segunda-feira, 22 de junho de 2020

CRÔNICA: A MORTE DA VELHINHA DE TAUBATÉ - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: A morte da velhinha de Taubaté

             Luís Fernando Veríssimo

        “Morreu no último dia 19, aos 90 anos de idade, de causa ignorada, a paulista conhecida como “a Velhinha de Taubaté”, que se tornou uma celebridade nacional há alguns anos por ser a última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo.

        O fenômeno, que veio a público durante o governo Figueiredo, o último do ciclo dos generais, levou multidões a Taubaté e transformou a Velhinha numa das maiores atrações turísticas do estado.

        Além de estandes de tiro ao alvo e de venda de estatuetas da Velhinha e de uma roda-gigante, ergueram-se tendas para vender caldo de cana e pamonha em volta da pequena casa de madeira onde a Velhinha morava sozinha com seu gato, e não era raro a própria Velhinha sair de casa e oferecer seus bolinhos de polvilho a curiosos que chegavam em ônibus de excursão para serem fotografados com ela e pedirem seu autógrafo.

        A Velhinha sempre acompanhou a política e acreditou em todos os governos desde o de Getúlio Vargas, inclusive em todos os colaboradores dos governos militares, “até”, como costumavam dizer muitos na época, com espanto, “no Delfim Netto!”

        O presidente Sarney telefonava frequentemente para Taubaté para saber se a Velhinha, pelo menos, ainda acreditava nele, e Collor foi visitá-la mais de uma vez para pedir que ela não o deixasse só.

        As circunstâncias da morte da Velhinha de Taubaté ainda não estão esclarecidas. Sua sobrinha Suzette, que tem uma agência de acompanhantes de congressistas em Brasília embora a Velhinha acreditasse que ela fazia trabalho social com religiosas, informou que a Velhinha já tivera um pequeno acidente vascular ao saber da compra de votos para a reeleição do Fernando Henrique Cardoso, em quem ela acreditava muito, mas ficara satisfeita com as explicações e se recuperara.

        Segundo Suzette, ela estava acompanhando as CPIs, comentara a sinceridade e o espírito público de todos os componentes das comissões, nenhum dos quais estava fazendo política, e de todos os depoentes, e acreditava que como todos estavam dizendo a verdade a crise acabaria logo, mas ultimamente começara a dar sinais de desânimo e, para grande surpresa da sobrinha, descrença.

        A Velhinha acreditara em Lula desde o começo e até rebatizara o seu gato, que agora se chamava Zé. Acreditava principalmente no Palocci. Ela morreu na frente da televisão, talvez com o choque de alguma notícia. Mas a polícia mandou os restos do chá que a Velhinha estava tomando com bolinhos de polvilho para exame de laboratório. Pode ter sido suicídio.

        O ambiente no parque de diversão em torno da casa da Velhinha de Taubaté é de grande consternação.

Luís Fernando Veríssimo.

Entendendo a crônica:

01 – Analise as considerações que seguem, preenchendo os parênteses com (V) verdadeiro ou (F) falso.

(V) A crônica constrói-se por meio da crítica bem humorada do autor à corrupção generalizada da classe política.

(V) O autor explora, nesse texto, a linguagem típica da notícia de jornal para apresentar a realidade brasileira de forma caricaturesca.

(V) A profissão de Suzette na crônica é apresentada de modo direto, sem eufemismos.

(V) FHC, Lula e Palocci são personagens reais a partir dos quais a fé da Velhinha na política se consolida.

(F) Luís Fernando Veríssimo é um autor que, em seus textos, explora outros gêneros textuais, como a notícia, o conto, p diálogo, a poesia.

        Agora, marque a alternativa da sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo.

a)   V – V – F – F – V.

b)   V – F – V – F – F.

c)   V – V – V – V – F.

d)   F – V – F – V – V.

e)   F – F – V – F – V.

02 – De quem é a autoria da morte de uma das mais brilhantes personagens da história da crônica brasileira, a “Velhinha de Taubaté”, na sexta-feira, 19 de agosto, “aos 90 anos”?

      Não tem mistério, quem a matou foi o único que poderia fazê-lo, ou seja, o próprio autor, o cronista Luís Fernando Veríssimo.

03 – Quem é a “Velhinha de Taubaté”?

      É um personagem de humor brasileiro criado pelo escritor e cronista Luís Fernando Veríssimo, durante o governo do general João Baptista Figueiredo.

04 – Que fato desencadeou os acontecimentos narrados na crônica?

      A morte da Velhinha de Taubaté.

05 – Em que parágrafo o autor menciona o acontecimento que derivou esta crônica?

      No primeiro parágrafo.

06 – Descreva o lugar onde ocorreu o fato.

      A Velhinha morreu na frente da televisão, talvez com o choque de alguma notícia.

07 – Existe uma relação entre a situação vivida pelo personagem da crônica e a de nosso dia-a-dia? Justifique.

      Sim. Ainda existe pessoa inocente que acredita em tudo que lhe dizem, principalmente se a fonte é Brasília.

 

 


domingo, 21 de junho de 2020

FILME(ATIVIDADES): O JARDINEIRO FIEL - FERNANDO MEIRELLES - COM GABARITO

Filme(ATIVIDADES): O JARDINEIRO FIEL


Data de lançamento 14 de outubro de 2005 (2h 08min)


Elenco: Ralph FiennesRachel WeiszDanny Huston mais

Gênero Suspense

Nacionalidade EUA

SINOPSE E DETALHES

        Uma ativista (Rachel Weisz) é encontrada assassinada em uma área remota do Quênia. O principal suspeito do crime é seu sócio, um médico que encontra-se atualmente foragido. Perturbado pelas infidelidades da esposa, Justin Quayle (Ralph Fiennes) decide partir para descobrir o que realmente aconteceu com sua esposa, iniciando uma viagem que o levará por três continentes.

Entendendo o filme:

01 – Que temas são abordados no filme?

      - Direitos do cidadão.

      - Ética do ser humano.

      - Ganância.

      - Corrupção de autoridades.

02 – Por que Tessa foi assassinada?

      Porque estava desenvolvendo um dossiê denunciando as coisas erradas que as indústrias farmacêuticas faziam na comunidade, ou seja, usamos pacientes com HIV como cobaias para testes de um novo medicamento.

03 – Qual (is) o(s) gênero(s) do filme?

      Drama e suspense.

04 – Quais as profissões de Justin Quayle e de Tessa, sua esposa?

      Ele um diplomata britânico e jardineiro, ela uma ativista de direitos humanos.

05 – Ao persistir na investigação do assassinato de sua esposa, o que aconteceu a Justin?

      Recebe ameaças e “avisos” de amigos.

06 – Descreva o uso da cor no filme. Ela enfatiza o ambiente e as emoções que os realizadores tentaram evocar?

      O ambiente é opaco, acinzentado, depressivo. Todos estes elementos ajudam o espectador a entender o amor que Tessa sentia pela África.

07 – Analise a canção no filme. Ela conseguiu criar um clima correto para a história?

      A música de Alberto Iglesias conseguiu criar o clima poético necessário para se entender como a relação de Tessa e Justin, que começou por acaso, tornou-se tão forte.


MÚSICA(ATIVIDADES): RESPEITEM MEUS CABELOS, BRANCOS - CHICO CÉSAR - COM GABARITO

Música(Atividades): Respeitem Meus Cabelos, Brancos

                                                   Chico César

Respeitem meus cabelos, brancos

Chegou a hora de falar

Vamos ser francos

Pois quando um preto fala

O branco cala ou deixa a sala

Com veludo nos tamancos

 

Cabelo veio da África

Junto com meus santos

 

Benguelas, zulus, gêges

Rebolos, bundos, bantos

Batuques, toques, mandingas

Danças, tranças, cantos

Respeitem meus cabelos, brancos

 

Se eu quero pixaim, deixa

Se eu quero enrolar, deixa

Se eu quero colorir, deixa

Se eu quero assanhar, deixa

Deixa, deixa a madeixa balançar

                        Composição: Chico César.

Entendendo a canção:

01 – Na letra da canção, o emprego da vírgula após o vocábulo “cabelos” cria:

a)   A ideia de oposição racial entre quem fala e a quem a letra se dirige.

b)   Uma concepção isolacionista no tocante ao papel social do negro.

c)   Uma noção discriminatória quanto aos que tem pele de cor branca.

d)   Um afastamento de quem fala em relação ao seu contexto de origem.

02 – O título “Respeitem meus cabelos, brancos”, é o primeiro a levantar, expectativas quanto ao conteúdo da canção. A partir dele fazemos uma serie de suposições iniciais que depois podem ser modificadas ou confirmadas. Que emoções e ideias foram despertadas?

      Foram despertadas como um clamor por uma causa de igual nobreza: a causa negra. É um grito pelo poder de decidir sobre o próprio cabelo sem ser julgado, taxado, desrespeitado.

03 – Que tema é abordado nessa canção?

      É uma reflexão sobre o racismo, muitas vezes camuflado na sociedade brasileira.

04 – Identifique na canção a opção que completa corretamente o enunciado a seguir.

        Pode-se afirmar que a canção cumpre seu objetivo, pois...

a)   Simplesmente passa informações.

b)   Provoca emoções e reflexões.

c)   Serve de diversão.

d)   Modifica o comportamento.

05 – Em que estrofe o eu lírico faz uma crítica ao racismo?

      Na primeira estrofe.


CRÔNICA: PAI NÃO ENTENDE NADA - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: Pai não entende nada

               Luís Fernando Veríssimo

A filha de 14 anos chega para o pai e diz:

-- Pai, preciso comprar um biquíni novo.

-- Mas filha, você comprou um biquíni no ano passado.

-- Ah pai, quero um biquíni novo.

-- Filha, teu biquíni é novo. E você nem cresceu tanto assim.

-- Mas eu quero pai.

-- Tá bom filha. Pegue esse dinheiro e compre um biquíni maior.

-- Maior não pai. Menor.

Pai não entende nada mesmo!

                               Luís Fernando Veríssimo.

Entendendo a crônica:

01 – O humor dessa crônica consiste no fato de:

a)   A garota pedir dinheiro ao pai.

b)   O biquíni do ano anterior estar inadequado.

c)   A garota ter crescido de um ano para o outro.

d)   O biquíni do ano anterior ainda estar novo.

e)   A garota querer comprar um biquíni menor.

02 – Explique resumidamente quais informações extratextuais um leitor precisa dominar para poder entender esse breve diálogo.

      O leitor precisa saber que: filhos crescem e suas roupas ficam pequenas, portanto precisam ser substituídas por outras maiores.

03 – O título da crônica já previne o leitor para certa dificuldade de entendimento entre pais e filhos. Todavia, o leitor vai construindo o sentido do texto baseado num argumento da filha, que o pai não consegue rebater.

      Alternância perfeita dos turnos; frases curtas; emprego repetitivo do vocativo por parte da filha ao se dirigir ao pai; emprego da pontuação para reproduzir os questionamentos do pai; repetição de palavras que garantem o convencimento numa argumentação.

04 – Considerando a leitura atenta do trecho “Não serve mais, pai. Eu cresci”, contextualizado na crônica lida, assinale a alternativa INCORRETA.

a)   O verbo “crescer”, enunciado pela filha, tem seu significado associado, principalmente, às transformações psicossociais ligadas à transição da infância para adolescência.

b)   Por ter crescido, a filha não se contenta com o biquíni antiga por uma questão meramente quantitativa: pelo consumismo adolescente, que deseja comprar mercadorias, muitas vezes idênticas, apenas pelo prazer de comprar.

c)   O verbo “servir” assume no discurso da filha uma conotação de “gosto”, de preferência estética.

d)   As diferentes e distintas perspectivas do pai e da filha, tanto em relação ao gênero, quanto à idade, contribuem para a construção do efeito humorístico do texto.

05 – Que tipo de linguagem foi empregada? Explique.

      Informal. É um diálogo entre família e nesse caso não se exige uma formalidade.

06 – Que palavra vem quebrar totalmente a expectativa do leitor?

      A palavra “menor”.

07 – O que essa quebra de expectativa provoca no texto? Explique.

      Provoca humor. O leitor julga que, ao dizer “não serve mais”, a filha esteja afirmando que cresceu é que o biquíni ficou pequeno. No entanto, ela quer comprar um menor ainda, por julgar o biquíni do ano anterior grande demais, fora de moda ou inadequado.

08 – Seria correto afirmar que o autor usou intencionalmente os mecanismos de seleção e combinação ao escolher essa palavra?

      Sim. O autor escolheu as duas palavras antônimas para fazer um jogo (“maior não, pai menor”) e tornar o texto engraçado.

     

 

 

 


CRÔNICA: OUSADIA - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

Crônica: Ousadia

              Fernando Sabino

        A moça ia no ônibus muito contente desta vida, mas, ao saltar, a contrariedade se anunciou:

        -- A sua passagem já está paga, disse o motorista.

        -- Paga por quem?

        -- Esse cavalheiro aí.

        E apontou um mulato bem vestido que acabara de deixar o ônibus, e aguardava com um sorriso junto à calçada. 

        -- É algum engano, não conheço esse homem. Faça o favor de receber. 

        -- Mas já está paga...

        -- Faça o favor de receber! -- insistiu ela, estendendo o dinheiro e falando bem alto para que o homem a ouvisse: -- Já disse que não conheço! Sujeito atrevido, ainda fica ali me esperando, o senhor não está vendo? Por favor, faço questão que o senhor receba minha passagem. 

        O motorista ergueu os ombros e acabou recebendo: melhor para ele, ganhava duas vezes. A moça saltou do ônibus e passou fuzilada de indignação pelo homem.

        Foi seguindo pela rua sem olhar para ele. 

        Se olhasse, veria que ele a seguia, meio ressabiado, a alguns passos. 

        Somente quando dobrou à direita para entrar no edifício onde morava, arriscou uma espiada: lá vinha ele! Correu para o apartamento, que era no térreo, pôs-se a bater aflita:

        -- Abre! Abre aí! 

        A empregada veio abrir e ela irrompeu pela sala, contando os pais atônitos, em termos confusos, a sua aventura. 

        -- Descarado! Como é que tem coragem? Me seguiu até aqui! 

        De súbito, ao voltar-se, viu pela porta aberta que o homem ainda estava lá fora, no saguão.

        Protegida pela presença dos pais, ousou enfrentá-lo:

        -- Olha ele ali! É ele, venha ver! Ainda está ali, o sem-vergonha. Mas que ousadia! 

        Todos se precipitaram para a porta. A empregada levou as mãos à cabeça.

        -- Mas a senhora, como é que pode! É o Marcelo. 

        -- Marcelo? Que Marcelo? -- a moça se voltou surpreendida.

        -- Marcelo, o meu noivo. A senhora conhece ele, foi quem pintou o apartamento. 

        A moça só faltou morrer de vergonha:

        -- É mesmo, é o Marcelo! Como é que não reconheci! Você me desculpe, Marcelo, por favor. 

        No saguão, Marcelo torcia as mãos, encabulado:

        -- A senhora é que me desculpe, foi muita ousadia. 

Fernando Sabino.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, quem preferiu a seguinte fala: “Esse cavalheiro aí”?

      O motorista.

02 – Toda narrativa obedece a um esquema de constituição, de organização. É importante perceber que os acontecimentos sucedem numa determinada ordem e com a intervenção dos personagens. Nesse momento é que acontecem alguns fatos que darão origem à história narrada. Após, a leitura do texto, aponte o fato que deu origem a essa história.

      O fato de um “estranho” ter pago a passagem de ônibus da moça.

03 – Em geral, os fatos de uma narrativa acontecem numa ordem de causa e consequência, ou de motivação e efeito. No texto, qual foi a consequência de Marcelo ter pagado a passagem da moça?

      Despertou raiva e desconfiança, pois não o reconheceu.

04 – O foco narrativo é:

a)   1ª pessoa (também é personagem)

b)   3ª pessoa (observador – conta apenas o observa).

c)   3ª pessoa onisciente (sabe também o que as personagens pensam).

05 – Em sua opinião, a crônica “Ousadia” faz alguma crítica a algum comportamento humano muito presente em nossa sociedade? Explique.

      Resposta pessoal do aluno.

06 – Identifique no enredo da crônica a sequência dos fatos e enumere-os:

(1) Situação inicial.

(2) Complicação ou conflito.

(3) Clímax.

(4) Desfecho.

(3) Ao subir para seu apartamento, a moça percebe que o homem que a estava seguindo está no saguão do prédio.

(2) Surpreende-se ao saber que a passagem já foi paga por um rapaz que a espera.

(1) Uma moça, no ônibus, vai pagar a passagem.

(4) A moça só faltou morrer d vergonha porque descobre que o homem não era suspeito e sim o noivo de sua empregada, ela não o havia reconhecido.

07 – Nos trechos abaixo coloque O para opinião e F para fato:

(F) “A sua passagem já está paga”.

(F) “E apontou um mulato bem-vestido...”

(O) “Sujeito atrevido, ainda fica ali me esperando...”

(O) “Se olhasse, veria que ele a seguiam...”

(F) “... foi quem pintou o apartamento”.

08 – Com relação ao gênero e a sua estruturação, responda:

a)   Qual é o gênero textual?

Crônica.

b)   Qual é o tipo discursivo?

Cotidiano.

c)   Qual é o domínio discursivo desse gênero?

Crítica.

d)   Qual é a sua finalidade / função sócio comunicativa / para que serve / objetivo?

Ele tem por fim fazer uma crítica sobre algo cotidiano na sociedade, com objetivo de que isso melhore talvez.

e)   Quais são as principais características?

Crítica e reflexão.

09 – Qual é o tema e o assunto do texto?

      O tema é a ousadia, e o assunto abordado foi o preconceito.

10 – Na frase: “Abre! Abre aí!”, o uso da exclamação sugere o quê?

      Pressa e medo.

 


CRÔNICA: SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

CRÔNICA: Se não me falha a memória       

                       Fernando Sabino

        Memória boa tinha aquele velho. Correu os olhos pelo cartório onde eu era escrivão e veio direto à minha mesa:

        -- Sr. Escrivão, meus respeitos – fez um salamaleque: – Queria que o senhor me desse informações sobre um inventário.

        -- Às suas ordens - e retribuí o cumprimento: – Inventário de quem?

        -- Já lhe digo o nome do falecido. Minha memória ainda é das melhores – apesar de ter sofrido uma comoção cerebral há poucos dias, ainda não estou inteiramente bom. Espera aí, deixa eu ver... Sou advogado há mais de quarenta anos, não esqueço o nome de um constituinte, vivo ou morto. Hoje em dia... Benvindo!

        -- Como?

        -- O nome do falecido era Benvindo. Isto! Benvindo Lopes. Marido da minha cozinheira. Faleceu há pouco tempo. Ela já não está boa da cabeça e se eu não me lembrasse o nome do marido dela, quem é que haveria de lembrar? Levindo Lopes.

        -- O senhor disse Benvindo. – Eu disse Benvindo? Veja o senhor!

        -- É Levindo ou Benvindo?

        Ele ficou pensativo um instante:

        -- Benvindo seja – respondeu afinal, muito sério.

        Depois de verificar no fichário, expliquei-lhe que deveria trazer uma petição. O velho agradeceu e saiu, assegurando-me que sim, não esqueceria. Nem dez minutos haviam decorrido e tornou a surgir na porta:

        -- Sr. Escrivão, já que o senhor ainda há pouco foi tão amável, e sem querer abusar, posso lhe pedir uma informação? É sobre um inventário, esqueci de lhe dizer. Minha memória é muito boa, mas sofri há dias uma comoção cerebral...

        -- O senhor me disse - sorri-lhe, solícito: – Qual é o inventário, desta vez?

        -- Inventário de... de... Não vê o senhor? A minha cozinheira... O marido dela.

        -- Benvindo Lopes?

        -- Isso! Benvindo Lopes. Como é que o senhor sabe?

        -- O senhor já me tinha dito.

        -- Mas sim senhor! Vejo que também tem boa memória.

        Tornei a explicar-lhe a mesma coisa, isto é, que deveria trazer uma petição. Não esquecesse.

        -- Não, não me esqueço.

        Agradeceu e se afastou. Deteve-se a meio caminho da porta.

        -- Veja o senhor! Já ia me esquecendo é do motivo principal que me trouxe aqui: a minha cozinheira, que está mais velha do que eu, perdeu o marido há pouco tempo e estou cuidando do inventário dele...

        -- Sabe o nome do falecido? – perguntei, sem me alterar.

        -- Como não? Minha memória ainda funciona, para nomes então, principalmente. Ora, pois. É Levindo não sei o quê...

        -- Não será Benvindo?

        -- Isso! Benvindo... Benvindo Lopes, se não me engano.

        -- Este nome não me é estranho - limitei-me a murmurar.

Sabino, Fernando. In Para gostar de ler. Ed. Ática.

Entendendo a crônica:

01 – Em que pessoa o texto é narrado: primeira ou terceira?

      Em primeira pessoa, (narrador-personagem). “Correu os olhos pelo cartório onde eu era escrivão e veio direto a minha mesa”.

02 – O que o velho foi fazer no cartório?

      Saber informações sobre um inventário.

03 – Segundo o velho, o que havia acontecido a ele recentemente e que estava prejudicando seu raciocínio?

      Disse que sua memória ainda é das melhores – apesar de ter sofrido uma comoção cerebral há poucos dias, ainda não estava inteiramente bom.

04 – Quem era o falecido? Provavelmente, qual era seu nome?

      Era marido de sua cozinheira. Provavelmente Benvindo Lopes.

05 – As reticências que aparecem na fala do homem sugerem que ele era:

a)   Confuso.

b)   Esquecido.

c)   Gago.

d)   Indeciso.

06 – A atitude irônica do narrador ao se referir ao homem que entra no cartório revela-se no seguinte trecho:

a)   “Ele ficou pensativo um instante.”        

b)   “Memória boa tinha aquele velho.”

c)   “Tornei-lhe a explicar a mesma coisa.”

d)   “Perguntei, sem me alterar.”

07 – A fala final do narrador sugere que ele:

a)   Conformou-se com a situação.

b)   Esqueceu o nome do homem.

c)   Lembrou-se do inventário.

d)   Perdeu o fichário.

08 – O tema central dessa crônica é:

a)   Dificuldade de comunicação entre as pessoas.

b)   O inventário de Benvindo Lopes.

c)   A inconveniência da perda de memória.

d)   As doenças mentais.

09 – Os verbos CORREU, ESTOU e ESQUECERIA estão flexionados, respectivamente, nos seguintes tempos verbais do modo indicativo.

a)   Pretérito perfeito, pretérito perfeito e pretérito imperfeito.

b)   Pretérito imperfeito, pretérito perfeito e pretérito mais-que-perfeito.

c)   Pretérito imperfeito, pretérito imperfeito e futuro do presente.

d)   Presente, pretérito perfeito e futuro do pretérito.

e)   Pretérito perfeito, presente e futuro do pretérito.

10 – Na fala do senhor, há uma pontuação utilizada para sugerir o quanto ele era esquecido. Assinale a opção que contém essa pontuação:

a)   As vírgulas.

b)   As reticências.

c)   Ponto de exclamação.

d)   O travessão.

e)   Ponto de interrogação.