terça-feira, 29 de outubro de 2019

TEXTO: ESPELHO, ESPELHO MEU... - MARIA DE LOURDES KRIEGER - COM GABARITO


Texto: Espelho, espelho meu...
     
       Maria de Lourdes Krieger

        Regina: esse o meu nome.
        “Nome certo para uma princesa, que um dia será rainha”, dizia meu pai.
        Nos sonhos dele eu nasci para ser o centro da via. Dele e de mamãe, que me esperaram anos a fio; estavam quase desistindo quando ela recebeu o anúncio. E passaram a existir em função dele.
        Mamãe vivia cercada de mulheres sábias, parentes, amigas e conhecidas, que muito entendiam de crianças. Ela sempre convidava doze delas para intermináveis conversas. A décima terceira ficava esquecida: uma fiandeira, hábil em tecer vidas; mas na sala não havia lugar para treze visitas. Essa fiadeira, de nome Parca, vizinha de domínios próximos, cansada dos esforços para ser aceita no grupo, os quais resultavam sempre inúteis, decidiu se vingar. Teceu desejos para a tão esperada, para a rainha dos sonhos de meus pais. Desejou com a força da inveja e da rejeição: eu deveria nascer desajeitada. Magricela. Espinhenta. Sem graça ou beleza.
        Só isso explica o que sou hoje.
        “Espelho, espelho meu, haverá no mundo alguém mais bela do que eu?” Eu me fito no espelho de cabo, posiciono-o de várias maneiras; olho de frente, de esguelha. “Me dá uma imagem legal, por favor!”
        Evito o espelho grande, do quarto da mamãe. Ele é mentiroso. Os reflexos que apresenta não podem ser meus. Não da princesa meiga e gentil que papai embalou, não da pequena rainha que ele festeja.
        Quando eu quero a verdade, a minha verdade – me ver a princesa bela dos sonhos de meus pais –, recorro ao espelho redondo, de cabo comprido. Como sempre vi nas ilustrações dos contos de fadas que papai lia para eu dormir, nas histórias de outras rainhas, reginas. Procurei o espelho pela cidade, livro na mão, apertando-o nas ilustrações.
        Difícil encontrar igual. Olhavam o desenho, identificavam a bruxa a preparar maldades contra Branca de Neve, malviam o espelho. Troçavam.
        Acabei encontrando meu tesouro num antiquário, onde só muita coragem ou desespero me fez entrar. Desdenhei o preço. Menosprezei:
        -- Essa velharia cheia de pó? Quem mais vai levar? Tá aí há tempo!
        Implorei, regateei. Ganhei o direito de trazê-lo para casa. Agora ele faz parte do meu reino encantado.
        “Espelho, espelho meu...”
        Ele deve ser mágico. No espelho do quarto de mamãe, minha imagem surge distorcida, eu sou ossos, espinhas e pelos. Comprida, os olhos escuros embranquecendo mais o rosto, os cabelos lisos e sem brilho. No meu espelho me vejo aos pedacinhos; cada detalhe ganha beleza. Não acredito em meu pai: “Tua pele é a de Branca de Neve”. Confio em mamãe: “Um dia o patinho feio se tornou um lindo cisne negro”.
        “Espelho, espelho meu...”
        Só as espinhas ele não esconde; mas, vistas aos bocados, não assustam.
        Se quero me encontrar legal, é procurar com jeito os bocados melhores. Meus olhos acabam descobrindo as promessas das mulheres sábias: “Ela nascerá forte e será bela”.
        Mas que droga! Como custa para o espelho de cabo me dar esse reflexo, inteiro, para sempre!

                      Segredos do coração. Maria de Lourdes Krieger.
     Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 5ª Série - Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p.38-40.
Entendendo o texto:

01 – No texto também são usadas algumas figuras de linguagem. Substitua os termos destacados a seguir por outras palavras ou expressões, sem modificar o significado do texto.
a)   “A décima terceira ficava esquecida: uma fiandeira, hábil em tecer vidas;...”
Produzir histórias; fazer fofoca. Uma fiadeira tece com fios. O tecer vidas aparece, no texto, como a habilidade de criar vidas, histórias, para outros seres humanos.

b)   “Teceu desejos para a tão esperada, para a rainha dos sonhos de meus pais.”
Inventou, criou, imaginou, desejou.

02 – Leia com atenção:
I – “Espelho, espelho meu, haverá no mundo alguém mais bela do que eu?”
II – “Um dia o patinho feio se tornou um lindo cisne negro”.
III – “Ela nascerá forte e será bela”.

Os trechos destacados lembram-nos de alguns contos de fadas.
a)   Converse com seus colegas e procure descobrir a que contos pertencem esses trechos.
Branca de Neve e os Sete Anões; O Patinho Feio; A Bela Adormecida.

b)   Ao comprar o espelho, que personagem de contos de fada Regina procura imitar?
A madrasta de Branca de Neve, uma rainha que se considerava a mais linda das criaturas.

c)   Há semelhanças entre o nascimento de Regina e o nascimento da personagem do conto representado pelo trecho do item III. Identifique-as.
Em A Bela Adormecida, uma linda princesa é amaldiçoada por uma bruxa no dia de seu nascimento, assim como Regina. Antes de ser amaldiçoada, porém, recebe as bênçãos de três fadas madrinhas, assim como a Regina.

d)   Para dizer que Regina mudaria com o tempo, sua mãe lembra o final da história do item II. Por quê?
Porque, na história do Patinho Feio, o personagem pensava ser um patinho, descobriu que era um belo cisne.

03 – Observe as palavras Espelho e Ele nas linhas 44 e 45. Elas iniciam novas frases e estão recuadas da margem esquerda. Responda:
a)   Por que isso acontece?
É o uso do parágrafo, marcando o início de uma nova ideia.

b)   Quantos parágrafos tem o texto citado?
O texto tem 18 parágrafos.

04 – Por que Branca de Neve aparece com letra maiúscula e patinho feio e cisne negro estão em letras minúsculas?
      Porque somente Branca de Neve é nome próprio.

05 – Em que outras situações, no texto, são usadas letras maiúsculas? Por quê?
      No início de cada frase e de cada parágrafo.

06 – No texto há várias orações que aparecem entre aspas. Observe as orações destacadas a seguir. Identifique a função das aspas em cada caso.
a)   “Me dá uma imagem legal, por favor!”
Introduzir as falas ou pensamentos das personagens.

b)   “Ela nascerá forte e será bela”.
Introduzir trechos de outras histórias, citações.

07 – Qual a função das reticências no título da história?
      Indicar que a frase continua.

08 – A personagem de “Espelho, espelho meu...” não tem um apelido. Contudo, seu nome também a incomoda. Por quê?
      Porque ela não se sente linda o suficiente para atingir as expectativas dos seus pais.
     
  

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