Texto: O que falta é afeto
Psicóloga diz que educar dá trabalho e
que os pais fazem mal aos filhos com punições sem lógica e às vezes até cruéis.
Daniela Pinheiro
A
maioria dos pais se martiriza com questionamentos intermináveis sobre como
criar os filhos. Por mais que evitem, estão sempre esquadrinhando seu
comportamento. Estariam sendo muito duros? Muito permissivos? Muito
autoritários? Como agir em determinada situação? Para a psicóloga Lídia Weber,
de 46 anos, o tema é uma fonte inesgotável de indagações das quais já se
consolidaram, felizmente, algumas certezas. Autora de seis livros sobre
relações intrafamiliares, coordenadora de um programa de dinâmica familiar na
Universidade Federal do Paraná, ela costuma aconselhar seus alunos e os pais
que a procuram da seguinte maneira: "Siga sua consciência, obedeça a seus
valores". É essa a maneira de educar. Para ela, o sucesso na criação passa
pelo fortalecimento da auto estima das crianças. E isso se faz, ao contrário do
que diz o senso comum, mais com elogios do que com punições. "Muitos pais
não sabem elogiar. Têm vergonha", diz. Casada, mãe de três filhos entre 10
e 16 anos, Lídia – que nunca apanhou dos pais e nunca bateu nos filhos – é uma
entusiasta do castigo e uma inimiga da palmada, que ela considera dispensável
mesmo nas situações de limites.
Veja – Por que os pais parecem tão
assustados com a tarefa de educar os filhos?
Lídia – Acho que há duas razões
principais. Primeiro, pela realidade mesmo. Somos todo o tempo bombardeados com
notícias sobre violência. Isso dá muito medo. Outra razão eu acho que se deve
ao que chamo de quebra da solidariedade entre os adultos. Antes, tínhamos a
sensação – e era verdade – de que poderíamos contar com outras pessoas para
cuidar do bem-estar de nossos filhos. Os vizinhos, os parentes, os professores
faziam parte dessa rede de segurança. Hoje isso não existe mais. É cada um por
si. O perigo pode morar ao lado. Esse medo do "outro" é a expressão
mais tangível da paranoia dos pais.
Veja – Qual a melhor maneira de os pais lidarem com esses medos?
Lídia – Acho fundamental a retomada da rede de segurança. Contar com os avós, com amigos próximos. Voltar a aprender a confiar. Isso conforta e dá segurança. Os pais também têm de se focar. Gasta-se muito tempo com preocupações menores. Se o filho não comeu verdura, se o outro deixou os tênis espalhados pelo quarto, se a filha saiu sem casaco, e por aí vai. Isso não quer dizer nada. Só provoca angústia e insegurança nos pais e nos filhos. Antes de fazer tantas ressalvas, questione-se: "Isso realmente é crucial?" ou "Que lição meu filho vai levar disso?". Às vezes, a obsessão com a segurança pode ser mais danosa que os próprios riscos.
Veja – Livros de autoajuda ou de como criar os filhos vendem como nunca. Eles são úteis?
Lídia – Depende. A maioria dos pais
ignora a fase de desenvolvimento dos filhos. Se soubessem como são os
comportamentos típicos de cada idade, educar ficaria mais fácil. Por exemplo: é
normal um menino de 6 anos querer comer com a mão. É normal chegar à
adolescência e, durante uma briga, dizer que odeia os pais. Ciente disso, fica
mais fácil gerenciar, lidar com essas questões. Ao contrário, tudo pode se
tornar um drama. A mãe pensa: "Ah, vou deixar minha filha fazer o que ela
quiser, porque eu não aguento ouvir isso". Os livros são úteis para isso.
Para informar como é uma criança, um adolescente. Mas livros que falam como
fazer seu filho ficar rico ou virar um gênio não podem ser levados a sério.
Veja – Por quê?
Lídia – Porque não existe um padrão, um
modelo em que se possa enquadrar todo mundo. Esses livros servem para aliviar a
culpa de alguns pais. Eles acham que lendo um manual vão aprender a ser
perfeitos. Os pais sentem muita culpa porque passam muito tempo longe dos
filhos. Mas é uma realidade hoje. É preciso ter noção de que seu filho não vai
virar um desajustado porque não está 24 horas a seu lado. Nem ele nem os
amiguinhos ficam tanto com os pais. Dito assim, parece óbvio, mas os pais devem
educar os filhos de acordo com seus valores pessoais, não pelo valor dos
autores de livros. Têm de entender que só eles são capazes de tomar decisões e
passar valores para suas crianças.
Veja – A senhora costuma dizer que não há pais permissivos, há pais negligentes e com pouco afeto. Por quê?
Lídia – Fizemos várias pesquisas na
Universidade Federal do Paraná com cerca de 1 500 crianças de escolas públicas
e particulares. Hoje, tem-se a impressão de que a maioria dos pais é tolerante
demais. Descobrimos o contrário. Há muito pouco afeto em jogo.
Veja – Qual o maior dilema dos pais?
Lídia – Sem dúvida, é a questão de
bater ou não bater. Porque a maioria apanhou, e quem apanhou acha normal bater.
A outra dificuldade é sobre questões cotidianas, que a gente chama de
supervisão inadequada, excessiva. Os pais estão estressados, têm pouca
paciência. É muito mais eficiente dizer: "Olhe, eu vou chamar você uma vez
para almoçar. Se não vier agora, só vai comer na próxima refeição".
Veja – A senhora coloca a palmadinha de
leve no mesmo patamar de uma surra? Não é exagero?
Lídia – O princípio é o mesmo: eu uso o
poder e a força para obrigar você a parar de fazer alguma coisa. Em 99% dos
casos a palmada é usada quando os pais estão com raiva. Isso aumenta o risco de
a punição se transformar em maus-tratos porque você está descontrolado. O único
resultado positivo da palmada é que a criança para de perturbar na hora. E esse
é um dos aspectos perversos do tapa: por ter efeito imediato, os pais o
utilizam com muito mais facilidade e frequência. Há um estudo da professora
Elizabeth Gershoff, da Universidade Columbia, provando o mal da palmada a longo
prazo. Há dez aspectos negativos observados para cada um positivo. Mulheres que
apanharam dos pais na infância costumam encarar com mais naturalidade a
violência do marido, por exemplo. Há uma ligação estreita com o aumento de
agressividade, de comportamento delinquente e antissocial.
Veja – Estamos falando de uma
palmadinha...
Lídia – Ainda assim. No estudo de
Gershoff é feita essa diferença. São várias análises que levam em conta o que
se chama de punição normativa e o abuso físico de fato. Então, alguém pode
dizer: "Eu apanhei dos meus pais e não sou antissocial". Tudo bem.
Mas isso não prova muita coisa. A pesquisa é mais esclarecedora nesses casos
porque reflete o que ocorre com a maioria das pessoas. É claro que, se você leva
um tapinha mas é estimulado em casa a ter uma boa autoestima, não vai virar um
marginal. Se os pais forem muito competentes e usam uma palmadinha de vez em
quando, isso não causa prejuízo. Mas eu pergunto: se são tão competentes, por
que precisam bater?
Veja – E o castigo?
Lídia – O castigo é muito eficiente. A
retirada de privilégios é uma consequência lógica: "Você chegou às 11 da
noite, era para chegar às 10, então da próxima vez vai chegar às 9". O
filho precisa de regras, pois a vida adulta é cheia delas. Com adolescente,
saber negociar também é vital. Outro dia, minha filha foi advertida na escola
porque não fez a tarefa. Ela mesma veio até mim e disse: "Então, vamos ver
o castigo que eu posso ter. Vai ter a festa da fulana, então eu não vou à
festa". Causa e consequência. Isso vem de berço. É uma doutrina que se
ensina desde pequeno.
Veja – Qual o grande erro dos pais na
hora de castigar?
Lídia – É quando não conseguem
estabelecer regras coerentes de acordo com a idade, e consistentes de acordo
com sua conduta. Você não pode dar um castigo conforme o seu humor. Por
exemplo, aquela mãe que, depois que uma criança aprontou algo, começa a berrar:
"Vai ficar um mês sem usar a internet!" ou "Vai ficar uma semana
sem sair de casa!". É quase impossível manter isso. Então, só imponha
castigos que você pode cumprir. Do contrário, seu filho vai perder a confiança
e o respeito por você.
Veja – Há técnicas eficientes de
castigo para cada idade?
Lídia – Com crianças menores, há
técnicas eficientes como otime out. É o famoso ficar no quarto trancado ou
sentado sem levantar ou falar por alguns minutos. É preciso ter muito controle
porque a criança pode chorar e berrar e você tem de se manter firme. Crianças
nessa idade querem muita atenção. É nesses poucos minutos que elas vão sentir a
pena. Calcule um minuto por ano. Três anos, três minutos de castigo. O que
conta é que haja consequências imediatas.
Veja – E se você está no shopping com
seu filho de 6 anos, ele se joga no chão, começa a berrar feito louco porque
quer um tênis de 300 reais? Como falar "Vamos conversar, meu filho"
com o menino dando um escândalo?
Lídia – Você não vai falar isso na
hora. Até porque vai estar com raiva também. Segure-o pelo braço e leve-o
embora dali. Quando ele se acalmar, mostre as consequências da má atitude dele.
Criança não nasce chata. Ela fica chata por causa dos pais. Se a criança faz
birra e os pais cedem para se ver livres do escândalo, eles estão recompensando
esse comportamento. Aí vira aquela criança insuportável, da qual os pais mesmos
vão se afastar e dizer: "O gênio dela é ruim". Não existe isso.
Veja – Os pais têm preguiça de ensinar?
Lídia – Eles têm de argumentar, o que é
mais complicado. Dá muito mais trabalho do que simplesmente dizer não. Se seu
filho quer um tênis de 300 reais "porque todos os amigos têm" e você
não vai comprar, explique as razões. Diga que não é com um tênis que ele vai se
tornar alguma coisa ou que é contra seus princípios pagar tão caro por um
sapato ou simplesmente que você não tem o dinheiro. Mas diga o motivo sincero.
Você não pode sair de lá e cinco minutos depois comprar uma bolsa de 500 reais
para você.
Veja – Como convencer pais que
trabalharam o dia todo, brigaram com o chefe, passam por uma crise no casamento
a chegar em casa e ter ânimo de argumentar com as crianças?
Lídia – Educação é trabalho. Se você
tem um relatório para entregar para seu chefe no dia seguinte, você vai virar a
noite, mas vai escrevê-lo. Se está com TPM mas tem uma reunião decisiva, você
toma um comprimido e vai. Por que muitas pessoas não têm esse empenho quando se
trata de educar suas crianças? É o que chamamos de "investimento
parental". Tem de investir, tem de fazer um esforço, tem de dar a real
importância a esse tempo com os filhos. Mas, se você não conseguir um dia ou
outro, também não é o fim do mundo.
Veja – E se os pais nunca fizeram isso?
É possível mudar o comportamento depois de muitos anos?
Lídia – Há uma técnica que chamamos de
quadrinho de recompensas, em que você foca nas coisas positivas feitas pela
criança. É muito eficiente se usada depois dos 4 anos. Liste todas as tarefas
que você considera positivas. Pode colocar até arrumar a cama, escovar os
dentes, comer tudo. Quando a criança fizer isso, ela mesma vai até o quadrinho
e se dá uma estrela. Quando um pai permissivo resolve mudar de atitude, a
criança piora o comportamento no primeiro momento. Ela vai tentar obter a
atenção com as armas que usava antes. Se fazia birra, vai fazer ainda mais.
Então, tem-se de aguentar esse começo.
Veja – Existe um caminho de como fazer
de seu filho um adulto feliz?
Lídia – Fortalecer a autoestima. É
surpreendente, mas a maioria dos pais tem dificuldade de elogiar seu filhos.
Eles temem parecer falsos. Mas é preciso insistir até conseguir. Se dois irmãos
estão brincando e eles costumam brigar, em vez de dizer "Até que enfim,
vocês estão brincando", diga: "Que bom, vocês estão brincando
juntos". Sem sarcasmo, sem provocação. Os pais devem sempre mostrar que o
amor deles pelos filhos é incondicional. Aquela coisa de dizer: "Ah, se
você não comer tudo não vou mais gostar de você" mina a autoestima da
criança de um jeito quase irreversível. A criança tem de contar com o seu amor,
mesmo que ela faça algo errado.
Veja – Como fazer com que seu filho
confie em você?
Lídia – Ouça, não julgue. Não avalie
seu filho pelos seus padrões. Se sua filha vier lhe contar que
"ficou" com dois meninos numa festa, não faça escândalo. O mundo
mudou. Hoje isso é plenamente aceitável. Se você brigar, ela nunca mais lhe
contará nada. Mas, se ela contar que transou com dois, aí é outra coisa. Seu
papel é explicar que isso não é aceitável. Exponha as causas e as consequências
de tal atitude, mas sem puni-la. Ensine desde a tenra idade seu filho a falar
sobre si próprio.
Veja – O que é fundamental na relação
entre pais e filhos?
Lídia – Afeto, envolvimento,
participação, saber quem são os amigos. É preciso monitorar. Não é ligar para o
celular da criança ou adolescente a cada dez minutos. É mostrar que você se
importa, que participa da vida deles, mesmo que, num primeiro momento, isso
pareça intromissão. Não tenha dúvida: no futuro, eles agradecerão.
Entendendo o texto:
01 – Logo após o título da
entrevista, é apresentado um texto em destaque (o olho). O que contém esse
texto?
Um resumo da
entrevista.
02 – Após o olho, é
apresentado um parágrafo. O que contém esse parágrafo?
Contém informações a respeito da
entrevistada e suas opiniões; uma pequena biografia da entrevistada.
03 – Toda entrevista é
organizada para ser lida por determinado público. Que pessoas poderiam se
interessar por essa entrevista?
Pais e
educadores.
04 – Qual é o objetivo desse
entrevista, uma vez que a entrevistada é especialista em relacionamento
familiar?
Saber o que ela pensa sobre o assunto de
educação de crianças e adolescentes e chamar a atenção de pais e adultos.
05 – A psicóloga Lídia Weber
mostra-se contra a aplicação de palmadas e acata o castigo. O que se pode
deduzir quanto a diferença que ela atribui a esses dois procedimentos?
A palmada é uma
agressão física, que pode levar a problemas na idade adulta; enquanto que o
castigo é uma correção com finalidade educativa.