sábado, 25 de abril de 2020

CONTO: A CARTOMANTE - MACHADO DE ASSIS - COM QUESTÕES GABARITADAS

Conto: A Cartomante
       
             Machado de Assis

     Hamlet observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de Novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras.
        — Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..." Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...
        — Errou! Interrompeu Camilo, rindo.
        — Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...
        Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. Vilela podia sabê-lo, e depois...
        — Qual saber! tive muita cautela, ao entrar na casa.
        — Onde é a casa?
        — Aqui perto, na rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca.
        Camilo riu outra vez:
        — Tu crês deveras nessas coisas? perguntou-lhe.
        Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muito cousa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranquila e satisfeita.
        Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se, Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento; limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.
        Separaram-se contentes, ele ainda mais que ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo, não só o estava, mas via-a estremecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por mais que a repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro era na antiga rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceu pela rua das Mangueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceu pela da Guarda velha, olhando de passagem para a casa da cartomante.
        Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura, e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo.
        — É o senhor? exclamou Rita, estendendo-lhe a mão. Não imagina como meu marido é seu amigo; falava sempre do senhor.
        Camilo e Vilela olharam-se com ternura. Eram amigos deveras. Depois, Camilo confessou de si para si que a mulher do Vilela não desmentia as cartas do marido. Realmente, era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era um pouco mais velha que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vente e seis. Entretanto, o porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.
        Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.
        Como daí chegaram ao amor, não o soube ele nunca. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado dela; era a sua enfermeira moral, quase uma irmã, mas principalmente era mulher e bonita. Odor di femina: eis o que ele aspirava nela, e em volta dela, para incorporá-lo em si próprio. Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites; — ela mal, — ele, para lhe ser agradável, pouco menos mal. Até aí as cousas. Agora a ação da pessoa, os olhos teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes de o fazer ao marido, as mãos frias, as atitudes insólitas. Um dia, fazendo ele anos, recebeu de Vilela uma rica bengala de presente, e de Rita apenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis, e foi então que ele pôde ler no próprio coração; não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares; mas há vulgaridades sublimes, ou, pelo menos, deleitosas. A velha caleça de praça, em que pela primeira vez passeaste com a mulher amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Assim é o homem, assim são as coisas que o cercam.
        Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.
        Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser que entrasse também nisso um pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir os obséquios do marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato.
        Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa, correu à cartomante para consultá-la sobre a verdadeira causa do procedimento de Camilo. Vimos que a cartomante restituiu-lhe a confiança, e que o rapaz repreendeu-a por ter feito o que fez. Correram ainda algumas semanas. Camilo recebeu mais duas ou três cartas anônimas, tão apaixonadas, que não podiam ser advertência da virtude, mas despeito de algum pretendente; tal foi a opinião de Rita, que, por outras palavras mal compostas, formulou este pensamento: — a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e pródigo.
        Nem por isso Camilo ficou mais sossegado; temia que o anônimo fosse ter com Vilela, e a catástrofe viria então sem remédio. Rita concordou que era possível.
        — Bem, disse ela; eu levo os sobrescritos para comparar a letra com a das cartas que lá aparecerem; se alguma for igual, guardo-a e rasgo-a...
        Nenhuma apareceu; mas daí a algum tempo Vilela começou a mostrar-se sombrio, falando pouco, como desconfiado. Rita deu-se pressa em dizê-lo ao outro, e sobre isso deliberaram. A opinião dela é que Camilo devia tornar à casa deles, tatear o marido, e pode ser até que lhe ouvisse a confidência de algum negócio particular. Camilo divergia; aparecer depois de tantos meses era confirmar a suspeita ou denúncia. Mais valia acautelarem-se, sacrificando-se por algumas semanas. Combinaram os meios de se corresponderem, em caso de necessidade, e separaram-se com lágrimas.
        No dia seguinte, estando na repartição, recebeu Camilo este bilhete de Vilela: "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Era mais de meio-dia. Camilo saiu logo; na rua, advertiu que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório; por que em casa? Tudo indicava matéria especial, e a letra, fosse realidade ou ilusão, afigurou-se-lhe trêmula. Ele combinou todas essas cousas com a notícia da véspera.
        — Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora, — repetia ele com os olhos no papel.
        Imaginariamente, viu a ponta da orelha de um drama, Rita subjugada e lacrimosa, Vilela indignado, pegando na pena e escrevendo o bilhete, certo de que ele acudiria, e esperando-o para matá-lo. Camilo estremeceu, tinha medo: depois sorriu amarelo, e em todo caso repugnava-lhe a ideia de recuar, e foi andando. De caminho, lembrou-se de ir a casa; podia achar algum recado de Rita, que lhe explicasse tudo. Não achou nada, nem ninguém. Voltou à rua, e a ideia de estarem descobertos parecia-lhe cada vez mais verossímil; era natural uma denúncia anônima, até da própria pessoa que o ameaçara antes; podia ser que Vilela conhecesse agora tudo. A mesma suspensão das suas visitas, sem motivo aparente, apenas com um pretexto fútil, viria confirmar o resto.
        Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete, mas as palavras estavam decoradas, diante dos olhos, fixas; ou então, — o que era ainda pior, — eram-lhe murmuradas ao ouvido, com a própria voz de Vilela. "Vem já, já à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Ditas, assim, pela voz do outro, tinham um tom de mistério e ameaça. Vem, já, já, para quê? Era perto de uma hora da tarde. A comoção crescia de minuto a minuto. Tanto imaginou o que se iria passar, que chegou a crê-lo e vê-lo. Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado, considerando que, se nada houvesse, nada perdia, e a precaução era útil. Logo depois rejeitava a ideia, vexado de si mesmo, e seguia, picando o passo, na direção do largo da Carioca, para entrar num tílburi. Chegou, entrou e mandou seguir a trote largo.
        — Quanto antes, melhor, pensou ele; não posso estar assim...
        Mas o mesmo trote do cavalo veio agravar-lhe a comoção. O tempo voava, e ele não tardaria a entestar com o perigo. Quase no fim da rua da Guarda Velha, o tílburi teve de parar; a rua estava atravancada com uma carroça, que caíra. Camilo, em si mesmo, estimou o obstáculo, e esperou. No fim de cinco minutos, reparou que ao lado, à esquerda, ao pé do tílburi, ficava a casa da cartomante, a quem Rita consultara uma vez, e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas. Olhou, viu as janelas fechadas, quando todas as outras estavam abertas e pejadas de curiosos do incidente da rua. Dir-se-ia a morada do indiferente Destino.
        Camilo reclinou-se no tílburi, para não ver nada. A agitação dele era grande, extraordinária, e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro tempo, as velhas crenças, as superstições antigas. O cocheiro propôs-lhe voltar a primeira travessa, e ir por outro caminho; ele respondeu que não, que esperasse. E inclinava-se para fitar a casa... Depois fez um gesto incrédulo: era a ideia de ouvir a cartomante, que lhe passava ao longe, muito longe, com vastas asas cinzentas; desapareceu, reapareceu, e tornou a esvair-se no cérebro; mas daí a pouco moveu outra vez as asas, mais perto, fazendo uns giros concêntricos... Na rua, gritavam os homens, safando a carroça:
        — Anda! agora! empurra! vá! vá!
        Daí a pouco estaria removido o obstáculo. Camilo fechava os olhos, pensava em outras cousas; mas a voz do marido sussurrava-lhe às orelhas as palavras da carta: "Vem já, já..." E ele via as contorções do drama e tremia. A casa olhava para ele. As pernas queriam descer e entrar... Camilo achou-se diante de um longo véu opaco... pensou rapidamente no inexplicável de tantas cousas. A voz da mãe repetia-lhe uma porção de casos extraordinários; e a mesma frase do príncipe de Dinamarca reboava-lhe dentro: "Há mais cousas no céu e na terra do que sonha a filosofia..." Que perdia ele, se...?
        Deu por si na calçada, ao pé da porta; disse ao cocheiro que esperasse, e rápido enfiou pelo corredor, e subiu a escada. A luz era pouca, os degraus comidos dos pés, o corrimão pegajoso; mas ele não viu nem sentiu nada. Trepou e bateu. Não aparecendo ninguém, teve ideia de descer; mas era tarde, a curiosidade fustigava-lhe o sangue, as fontes latejavam-lhe; ele tornou a bater uma, duas, três pancadas. Veio uma mulher; era a cartomante. Camilo disse que ia consultá-la, ela fê-lo entrar. Dali subiram ao sótão, por uma escada ainda pior que a primeira e mais escura. Em cima, havia uma salinha, mal alumiada por uma janela, que dava para os telhados do fundo. Velhos trastes, paredes sombrias, um ar de pobreza, que antes aumentava do que destruía o prestígio.
        A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos. Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:
        — Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto...
        Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo.
        — E quer saber, continuou ela, se lhe acontecerá alguma coisa ou não...
        — A mim e a ela, explicou vivamente ele.
        A cartomante não sorriu; disse-lhe só que esperasse. Rápido pegou outra vez as cartas e baralhou-as, com os longos dedos finos, de unhas descuradas; baralhou-as bem, transpôs os maços, uma, duas, três vezes; depois começou a estendê-las. Camilo tinha os olhos nela, curioso e ansioso.
        — As cartas dizem-me...
        Camilo inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era indispensável mais cautela; ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Rita... Camilo estava deslumbrado. A cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.
        — A senhora restituiu-me a paz ao espírito, disse ele estendendo a mão por cima da mesa e apertando a da cartomante.
        Esta levantou-se, rindo.
        — Vá, disse ela; vá, ragazzo innamorato...
        E de pé, com o dedo indicador, tocou-lhe na testa. Camilo estremeceu, como se fosse mão da própria sibila, e levantou-se também. A cartomante foi à cômoda, sobre a qual estava um prato com passas, tirou um cacho destas, começou a despencá-las e comê-las, mostrando duas fileiras de dentes que desmentiam as unhas. Nessa mesma ação comum, a mulher tinha um ar particular. Camilo, ansioso por sair, não sabia como pagasse; ignorava o preço.
        — Passas custam dinheiro, disse ele afinal, tirando a carteira. Quantas quer mandar buscar?
        — Pergunte ao seu coração, respondeu ela.
        Camilo tirou uma nota de dez mil-réis, e deu-lha. Os olhos da cartomante fuzilaram. O preço usual era dois mil-réis.
        — Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá tranquilo. Olhe a escada, é escura; ponha o chapéu...
        A cartomante tinha já guardado a nota na algibeira, e descia com ele, falando, com um leve sotaque. Camilo despediu-se dela embaixo, e desceu a escada que levava à rua, enquanto a cartomante alegre com a paga, tornava acima, cantarolando uma barcarola. Camilo achou o tílburi esperando; a rua estava livre. Entrou e seguiu a trote largo.
        Tudo lhe parecia agora melhor, as outras cousas traziam outro aspecto, o céu estava límpido e as caras joviais. Chegou a rir dos seus receios, que chamou pueris; recordou os termos da carta de Vilela e reconheceu que eram íntimos e familiares. Onde é que ele lhe descobrira a ameaça? Advertiu também que eram urgentes, e que fizera mal em demorar-se tanto; podia ser algum negócio grave e gravíssimo.
        — Vamos, vamos depressa, repetia ele ao cocheiro.
        E consigo, para explicar a demora ao amigo, engenhou qualquer cousa; parece que formou também o plano de aproveitar o incidente para tornar à antiga assiduidade... De volta com os planos, reboavam-lhe na alma as palavras da cartomante. Em verdade, ela adivinhara o objeto da consulta, o estado dele, a existência de um terceiro; por que não adivinharia o resto? O presente que se ignora vale o futuro. Era assim, lentas e contínuas, que as velhas crenças do rapaz iam tornando ao de cima, e o mistério empolgava-o com as unhas de ferro. Às vezes queria rir, e ria de si mesmo, algo vexado; mas a mulher, as cartas, as palavras secas e afirmativas, a exortação: — Vá, vá, ragazzo innamorato; e no fim, ao longe, a barcarola da despedida, lenta e graciosa, tais eram os elementos recentes, que formavam, com os antigos, uma fé nova e vivaz.
        A verdade é que o coração ia alegre e impaciente, pensando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir. Ao passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até onde a água e o céu dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação do futuro, longo, longo, interminável.
        Daí a pouco chegou à casa de Vilela. Apeou-se, empurrou a porta de ferro do jardim e entrou. A casa estava silenciosa. Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater, a porta abriu-se, e apareceu-lhe Vilela.
        — Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?
        Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensanguentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão.
 ASSIS, Machado de. Contos. Sel. de Deomira Stefani. São Paulo, Ática, 1996. p. 91-8.
Fonte: Linguagem Nova. Faraco & Moura. Editora Ática. 8ª série. p. 182-192.
Entendendo o conto:

01 – Todo conto é uma narrativa e, como tal, apresenta personagens e enredo. Esses fatos acontecem num determinado lugar (espaço) e num determinado tempo.
a)   Quais são as personagens que aparecem nessa história? Qual é a relação entre eles?
Vilela e Rita – casados; Camilo – amante de Rita e amigo de infância de Vilela; e a cartomante.

b)   Resuma em poucas linhas o enredo do conto.
Resposta pessoal do aluno.

c)   Onde se passa a história?
Na cidade do Rio de Janeiro.

d)   Em que época?
Em 1869, isto é, segunda metade do século XIX.

02 – O que você entende da frase dita por Hamlet e mencionada no texto: “Há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia”?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Há muitos mistérios na vida; a vida é muito mais do que podemos entender; nem tudo na vida é passível de nossa compreensão.

a)   Em que momentos do conto aparece essa citação?
No início e no momento em que Camilo esperava a cartomante.

b)   Na sua opinião, por que o autor escolheu essas situações para colocar a frase de Shakespeare?
A frase é a introdução do conto, pois todo o desenvolvimento e o desfecho nada mais são do que a comprovação dessa tese. Com isso o autor cria um certo clima de suspense. Na segunda situação, a frase aparece quando Camilo está muito angustiado; para aliviar-se, mesmo duvidando, recorre à cartomante.

03 – Quando uma pessoa não acredita em nada, diz-se que ela é cética. O ceticismo está bastante presente nos textos machadianos. Nesse conto, de que maneira aparece esse ceticismo?
      No conto, a cartomante é totalmente desacreditada.

04 – Em que linha do conto o leitor toma conhecimento de que Rita e Camilo são amantes? por quê?
      Linha 21. Porque Camilo faz referência a Vilela.

05 – No início do conto, o narrador limita-se a contar a história sem dar explicações. Em que linha o narrador começa a comentar as origens das personagens? Transcreva a frase que comprova sua resposta.
      Linha 52. “Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura, e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela.”

06 – Descreva física e psicologicamente o triângulo amoroso do conto.
      Rita: 30 anos, formosa, graciosa, olhos astutos, boca fina e interrogativa, viva nos gestos, mas torta.
      Vilela: advogado, 29 anos, porte grave, parecia mais velho do que Rita.
      Camilo: 26 anos, ingênuo, faltava-lhe experiência e intuição.

07 – Quem, segundo o narrador, é o responsável pela continuidade do envolvimento de Rita e Camilo?
      Rita.

a)   Que comparação ele utiliza para se referir ao comportamento de Rita?
Compara-a a uma serpente que estala os ossos de Camilo e pinga-lhe veneno na boca.

b)   Qual é sua opinião sobre essa maneira de analisar o sexo feminino?
Resposta pessoal do aluno.

08 – Que fato desencadeia a mudança de comportamento de Camilo?
      A carta anônima que recebe.

09 – Ao receber o bilhete de Vilela, pedindo para ir à cada dele com urgência, Camilo ficou muito nervoso e anteviu todo o drama. A essa altura da história você achava que o final seria tão trágico? Justifique sua resposta.
      Resposta pessoal do aluno.

10 – “Dir-se-ia a morada do indiferente Destino.” (Linha 187).
a)   A que o narrador se refere?
O narrador se refere à casa da cartomante.

b)   Por que ele emprega o adjetivo indiferente?
Todas as janelas das outras casas estão abertas, cheias de curiosos vendo o acidente, exceto as da cartomante, que parece estar alheia a tudo. Camilo pensa também em seu destino, que continua uma incógnita.

11 – A angústia de Camilo aumentava a cada instante. Enquanto andava de tílburi, que detalhe contribuiu para aumentar mais o seu desespero?
      O trote do cavalo.

12 – O conflito interno por que passou Camilo, antes de decidir-se a entrar na casa da cartomante, acabou com uma impressão e duas lembranças. Que impressão e lembranças são essas?
      Impressão: a casa da cartomante parecia olhar para ele.
      Lembranças: os casos que a mãe contava e a frase de Hamlet.

13 – “... mistério empolgava-o com as unhas de ferro”.
a)   Que figuras de linguagem estão presentes nessa frase?
Metáfora: unhas de ferro; Antítese: empolgar com garras de ferro.

b)   Como você relaciona essa frase com o que Camilo sentia naquele momento?
Essa antítese é reveladora do conflito que vivenciava: ficava animado com as palavras da cartomante e ao mesmo tempo antevia o drama.

c)   Que frase do parágrafo seguinte reforça esse conflito de Camilo?
“O coração ia alegre e impaciente”.

TEXTO: NÃO COMPLIQUEM O NOSSO IDIOMA - DAD SQUARISI - COM GABARITO

Texto: NÃO COMPLIQUEM O NOSSO IDIOMA
         
    Dad Squarisi

     Na bolsa, só cheque e cartão de crédito. Cadê dinheiro para pagar o estacionamento? Recorri ao personal banking. No drive thru, a primeira máquina estava out of order. Fui à segunda. Nada feito: sistema off line. Liguei para o hot line. Expliquei meu aperto à operadora. "Vamos estar providenciando o conserto do caixa. A senhora pode acessar sua conta em outro terminal. O mais próximo fica no shopping." Fui lá. O sistema estava on line. Embolsei R$ 100 cash.
        O inglês invadiu as instituições bancárias. Antes, timidamente. Restringia-se ao traveller’s check, ao Credicard e a aplicações inacessíveis aos comuns dos mortais. Depois, ficou atrevido. Foi deixando o português para trás. Para chegar lá, trilhou dois caminhos. Um cuidadosamente traçado pelo marketing. Os bancos passaram a oferecer produtos na linguagem do cliente. Ou melhor: na linguagem que impressiona o cliente. Embalar o serviço na língua do Tio Sam valoriza a oferta. Dá-lhe status. Telemarketing, personal manager, phone banking & cia. são filhotes dessa estratégia. 
        Deu a mão? A gringa avançou pro braço. Sem convite, foi além das meras palavras. Chegou à estrutura da língua. Fincou pé nos verbos. Exemplos não faltam. Um deles: substituir o futuro "providenciarei" pelo "vamos estar providenciando". Outro: trocar o pretérito "foi desligado" pelo "tem sido desligado". 
        De onde vêm os monstrengos? Das traduções malfeitas. O inglês tem muitas formas verbais compostas. É o caso do "I’ll be sending". Três verbos para dizer nosso simples "enviarei", traduzido por "vou estar enviando". Há também o past perfect. "The telephone has been desconected" quer dizer, simplesmente, "o telefone foi desligado". Não tem nada a ver com "tem sido desligado", que indica uma ação que começou no passado e continua no presente. Com o avanço da informática e do marketing a coisa piorou. A literatura dessas novidades é praticamente em língua inglesa. Nós consumimos as traduções. 
        Invasão de língua estrangeira tem várias razões. Uma é o prestígio. O inglês avançou nas nossas fronteiras porque é falado pela maior potência do planeta, que vende como ninguém sua música, seu cinema, sua televisão, sua literatura, sua tecnologia e o american way of life. Outra é a receptividade. Nós, já dizia Glauber Rocha, temos complexo de vira-lata. O que vem de fora é melhor. 
        O inglês deita e rola. O disque virou disk. Do disk-pizza. ao disk-entulho, passando pelo disk-sushi e disk-bombeiro. Liquidação é sale. Moda, fashion. Camiseta, t-shirts. Relatório, paper. Acampar, camping. Revisão médica, check-up. Por que os bancos ficariam pra trás? Fundo se naturalizou fund. Taxa de risco, spread. Loan, empréstimo.
        O inglês na vida tupiniquim não é novidade. Vem de longe. Mas se firmou graças a Hollywood, à Segunda Guerra Mundial e ao avanço tecnológico. Ava Garner, Greta Garbo, Clark Gable, Rodolfo Valentino, James Dean, Elvis Presley e cia. deram asas à imaginação deste país colonizado. Bom ser bonito e famoso como eles. Mascar chicletes, tomar Coca-Cola, fumar Camel e usar óculos Rayban viraram obsessão.
        A guerra trouxe os gringos até aqui. Vivíamos a política da boa vizinhança com os Estados Unidos. Natal, Recife, São Luís, Belém foram invadidas pelo povo do norte em nome da sagrada aliança contra Hitler, Mussolini e todas as forças do mal encarnadas no Eixo.
        Inventaram que aí nasceu a palavra forró. Os gringos promoviam festas para si. Eram privacy. Volta e meia, abriam. Aí era for all, para todos. Nossos caboclos, analfabetos em português e duplamente em inglês, simplificaram a pronúncia. For all virou o nordestíssimo forró. Puro folclore. Forró é redução de forrobodó. Mas a versão tem sido tão insistentemente repetida que virou verdade.
        A familiaridade com o inglês deixou-nos ousados. Hoje aportuguesamos termos que nem sonhavam figurar no Aurélio. Muito menos no Vocabulário Ortográfico. A informática serve de exemplo. Com ela, nossa criatividade alça vôos. E ultrapassa os limites da máquina. Deletar tomou a vez do velho apagar. Printar expulsou o imprimir. Startar cassou o começar.
        É isso. Quem não aderiu se tornou out. Que corra atrás do prejuízo. Peça help. E vire in.
               SQUARISI, Dad. Revista Exame, 18 nov. 1998. p. 170.
Fonte: Linguagem Nova. Faraco & Moura. Editora Ática. 8ª série. p. 136-40.
Entendendo o texto:

01 – O primeiro parágrafo do texto é predominantemente narrativo, dissertativo ou descritivo? justifique sua resposta.
      É predominantemente narrativo, pois a autora relata uma situação em que necessitava de dinheiro e como o conseguiu.

02 – Embora a situação exposta nesse primeiro parágrafo seja comum, cotidiano, é uma situação especial para o assunto que vai ser desenvolvido no texto. Por quê?
      Porque está relacionada aos serviços bancários, onde o inglês predomina. Esse fato permite à autora empregar inúmeros termos nessa língua e mostrar sua influência no português.

03 – “Embalar o serviço na língua do Tio Sam valoriza a oferta.” Tio Sam é referência a que país?
      Aos Estados Unidos.

04 – “Deu a mão? A gringa avançou pro braço.”
a)   Como a autora explica o “avançar para o braço”?
A influência do inglês não ficou só nas palavras; chegou à estrutura da língua.

b)   Que recurso ela usa no texto para provar essa afirmação?
A exemplificação.

05 – Você conhece pessoas que dizem: “vou estar enviando” em vez de “vou enviar” ou qualquer expressão similar? Procure observar, anote alguns exemplos e reescreva-os, empregando a forma verbal mais adequada. Em São Paulo, esse uso é bastante comum.
      Resposta pessoal do aluno.

06 – No quinto parágrafo, uma das razões apontadas para a invasão da língua estrangeira é que o inglês “é falado pela maior potência do planeta”. Relacione essa afirmação com os termos do inglês empregados nos dois primeiros parágrafos.
      Devido ao poder econômico dos Estados Unidos, “maior potência do planeta”; a influência do inglês se faz sentir grandemente na terminologia relativa aos serviços das instituições bancárias, guardiães da moeda.

07 – Na linha 17, que expressão a autora emprega em lugar de etc.? Explique esse emprego.
      A autora usa a expressão “& cia.”, que faz parte da linguagem comercial (= e companhia). Esse emprego reforça, no texto, de modo bem-humorado, a ideia do fator econômico como um determinante da invasão da língua inglesa.

08 – A influência do inglês no Brasil não é recente, tem raízes históricas, segundo a autora. Quais são essas raízes?
      Influência do cinema hollywoodiano, da Segunda Guerra Mundial – que trouxe norte-americanos para cá – e do avanço tecnológico.

09 – Que atitudes trazidas pelo cinema hollywoodiano foram identificadas, na imaginação dos brasileiros, ao american way os life, segundo o texto?
      Mascar chicletes, tomar Coca-Cola, fumar Camel e usar óculos Rayban.

10 – A autora afirma que a origem que se divulga da palavra forró como derivada do inglês é “invenção”, “puro folclore”. Por que, ao expor seus argumentos, ela usou o adjetivo nordeste no superlativo: nordestíssimo?
      Provavelmente, quis acentuar o absurdo de se atribuir uma palavra tão característica da cultura do Nordeste à influência americana.


quarta-feira, 22 de abril de 2020

MÚSICA(ATIVIDADES): AMOR DE ÍNDIO - BETO GUEDES - COM QUESTÕES GABARITADAS

Música(Atividades): Amor de Índio

              Beto Guedes

Tudo que move é sagrado
E remove as montanhas
Com todo o cuidado
Meu amor
Enquanto a chama arder
Todo dia te ver passar
Tudo viver a teu lado
Com o arco da promessa
Do azul pintado
Pra durar

Abelha fazendo o mel
Vale o tempo que não voou
A estrela caiu do céu
O pedido que se pensou
O destino que se cumpriu
De sentir seu calor
E ser todo
Todo dia é de viver
Para ser o que for
E ser tudo

Sim, todo amor é sagrado
E o fruto do trabalho
É mais que sagrado
Meu amor
A massa que faz o pão
Vale a luz do seu suor
Lembra que o sono é sagrado
E alimenta de horizontes
O tempo acordado de viver

No inverno te proteger
No verão sair pra pescar
No outono te conhecer
Primavera poder gostar
No estio me derreter
Pra na chuva dançar e andar junto
O destino que se cumpriu
De sentir seu calor e ser todo

                         Composição: Beto Guedes / Ronaldo Bastos

Entendendo a canção:

01 – Como o eu lírico se coloca nesta canção?
      Ele se entrega a sua amada, pois acredita que devemos ser inteiro em tudo que fazemos.

02 – O que se entende por este verso. “Tudo que move é sagrado”?
      O eu lírico canta o motor da luz (o sagrado), pois a única certeza estável é a de que tudo muda.

03 – Qual o significado de “todo amor é sagrado”. E na canção?
       Aponta para as várias formas de amar, afinal, qualquer maneira de amor vale a pena.

04 – Como eu lírico nos mostra o amor de índio nos seguintes versos: “Enquanto a chama arder / Todo dia te ver passar / Tudo viver a teu lado / Com o arco da promessa / Do azul pintado / Pra durar”?
      E esse amor entre eles é eterno, enquanto a chama da vida arder no interior de cada um deles. O arco para o índio sim, todo amor é sagrado, sua defesa. Já o arco da promessa é uma referência ao arco-íris, que colore o horizonte azul, como o símbolo da promessa duradoura que Deus fez com os homens.

05 – Que expressam estes versos: “Todo dia é de viver / Para ser o que for / E ser tudo.”?
      Expressam o lado primitivo e puro que ainda havia em cada uma das pessoas, como um canto de louvor à vida.

06 – Você concorda com o eu lírico quando diz que o sono é sagrado?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: sim, ele é essencial que, além de descansar o corpo e a mente, faz com que a pessoa pense melhor e também emagreça. Quando dormimos bem, estamos contribuindo para prevenir o aparecimento de doença, além de promover o rejuvenescimento.

07 – No último verso o eu lírico cita as estações do ano, com que intenção?
      Para mostrar que quem vive constantemente em contato com a natureza, cada mudança climática é percebida. Os índios e as pessoas mais sensíveis observam melhor as estações e podem senti-los em toda plenitude.

08 – Em que versos o eu lírico fala que o amor entre os indígenas é tão puro e sublime que é determinado pelo encontro ocorrido entre eles desde o nascimento, segundo a configuração das estrelas no firmamento, no exato momento em que vieram a existir, como homem e mulher, pois já crescem sabendo dessa predestinação e se enamoram, e se casam, e são felizes para sempre.
      “O destino que se cumpriu / De sentir seu calor / e ser todo.” / “Sim, todo amor é sagrado”.


POEMA: O CAÇADOR E A LEITEIRA - PIERRE JEAN DE BÉRANGER - COM GABARITO

Poema: O Caçador e a Leiteira
          
Pierre Jean de Béranger

Com doces cantos a calhandra alegra
Do almo dia o vermelho despontar;
O amante caçador segue, oh! leiteira,
Meigas falas de amor hás de escutar;
Da primavera as orvalhadas flores
Vamos, oh! bela, para ti colher.
- Não, caçador, de minha mãe hei medo,
E o meu tempo não posso aqui perder.

Tua mãe por detrás d'aquele oiteiro
Co'a mimosa ovelhinha longe está.
Olha, aprende, oh! leiteira, esta modinha,
Tão bonita na Corte outra não há;
A moça, que lograr saber cantá-la,
Os mais volúveis poderá prender.
- Também sei, caçador, modinhas ternas,
E o meu tempo não posso aqui perder.

Porque o possas contar, o triste caso
Aprende de um barão mui furibundo,
Que de cioso arrasta a pobre esposa,
Viva e bem viva, para o outro mundo;
História que, narrada em noite escura,
Faz quem ouve de medo estremecer.
- Também sei, caçador, contos mui tristes,
E o meu tempo não posso aqui perder.

Quero ensinar-te uma oração mui santa
Com que aplaques o lobo esfomeado,
Com que possas zombar das feiticeiras,
Livrar-te de quebranto, ou mau olhado.
Bem pode alguma velha malfazeja
Vis malefícios contra ti fazer.
- Não tenho, oh! caçador, o meu rosário?...
E o meu tempo não posso aqui perder.

Pois bem, vês esta cruz?... Como é brilhante,
Cravada de rubins de grão valor!...
Da moça que ela ornar, ao lindo seio
Os olhos chamará... cegos de amor.
Será tua, apesar do alto preço;
Mas, vê lá... o que em troca hei de querer!...
- Sou vossa, caçador, quanto é formosa!...
E o meu tempo não posso mais perder!

O Caçador e a Leiteira, de Pierre Jean de Béranger, em tradução de 
Trajano Galvão, publicado no livro Sertanejas (1898).
Entendendo o poema:
01 – De que trata o poema?
      Fala da persistência do caçador para conquistar sua amada.

02 – Quem são as personagens do poema?
      O caçador, a leiteira e a mãe dela.

03 – Em relação à estrutura poética, há quantas estrofes e quantos versos?
      Há cinco estrofes e quarenta versos.

04 – Ao final de cada estrofe a leiteira respondia algo ao caçador, como forma de quê?
      Era uma desculpa para não aceitar a corte dele.

05 – Qual o desfecho do poema?
      Ao final a leiteira cede aos encantos do caçador; como está nos últimos versos. “- Sou vossa, caçador, quanto é formosa!... / E o tempo não posso mais perder!”.

06 – Nos versos: “Os olhos chamará... cegos de amos.” Que figura de linguagem há neste verso?
      Personificação.