ARTIGO DE OPINIÃO: O avanço da tecnologia
Rania Al-Abdullah - rainha da Jordânia
Árvores luminescentes plantadas nas calçadas para
substituir lâmpadas de rua. Encanamentos de água que monitoram os próprios
vazamentos. Braços biônicos comandados pela mente. Protetores bucais que
detectam comoções cerebrais. Carros que dispensam motoristas. Essas são algumas
tecnologias que se tornarão mais comuns nos próximos dez anos. E não há dúvida
de que o ritmo das inovações deve acelerar vertiginosamente à medida que as
mentes mais criativas do mundo procurem satisfazer as demandas do nosso apetite
insaciável por avanços e um estilo de vida instantâneo, mais rápido, mais
barato, mais fácil e melhor - independentemente do que "melhor" possa
significar.
Mas quando refletimos sobre o que serão os próximos
dez anos devemos nos perguntar: qual é o benefício oferecido por essas
tecnologias se elas não podem ser compartilhadas e desfrutadas por todos -
especialmente pelas pessoas ou nações que mais necessitam delas? Ou se a falta
de segurança e estabilidade impede as pessoas de terem acesso? Em outras
palavras, qual é o benefício do progresso tecnológico sem o progresso moral?
Resposta: nada mais que uma ilusão de progresso.
Neste exato momento na minha região, o Oriente Médio,
homens são decapitados por bruxaria enquanto crianças são forçadas a assistir.
Mulheres são escravizadas e abusadas por pertencer a "outra"
religião. Cerca de 5 milhões de crianças não frequentam a escola, ignorantes
quanto ao seu futuro e o futuro da sua região.
Em outros lugares, as cenas revoltantes em Ferguson
e Baltimore nos lembram que embaixo da superfície - e muitas vezes acima dela -
a injustiça e o preconceito estão em ebulição nos Estados Unidos. Vimos a intolerância
religiosa se manifestar nos massacres do Quênia.
Ainda este ano, mil refugiados em busca de uma vida
melhor morreram afogados, em parte por causa da indiferença da comunidade
global quanto às suas aflições. Enquanto o progresso for exclusivo e não
inclusivo, compartilhado por alguns e não por todos, veremos mais incidentes
como esses. E veremos cada vez mais lobos solitários e grupos terroristas como
Estado Islâmico, Al Shabad e Boko Haram alimentando o sentimento de injustiça
das populações e buscando satisfação deturpada.
Para um progresso real e duradouro precisamos
voltar atrás, ao que é essencial. Retornar às raízes de nossa humanidade e aos
valores universais que nos ligam um ao outro. E temos de desejar avidamente e
buscar incansavelmente esses valores como se fossem um novo smartphone, uma
Fitbit ou um novo videogame.
Imagine o poder por trás do simples ato de conhecer
outras pessoas diferentes de nós próprios - e nos comunicarmos com alguém de
uma religião ou cultura diferentes da nossa. Como seria imensa a compreensão e
a compaixão se nos colocássemos no lugar do outro.
Amor de mãe
Sou árabe e muçulmana, mãe de quatro filhos, mas vi
com simpatia e aplaudi as ações de Toya Graham, uma mãe negra, quando ela
arrancou seu filho dos tumultos em Baltimore e o obrigou a voltar para casa.
Sei que não fui a única. O amor de uma mãe é o mesmo em qualquer cultura,
religião ou língua. Por acaso Toya é diferente de Ghada, de 40 anos, uma mãe
síria de cinco meninas e dois meninos? Seu marido foi morto por um franco
atirador, a casa de seus sogros foi saqueada e queimada, suas filhas ameaçadas
de estupro e morte e com os serviços de segurança atrás, ela fugiu com seus
filhos. No meio da noite, temendo que a luz da lua os delatasse, ela vagou por
terrenos acidentados e montanhosos carregando o filho mais novo e o que podia
de haveres, até alcançar a fronteira jordaniana. O amor de uma mãe é o mesmo em
qualquer cultura, religião ou língua.
É no momento que pensamos que "este poderia
ser meu filho" que começamos a nos identificar com os outros e com as
esperanças e temores recíprocos. É o impulso que nos leva a assumir a
responsabilidade pelo bem-estar recíproco. Esta é a essência da cidadania
global e do que significa viver num mundo interdependente: sermos capazes de
depender um do outro.
Mas, em algum lugar em nosso mundo que avança
velozmente, repleto dos mais recentes gadgets que se tornaram supostos símbolos
do "progresso", um número demasiado de pessoas esquece os valores com
base nos quais nossa família global é constituída.
Então, como resolver isso? Com um aplicativo
chamado "Moralidade", que clicamos diariamente para nos lembrarmos de
ser honestos, amáveis e generosos? Ou com um "Valuebit" que colocamos
em nosso pulso para contar os pontos de integridade, amor e perdão? Que tal
parar, colocar de lado os dispositivos, olhar e ouvir nossos corações e nossas
consciências? Nada de muita "conectividade", somente nos conectarmos
um com o outro. E se este progresso moral avançar no mesmo ritmo do progresso
tecnológico, este será, de fato, o real
progresso.
AL-ABDULLAH, Rania. O avanço da tecnologia. O
Estado de S. Paulo, 10 maio 2015. Caderno Internacional, p. A14.
Boxe complementar:
FONTE: Reprodução/www.unicef.org/brazil/pt/br_kent_007.jpg
Rania
Al-Abdullah (1970) é rainha da Jordânia, país árabe situado na região do Oriente
Médio, que faz fronteira com Síria, Israel, Arábia Saudita e Palestina. A
rainha Rania é conhecida por trabalhos em que promove o desenvolvimento
cultural e educacional de crianças e jovens. Por esses trabalhos, foi designada
Defensora Eminente do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Já
esteve no Brasil em visita oficial, quando pôde conhecer projetos educacionais
desenvolvidos no nosso país para a promoção educacional de crianças.
Entendendo o texto
1. Em que veículo de comunicação o texto foi
originalmente publicado?
O texto de Rania Al-Abdullah foi
publicado no jornal O Estado de S. Paulo.
2. Quem seriam os leitores supostos desse texto?
Os leitores do jornal O Estado de S.
Paulo são, em geral, adultos, normalmente interessados em informar-se sobre
questões e temas da atualidade.
3. Que questão polêmica é discutida no texto de
Rania Al-Abdullah?
A
questão polêmica está explícita: "qual é o benefício do progresso
tecnológico sem o progresso moral?".
4. Você, como leitor desse texto, consegue
posicionar-se em relação a essa questão polêmica? Concorda com a autora ou
discorda dela? Por quê? Escreva essas ideias.
Resposta pessoal.
5. Em que parágrafo do texto essa questão polêmica
aparece pela primeira vez?
No
segundo parágrafo.
6.Depois de argumentar sobre essa questão, Rania
Al-Abdullah a retoma e conclui sua argumentação. Em que parágrafo isso ocorre?
No último parágrafo.