se para a concorrente. O quente era a avenca. Ele já havia assegurado o seu futuro — comprara sítios, apartamentos, fazendas, tinha gordos depósitos bancários na Suíça. Arrasou com napalm as plantações deficitárias e precisou liquidar todo o estoque do produto a preços baixíssimos. Como ninguém comprasse, retirou-o de circulação e incinerou-o.

        Só depois da incineração total é que lembrou que havia comprado todas as sementes de todas as margaridas. E que margarida era uma flor extinta. Foi no mesmo dia que pegou a mania de caminhar a pé pelo aterro, as mãos cruzadas atrás, rugas na testa. Uma manhã, bem de repente, uma manhã bem cedo, tão de repente quanto aquela outra, divisou um vulto em meio ao verde. O vulto veio se aproximando. Quando chegou bem perto, ele reconheceu sua ex-esposa.

        Ele perguntou:

        – Procura margaridas?

        Ela respondeu:

        – Já era.

        Ele perguntou:

        – Avencas?

        Ela respondeu:

        – Falou.

ABREU, Caio Fernando. A margarida enlatada. In: O novo conto brasileiro. Rio de Janeiro. INL 1985. p. 194-7.

Fonte: livro Língua e Literatura – Faraco & Moura – vol. 1 – 2º grau – Edição reformulada 9ª edição – Editora Ática – São Paulo – SP. p. 52-54.

Entendendo o conto:

01 – Qual a principal ironia presente no conto?

      A ironia reside na transformação da margarida, um símbolo de simplicidade e beleza natural, em um produto de consumo em massa, perdendo sua essência e gerando um frenesi consumista. A intenção inicial de criar um alerta ambiental acaba sendo pervertida, resultando em um novo tipo de poluição: a obsessão por um produto artificial.

02 – Qual o papel do protagonista na história?

      O protagonista é um manipulador que, a partir de uma ideia aparentemente inofensiva, desencadeia uma verdadeira histeria coletiva. Ele se beneficia financeiramente da situação, mas sua manipulação acaba tendo consequências imprevistas e destrutivas.

03 – Qual a crítica social presente no conto?

      O conto critica o consumismo desenfreado, a manipulação da mídia, a superficialidade das relações humanas e a busca incessante por novidades. A sociedade retratada é facilmente influenciável e disposta a consumir qualquer produto, mesmo que este seja artificial e sem valor real.

04 – Qual o significado da "margarida enlatada"?

      A margarida enlatada simboliza a perda da autenticidade, a alienação e a padronização. Ela representa a transformação de algo natural e espontâneo em um produto industrializado e homogêneo, perdendo sua beleza e significado original.

05 – Qual o papel da natureza no conto?

      A natureza, representada pela margarida, é inicialmente um elemento de beleza e simplicidade. No entanto, ela é transformada em um produto artificial e explorado comercialmente. A natureza é vista como mais um objeto de consumo, perdendo sua importância e valor intrínseco.

06 – Qual a relação entre o protagonista e a sociedade?

      O protagonista manipula a sociedade, explorando suas necessidades e desejos mais profundos. Ele se torna uma figura de poder e influência, mas sua relação com a sociedade é baseada na manipulação e na exploração.

07 – Qual o final do conto?

      O final do conto é irônico e trágico. A moda da margarida enlatada passa rapidamente, e o protagonista, após ter acumulado uma grande fortuna, vê seu império ruir. A margarida, que antes era um símbolo de poder e riqueza, torna-se obsoleta e é descartada.

08 – Qual o papel da mídia no conto?

      A mídia desempenha um papel fundamental na criação e na disseminação da histeria coletiva. Os anúncios, as notícias e os programas de televisão são utilizados para manipular a opinião pública e gerar um desejo insaciável pelo produto.

09 – Qual a mensagem principal do conto?

      A mensagem principal do conto é um alerta sobre os perigos do consumismo desenfreado e da manipulação da mídia. A história nos convida a refletir sobre o valor das coisas simples e a importância de preservar a autenticidade e a individualidade.

10 – Como o conto pode ser relacionado com a sociedade contemporânea?

      O conto "A margarida enlatada" é uma crítica à sociedade contemporânea, marcada pelo consumismo exacerbado, pela busca incessante por novidades e pela superficialidade das relações humanas. A história continua relevante, pois os temas abordados, como a manipulação da mídia, a obsessão por produtos e a alienação, são cada vez mais presentes em nosso cotidiano.