domingo, 20 de outubro de 2019

ROMANCE: O PRIMEIRO BEIJO - FRAGMENTO - MACHADO DE ASSIS- COM GABARITO

Romance: O primeiro beijo – Fragmento
              
 Machado de Assis
        [...]

        Tinha dezessete anos; pungia-me um buçozinho que eu forcejava por trazer a bigode. Os olhos, vivos e resolutos, eram a minha feição verdadeiramente máscula. Como ostentasse certa arrogância, não se distinguia bem se era uma criança com fumos de homem, se um homem com ares de menino. Ao cabo, era um lindo garção, lindo e audaz, que entrava na vida de botas e esporas, chicote na mão e sangue nas veias, cavalgando um corcel nervoso, rijo, veloz, como o corcel das antigas baladas, que o romantismo foi buscar ao castelo medieval, para dar com eles nas ruas do nosso século. O pior é que o estafaram a tal ponto, que foi preciso deitá-lo à margem, onde o realismo o veio achar, comido de lazeira e vermes, e, por compaixão, o transportou para os seus livros.
        Sim, eu era esse garção bonito, airoso, abastado; e facilmente se imagina que mais de uma dama inclinou diante de mim a fronte pensativa, ou levantou para mim os olhos cobiçosos. De todas porém a que me cativou logo foi uma... uma... não sei se diga; este livro é casto, ao menos na intenção; na intenção é castíssimo. Mas vá lá; ou se há de dizer tudo ou nada. A que me cativou foi uma dama espanhola, Marcela, a «linda Marcela», como lhe chamavam os rapazes do tempo. E tinham razão os rapazes. Era filha de um hortelão das Astúrias; disse-mo ela mesma, num dia de sinceridade, porque a opinião aceita é que nascera de um letrado de Madri, vítima da invasão francesa, ferido, encarcerado, espingardeado, quando ela tinha apenas doze anos. Cosas de España. Quem quer que fosse, porém, o pai, letrado ou hortelão, a verdade é que Marcela não possuía a inocência rústica, e mal chegava a entender a moral do código. Era boa moça, lépida, sem escrúpulos, um pouco tolhida pela austeridade do tempo, que lhe não permitia arrastar pelas ruas os seus estouvamentos e berlindas; luxuosa, impaciente, amiga de dinheiro e de rapazes.
        [...].
                                           ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas.
18. ed. São Paulo, Ática, 1992. p. 39-0.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 238-9.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Garção: Rapaz.

·        Estafar: Cansar, fatigar.

·        Lazeira: Lepra.

·        Airoso: Esbelto, elegante.

·        Hortelão: Que trata de horta.

·        Rústica: Simples, campestre.

·        Lépida: Alegre, ágil.

·        Estouvamento: Imprudência, leviandade.

·        Berlinda: Pequeno coche de quatro rodas, suspenso entre dois varais.

02 – Por que se pode afirmar que a visão que o narrador tem da sua personalidade ais dezessete anos não é idealizada?
      Porque o narrador reconhece os seus defeitos de vaidoso e arrogante.

03 – Que observações o narrador faz sobre o romantismo?
      O narrador refere-se ao romantismo como algo desgastado.

04 – “De todas porém a que me cativou logo foi uma... uma... não sei se diga; este livro é casto, ao menos na intenção; na intenção é castíssimo. Mas vá lá; ou se há de dizer tudo ou nada.” Este período faz-nos esperar que tipo de descrição da personagem Marcela? Por quê?
      Uma descrição realista, porque o narrador deixa explícito que o que vai contar não tem nada de casto e que haverá de dizer tudo.

05 – Quais os traços marcantes da personalidade de Marcela?
      Mentia, era maliciosa, desconhecia a moralidade, era inescrupulosa, libertina, interessada em dinheiro e em rapazes.


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