terça-feira, 22 de outubro de 2019

ROMANCE: RITA BAIANA - FRAGMENTO - ALUÍSIO AZEVEDO - COM GABARITO

Romance: Rita Baiana – Fragmento
                 Aluísio Azevedo

        Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca parar com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra por fibra, titilando.
        [...]
        O chorado arrastava-os a todos, despoticamente, desesperando os que não sabiam dançar. Mas, ninguém como a Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante.
        E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados.
        Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.
         AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 25. ed. São Paulo, Ática, 1992. p. 72-3.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 266-7.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Ilhargas: Cada uma das partes laterais e inferiores do baixo-ventre.

·        Luxurioso: Sensual, libidinoso.

·        Despoticamente: Tiranicamente.

·        Embambecer: Afrouxar, relaxar.

·        Setentrional: Situado ao norte.

02 – Que diferenças podemos estabelecer entre a caracterização de Rita Baiana e uma personagem feminina dos romances românticos?
      Rita Baiana é uma mulata rude, libidinosa, sem recato ou pudor, ao contrário da descrição romântica de mulheres educadas, meigas, frágeis e recatadas.

03 – Como você caracteriza o meio social do cortiço? Em que ele difere do ambiente romântico?
      O meio social é de pobres, assalariados, biscateiros, negros, mestiços e portugueses. O ambiente romântico é o das casas e palacetes burgueses.

04 – Que sentimentos são despertados em Jerônimo pela dança de Rita Baiana?
      Sentimentos de paixão e desejo.

05 – O narrador faz questão de retratar atitudes e personagens primitivos, acentuando a degradação dos tipos. Para isso, no romance, aproxima-os insistentemente de insetos e animais. Retire do texto exemplos que exemplifiquem esta afirmação.
      “Ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida.”



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