Texto: Espelho,
espelho meu...
Regina: esse o meu nome.
“Nome certo para uma princesa, que um
dia será rainha”, dizia meu pai.
Nos sonhos dele eu nasci para ser o
centro da via. Dele e de mamãe, que me esperaram anos a fio; estavam quase
desistindo quando ela recebeu o anúncio. E passaram a existir em função dele.
Mamãe vivia cercada de mulheres sábias,
parentes, amigas e conhecidas, que muito entendiam de crianças. Ela sempre
convidava doze delas para intermináveis conversas. A décima terceira ficava
esquecida: uma fiandeira, hábil em tecer vidas; mas na sala não havia lugar
para treze visitas. Essa fiadeira, de nome Parca, vizinha de domínios próximos,
cansada dos esforços para ser aceita no grupo, os quais resultavam sempre
inúteis, decidiu se vingar. Teceu desejos para a tão esperada, para a rainha
dos sonhos de meus pais. Desejou com a força da inveja e da rejeição: eu
deveria nascer desajeitada. Magricela. Espinhenta. Sem graça ou beleza.
Só isso explica o que sou hoje.
“Espelho, espelho meu, haverá no mundo
alguém mais bela do que eu?” Eu me fito no espelho de cabo, posiciono-o de
várias maneiras; olho de frente, de esguelha. “Me dá uma imagem legal, por
favor!”
Evito o espelho grande, do quarto da mamãe.
Ele é mentiroso. Os reflexos que apresenta não podem ser meus. Não da princesa
meiga e gentil que papai embalou, não da pequena rainha que ele festeja.
Quando eu quero a verdade, a minha
verdade – me ver a princesa bela dos sonhos de meus pais –, recorro ao espelho
redondo, de cabo comprido. Como sempre vi nas ilustrações dos contos de fadas
que papai lia para eu dormir, nas histórias de outras rainhas, reginas.
Procurei o espelho pela cidade, livro na mão, apertando-o nas ilustrações.
Difícil encontrar igual. Olhavam o
desenho, identificavam a bruxa a preparar maldades contra Branca de Neve,
malviam o espelho. Troçavam.
Acabei encontrando meu tesouro num
antiquário, onde só muita coragem ou desespero me fez entrar. Desdenhei o
preço. Menosprezei:
-- Essa velharia cheia de pó? Quem mais
vai levar? Tá aí há tempo!
Implorei, regateei. Ganhei o direito de
trazê-lo para casa. Agora ele faz parte do meu reino encantado.
“Espelho, espelho meu...”
Ele deve ser mágico. No espelho do
quarto de mamãe, minha imagem surge distorcida, eu sou ossos, espinhas e pelos.
Comprida, os olhos escuros embranquecendo mais o rosto, os cabelos lisos e sem
brilho. No meu espelho me vejo aos pedacinhos; cada detalhe ganha beleza. Não
acredito em meu pai: “Tua pele é a de Branca de Neve”. Confio em mamãe: “Um dia
o patinho feio se tornou um lindo cisne negro”.
“Espelho, espelho meu...”
Só as espinhas ele não esconde; mas, vistas
aos bocados, não assustam.
Se quero me encontrar legal, é procurar
com jeito os bocados melhores. Meus olhos acabam descobrindo as promessas das
mulheres sábias: “Ela nascerá forte e será bela”.
Mas que droga! Como custa para o espelho
de cabo me dar esse reflexo, inteiro, para sempre!
Segredos do coração.
Maria de Lourdes Krieger.
Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em
Língua Portuguesa – 5ª Série - Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p.38-40.
Entendendo o texto:
01 – No texto também são
usadas algumas figuras de linguagem. Substitua os termos destacados a seguir
por outras palavras ou expressões, sem modificar o significado do texto.
a)
“A décima terceira ficava esquecida: uma
fiandeira, hábil em tecer vidas;...”
Produzir histórias; fazer fofoca. Uma fiadeira tece com fios. O
tecer vidas aparece, no texto, como a habilidade de criar vidas, histórias,
para outros seres humanos.
b)
“Teceu desejos para a tão esperada, para a
rainha dos sonhos de meus pais.”
Inventou, criou, imaginou, desejou.
02 – Leia com atenção:
I – “Espelho, espelho meu,
haverá no mundo alguém mais bela do que eu?”
II – “Um dia o patinho feio
se tornou um lindo cisne negro”.
III – “Ela nascerá forte e
será bela”.
Os trechos destacados
lembram-nos de alguns contos de fadas.
a)
Converse com seus colegas e procure descobrir
a que contos pertencem esses trechos.
Branca de Neve e os Sete Anões; O Patinho Feio; A Bela Adormecida.
b)
Ao comprar o espelho, que personagem de
contos de fada Regina procura imitar?
A madrasta de Branca de Neve, uma rainha que se considerava a mais
linda das criaturas.
c)
Há semelhanças entre o nascimento de Regina e
o nascimento da personagem do conto representado pelo trecho do item III.
Identifique-as.
Em A Bela Adormecida, uma linda princesa é amaldiçoada por uma bruxa
no dia de seu nascimento, assim como Regina. Antes de ser amaldiçoada, porém,
recebe as bênçãos de três fadas madrinhas, assim como a Regina.
d)
Para dizer que Regina mudaria com o tempo,
sua mãe lembra o final da história do item II. Por quê?
Porque, na história do Patinho Feio, o personagem pensava ser um
patinho, descobriu que era um belo cisne.
03 – Observe as palavras
Espelho e Ele nas linhas 44 e 45. Elas iniciam novas frases e estão recuadas da
margem esquerda. Responda:
a)
Por que isso acontece?
É o uso do parágrafo, marcando o início de uma nova ideia.
b)
Quantos parágrafos tem o texto citado?
O texto tem 18 parágrafos.
04 – Por que Branca de Neve
aparece com letra maiúscula e patinho feio e cisne negro estão em letras minúsculas?
Porque somente
Branca de Neve é nome próprio.
05 – Em que outras
situações, no texto, são usadas letras maiúsculas? Por quê?
No início de cada
frase e de cada parágrafo.
06 – No texto há várias
orações que aparecem entre aspas. Observe as orações destacadas a seguir.
Identifique a função das aspas em cada caso.
a)
“Me dá uma imagem legal, por favor!”
Introduzir as falas ou pensamentos das personagens.
b)
“Ela nascerá forte e será bela”.
Introduzir trechos de outras histórias, citações.
07 – Qual a função das
reticências no título da história?
Indicar que a frase continua.
08 – A personagem de
“Espelho, espelho meu...” não tem um apelido. Contudo, seu nome também a
incomoda. Por quê?
Porque ela não se
sente linda o suficiente para atingir as expectativas dos seus pais.
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