Artigo de opinião: Ao
perdedor, as latinhas
Nem a mais visionária das mães-dinás
poderia imaginar: o ofício de catador de latinhas tornou-se uma profissão
como outra qualquer. Com os ecos da crise econômica se abatendo sobre todos
nós, o zé-povinho precisa usar a criatividade para continuar vivo – ou, pelo
menos, emitindo alguns, ainda que mínimos, sinais vitais. Resultado: à
Lavoisier, o lixo metálico produzido pelas classes A, B, C e D ajuda a
comprar brioches para alimentar a classe Z, aquele lumpesinato que cada vez
aumenta mais de consistência e volume nas grandes e pequenas cidades do país.
Carnaval é festa esperada com
ansiedade por essa nova categoria de profissionais que os IBGEs da vida ainda
não catalogaram. Nada mais justo: nesse período, de alto consumo de produtos
armazenados em invólucros de alumínio, tiram o pé da lama. E o que se viu por
aí, pelas ruas do país, foi um aguerrido exército, sempre à espreita para
catar aquela latinha que, displicentemente, alguém acabou de jogar no chão.
Não existe limitação de idade para o
exercício da profissão de catador de latinhas. Também não exige formação
específica, nem o ensino fundamental completo, nem rudimento de
alfabetização. O básico para se tornar exímio profissional do setor é aquela condição
humana que nos leva a fazer seja lá que diabo for para não virar comida de
abutres.
Salvador, no Carnaval, uma das
maiores usinas de geração de latinhas de cerveja e refrigerantes do planeta,
é a Meca, o lugar ideal, a cidade dos sonhos de todos esses valentes
profissionais que vivem das sobras do lixo ocidental: a Las Vegas deles.
Os catadores de latinhas podem ser
família completa: pai, mãe e muitos filhos, todos imersos na faina diária de
coletar o maior número possível de peças de alumínio para revenda. Ao final
de suada semana de trabalho, podem faturar talvez R$5, talvez R$10, o que
pode parecer pouco para gente como a gente, que está na base da pirâmide
invertida, também conhecida como elite. Para eles, não. Serve ao menos para
adiar a morte por fome, bala ou vício.
No Carnaval de Salvador, o espaço
nobre para os catadores de latinhas é aquele, virtual, criado entre a
passagem de um bloco de trio e outro. Em ritmo de emboscada, espremidos entre
as paredes dos prédios e a multidão que saracoteia ao redor, mergulham sem
medo no lixo alumínio recém-jogado e enchem muitos sacos com as
cobiçadas peças.
Ser catador de latinhas pode parecer
fácil, mas não é. O.k., não precisa de exame vestibular. Muito menos daquela
série de documentos que se costuma exigir quando somos admitidos em algum
emprego. Mas o exercício dessa profissão requer rapidez, agilidade,
disposição física, fôlego e certo estoicismo. Afinal de contas, não deve ser
muito reconfortante para o ego viver das sobras do lixo produzido por outros
homens, aparentemente tão filhos de Deus quanto.
De qualquer forma, não será de todo
absurdo se, da próxima vez que perguntarmos a alguma criança da periferia das
metrópoles o que gostaria de ser quando crescer, ouvirmos: “Quero ser catador
de latinhas, tiô!”
Rogério
Menezes, Revista Época de 19 de março de 2001.
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Entendendo o texto:
01 – Assinale a ÚNICA alternativa que NÃO corresponde às
ideias apresentadas pelo autor.
A) As pessoas são
levadas a catar latinhas para não morrer de fome.
B) A luta pela
sobrevivência nas cidades fez surgir uma nova profissão: catador de latinhas.
C) Catar
latinhas é uma profissão rendosa, pois permite aos seus profissionais comprar
brioches.
D) É humilhante precisar catar latinhas para
sobreviver.
02 – Neste texto, o autor faz crítica a:
A) as pessoas que jogam
latinhas de cervejas ou refrigerantes no chão, sujando as cidades.
B) a
desigualdade social, fazendo com que algumas pessoas tenham que viver do lixo
produzido por outras.
C) o alto consumo de
bebidas durante o Carnaval, gerando um aumento excessivo de lixo metálico.
D) o fato de o
zé-povinho catar latas na rua, atrapalhando a imagem do país no exterior.
03 – Assinale a ÚNICA
alternativa em que a palavra ou expressão em destaque NÃO está adequadamente
interpretada de acordo com seu sentido no texto.
A) “...pai, mãe e
muitos filhos, todos imersos na faina diária de coletar o maior
número possível de peças de alumínio...” (linhas 19-20) = trabalho
B) “Nem a mais
visionária das mães-dinás poderia imaginar: o ofício de catador de
latinhas tornou-se uma profissão...” (linhas 1-2) = videntes
C) “Resultado: à
Lavoisier, o lixo metálico produzido pelas classes A, B, C e D ajuda a
comprar brioches para alimentar a classe Z ...” (Linhas 4-5) = nada se perde,
mas se transforma.
D) “...não
será de todo absurdo se, da próxima vez que perguntarmos a alguma criança da periferia das
metrópoles...” (linhas 33-34) = vizinhança.
04 – Assinale a ÚNICA
alternativa em que as palavras ou expressões NÃO denunciam as condições
sub-humanas dos catadores de latinhas:
A) profissionais que vivem das sobras do lixo
ocidental.
B) categoria de
profissionais que os IBGEs da vida ainda não catalogaram.
C) classe Z.
D) aguerrido exército.
05 – Comparando os textos de
Rogério Menezes e de Machado de Assis, pode-se dizer que:
A) a paz significa a
destruição das duas tribos; da mesma forma a luta de classes deve significar a
destruição das classes sociais.
B) como perdedores, os
catadores de latinhas devem ser suprimidos para que as pessoas de outras
classes sociais sobrevivam.
C) os catadores de
latinhas e a tribo derrotada na guerra merecem nosso ódio e compaixão.
D) a classe Z
não será exterminada se conseguir sobreviver com o lixo produzido pelas outras
classes.
06 – As expressões “Ao
vencedor, as batatas” e “Ao perdedor, as latinhas” permitem-nos concluir que:
A) as batatas e as latinhas vazias são troféus de
guerra.
B) vencedores e perdedores nunca ganham realmente.
C) as latinhas estão
para as batatas assim como as tribos em guerra estão para as classes sociais na
batalha do dia-a-dia.
D) as batatas
e as latinhas garantem aos vencedores e perdedores a sobrevivência.
07 – Comparando os textos de
Rogério Menezes e de Machado de Assis, pode-se dizer que:
A) a paz significa a
destruição das duas tribos; da mesma forma a luta de classes deve significar a
destruição das classes sociais.
B) como perdedores, os
catadores de latinhas devem ser suprimidos para que as pessoas de outras
classes sociais sobrevivam.
C) os catadores de
latinhas e a tribo derrotada na guerra merecem nosso ódio e compaixão.
D) a classe Z
não será exterminada se conseguir sobreviver com o lixo produzido pelas outras
classes.
08 – As expressões “Ao
vencedor, as batatas” e “Ao perdedor, as latinhas” permitem-nos concluir que:
A) as batatas e as latinhas vazias são troféus de
guerra.
B) vencedores e perdedores nunca ganham realmente.
C) as latinhas estão para as
batatas assim como as tribos em guerra estão para as classes sociais na batalha
do dia-a-dia.
D) as batatas
e as latinhas garantem aos vencedores e perdedores a sobrevivência.