Crônica: Em Busca de Status
Walcyr Carrasco
AO ENTRAR NA SALA DE um amigo, observo uma
luminária idêntica a um chifre. Ele a exibe, orgulhoso.
— Phillipe Starck. Só existem três no Brasil.
Atarraxo um sorriso de admiração. Como dizer
que parece o despojo de uma fantasia da Vai-Vai? Entusiasmado, ele
aconselha:
— Na loja havia uma cadeira de couro de vaca
incrível, assinada. Você precisa comprar.
— Mas não preciso de mais uma cadeira.
Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9ZLsc8KL5JDy10UNh8ttoN7sYw-49YDeoPg4FCXqT7gcT_5CNI4Fts-2ycIHFR4QHNwg1LoSaJhrJXXa0mU4zgatgmnxOOgVIeeGgfEv5bCcG3XfxjqFwvDTzYjQuzoXOEbPbghm7WFMKR5DuCkPNoRhwJRNni893n4IBffN7qvCEZ5OzJuc-_62pbTk/s320/carteira-masculina-lv_1_1000.jpg
— E uma oportunidade única, e você vai jogar
fora?
Suspiro. Devia jogar a cadeira na cabeça dele.
E impressionante como as pessoas dão valor a grifes. Há bastante tempo vi uma
carteira Louis Vuitton com desenho quadriculado. Linda. Fui verificar. Meus
documentos não cabiam. O vendedor explicou:
—- E que os documentos europeus são de tamanho
menor. Os nossos ficam sobrando.
Agradeci. Um amigo que me acompanhava se
escandalizou. -— Não vai levar?
— Onde vou botar minha identidade?
Mas
quando você abrir a carteira todo mundo vai notar. É chique.
Sou do tipo que só compra quando gosta.
Espanto-me quando vejo as pessoas se digladiando para ser elegantes. Visito um
casal. Ele me oferece um drinque.
— Uísque 12 anos, de uma reserva especial. Você
nunca experimentou igual.
— Obrigado, só quero água.
— Você tem de experimentar! É o máximo!
Enche meu copo. Observo a samambaia mais
próxima. Quantas vezes terá sido regada pelo uísque? A busca por status faz com
que modas sejam inventadas.
Sempre odiei tiramisu. Há algum tempo, ninguém
podia dizer que não gostava.
— Prefiro creme de papaia -— arrisquei, certa
vez, à mesa.
Olharam-me como se fosse um ET. Descobri que o
creme fora a moda de um ano atrás. Querem botar grife até dentro do meu
estômago! Agora que o tiramisu se tornou mais popular, é até fino desdenhar.
Escritores também podem entrar em moda.
— Você já leu o último da saga de Ramsés.
— Não gostei do primeiro, parei.
— Ah, mas todo mundo está lendo. Eu também
achei um pouco
exagerado... mas só falam nisso!
E filmes que não se pode deixar de ver? Já
perdi a conta.
Cada vez que desembarca uma nova Bruxa de Blair,
há uma comoção.
— Como,
você não viu?
— Assisto mais tarde, no vídeo.
— Mas aí é diferente. Todo mundo já vai ter
visto.
Será que, por todo mundo desfrutar, o filme
perde o interesse, a comida o sabor? E a mania de conhecer vinhos? Se parte dos
homens de negócios se dedicasse a estudar os gregos com o mesmo afinco com que
decora rótulos, teríamos um país de filósofos. Guerra semelhante acontece entre
conhecedores de charuto. Discutem aromas. Nuances. A maioria seria incapaz de
distinguir um cubano de um cigarro de palha do sítio. Respeito os apreciadores
das coisas boas da vida. Mas é terrível ver alguém comendo, bebendo e fumando
só para parecer o que não é, nem precisa ser.
De maneira mais cruel, algumas personalidades
se tornam notórias da noite para o dia. São convidadas para todas as festas.
Pensam que entraram para o grand monde. Bobagem. Passa algum tempo e seu
telefone pára de tocar. São descartadas como a roupa do verão passado.
Inventaram até uma expressão para dizer que
alguma coisa é chique e imprescindível: Estava em uma badalada loja de roupas
masculinas. A gerente conversava com um rapaz. Comentou.
— Seu sapato é tudo.
O
elogiado sorriu como se tivesse ganho a Mega Sena.
— Eu sei. E mesmo. Tudo.
O
sistema solar não é tudo, a via láctea não é tudo. Como um sapato pode ser?
Falando assim, parece que estou me referindo
aos ricos, ou pelo menos à classe média abastada. Coisa nenhuma. Soube que uma
grande grife, que patrocina desfiles chiquérrimos, vive da venda de camisetas e
jeans. Seu público: office-boys e congêneres. Gastam o pouco que ganham para
ter roupa com etiqueta. Quanto mais jovens, mais estritos: é preciso usar os
tênis que todos usam, botar o jeans, a calça. Caso contrário, serão desdenhados
como o patinho feio.
Fico pensando: nessa ânsia por ser especiais,
as pessoas tornam-se idênticas. Ser "tudo" acaba sendo um bom caminho
para terminar em nada.
Entendendo o texto
01. Qual é a reação do narrador ao ver a luminária na
casa do amigo?
a) Fica encantado e quer
comprar uma igual.
b) Sorri
de admiração, mas acha estranha.
c) Critica
abertamente o gosto do amigo.
d) Compra uma para
si imediatamente.
02. O que o amigo do narrador sugere comprar na loja?
a) Uma luminária
igual à dele.
b) Uma
cadeira assinada por um designer famoso.
c) Uma carteira
Louis Vuitton.
d) Uma obra de arte
exclusiva.
03. Por que o narrador recusa a carteira
Louis Vuitton?
a) Por não gostar do desenho
quadriculado.
b) Por não ter dinheiro para comprá-la.
c) Porque seus
documentos não cabem nela.
d) Porque preferia uma carteira de
outra marca.
04. O que o narrador acha da busca por status
relacionada a grifes?
a) Concorda e acha
importante.
b)
Despreza e acha fútil.
c) Participa
ativamente dessa busca.
d) Não tem opinião
formada sobre o assunto.
05. Como o narrador reage ao convite para
experimentar um uísque especial?
a) Aceita e elogia.
b) Recusa educadamente.
c) Experimenta e não gosta.
d) Finge gostar para agradar o amigo.
06. O que o narrador comenta sobre a moda do
tiramisu?
a) Sempre gostou dessa sobremesa.
b) Nunca experimentou, mas queria.
c) Despreza,
pois está fora de moda agora.
d) Acha que é uma moda passageira.
07. Qual é a atitude do narrador em relação
aos livros e filmes populares?
a) Sempre os lê e assiste.
b) Só os consome se forem populares.
c) Ignora, pois prefere coisas menos
conhecidas.
d) Assiste mais tarde, no vídeo.
08. O
que o narrador questiona sobre a obsessão por conhecer vinhos e charutos?
a) Se as pessoas realmente apreciam
essas bebidas.
b) Se essa busca contribui para o
desenvolvimento pessoal.
c) Se deveriam dedicar-se ao estudo de
assuntos mais relevantes.
d) Se é possível distinguir a
qualidade desses produtos.
09. Como o narrador vê as pessoas que
buscam ser notórias da noite para o dia?
a) Com admiração e respeito.
b) Como tolas e superficiais.
c) Como visionárias.
d) Como inspiradoras.
10. Qual é a crítica final do narrador em
relação à busca desenfreada por status?
a) Acredita que todos devem buscar ser
"tudo".
b) Sugere que essa busca pode levar ao
vazio.
c) Apoia a ideia de ser especial a
qualquer custo.
d) Afirma que a busca por status é
essencial para o sucesso.
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