História: Da Arara Misteriosa
Vou contar para vocês como surgiu Shãwã
Bake, a arara nova misteriosa.
Um dia, o homem foi fazer tocaia. Fez
comida de uricuri para esperar alguns bichos embaixo da terra alta, onde tinha
mata limpa de jarinas.
Então, o homem viu que tinha arara nova
no pau do mulateiro. Pensou que viria buscar no dia seguinte.
Quando chegou em casa, contou para sua
mulher que desejou a arara nova. Ela não tinha filhos e queria criar a arara
nova.
No dia seguinte, foram os dois. E
quando chegaram na tocaia, ele matou um nambu para a mulher comer. Chegaram no
mulateiro e viram que não precisavam derribar o pau. Podiam subir em um outro
pau, chegar na forquilha do mulateiro e pegar a arara nova.
O homem tirou então envira para amarrar
o galho de pau no outro pau do mulateiro. Nesse dia, ele fez somente armar a
envira para trepar. Deixou para vir buscar a arara no dia seguinte. Porque a
arara misteriosa dominava o dia para ficar curto. E tudo escurecia ligeiro.
Dia seguinte, chegaram onde estava a
arara. Ela já cortara toda a envira que o homem tinha amarrado na véspera.
Então, ele amarrou novamente. Como já estava escurecendo, deixou para vir
buscar no dia seguinte.
Quando o dia amanheceu, foram de novo.
E a arara já tinha feito a mesma coisa. O homem teve que ajeitar mais uma vez o
que já tinha feito.
Então, subiu com a peira nas costas, deixando
a mulher embaixo. Quando chegou na forquilha do pau, viu dentro do oco do pau
um filho de gente, cheio de colares de presas de animais no pescoço.
Falou para a mulher:
─ Não é arara nova. E um filho de
gente. E está cheio de colares.
A mulher ficou muito contente. Pediu
logo que o marido pegasse a arara nova, filhote de gente para criar.
O homem pegou o menino e colocou na
peira. Quando vinha descendo, teve muito vento e muita chuva, para ver se ele
conseguia chegar com o menino sem derribar no chão.
Quando ele desceu já quase escurecendo,
a mulher pegou o menino toda contente. Enrolou com a roupa dela. Veio a noite
com muito vento e chuva. Mesmo assim chegaram na casa deles. E não disseram
nada para ninguém. Ficaram escondidos.
Amanheceu o dia seguinte e o menino já
sabia chupar a mãe. A mulher contou então para o povo dela que tinha um filho
de arara misteriosa. O povo quis tomar o menino. E ela sovinou.
Amanheceu o dia seguinte e o menino já
queria levantar. Ele comia mingau de banana e caiçuma de milho. Ele crescia
toda noite e virou um rapaz. Pedia então para seu pai para fazer flecha para
ele. E matou calango, peixe. já estava todo bonito, pintado de jenipapo. Pediu
ao pai para fazer flecha de matar caça. Caçou macaco, veado, anta, mutum e
porco.
Então, chegou uma irmã do marido e
perguntou a sua cunhada se o rapaz podia ser genro dela. A mulher não aceitou,
porque contou que o irmão dela pegara para eles no pau do mulateiro.
O menino então teve ideia de perguntar
a sua mãe se ele era realmente filho dela:
─ Mãe, eu sou seu filho mesmo?
─ Não, eu sou sua mãe de criação. Seu
pai de criação encontrou uma arara nova no pau de mulateiro e deu comida. E no seguinte
dia, nós fomos buscar. Mas, quando chegou na forquilha, ele viu que você não
era arara nova. Você é um filho de gente. Eu fiquei muito contente, porque como
eu não tive filho, você é um filho meu. Foi assim que você se criou.
─ Ah, assim? Agora eu entendi como
vocês me criaram! Como aqui não tinha alimento, vocês caçaram para me
alimentar. Agora eu vou também caçar para alimentar vocês.
Ele caçava e trabalhava. E a própria
mãe de criação começou a fazer amor com ele. Ele já tinha sido homem de outras
mulheres. Andava bem longe, procurando a sua família até que achou. Caçava
carne de caça com os parentes: macaco preto, macaco prego, macaco capelão.
Começou a pensar em colocar roçado para
poder alimentar os pais. Trabalhou com o pai de criação um dia inteiro marcando
o terreno. No dia seguinte, ele perguntou ao pai se não precisava mais de seu
serviço. Tinha encontrado sua família e podia deixar ele sozinho. Dois dias ele
trabalhou seguido com a ajuda dos parentes. O pai de criação foi ver o roçado e
achou ele muito trabalhador. A mãe de criação falou:
─ O nosso filho é bom! Colocou um
roçado para nós. Plantou roçado todo só com os parentes dele.
Tomaram caiçuma de milho verde e a mãe
de criação pintou ele de jenipapo. Então, o filho convidou os pais para irem
juntos no buraco dele lá perto do roçado.
A mãe pediu para ele esperar que ela ia
pintar o pai de jenipapo também. O rapaz não quis. Queria viajar no mesmo dia.
Se eles não pudessem, ia antes. Seguia na frente e esperava por eles no dia
seguinte.
O jovem seguiu na mesma noite. Quando
acordou do primeiro sono, ouviu o barulho de buzina de flauta e todo tipo de
instrumentos dos índios, vindo do outro lado do igarapé onde ficava a aldeia. O
roçado ficava na outra margem, em outra terra, onde o jovem tinha ido
trabalhar. O som dos instrumentos ficava muito lindo no rumo dele. E assim
acontecia.
A mãe começou a perguntar ao pai de
criação por que estava ouvindo tanto som.
─ Será que nosso filho já encontrou com
a família dele? Nós devemos ir hoje à noite ao seu encontro.
A música ficou tocando a noite toda
inteira. já de manhãzinha, eles seguiram na carreira. Quando chegaram lá, só
encontraram os restos da farra do mariri: todos tipos de instrumentos que
tinham tocado à noite e muitas penas de arara na biqueira da casa. Eles tinham
limpado o roçado e deixado bem varrido, a estrada bem aberta e limpa. A mulher
ficou admirada com a quantidade de coisas que eles tinham feito e ficou
chorando. O homem correu pela estrada atrás do filho. E ia encontrando, em
todas as passagens de igarapé, as pontes que iam construindo pelo caminho. Andava,
andava, andava... E ia pensando:
─ Eu vou encontrar com ele, nem que
seja aonde for.
Assim o pai de criação do rapaz seguiu
viagem pela estrada.
A uma hora do dia, começou a ouvir
conversas ao longe. Eram eles que estavam fazendo uma ponte no igarapé grande.
O filho continuava mais atrás, esperando sempre por eles, pois sabia que o pai
viria à sua procura. Quando encontrou com seu pai, disse:
─ O titio e meu irmão já vieram me
buscar. Era para vocês terem vindo comigo naquele mesmo dia. Agora você volta,
que o caminho que eles vêm fazendo vai cerrando tudo.
Foi atrás de remédio da mata. Trouxe e
esfregou no olho do pai, espremeu na coroa da cabeça e em todas as juntas dos
ossos dele. Mandou o pai voltar rapidamente na carreira, porque o caminho já
estava cerrando.
O pai começou a voltar, mas o caminho
já estava cerrado. A mata já tinha crescido e ele nem sabia mais o caminho por
onde era.
Seguiu na direção contrária de onde
tinha vindo.
Assim
aconteceu a história da arara misteriosa de nosso povo antepassado.
Organização dos
professores indígena do Acre. Shenipabu Miyui. História dos antigos.
Entendendo a história:
01 – Quem encontrou uma arara
nova no pau do mulateiro?
O homem que saiu para caçar que encontrou
uma arara nova no pau do mulateiro.
02 – O que o homem e sua
mulher planejaram fazer com a arara nova?
Eles planejaram criar a arara nova, pois
a mulher não tinha filhos.
03 – Como o homem conseguiu
capturar a arara nova pela primeira vez?
Ele tentou
amarrar o galho do mulateiro com envira para alcançar a arara.
04 – O que eles encontraram
quando queriam pegar uma arara nova?
Descobriram que
na verdade não era uma arara, mas sim um filho de gente dentro do oco do pau.
05 – Como o menino foi criado
pelos pais adotivos?
Ele foi
alimentado e cuidado pelo homem e pela mulher que o encontrou no pau do
mulateiro.
06 – Qual foi a ocupação do
rapaz ao crescer?
Ele se tornou um
caçador habilidoso, caçando animais como macacos, veados, antas, mutuns e
porcos.
07 – Por que o rapaz decidiu
procurar sua família verdadeira?
Ele queria
encontrar sua família e passou a trabalhar para alimentar seus pais adotivos.
08 – O que o rapaz fez para
ajudar os pais adotivos?
Ele plantou um
roçado para alimentá-los e declarou ser trabalhador e responsável.
09 – Como o rapaz encontrou
sua família verdadeira?
Ele foi andando para o local onde foi
encontrado, e sua família o encontrou lá.
10 – Como o pai adotado tentou
reencontrar o rapaz quando ele partiu novamente?
Ele percorreu a estrada construída pelo
rapaz, mas a mata cresceu e ele se perdeu no caminho de volta.