Crônica: Muambas de Luxo
Walcyr Carrasco
HÁ DUAS SEMANAS FIZ as malas e parti para os
Estados Unidos. Férias! Ainda sou do tipo caipira, que quando vai pegar um
avião anuncia aos quatro ventos. Nunca mais farei isso. Mal contei, começaram
as encomendas:
— Você me compra creme de barbear? — pediu um.
— Aqui existem tantas marcas...
— O que eu gosto é americano. Nas lojas, cobram
7 reais.
No
free shop, só 4! . .
Nos dias seguintes recebi uma enxurrada de
telefonemas:
— Eu uso um perfume que é caríssimo no Brasil.
— Uma vez eu ganhei um relógio com um
cachorrinho que late ao despertar. Da Disney. Arruma um para o meu sobrinho?
É um constrangimento. As pessoas se comportam
como se estivessem no interior da selva amazônica, ávidas por gotas de
civilização. Há pedidos completamente estapafúrdios. Meses atrás, um ator de
voz afinada pediu a um amigo meu que ia a Nova York: "Não poderia trazer
partituras musicais para um show?". O turista passou duas tardes correndo
a cidade e achou algumas. Ao entregá-las, ouviu um rosnado:
— Só essas? Se tivesse procurado com vontade
teria encontrado mais.
O show nunca foi montado. A amizade esfriou.
Muitas vezes tentei
recusar, explicando:
— Vou a trabalho, nem sei se terei tempo...
A pessoa sempre insiste. Age como se fosse
desfeita. Entre . o pedido e a entrega existem várias armadilhas capazes de
acabar com uma amizade. Como a questão do preço. Certa vez um rapaz insistiu
para que eu trouxesse um gravadorzinho. Comprei na primeira loja. Ainda me
lembro do sorriso do chinês do balcão. Ao chegar, entendi o porquê de tanta
alegria.
— Aqui no Brasil é muito mais barato!
— Você ainda queria que eu pechinchasse? -—
admirei-me.
Ele me olhou torto, como se eu estivesse
tirando algum por fora. Algumas situações ficam muito desagradáveis. Um
advogado, conhecido meu, esqueceu-se de procurar um xampu. Ao voltar, comprou
num shopping e o entregou à colega de escritório como se fosse trazido do
exterior. Cobrou metade do que pagou. Só para não ficar chato. Foi pior: agora
vai viajar de novo e a moça lhe deu uma lista enorme, para aproveitar o preço.
Pavoroso é o amigo que encomenda pôster. Não
adianta bater o pé, dizer que não cabe em mala nenhuma, que serei obrigado à
trazer na mão.
— E leve, qual o problema de carregar? — ouço
de volta.
Nem sei como reagir diante da observação.
Carregar tralha é horrível até em viagens curtas de ônibus, como de São Paulo a
Santos. Quanto mais em aeroportos, onde se deve chegar duas horas antes,
esperar para embarcar etc, etc. Será que ninguém pensa que em vez de fazer
compras eu quero aproveitar a viagem? Bem, minha mãe dizia que pimenta nos
olhos dos outros é refresco.
A frase mais terrível certamente é:
— Você traz que depois a gente acerta.
Por causa dela, cheguei a dar calote. Há alguns
anos uma produtora teatral me pediu para encontrar um diretor em Nova York e
pegar um texto com ele. Pagaria as despesas, explicou. Esperei no hotel, o
homem não chegava. Eu tinha um compromisso, saí correndo. Voltei, encontrei o
texto e um bilhete com a conta. Era um livro caríssimo, fora dos catálogos.
Telefono para ele, não encontro. Ele liga de volta, deixa recado. Acabei
partindo sem pagar. Foi a sorte. A produtora pegou o livro, sorriu, agradeceu,
disfarçou e nem perguntou quanto custara. Ou seja: eu também não iria receber.
Finalmente aprendi. Ao desembarcar em Cumbica,
fui ao free shop tratar das encomendas. Fiquei uma hora escolhendo licores,
chocolates, latinhas de patê, telefones sem fio. Cheguei aos perfumes. De
todos, só não havia o meu. Senti-me injustiçado. Estava lá, camelando com as
compras, e para mim nada? Podem me chamar de egoísta. Abandonei o carrinho.
Os amigos fazem de tudo para transformar o turista em ás do contrabando. Decidi: encomendas, não mais. Sei de gente que ficará de nariz torcido. Assumo: odeio peregrinar pelas lojas, carregar malas, esfalfar-me nos aeroportos. Para muambeiro de luxo, nunca tive vocação.
Entendendo o texto
01. Qual é o tema principal abordado na crônica
"Muambas de Luxo" de Walcyr Carrasco?
a. Comportamento
dos turistas em viagem.
b. A experiência de
compras em free shops.
c. Dicas de viagem
para os Estados Unidos.
d. Histórias
engraçadas de malas extraviadas.
02. Qual é o sentimento do autor em relação
às encomendas feitas por amigos e conhecidos durante sua viagem?
a. Alegria por ajudar.
b. Indiferença.
c. Frustração e irritação.
d. Entusiasmo por fazer compras.
03. Por que o autor descreve seus amigos
como transformando-o em um "ás do contrabando"?
a. Porque gostam de envolvê-lo em
atividades ilegais.
b. Porque o incentivam a trazer
produtos de forma clandestina.
c. Porque esperam que ele traga
produtos de forma vantajosa durante suas viagens.
d. Porque querem colecionar itens
exóticos trazidos por ele.
04. O que o autor menciona como um dos
pontos negativos das encomendas que recebe durante suas viagens?
a. O peso extra na bagagem.
b. A falta de interesse dos amigos.
c. O desinteresse das lojas em atender
seus pedidos.
d. A dificuldade de escolher os
produtos certos.
05. Qual foi a reação do autor ao descobrir
que o gravador comprado no exterior era mais barato no Brasil?
a. Ele ficou contente por ter conseguido
um bom negócio.
b. Ele se surpreendeu com a reação de
seu amigo.
c. Ele se sentiu mal por não ter
pechinchado o preço.
d. Ele achou engraçada a situação.
06. O que aconteceu com o show que o autor
ajudou a providenciar partituras musicais?
a. O show foi um grande sucesso.
b. O show foi cancelado.
c. O autor não menciona o resultado do
show.
d. O autor não chegou a assistir ao show.
07. Por que o autor decidiu não mais aceitar
encomendas durante suas viagens?
a. Porque seus amigos não apreciavam seus
esforços.
b. Porque ele não gosta de fazer compras.
c. Porque a experiência se tornou
desagradável e estressante.
d. Porque ele prefere viajar sem bagagem.
08.Qual foi a situação que levou o autor a
dar um "calote" involuntário durante uma viagem?
a. Ele esqueceu de pagar uma conta de
hotel.
b. Ele não conseguiu encontrar um diretor
de teatro em Nova York.
c. Ele foi enganado ao comprar um produto
caro no exterior.
d. Ele não recebeu o pagamento pelo livro
que entregou.
09. O que fez o autor abandonar suas compras
no free shop ao final da crônica?
a. Ele percebeu que estava gastando
demais.
b. Ele não encontrou o perfume que
queria.
c. Ele decidiu não mais comprar presentes
para seus amigos.
d. Ele sentiu-se injustiçado ao perceber
que seus amigos não valorizavam seus esforços.
10. Qual é a
conclusão principal que o autor tira ao final da crônica "Muambas de
Luxo"?
a. Ele decide viajar mais frequentemente
para os Estados Unidos.
b. Ele percebe que não gosta de fazer
compras para os outros durante suas viagens.
c. Ele conclui que seus amigos não são
gratos por suas ajudas.
d.
Ele decide se mudar para o exterior permanentemente.
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