terça-feira, 9 de março de 2021

CRÔNICA: A CASA DO MEU AVÔ - DANUZA LEÃO - COM GABARITO

 Crônica: A casa do meu avô

                    Danuza Leão

       Meu avô paterno, que se chamava Heródoto, tinha dois irmãos, Kociusko e Aristóbulo; sua casa era bem diferente da casa da minha avó materna.

        Eram também 11 tios e tias, mas todos nervosos, desobedientes, brigões e barulhentos. Falavam alto, discutiam e davam grandes gargalhadas – tudo ao mesmo tempo. Depois que a minha avó morreu, meu avô se casou de novo; os três filhos do primeiro casamento odiavam a madrasta, é claro, e eram correspondidos com intensidade, coisas de uma família normal. Sendo assim, seus enteados – entre eles meu pai – tinham muita liberdade: para fazer e sobretudo para pensar.

        Todos adoravam comer e, como a casa era perto do mar, havia sempre grandes peixadas, muito mexilhão, muito camarão de rio e de mar e muita lagosta. No quintal, um canteiro só de pimenta malagueta, e a família se fartava. Comia-se macarrão com pimenta, ovo frito com pimenta, pão com pimenta, sempre tirada na hora, do pé – em conserva, nem pensar. A pimenta era amassada com a faca e espalhada sobre o que se ia comer. Todo mundo saía da mesa fungando, e meu avô dizia: "Se não chorar, não vale". Os mais velhos, quando iam à casa de outros parentes, levavam pimentas num vidrinho, para o que desse e viesse.

        No quintal, um monte de galinhas soltas, e também um galo grande, lindo, de penas ruivas, e um galinho garnisé branco. A primeira percepção de vida que senti – sem entender – foi quando segurei pela primeira vez um ovo que a galinha tinha acabado de botar. O ovo era quente, mas um quente diferente, perturbador; um quente vivo.

        Havia uma mangueira e os mais novos amarravam um saquinho na ponta de uma vara para tirar as mangas ainda verdes; as frutas eram massageadas para que parecessem maduras e vendidas numa rua longe da casa – espertos, os meninos. Quando se comia galinha, o que era raro, era ao molho pardo, e a garotada não perdia a cena, com direito a muito cacarejo e muito sangue. A briga na mesa era pela moela, o objeto de desejo de todos. O pescoço era jogado para um cachorro vira-lata que não tinha dono e sempre aparecia para descolar alguma sobra de comida. Ah, na casa desse meu avô nunca se falou em religião nem nunca ninguém foi à missa.

        Lá não havia muita disciplina; a madrasta de meu pai não conseguia mandar nos que não eram seus filhos e, como os dela queriam fazer o que os meios-irmãos faziam, o resultado era uma confusão permanente. Um dia, a família resolveu se mudar e, quando chegaram à casa nova e contaram, notaram que faltava uma criança; foi preciso voltar para buscá-la.

        Quando meu avô ficou tuberculoso, o médico recomendou uma cidade de bom clima, e a família mudou-se para Barbacena. Fomos visitá-lo uma vez; seu prato, seu copo e seus talheres eram separados dos outros, e não se podia chegar perto para não pegar a doença. Ele ficava o dia todo na varanda, triste, numa cadeira de vime, com as pernas cobertas por uma manta, tomando leite, coitado.

        Era especial, meu avô, e com ele não havia essa de economizar nos sentimentos: quando eu nasci, mandou fazer meu nome em metal, bem grande, e botou na fachada da casa onde morava. Ah, meu avô querido.

        Depois que ele morreu, a família se dispersou, mas ainda guardo dele a mais linda carta que já recebi, contando um sonho que havia tido comigo, querendo me abraçar e não conseguindo.

        O tempo passou, mas ainda sei trechos dessa carta de cor – e continuo gostando muito de comer pimenta.

        E, como ele dizia, se não chorar, não vale.

  LEÃO, Danuza. Folha de São Paulo, 28 jul. 2002. Caderno C. p. 22.

                   Fonte: Português – Língua e Cultura. Carlos Alberto Faraco. Volume 1. 2. Ed. – Curitiba: Base Editorial, 2010. P. 27-8.


Entendendo a crônica:

01 – Por que a figura do avô paterno foi tão marcante para a autora?

      Era especial, meu avô, e com ele não havia essa de economizar nos sentimentos: quando eu nasci, mandou fazer meu nome em metal, bem grande, e botou na fachada da casa onde morava. Ah, meu avô querido.

02 – Observe que há um momento neste segundo texto em que aparece o motivo “a primeira vez” (que já encontramos na crônica “Mar”, de Rubem Braga). De que “primeira vez” nos fala a autora?

      No quintal, um monte de galinhas soltas, e também um galo grande, lindo, de penas ruivas, e um galinho garnisé branco. A primeira percepção de vida que senti – sem entender – foi quando segurei pela primeira vez um ovo que a galinha tinha acabado de botar. O ovo era quente, mas um quente diferente, perturbador; um quente vivo.

03 – O aspecto que ganha realce quando lemos as duas crônicas de Danuza Leão são as diferenças entre as duas famílias. Esta crônica vai se construindo tendo a primeira como ponto de referência (A casa da minha avó): a autora vai contrastando os temperamentos das pessoas e o modo de vida de cada família. Como exercício de leitura, faça um levantamento dessas diferenças.

·        A casa da minha avó: temperamento – 4° e 11° parágrafos.

                                    Modo de vida – 1°, 3°, 5°, 8° e 9° parágrafos.

·        A casa do meu avô: temperamento – 2° e 6° parágrafos.

                                 Modo de vida – 1°, 2°, 3°, 5°, 6° e 9° parágrafos.

 

CRÔNICA: PROFESSORES DE INGLÊS - CECÍLIA MEIRELES - COM GABARITO

 Crônica: Professores de Inglês

                  Cecília Meireles

        Hoje qualquer pessoa pode aprender inglês com a maior facilidade: há institutos e cursos especializados, livros que dispensam professor, aulas pelo rádio e pela televisão, métodos tão modernos que nem me atrevo a descrever, com medo de me sentir inatual. Mas houve um tempo em que não era assim: os professores de inglês eram difíceis de encontrar, os alunos também não pareciam muito numerosos, a literatura francesa dominava com uma encantadora prepotência, e parece que todo brasileiro educado devia saber, em matéria de idiomas, apenas português e francês.

        Mas, por ter descoberto Keats e Shelley, nem sei bem como eu andava à procura de quem me ensinasse inglês, fosse por que método fosse, contanto que eu pudesse chegar à poesia inglesa com a maior rapidez possível.

        Comecei a frequentar um instituto onde havia muitos cursos de arte e literatura. Parecia-me que aquele era o caminho. E dispunha-me a uma dedicação total aos meus exercícios. Mas a boa professora, embora sem ser inglesa, mas com cursos no estrangeiro, grande prática em aulas particulares e outras especificações, iniciou suas aulas com um pequeno discurso sobre a absoluta necessidade de se conjugar perfeitamente os verbos "to be" e "to have", antes de se conhecer sequer uma palavra do vocabulário.

        Ora, nem todos os estudantes haviam descoberto Keats ou Shelley, e frequentavam as aulas por simples obrigação. Ninguém estava pensando em versos ingleses: nem mesmo a professora. E foi um tal de recitar indicativos, condicionais e subjuntivos, presentes, futuros e passados, ora perfeitos, ora imperfeitos, ora mais que perfeitos, afirmativa, negativa e interrogativamente, que aqueles solos e coros me conduziam a uma inevitável sonolência.

        Mas havia salas próximas em que se estudavam piano e violino. De modo que eu podia descansar na música, sempre que os verbos chegavam àquele ponto de monotonia em que só me restava ou enlouquecer ou dormir.

        A minha segunda professora de inglês era inglesa mesmo. Também acreditava na eficácia dos verbos "to be" e "to have". Acrescentava-lhes ainda o "to get", ao qual se referia com um sorriso tão carinhoso que até dava vontade de se começar por aí. Mas essa professora tinha um método encantador: oferecia-me uma xícara de chá, para acompanhar as aulas. Sua sala era absolutamente igual às que se veem nos livros ilustrados para o ensino do inglês. Exceto a lareira, tudo estava lá. E como eu já sabia um pouco de verbos, passamos àquelas frases em que o chapéu ora é nosso, ora é da nossa prima e o gato ora está embaixo da mesa, ora em cima da cadeira. Mas era tão difícil chegar a Keats e Shelley!

        A terceira professora gostava de histórias de fantasmas, de sinos que batem à meia-noite, e em cima da sua mesa havia uma bola de cristal, por onde ela adivinhava o futuro. Mas no meio das suas histórias levantavam-se às vezes o "to be" e o "to have" e ela me pedia para recitar todos os seus modos e tempos acompanhando os meus esforços com um sorriso que talvez não fosse completamente macabro, mas era bastante assustador.

        Feitas essas primeiras experiências, pareceu-me melhor ir diretamente aos autores, e, de vez em quando, aperfeiçoar-me por meio de quantos livros de "inglês sem mestre" fossem aparecendo.

        Encerrando o ciclo das professoras, começou o dos professores. Um era persa e dava-me a traduzir sentenças filosóficas, sem se ocupar dos modos e tempos do "to be" nem do "to have". 0 outro vinha da Austrália: contava histórias de feitiçaria (esse era para o inglês falado), mas no meio das histórias ficava com tanto medo do que estava contando que era preciso tranquilizá-lo e mudar de assunto.

        Por isso, no dia em que visitei a casa de Keats, em Roma, não pude deixar de pensar com ironia e tristeza: como são longos, às vezes, os caminhos da vida! E quanto tempo se pode levar para se chegar a um poeta!

MEIRELES, Cecília. Inéditos. Rio de Janeiro: Bloch, 1967, p. 151.

Fonte: Português – Língua e Cultura. Carlos Alberto Faraco. Volume 1. 2. Ed. – Curitiba: Base Editorial, 2010. P. 14-5.


Entendendo a crônica:

01 – O que fez a autora querer estudar inglês?

      Segundo parágrafo (chegar à poesia inglesa).

02 – A autora começa seu texto contrastando o presente ("hoje") e o passado ("um tempo em que não era assim"), Que diferença ela nota entre estes dois momentos quanto ao ensino de inglês?

      Mas, por ter descoberto Keats e Shelley, nem sei bem como eu andava à procura de quem me ensinasse inglês, fosse por que método fosse, contanto que eu pudesse chegar à poesia inglesa com a maior rapidez possível.

03 – A autora passou por diferentes professoras e professores sem nenhum resultado prático. Mas nos apresenta cada um deles com muito humor. Que elementos ela vai aproveitando em cada caso para nos fazer sorrir?

      1ª professora – 3° parágrafo. Mas a boa professora, embora sem ser inglesa, mas com cursos no estrangeiro, grande prática em aulas particulares e outras especificações.

      2ª professora – 6° parágrafo. Sua sala era absolutamente igual às que se veem nos livros ilustrados para o ensino do inglês.

      3ª professora – 7° parágrafo. A terceira professora gostava de histórias de fantasmas, de sinos que batem à meia-noite, e em cima da sua mesa havia uma bola de cristal, por onde ela adivinhava o futuro.

      1° professor – 9° parágrafo. Um era persa e dava-me a traduzir sentenças filosóficas, sem se ocupar dos modos e tempos do "to be" nem do "to have".

      2° professor – 9° parágrafo. 0 outro vinha da Austrália: contava histórias de feitiçaria (esse era para o inglês falado), mas no meio das histórias ficava com tanto medo do que estava contando que era preciso tranquilizá-lo e mudar de assunto.

04 – A autora arremata sua crónica com uma breve reflexão motivada por toda a experiência que nos relatou. E diz: "não pude deixar de pensar com ironia e tristeza". 0 que você acha que há de irónico e triste em toda esta "história que a vida conta"?

      Resposta pessoal do aluno.

     



TEXTO: AS RELAÇÕES DE TRABALHO - SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA - COM GABARITO

 Texto: As relações de trabalho

            Sérgio Buarque de Holanda

        Quem compare, por exemplo, o regime do trabalho dos antigos artesãos com a “escravidão dos salários” nas usinas modernas, tem um elemento precioso para o julgamento da inquietação social dos nossos dias.

   Nas velhas corporações de artesãos, o mestre e seus aprendizes formavam como uma só família, cujos membros se sujeitavam a uma hierarquia natural, mas que partilhavam das mesmas privações e confortos; as relações de empregador e empregado eram pessoais e diretas, não havia autoridades intermediárias.

        Foi o moderno sistema industrial que, separando os empregadores e empregados nos processos de manufatura e diferenciando cada vez mais suas funções, suprimiu a atmosfera de intimidade que reinava entre uns e outros e estimulou o antagonismos de classe. Nas usinas modernas, entre o trabalhador manual e o derradeiro proprietário – o acionista – existe toda uma hierarquia de funcionários e autoridades representados pelo superintendente da usina, o diretor-geral, o presidente da corporação, a junta executiva do conselho de diretoria e o próprio conselho de diretoria.

        Para o empregador moderno – assinala um sociólogo norte-americano, o empregado transforma-se em um simples número: a relação humana desapareceu.

                           HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 8. Ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1975. P. 102.


Entendendo o texto:

01 – Em outro momento, Sérgio Buarque de Holanda, o autor do texto, faz a seguinte afirmação:

        “O novo regime (referindo-se às usinas modernas) tornava mais fácil explorar o trabalho, a troco de salários íntimos”. Como essa “exploração do trabalho” é chamada no texto aqui apresentado?

      É chamado de “escravidão dos salários”.

02 – “... o mestre e seus aprendizes formavam como uma só família, cujos membros se sujeitam a uma hierarquia natural...”. Considerando a hierarquia natural de uma família, a quem o mestre poderia ser comparado? E os aprendizes?

      O mestre poderia ser comparado ao pai, e os aprendizes, aos filhos.

03 – Qual a principal transformação ocorrida nas relações de trabalho, das velhas corporações de artesãos para a usinas modernas?

      Nas usinas modernas, a relação entre o empregador e o empregado perdeu a “atmosfera de intimidade”, deixou de ser direto e pessoal: a relação humana desapareceu.

04 – Que tipo de relação de trabalho há numa grande fábrica de automóveis?

      Numa grande fábrica de automóveis (bem como em qualquer grande empresa), a relação de trabalho é sempre impessoal (portanto, nada íntima). Realçar o fato de, numa grande empresa, o patrão ser uma figura abstrata, inacessível.

05 – E na pequena loja de roupas lá da esquina?

      Em toda pequena empresa, há uma relação mais pessoal entre empregador e empregado. Nesse caso, o empregado tem acesso ao patrão e o diálogo entre eles é direto, o patrão sabe o nome do empregado, frequentemente conhece pessoas de sua família, etc.

06 – Em que ocasiões você é tratado como um número e não chamado pelo seu nome?

      Resposta pessoal do aluno.

07 – O texto está estruturado em quatro parágrafos. Divida-os em introdução, desenvolvimento e conclusão.

      Introdução: primeiro parágrafo.

      Desenvolvimento: segundo e terceiro parágrafos.

      Conclusão: quarto parágrafo.

08 – Qual a ideia básica apresentada no primeiro parágrafo?

      A causa da inquietação social de nossos dias.

09 – Qual o recurso utilizado pelo autor no desenvolvimento?

      O autor compara as relações de trabalho nas antigas corporações de artesãos com as relações de trabalho nas usinas modernas.

10 – Qual a ideia básica apresentada no último parágrafo?

      Desapareceu o lado humano na relação entre o empregador moderno, capitalista, e seu empregado.

11 – Essa ideia básica apresentada no último parágrafo é coerente com o desenvolvimento e a introdução do texto? Explique sua resposta.

      Sim. Depois de introduzir o tema (a inquietação social) e apontar suas causas (o fim das relações pessoais e diretas entre empregador e empregado; a excessiva hierarquização e impessoalidade das relações trabalhistas), a ideia final (a relação humana desapareceu) é consequência lógica do que foi apresentado.

TEXTO: VÍNCULOS, AS EQUAÇÕES DA MATEMÁTICA DA VIDA - MARIA HELENA MATARAZZO - COM GABARITO

 Texto: Vínculos, as equações da matemática da vida

           Maria Helena Matarazzo

     Quando você forma um vínculo com alguém, forma uma aliança. Não é à toa que o uso de alianças é um dos símbolos mais antigos e universais do casamento. O círculo dá a noção de ligação, de fluxo, de continuidade. Quando se forma um vínculo, a energia flui. E o vínculo só se mantém vivo se essa energia continuar fluindo. Essa é a ideia de mutualidade, de troca.       Nessa caminhada da vida, ora andamos de mãos dadas, em sintonia, deixando a energia fluir, ora nos distanciamos. Desvios sempre existem. Podemos nos perder em um deles e nos reencontrar logo adiante. A busca é permanente. O que não se pode é ficar constantemente fora de sintonia.

        Antigamente, dizia-se que as pessoas procuravam se completar através do outro, buscando sua metade no mundo. A equação era: 1/2 + 1/2 = 1.

        "Para eu ser feliz para sempre na vida, tenho que ser a metade do outro." Naquela loteria do casamento, tirar a sorte grande era achar a sua cara-metade.

        Com o passar do tempo, as pessoas foram desenvolvendo um sentido de individualização maior e a equação mudou. Ficou: 1 + 1= 1.

        "Eu tenho que ser eu, uma pessoa inteira, com todas as minhas qualidades, meus defeitos, minhas limitações. Vou formar uma unidade com meu companheiro, que também é um ser inteiro." Mas depois que esses dois seres inteiros se encontravam, era comum fundirem-se, ficarem grudados num casamento fechado, tradicional. Anulavam-se mutuamente.

        Com a revolução sexual e os movimentos de libertação feminina, o processo de individuação que vinha acontecendo se radicalizou. E a equação mudou de novo: 1 + 1= 1 + 1.

        Era o "cada um na sua". "Eu tenho que resolver os meus problemas, cuidar da minha própria vida. Você deve fazer o mesmo. Na minha independência total e autossuficiência absoluta, caso com você, que também é assim." Em nome dessa independência, no entanto, faltou sintonia, cumplicidade e compromisso afetivo. É a segunda crise do casamento que acompanhamos nas décadas de 70 e 80.

        Atualmente, após todas essas experiências, eu sinto as pessoas procurando outro tipo de equação: 1 + 1 = 3.

        Para a aritmética ela pode não ter lógica, mas faz sentido do ponto de vista emocional e existencial. Existem você, eu e a nossa relação. O vínculo entre nós é algo diferente de uma simples somatória de nós dois. Nessa proposta de casamento, o que é meu é meu, o que é seu é seu e o que é nosso é nosso.

        Talvez aí esteja a grande mágica que hoje buscamos, a de preservar a individualidade sem destruir o vínculo afetivo. Tenho que preservar o meu eu, meu processo de descoberta, realização e crescimento, sem destruir a relação. Por outro lado, tenho que preservar o vínculo sem destruir a individualidade, sem me anular.

        Acho que assim talvez possamos chegar ao ano 2000 um pouco menos divididos entre a sede de expressão individual e a fome de amor e de partilhar a vida. Um pouco mais inteiros e felizes.

        Para isso, temos que compartilhar com nossos companheiros de uma verdadeira intimidade. Ser íntimo é ser próximo, é estar estreitamente ligado por laços de afeição e confiança.

           (MATARAZZO, Maria Helena. Amar é preciso. 22. ed. São Paulo: Editora Gente, 1992. p. 19-21)


Entendendo o texto:

01 – Segundo a autora, qual é a grande mágica que todos nós buscamos hoje?

      “Preservar a individualidade sem destruir o vínculo afetivo”.

02 – O que representam as equações abaixo?

a)   ½  +  ½  =  1.

Uma pessoa era considerada como uma metade que se uniria a outra metade; a união dessas duas metades formaria um “inteiro”: o casal. Essa visão está consagrada em expressões como “cara-metade”, “a outra metade da laranja”, etc.

b)   1 + 1 = 1.

Nesta equação ressalta-se que o casal é a soma de duas individualidades (cada qual com suas qualidades e defeitos), ou seja, o casal é uma unidade de duas pessoas, e não um “inteiro” formado de duas “metades”.

c)   1 + 1 = 1 + 1.

Com essa expressão, a autora se refere ao casal formado por pessoas que desejam manter sua individualidade, sua independência (“cada um na sua”), mesmo que sacrificando a relação.

d)   1 + 1 = 3.

Por esta equação, a autora procura representar um novo tipo de relação, em que o casal é formado não apenas pela soma das individualidades (eu e você), mas também pela relação que os une.

03 – Do ponto de vista da matemática, algumas das equações apresentadas não são verdadeiras. Do ponto de vista do relacionamento afetivo, as equações são coerentes com os tipos de relação que representam?

      Evidentemente, do ponto de vista matemática, são falsas as equações 1 + 1 = 1 e 1 + 1 = 3. Porém, no contexto da argumentação elas passam a ter certa coerência: na equação 1 + 1 = 1, o 1 da soma representa o casal (uma unidade) e na equação1 + 1 = 3, o 3 representa o casal (2 pessoas) mais a própria relação que os une.

04 – Quais os perigos da equação 1 + 1 = 1?

      O casamento torna-se fechado e os parceiros se anulam mutuamente.

05 – Das equações apresentadas, qual é a melhor, segundo a autora? Por quê?

      A equação 1 + 1 = 3, pois respeita a individualidade das pessoas (1 +1), enquanto a relação torna-se um terceiro elemento (=3). Ou seja, a individualidade, representada pelo “meu” e pelo “seu”, continuará a ser preservado, mas cedendo espaço também para o “nosso”.

06 – Qual a conclusão do texto? Essa conclusão é coerente com a argumentação exposta?

      A conclusão é que podemos chegar ao ano 2000 menos divididos, mais inteiros e felizes, que é coerente com a argumentação exposta. Vale dizer: se seguirmos os conselhos que o texto nos apresenta, é perfeitamente plausível (embora não necessariamente verdadeiro) que venha a ocorrer o que nos diz a conclusão.

07 – Que conselho final o texto apresenta?

      “Temos que compartilhar com nossos companheiros de uma verdadeira intimidade”.

08 – A autora reduz um tema tão complexo, como a relação de casais, a equações matemáticas bastante simples. Você saberia explicar por quê?

      Ressaltar o caráter de auto-ajuda do livro e o perfil do consumidor desse tipo de leitura. Em publicações dessa natureza, assuntos complexos são, na maioria das vezes, tratados de forma banal.

09 – Segundo Fabrício Marques, da revista superinteressante, manuais de auto-ajuda são obras que abastecem as pessoas de conselhos práticos e referências de comportamento, embora não façam os milagres que prometem. Essas obras quase sempre não têm nenhum valor literário, apenas distribuem afagos, mensagens reconfortantes e conselhos práticos. Em sua opinião, o texto que acabou de ler tem valor literário? Justifique sua resposta.

      Obviamente, é um texto de auto-ajuda, sem valor literário ou artístico. O texto se limita as referências de comportamento e aos conselhos práticos do bem viver a dois, além de reforçar a auto-estima dos leitores.

 

TEXTO: A REFORMA DE LUTERO (FRAGMENTO) - CLAUDIO VICENTINO - COM GABARITO

 Texto: A reforma de Lutero (Fragmento)

           Cláudio Vicentino

        Em 1517, na Alemanha, o monge e professor da Universidade de Wittenberg, Martinho Lutero, rebelou-se contra o vendedor de indulgências João Tetzel, dominicano a serviço do papa Leão X, que recolhia recursos para a construção da basílica de São Pedro.

        Lutero, revoltado com a desmoralização da Igreja, fixou na porta de sua igreja as 95 teses, em que criticava ferozmente a Igreja papal.

        Em 1520, Leão X ordenou a sua retratação, sob pena de ser considerado um herege. Lutero queimou em praça pública a ordem papal, sendo excomungado em 1521.

      VICENTINO, Cláudio. História memória viva – 8ª série. 11. Ed. São Paulo: Scipione, 1999. P. 45.

Fonte: Práticas de Linguagem. Leitura & Produção de Textos. Volume 4. Ernani & Nicola. Editora Scipione. P. 49-50.


Entendendo o texto:

01 – Quem são os personagens do fato narrado?

      Martinho Lutero, monge e professor da Universidade de Wittenberg, e o papa Leão X.

02 – Quando o fato ocorreu?

      Entre os anos de 1517 e 1521.

03 – Onde ele ocorreu?

      Na Alemanha.

04 – O que aconteceu?

      Martinho Lutero rebelou-se contra a Igreja Católica.

05 – Que tipo de acontecimento está centrado o texto?

      O acontecimento está entrado em conflitos, onde temos uma rebelião, uma ruptura.

06 – O narrador participa dos fatos ou se coloca como observador? Justifique a posição do narrador.

      O narrador se coloca como observador, o fato é narrado com impessoalidade (no caso, com o chamado distanciamento histórico).

NOTÍCIA: LADRÕES LEVAM R$50 MIL DA VILA ISABEL - O ESTADO DE SÃO PAULO - COM GABARITO

 Notícia: Ladrões levam R$ 50 mil da Vila Isabel

         RIO – O tesoureiro da escola de samba Unidos de Vila Isabel, Jorge Brás, de 45 anos, foi assaltado ontem à tarde, por um homem armado, quando saía da agência do Banco do Brasil, no bairro de Vila Isabel, na zona norte. O criminoso levou R$ 50 mil, que ele havia sacado, e um talão de cheques da escola.

                      O Estado de São Paulo, 3/2/1999. P. C6.

Fonte: Práticas de Linguagem. Leitura & Produção de Textos. Volume 4. Ernani & Nicola. Editora Scipione. P. 48-50.

Entendendo a notícia:

01 – Quem são os personagens do fato narrado?

      Jorge Brás, de 45 anos, tesoureiro da escola de samba Unidos de Vila Isabel, e um ladrão anônimo, identificado como “um homem armado”.

02 – Quando o fato ocorreu?

      Segundo o texto, “ontem à tarde”; pela data do jornal, podemos concluir que foi na tarde do dia 2 de fevereiro de 1999.

03 – Onde ele ocorreu?

      Nas proximidades da agência do Banco do Brasil, no bairro de Vila Isabel, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro.

04 – O que aconteceu?

      Um funcionário da escola de samba Unidos de Vila Isabel foi assaltado.

05 – O narrador participa dos fatos ou se coloca como observador? Justifique a posição do narrador.

      O narrador se coloca como observador, o fato é narrado com impessoalidade.

06 – No texto, podemos notar uma impropriedade no título da notícia. Em que consiste essa impropriedade? Reescreva o título, adequando-o ao corpo da notícia.

      A impropriedade consiste na incoerência entre a notícia, que fala em um único ladrão, e o título, que cita ladrões. Corrigido, o título deve ter a seguinte construção: “Ladrão leva R$ 50 mil da Vila Isabel”.

REPORTAGEM: METALÚRGICOS DA VW RETOMAM NEGOCIAÇÃO - MAURICIO ESPOSITO - COM GABARITO

 Reportagem: Metalúrgicos da VW retomam negociação       

MAURICIO ESPOSITO, da Reportagem Local

     Os funcionários da Volkswagen recuaram e decidiram voltar a negociar com a montadora a proposta de redução nos rendimentos.

     A decisão foi tomada em assembleia realizada ontem, contrariando a deliberação da semana passada dos mesmos metalúrgicos.

        Naquela assembleia, os funcionários da montadora ficaram divididos – aproximadamente metade dos presentes não quis que o sindicato da categoria continuasse a negociar uma redução de rendimentos dos funcionários.

        A mudança de opinião ocorre no mesmo momento em que circulou na fábrica a notícia de que a montadora já teria definido uma lista com 7.500 nomes para serem demitidos.

        Segundo o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Marinho, a informação de que existe a lista pode ter influenciado a assembleia.

        O sindicato defende a negociação com a montadora como forma de evitar demissões.

        Para evitar essas demissões, os metalúrgicos da Volkswagen estão dispostos a abrir mão do reajuste salarial de quase 3% neste ano e da participação nos lucros e resultados de 99.

        Essa era a proposta defendida pela direção do sindicato, que acabou sendo aprovada na assembleia de ontem. Esses dois pontos ficariam suspensos até que o mercado retome seu ritmo normal.

        A montadora, entretanto, quer reduzir custos de forma muito mais abrangente.

        A Volks propôs a redução da jornada semanal de trabalho de cinco para quatro dias, além de não pagar a participação nos lucros, o 13º salário e o abono de férias em 99. A montadora também quer a demissão de 900 funcionários temporários e de 50% dos aposentados. A VW propõe reduzir o adicional noturno e cortar subsídios na alimentação, no transporte e no plano de saúde. Outra proposta da montadora é a demissão do pessoal do setor de alimentação, bombeiros, logística e segurança patrimonial para recontratação com 60% do salário atual.

        As negociações entre sindicato e empresa seriam retomadas ontem mesmo.

                Folha de São Paulo, 8/12/1998. 2° caderno, p. 6.

Fonte: Práticas de Linguagem. Leitura & Produção de Textos. Volume 4. Ernani & Nicola. Editora Scipione. P. 44-5.

Entendendo a reportagem:

01 – Como você sabe, um jornal apresenta vários cadernos (de esportes, cultura, economia, classificados, etc.). Em que caderno do jornal teria sido publicada a notícia da página 44?

      No caderno de economia, que, na Folha de São Paulo, também recebe o nome de 2° caderno.

02 – O texto relata um fato. Explique, em uma única frase, que fato é esse.

      Os funcionários da VW negociam a redução de salário para evitar demissões.

03 – O texto fez referência a uma mudança de opinião por parte dos metalúrgicos. O que teria provocado essa mudança de opinião?

      A notícia de uma lista com 7.500 nomes de funcionários que seriam demitidos.

04 – “Naquela assembleia, os funcionários da montadora ficaram divididos...”. A que assembleia o texto está se referindo?

      À assembleia que foi realizada na semana anterior.

05 – Levando em conta as informações fornecidas pela reportagem, você acharia sensato aceitar uma redução de salário?

      Resposta pessoal do aluno.

06 – De acordo com a reportagem, responda: a vida imita a arte ou a arte imita a vida? O que você pensa sobre isso?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Estimular uma discussão sobre a obra ficcional, fazendo o aluno perceber que esta sempre tem como matéria-prima uma reflexão do autor sobre a realidade, sobre a vida.

 

TEXTO: VOCÊ SÓ SE DIVERTE BEBENDO? CAPRICHO - COM GABARITO

 Texto: Você só se diverte bebendo?



Capricho, 8/11/1998. P. 85.

Fonte: Práticas de Linguagem. Leitura & Produção de Textos. Volume 4. Ernani & Nicola. Editora Scipione. P. 26-9.

Entendendo o texto:

01 – No texto que você acabou de ler, não há indicação dos parágrafos. Como você justificaria esse fato?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A não indicação gráfica dos parágrafos foi intencional. Para mostra-lo sob a forma de uma garrafa, foi preciso abrir mão da indicação gráfica dos parágrafos. Ressaltar ainda que, além de não afetar a inteligibilidade do texto, esse recurso visual reforça o seu conteúdo.

02 – Poderíamos dividir o texto em duas partes, a primeira indo até “O problema é passar dos limites” e a segunda começando em “Agora, puxe uma cadeira”. Como você caracterizaria cada uma dessas partes?

      Na primeira parte, temos um texto mais objetivo, uma dissertação na qual predomina a função referencial da linguagem, em que se procura mostrar os malefícios do álcool. Na segunda parte, o texto assume um caráter mais pessoal, a linguagem torna-se mais coloquial e predomina a função conativa da linguagem (até se fazem concessões para o uso do álcool; o centro da discussão passa a ser o limite no consumo).

03 – A mensagem da segunda parte do texto (a partir de “Agora, puxe uma cadeira”) é dirigida especialmente a que público? Ao elaborar sua resposta, considere o tipo de revista em que foi publicada a reportagem.

      Algumas passagens permitem concluir que a intenção do(a) autor(a) é chamar a atenção sobretudo das meninas. Essa reportagem foi publicada na revista Capricho, um veículo de comunicação voltado para o público feminino. Há, assim, uma perfeita adequação entre matéria, linguagem, forma e público-alvo.

04 – Embora seja um texto escrito, algumas de suas passagens apresentam características de oralidade, isto é, parece que o(a) autor(a) está conversando com você.

a)   Indique alguns trechos em que isso ocorre.

“Agora, puxe uma cadeira”; “Você sabe”; “Sabia que as meninas ficam bêbadas mais rápido do que os meninos?”; “Pois é, é preciso ficar de olho”; “E aí, o que era só para descontrair, pode dar uma enorme dor de cabeça”.

b)   Qual seria a intenção do(a) autor(a) do texto ao fazer uso dessas marcas de oralidade?

Ressaltar que as marcas de oralidade estão presentes exatamente no fragmento final do texto, caracterizada pelo tom de conversa informal. Essa parte apresenta uma linguagem muito próxima da linguagem do grupo a que o texto se dirige. Destacar que a adaptação da linguagem para o universo do interlocutor é um recurso de persuasão.

05 – Qual o principal recurso de persuasão que o(a) autor(a) utiliza nos três primeiros períodos?

      O principal recurso é o da afirmação categórica, taxativa, incontestável, autoritária. Os dois primeiros períodos eliminam qualquer possibilidade de o interlocutor utilizar um contra-argumento: não há o que discutir; o álcool é uma droga, e ponto final. O terceiro período faz duas concessões (é uma droga legalizada, é socialmente aceita) para, logo em seguida, reforçar a afirmação categórica que se opõe a essas concessões: mas é uma droga.

06 – No trecho que vai de “Tecnicamente...” até “... estágio final do alcoolismo”, qual o principal recurso de persuasão?

      Nessa passagem, o(a) autor(a) faz uso do conhecimento científico (inclusive usando termos como etanol e sistema nervoso central) para tentar persuadir o leitor(a) de que o álcool é uma droga.

07 – Releia o texto e explique a relação que se estabelece entre as seguintes frases: “Não há o que discutir” e “Mas também não há como discordar”.

      Excetuada a locução “mas também”, as duas frases apresentam a mesma estrutura. A adversativa, no entanto, estabelece um contraponto: Não há o que discutir (o álcool é uma droga), mas, por outro lado, não há como discordar: bebericar e conversar com amigos é um bom programa. As duas faces da questão ficam bem colocadas. Realçar que, a partir dessa constatação, o centro da discussão passa a ser o limite de cada um.

08 – Adilson Citelli, em seu livro Linguagem e Persuasão, comenta que um dos recursos persuasivos é o apelo à autoridade, ou seja, o apoio de alguém que valide o que está sendo afirmado.

a)   O texto em questão faz uso desse recurso?

Sim, nas duas afirmações da psicóloga IIana Pinsky. Destacar que, além de psicóloga, a pessoa citada é co-autora de um livro, o que reforça o seu caráter de autoridade.

b)   Em caso afirmativo, qual a força do argumento da “autoridade” no conjunto do texto?

As falas da psicóloga reafirmam o centro da discussão: Beber não é errado, desde que se beba com moderação, dentro dos limites.

09 – Qual é o último recurso de persuasão utilizado pelo(a) autor(a)? Comente-o.

      O texto se encerra com um verbo no imperativo: acredite. Ao usar o imperativo, o(a) autor(a) tenta passar ao(à) leitor(a) a certeza de que pode confiar nas informações do texto: o que foi dito é a pura verdade.

ENTREVISTA COM GARI NA IMUNDÍCIE DA CIDADE - MARILENE FELINTO - COM GABARITO

 Entrevista com gari na imundície da cidade

                            MARILENE FELINTO

        Entrevista de propósito com um gari de São Paulo. J.S. 35, baiano de Jacobina, há três anos veio de lá, onde era ajudante de pedreiro, e trabalha na "varreção", da cidade. O lugar, perto do Mercado Municipal, no centro, recendia a mijo e restos de comida.

        Casado, sem filhos, ele estudou até o primeiro ano primário. Mantive a fala original de J.S., só corrigindo as concordâncias, porque às vezes ele soa como um personagem de Guimarães Rosa.

        Pergunta – É humilhante esse trabalho de varrer rua?

        Gari – Não, eu não acho. É um trabalho e é honra. O pior é tirar dos outros, né? Roubar o dos outros é que é feio.

        Pergunta – Não era melhor ser ajudante de pedreiro?

        Gari – Ah, exatamente não, porque lá eu ganhava um salário mínimo só, e aqui eu ganho quase três. Ganho R$ 260,00. A cesta básica é R$ 62,00, o ticket refeição é R$ 185,00, mais a insalubridade, que é R$ 22,00. Mas isso eu acho que eles não estão pagando, que eu não vejo. E precisa você denunciar aí que os supermercados não estão aceitando mais o ticket refeição. E que também o nosso fundo de garantia eles não estão depositando.
Nessa empresa aqui tem também, por exemplo, que eu trabalhei antes, oito meses, pintando guia de rua com cal, mas eles não querem contar como tempo de serviço, que era sem carteira. Mas eu tenho testemunha. Eu caminhava mais de 10 km por dia pintando guia. E lá eu ganhava outra coisa. Trabalhar com tinta é uma coisa, e com varreção, é outra. Que aqui também eles mandam a gente trabalhar de coletor. Eu digo: não, não sou coletor, não vou trabalhar de graça. Eu sou da varreção. Coletor ganha é R$ 400,00.

        Pergunta – Você trabalha sem luvas?

        Gari – Luva eles dão. Mas eu não botei hoje porque está muito quente. Mas não dão é bota de borracha. Só esse sapatinho aqui, e a gente nessa água podre, pegando frieira.

        Pergunta – Quanto você paga de aluguel?

        Gari – Não pago. Moro na casa de uma tia. Se eu pagasse, oxente, já estava passando fome, como tem muita gente aqui. Se você vai alugar uma casa, é 200 contos. Não dá. Se eu pagasse aluguel, já tinha ido embora. Diretamente eu ia para Salvador vender gelinho ou cerveja numa caixa.

        Pergunta – O que você acha que deve ser feito para as pessoas não sujarem as ruas?

        Gari – É aí, olha. Que as pessoas sujam demais as ruas e não têm respeito por nós. Em convém, eu acho assim, o pessoal, esse Brasil nosso, eles acham que nós somos obrigados a limpar. A gente acabou de barrer ali, eles vão e sujam. Eu fico olhando assim. Eu digo: dona, eu acabei de barrer aí e a senhora vai sujar de novo bem aí? Eles dizem que a obrigação da gente é limpar mesmo. Eles não põem na cabeça deles. Eu acho assim, determinado, que a imundície já é da casa deles pra rua. Porque, que a gente é assim uma pessoa fraca, de pouco dinheiro, mas a gente quer um copo limpinho pra tomar água e tudo. Porque a limpeza é bonita em todo canto, não é?

 Marilene Felinto. Folha de São Paulo, 26/8/1997. 3° caderno, p.2.

Fonte: Práticas de Linguagem. Leitura & Produção de Textos. Volume 4. Ernani & Nicola. Editora Scipione. P. 08-12.

Entendendo a entrevista:

01 – Para que servem as entrevistas?

      Há entrevistas cujo objetivo é expressar a opinião do entrevistado. Outros servem para a obtenção de dados, tais como as entrevistas para pesquisas de mercado e recenseamento.

02 – Embora muitas entrevistas sejam feitas por escrito (o entrevistador manda as perguntas por escrito ao entrevistado, que as responde também por escrito), a maior parte delas é realizada oralmente. Que diferenças existem entre as entrevistas orais e as registradas por escrita?

      Teoricamente, numa entrevista oral a linguagem tende a ser mais espontânea e natural, pois o entrevistado é obrigado a responder as perguntas de imediato, dispondo de pouco tempo para produzir respostas mais elaboradas. Por outro lado, nas entrevistas por escrito, o entrevistado tem a oportunidade de preparar e elaborar melhor suas respostas, já que não será necessário fornecê-las de imediato.

03 – O que você acha: as pessoas são mais espontâneas quando falam ou quando escrevem?

      Resposta pessoal do aluno.

04 – Por que a entrevistadora perguntou ao gari se o trabalho dele era humilhante? Será que ela própria tem essa opinião?

      A pergunta se deve ao fato de, infelizmente, muitas pessoas considerarem humilhante a atividade dos garis. Todavia, isso não significa, necessariamente, que a entrevistadora tenha essa opinião.

05 – Comente a seguinte fala do gari: “E precisa você denunciar aí que os supermercados não estão aceitando mais o ticket refeição. E que também o nosso fundo de garantia eles não estão depositando”. A que se refere o advérbio ?

      O advérbio refere-se ao jornal em que será publicado a entrevista. Por saber que está dando uma entrevista para um órgão de imprensa, o gari aproveita a chance para fazer denúncias, esperando que a publicação da denúncia colabore para reparar as injustiças.

06 – Quanto o gari recebe mensalmente por seu trabalho na “varreção”?

      O intuito da questão é fazer o aluno perceber qual é o salário bruto do gari – a soma de seu salário-base mais as vantagens (R$ 260,00. A cesta básica é R$ 62,00, o ticket refeição é R$ 185,00, mais a insalubridade, que é R$ 22,00) perfaz um total de 5229 reais. Admitindo que ele realmente não receba o valor relativo à insalubridade, seu salário seria de 507 reais. Ressaltar para os alunos que esse é, provavelmente, seu salário bruto, sobre a qual ainda incidirão descontos, como a contribuição previdenciária.

07 – Cesta básica é o conjunto de alimentos essenciais (arroz, feijão, óleo, açúcar, etc.) necessários para manter um trabalhador adulto por um mês. Em sua opinião, os 62 reais que o gari recebe para a cesta básica são suficientes para suprir por um mês essas necessidades?

      Resposta pessoal do aluno.

08 – Auxílio insalubridade é uma quantia em dinheiro acrescentada ao salário-base de um trabalhador quando ele exerce alguma atividade insalubre.

a)   O que é uma atividade insalubre?

Atividade insalubre é aquela que traz prejuízos à saúde, isto é, que pode gerar doenças.

b)   Dê alguns exemplos de atividades insalubres.

Trabalhos em ambientes de altíssimas ou baixíssimas temperaturas (em siderúrgicas, frigoríficos, etc.) atividades em que se fica exposto a substâncias tóxicas ou radioativas (em metalúrgicas, laboratórios químicos, indústrias de tintas e resinas, etc.).

c)   Quais elementos do texto indicam que o gari exerce atividade insalubre?

A referência à necessidade do uso de luvas e botas de borracha, para evitar o contato com a “água podre”.

09 – Você concorda com a afirmação de que “as pessoas sujam demais as ruas”?

      Resposta pessoal do aluno.

10 – O gari afirma que, se tivesse de pagar aluguel, preferiria ir para Salvador, onde iria “vender gelinho ou cerveja numa caixa”. Por que ele “escolheria” esse tipo de trabalho?

      Ressaltar que, devido à sua baixa escolaridade, para o gari as oportunidades de trabalho formal são cada vez mais escassos. Assim, ele seria fatalmente levado para um trabalho informal, como o de vendedor ambulante.

11 – Na fala do gari, que elementos comprovam que ele veio do Nordeste e só cursou o primeiro ano primário?

      O uso de formas como exaltamente, em vez de exatamente, e barrer, em vez de varrer, revela a baixa escolaridade. O termo oxente pode indicar que ele veio do Nordeste.