LENDA– A MANDIOCA, O CORPO DE MANDI
Leonardo Boff
Em tempos muito antigos, a filha de
um chefe indígena apareceu misteriosamente grávida. O chefe quis punir quem
desonrara a filha. Para saber quem era, pressionou-a fortemente com ameaças e
severos castigos Devia revelar o nome. Tudo em vão. A filha negou que tivesse
tido relações sexuais com alguém. E permanecia inflexível nessa sua negação.
O chefe resolveu então matá-la,
para vingar a honra e para dar uma lição a todas as moças da tribo. Porém, eis
que lhe apareceu em sonho um homem branco, dizendo:
- Não faça isso. Não mate a sua
filha. Ela é inocente. Jamais teve relação com algum homem.
O cacique ficou temeroso e resolveu
atender à voz do homem branco. Desistiu de sacrificar a filha.
Após nove meses, nasceu uma linda
menina. Sua pele era branca como a nuvem mais branca. Mandi era
seu nome. Todos ficaram intrigados e amedrontados quando viram a cor de sua
pele. Ninguém tinha nascido com essa cor em toda a história da tribo.
Os olhares de todos se cruzavam,
comparando o castanho-dourado de suas peles com a alvura da linda menina.
- É um triste presságio. Desgraças
virão sobre nossa tribo e sobre nossas plantações – comentavam os mais idosos.
Juntos, foram ao cacique. E sem
meias palavras disseram:
- Por favor, faça desaparecer
essa sua netinha. Ela vai nos atrair desgraças sobre desgraças.
Ele, no entanto, lembrando a voz
do homem branco, nada disse. Olhou com os olhos perdidos ao longe e, depois,
olhou firme para cada rosto dos que falaram. Tomado de compaixão, havia
decidido interiormente não atender aos pedidos dos velhos.
Mas veio-lhe uma ideia
inspirada. Certa feita, no silêncio de uma noite especialmente estrelada, ainda
de madrugada, foi ao rio. Levou consigo a netinha Mandi. Ela olhava ao redor,
assustada, sem nada entender. Lavou-a cuidadosamente nas águas claras do rio, enquanto
suplicava as forças dos espíritos benfazejos. No dia seguinte, reuniu a tribo e
disse com voz forte, para não tolerar objeções.
- Os espíritos recomendaram que
Mandi fique entre nós e que seja bem tratada por todos da tribo.
Os índios, ainda em dúvida, obedeceram e
acabaram se resignando. Com o passar do tempo, Mandi foi crescendo com tanta
graça que todos esqueceram o mau presságio e acabaram apaixonados por ela. O
cacique estava orgulhoso e feliz.
Mas um dia, sem ter adoecido ou
mostrado dores, a menina, inesperadamente morreu. Foi um lamento geral. Os mais
idosos choravam em meio a grandes soluços. O cacique estava inconsolável. Não
comia nem bebia. Só chorava. Os parentes, vendo o quanto o avô-cacique amava
Mandi, disseram:
- Vamos enterrá-la lá na maloca
dele. Assim ele se consolará.
Em vão. Ele, inconsolável,
fechou-se em sua dor e não fazia senão chorar. Chorava dia e noite, sobre a
sepultura de sua querida netinha. Tantas e tantas foram as lágrimas que,
surpreendentemente, do chão brotou uma plantinha.
Os pássaros vinham bica-la e
ficavam inebriados, para o espanto de todos. Mas, certo dia, uma coisa
espantosa aconteceu: a terra se abriu. Apareceram à mostra belas raízes de uma
planta, nascida do pranto do avô. Os índios, alvoroçados, correram para fora da
maloca e chamaram a todos, dizendo:
- Olhem que coisa maravilhosa!
Essas raízes são negras por fora, parecem até sujas, mas dentro são alvíssimas.
Respeitosos e com as mãos
nervosas, colheram essas raízes, quebraram suas pontas e se certificaram de que
eram realmente alvíssimas. Pareciam a pele de Mandi.
Começaram a comê-las e viram que
eram deliciosas. Foi então que fizeram uma associação inspirada:
- Seriam aquelas raízes a vida
de Mandi que se manifestava?
Nunca mais deixaram de comer
essas raízes. E foi assim que elas se
tornaram o principal alimento dos índios Tupi-Guarani, das demais tribos e da
maioria dos brasileiros, sendo transformadas em farinha, beijus e cauim.
Chamaram então as raízes de Mandioca, que significa “a casa de Mandi”, ou
também “corpo de Mandi”.
BOFF, Leonardo.O
casamento entre o céu e a terra. Rio de Janeiro: Salamandra, 2001p..18-20
1)
Para que fenômeno da natureza esse texto traz
uma explicação?
O texto traz uma explicação para o surgimento da mandioca.
2)
Com suas palavras, reconte como surgiu esse
alimento de acordo com o imaginário do povo indígena tupi-guarani.
Resposta Pessoal
3)
O texto começa com a expressão Em tempos
muito antigos. É possível dizer exatamente quando ocorreu essa história?
Não.
4)
É possível identificar onde a história se
passa?
Não é possível identificar o espaço exato onde se passa a narrativa.
Sabe-se que é em uma comunidade indígena, mas não se sabe onde ela fica.
5)
No texto ocorre algum acontecimento
fantástico, isto é, que não pode ser comprovado, que não existe de fato? Qual?
O fato de a vida de Mandi se manifestar nas raízes que brotavam da
terra.
6)
Copie do texto três palavras que demonstrem
relação com a identidade e a cultura do povo indígena que a criou.
Cacique, beijus, cauim, maloca, mandioca.
7)
Em sua opinião, essa história contém algum
ensinamento? Qual?
Resposta Pessoal.
8)
Na região onde vive, há alguma história
semelhante a essa? Qual
Resposta Pessoal.