Romance: Rita Baiana –
Fragmento
Aluísio Azevedo
Ela saltou em meio da roda, com os
braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a
esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal num
requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já
recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse afundando num
prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo.
Depois, como se voltasse à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os
dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca parar com os
quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e
abaixando os braços, que dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a
carne lhe fervia toda, fibra por fibra, titilando.
[...]
O chorado arrastava-os a todos,
despoticamente, desesperando os que não sabiam dançar. Mas, ninguém como a
Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de
cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam ser sem o cheiro que a
mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante,
meiga e suplicante.
E Jerônimo via e escutava, sentindo
ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados.
Naquela mulata estava o grande
mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz
ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o
aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras;
era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era
o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a
castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra
verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia
muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as
fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe
cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota
daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de
cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa
fosforescência afrodisíaca.
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 25. ed.
São Paulo, Ática, 1992. p. 72-3.
Fonte: Livro- Português
– Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 266-7.
Entendendo o romance:
01 – De acordo com o texto, qual o significado das
palavras abaixo:
·
Ilhargas: Cada uma das partes laterais e inferiores do baixo-ventre.
·
Luxurioso: Sensual, libidinoso.
·
Despoticamente: Tiranicamente.
·
Embambecer: Afrouxar, relaxar.
·
Setentrional: Situado ao norte.
02 – Que diferenças podemos
estabelecer entre a caracterização de Rita Baiana e uma personagem feminina dos
romances românticos?
Rita Baiana é uma
mulata rude, libidinosa, sem recato ou pudor, ao contrário da descrição
romântica de mulheres educadas, meigas, frágeis e recatadas.
03 – Como você caracteriza o
meio social do cortiço? Em que ele difere do ambiente romântico?
O meio social é
de pobres, assalariados, biscateiros, negros, mestiços e portugueses. O
ambiente romântico é o das casas e palacetes burgueses.
04 – Que sentimentos são
despertados em Jerônimo pela dança de Rita Baiana?
Sentimentos de
paixão e desejo.
05 – O narrador faz questão
de retratar atitudes e personagens primitivos, acentuando a degradação dos
tipos. Para isso, no romance, aproxima-os insistentemente de insetos e animais.
Retire do texto exemplos que exemplifiquem esta afirmação.
“Ela era a cobra
verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida.”
Obrigado
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