segunda-feira, 15 de maio de 2017

SIMULADO - CLASSICISMO - COM GABARITO


SIMULADO - CLASSICISMO - COM GABARITO

1) (FUVEST-SP) Na Lírica de Camões:

a) o verso usado para a composição dos sonetos é o redondilho maior;
b) encontram-se sonetos, odes, sátiras e autos;
c) cantar a pátria é o centro das preocupações;
d) encontra-se uma fonte de inspiração de muitos poetas brasileiros do século XX;
e) a mulher é vista em seus aspectos físicos, despojada de espiritualidade.

2) (MACKENZIE-SP) Sobre o poema Os Lusíadas, é incorreto afirmar que:

a) quando a ação do poema começa, as naus portuguesas estão navegando em pleno Oceano Índico,
portanto no meio da viagem;
b) na Invocação, o poeta se dirige às Tágides, ninfas do rio Tejo;
c) Na ilha dos Amores, após o banquete, Tétis conduz o capitão ao ponto mais alto da ilha, onde lhe
descenda a “máquina do mundo”;
d) Tem como núcleo narrativo a viagem de Vasco da Gama, a fim de estabelecer contato marítimo com as Índias;
e) É composto em sonetos decassílabos, mantendo em 1.102 estrofes o mesmo esquemas de rimas.

3) Assinale a incorreta sobre Camões:
a) Sua obra compreende os gêneros épico, lírico e dramático.
b) A lírica de Camões permaneceu praticamente inédita. Sua primeira compilação e póstumas, datada de 1595, e organizada sob o título de As Rimas de Luis de Camões, por Fernão Rodrigues Lobo Soropita.
c) Sua lírica compõe-se exclusivamente de redondilhas e sonetos.
d) Apesar de localizada no período clássico-renascentista, a obra de citações barrocas.
e) Representa a amadurecimento de língua portuguesa, sua estabilização e a maior manifestação de sua excelência literária.

4) O Classicismo propriamente dito, tem por limites cronológicos, em Portugal, as datas de:
a) 1500 e 1601.
b) 1434 e 1516.
c) 1502 e 1578.
d) 1527 e 1580.
e) 1198 e 1434.

5) Não se relaciona à medida nova:
a) versos decassílabos;
b) influência italiana;
c) predileção por formas fixas;
d) sonetos, tercetos, oitavas e odes;
e) cultura popular, tradicional.

6)  (Mackenzie) - O tom pessimista apresentado por Camões no epílogo de "Os Lusíadas" aparece em outro momento do poema.
Isso acontece no episódio:

a) do Gigante Adamastor. 
b) do Velho do Restelo. 
c) de Inês de Castro. 
d) dos Doze de Inglaterra. 
e) do Concílio dos Deuses.

7) "Amor é um fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer."

De poeta muito conhecido, está é a primeira estrofe de um poema que parece comprazer-se com o paradoxo, enfeixando sensações contraditórias do sentimento humano, se examinadas sob o prisma da razão.
Indique, na relação a seguir, o nome do autor.

a) Bocage. 
b) Camilo Pessanha. 
c) Gil Vicente. 
d) Luís de Camões. 
e) Manuel Bandeira.

8) Leia o texto e responda a questão:

À INSTABILIDADE DAS COUSAS DO MUNDO

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,

Depois da Luz se segue a noite escura,

Em tristes sombras morre a formosura,

Em continuas tristezas a alegrias,

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?

Se é tão formosa a Luz, por que não dura?

Como a beleza assim se transfigura?

Como o gosto, da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,

Na formosura não se dê constância,

E na alegria, sinta-se triste.

Começa o Mundo enfim pela ignorância

A firmeza somente na inconstância.

Qual é o elemento barroco mais característico da 1ª estrofe?

a) disposição antitética da frase;
b) cultismo;
c) estrutura bimembre;
d) concepção teocêntrica;
e) estrutura correlativa, disseminativa e recoletiva.

9. (UEL-2006)
As questões de 01 a 04 referem-se ao Canto V de Os Lusíadas (1572), de Luís Vaz de Camões (1524/5/1580).
XXXVII
Porém já cinco sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca de outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando ua noite, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
Ua nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.
XXXVIII
Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo.
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão nalgum rochedo
-“Ó Potestade -disse -sublimada,
Que ameaço divino ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?”

(CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. 4ª. ed. Porto: Editorial Domingos Barreira, s.d. p. 332.)

Há, na passagem selecionada, o registro de mudança no cenário. Trata-se do prenúncio de agouros a serem efetivados:

a) Pelo velho do Restelo, encolerizado frente à excessiva vaidade do povo português.
b) Pelos mouros, inconformados com as sucessivas conquistas dos portugueses.
c) Pelo velho do Restelo, irritado diante de tantas glórias relatadas por Vasco da Gama.
d) Pelo gigante Adamastor, irritado com o atrevimento do povo português a navegar seus mares.
e) Pelo promontório Adamastor, maravilhado com a tecnologia náutica dos portugueses.


10.) (Fuvest-2000)
Considere as seguintes afirmações sobre a
fala do velho do Restelo, em Os Lusíadas:

I -No seu teor de crítica às navegações e conquistas,
encontra-se refletida e sintetizada a experiência das perdas que causaram, experiência esta já acumulada na época em que o poema foi escrito.
II -As críticas aí dirigidas às grandes navegações às conquistas são relativizadas pelo pouco crédito atribuído a seu emissor, já velho e com um “saber só de experiências feito”.
III -A condenação enfática que aí se faz à empresa das navegações e conquistas revela que Camões teve duas atitudes em relação a ela: tanto criticou o feito quanto o exaltou.

Está correto apenas o que se afirma em

a) I.
b) II.
c) III.
d) I e II.
e) I e III.


11) (Fuvest-2001)
Em Os Lusíadas, as falas de Inês de Castro e do Velho do Restelo têm em comum

a) a ausência de elementos de mitologia da Antigüidade clássica.
b) a presença de recursos expressivos de natureza oratória.
c) a manifestação de apego a Portugal, cujo território essas personagens se recusavam a abandonar.
d) a condenação enfática do heroísmo guerreiro e conquistador.
e) o emprego de uma linguagem simples e direta, que se contrapõe à solenidade do poema épico.



12) (FMTM-2002) Endechas à escrava Bárbara

Aquela cativa,
que me tem cativo
porque nela vivo,
já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
em suaves molhos,
que para meus olhos
fosse mais formosa.

Uma graça viva,
que neles lhe mora,
para ser senhora
de quem é cativa.
Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura
que trocara a cor.
Leda mansidão
que o siso acompanha;
bem parece estranha,
mas bárbara não.

Vocabulário:
Endechas: Versos em redondilha menor (cinco sílabas).
Molhos: feixes.
Leda: risonha.
Vão: fútil.

Em sua obra, Camões continua a tradição da conduta amorosa das cantigas medievais. Nela, a mulher amada era considerada

a) responsável pelas contradições e insatisfações do homem.
b) símbolo do amor erótico.
c) incapaz de levar o homem a atingir o Bem.
d) um ser impuro e prejudicial ao homem.
e) uma pessoa superior, fonte de virtudes.




SIMULADO - HUMANISMO - COM GABARITO


SIMULADO - HUMANISMO - COM GABARITO

1-)Ainda sobre o Humanismo, assinale a afirmação incorreta:
 a) Associa-se à noção de antropocentrismo e representou a base filosófica e cultural do Renascimento.
b) Teve como centro irradiador a Itália e como precursor Dante Alighieri, Boccaccio e Petrarca.
c) Denomina-se também Pré-Renascentismo, ou Quatrocentismo, e corresponde ao século XV.
d) Representa o apogeu da cultura provençal que se irradia da França para os demais países, por meio dos trovadores e jograis.
e) Retorna os clássicos da Antiguidade greco-latina como modelos de Verdade, Beleza e Perfeição.

2-)A obra de Fernão Lopes tem um caráter:
 a) Puramente científico, pelo tratamento documental da matéria histórica;
b) Essencialmente estético pelo predomínio do elemento ficcional;
c) Basicamente histórico, pela fidelidade à documentação e pela objetividade da linguagem científica;
d) Histórico-literário, aproximando-se do moderno romance histórico, pela fusão do real com o imaginário.
e) Histórico-literário, pela seriedade da pesquisa histórica, pelas qualidades do estilo e pelo tratamento literário, que reveste a narrativa histórica de um tom épico e compõe cenas de grande realismo plástico, além do domínio da técnica dramática de composição.

3-) (FUVEST) Aponte a alternativa correta em relação a Gil Vicente:
a) Compôs peças de caráter sacro e satírico.
b) Introduziu a lírica trovadoresca em Portugal.
c) Escreveu a novela Amadis de Gaula.
d) Só escreveu peças e português.
e) Representa o melhor do teatro clássico português.


4-)(FUVEST-SP) Caracteriza o teatro de Gil Vicente:
a) A revolta contra o cristianismo.
b) A obra escrita em prosa.
c) A elaboração requintada dos quadros e cenários apresentados.
d) A preocupação com o homem e com a religião.
e) A busca de conceitos universais.


5-)(FUVEST-SP) Indique a afirmação correta sobre o Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente:
a) É intricada a estruturação de suas cenas, que surpreendem o público com a inesperado de cada situação.
b) O moralismo vicentino localiza os vícios, não nas instituições, mas nos indivíduos que as fazem viciosas.
c) É complexa a critica aos costumes da época, já que o autor primeiro a relativizar a distinção entre Bem e o Mal.
d) A ênfase desta sátira recai sobre as personagens populares mais ridicularizadas e as mais severamente punidas.
e) A sátira é aqui demolidora e indiscriminada, não fazendo referência a qualquer exemplo de valor positivo.


6-)(FUVEST-SP) Diabo, Companheiro do Diabo, Anjo, Fidalgo, Onzeneiro, Parvo, Sapateiro, Frade, Florença, Brísida Vaz, Judeu, Corregedor, Procurador, Enforcado e Quatro Cavaleiros são personagens do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente.
Analise as informações abaixo e selecione a alternativa incorreta cujas características não descrevam adequadamente a personagem.
a) O Onzeneiro idolatra o dinheiro, é agiota e usurário; de tudo que juntara, nada leva para a morte, ou melhor, leva a bolsa vazia.
b) O Frade representa o clero decadente e é subjugado por suas fraquezas: mulher e esporte; leva a amante e as armas de esgrima.
c) O Diabo, capitão da barca do inferno, é quem apressa o embarque dos condenados; é dissimulado e irônico.
d) O Anjo, capitão da barca do céu, é quem elogia a morte pela fé; é austero e inflexível.
e) O Corregedor representa a justiça e luta pela aplicação integra e exata das leis; leva papéis e processos.

7-)O argumento da peça "A Farsa de Inês Pereira", de Gil Vicente, consiste na demonstração do refrão popular "Mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube". Identifique a alternativa que NÃO corresponde ao provérbio, na construção da farsa.
a) A segunda parte do provérbio ilustra a experiência desastrosa do primeiro casamento.
b) O escudeiro Brás da Mata corresponde ao cavalo, animal nobre, que a derruba.
c) O segundo casamento exemplifica o primeiro termo, asno que a carrega.
d) O asno corresponde a Pero Marques, primeiro pretendente e segundo marido de Inês.
e) Cavalo e asno identificam a mesma personagem em diferentes momentos de sua vida conjugal.

8. (UNIFAP-SP) As primeiras peças teatrais portuguesas escritas com objetivo de serem levadas a público são de autoria de:
a) Manuel Maria Barbosa du Bocage.
b) Paio Soares de Taveirós.
c) D. Diniz.
d) Camões.
e) Gil Vicente.

9. (UFU-MG) Na Farsa de Inês Pereira, Gil Vicente:
a) retoma a análise do amor do velho apaixonado, desenvolvida em O velho da horta.
b) mostra a humilhação da jovem que não pode escolher seu marido, tema de várias peças desse autor.
c) denuncia a revolta da jovem confinada aos serviços domésticos, o que confere atualidade à obra.
d) conta a história de uma jovem que assassina o marido para se livrar dos maus tratos.
e) aponta, quando Lianor narra as ações do clérigo, uma solução religiosa para a decadência moral de seu tempo.

10. (Coladaweb) Sobre o Humanismo, identifique a alternativa falsa:
 a) Em sentido amplo, designa a atitude de valorização do homem, de seus atributos e realizações.
b) Configura-se na máxima de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas”.
c) Rejeita a noção do homem regido por leis sobrenaturais e opõe-se ao misticismo.
d) Designa tanto uma atitude filosófica intemporal quanto um período especifico da evolução da cultura ocidental.
e) Fundamenta-se na noção bíblica de que o homem é pó e ao pó retornará, e de que só a transcendência liberta o homem de seu insignificância terrena.

11. (PUC-SP) Considerando a peça Auto da barca do Inferno, de Gil Vicente, como um todo, indique a alternativa que melhor se adapta à proposta  do teatro vicentino.


a) Preso aos valores cristãos, Gil Vicente tem como objetivo alcançar a consciência do homem, lembrando-lhe de que tem uma alma para salvar.
b) As figuras do Anjo e do Diabo, apesar de alegóricas, não estabelecem a divisão maniqueísta do mundo entre o Bem e o Mal.
c) As personagens comparecem nesta peça de Gil Vicente com o perfil que apresentavam na Terra, porém apenas o Onzeneiro e o Parvo portam os instrumentos de sua culpa.
d) Gil Vivente traça um quadro crítico da sociedade portuguesa da época, porém poupa, por questões ideológicas e políticas, os representantes  da Igreja e da Nobreza.
e) Entre as características próprias da dramaturgia de Gil Vicente, destaca-se o fato de ele seguir rigorosamente as normas do teatro clássico.

12. Indique a afirmação INCORRETA em relação a Gil Vicente.

a) Antes de Gil Vicente, predominavam as encenações de histórias religiosas, cujo principal objetivo era  divulgar os valores cristãos.
b) Gil Vicente inova o teatro em Portugal especialmente por analisar comportamentos de tipos sociais que constituem os primeiros aglomerados urbanos.
c) Ao tratar de temas religiosos ou profanos, Gil Vicente sempre adotou em suas críticas os valores morais defendidos pela igreja.
d) Gil Vicente é um dos primeiros autores e afastar-se das preocupações divinas, interessa-se fundamentalmente  pelo homem com seus problemas terrenos.
e) O interesse pela investigação do comportamento de tipos sociais e da nova mentalidade mercantil, que dominava as cidades, transformou Gil Vicente em um artista perspicaz que soube  como  nenhum outro retratar com fidelidade a realidade de seu tempo.


domingo, 14 de maio de 2017

SONETO: A UM POETA - OLAVO BILAC - COM GABARITO

SONETO:  A UM POETA
                   OLAVO BILAC

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.
                                                                                                     
1 – Observada a forma do poema, responda:
a)     Como se chama esse tipo de composição?
Soneto.

b)    A métrica é regular ou irregular? Justifique.
Regular. Pois todos os versos do poema possui 10 sílabas poéticas.

c)     Qual o esquema de rima que o texto apresenta?
ABBA / ABBA / CDC / DCD.

2 – Sabendo-se que beneditino é o monge da Ordem de São Bento, observe o contexto em que o vocábulo foi utilizado e explique a imagem criada pelo poeta em torno dele.
       Simboliza o afastamento da realidade imediata e a compenetração nos atos que realiza.

3 – O vocabulário da primeira estrofe associa o trabalho poético ao sacerdócio. Que palavras estabelecem essa relação?
       Claustro, paciência, sossego.

4 – O poema encerra mensagem que defende um ideal clássico da arte. Destaque um verso que comprove tal afirmação.
       “Rica mas sóbria, como um Templo Grego.

5 – Associe os verbos que aparecem no último verso da 1ª estrofe com as frases a seguir:
a)     A busca da expressão perfeita é, às vezes, angustiante.
Sofre.

b)    O verso, precioso, deve ser cuidadosamente lapidado.
Lima.
c)     A busca da expressão perfeita exige paciência e dedicação.
Teima.
d)    O trabalho do poeta também é desgastante.
Sua.
e)     Escrever não é lazer.
Trabalha.


TEXTO LITERÁRIO: DIVA - JOSÉ DE ALENCAR - PARA O ENSINO MÉDIO - COM GABARITO

LITERATURA: DIVA
                             José de Alencar

        Era uma hora da noite. Eu esperava Emília com os olhos fitos na janela de seu quarto, as únicas em toda a casa que ainda apareciam frouxamente esclarecidas. Já te disse que os aposentos de Emília, uma alcova, um gabinete de vestir e uma sala de trabalho, ocupavam a face esquerda do edifício. Desse lado o sobrado apoiava-se a uma escarpa da colina, que lhe serviria como de alicerce, e que para elegância da construção o arquiteto disfarçara com um terraço.
        O gabinete de Emília abria uma porta para esse terraço. Ali no quarto iluminado pela claridade interior, via eu de longe desenhar-se seu vulto esbelto. Avançou até a borda do rochedo escarpado.
        --- Que vai ela fazer, meu Deus! – balbuciei trêmulo e frio de susto.
        Esquecendo tudo, para só lembrar-me do risco imenso que sua vida corria, fui para soltar um grito de pavor que a suspendesse: mas ela, resvalando pelas pontas erriçadas do rochedo abrupto, já tocava a planície. Pouco depois estava junto de mim, alma, risonha sem a menor fadiga.
        --- Aqui estou! – disse afoitamente, abaixando o capuz da longa mantilha.
        --- Para que arrisca a sua vida, D. Emília? Se eu soubesse... Não tinha aceitado! Ela ergueu os ombros desdenhosamente.
        --- Ainda estou frio! ... Parecia-me a cada momento que o pé lhe faltava e ...
        --- Eu morria! ... Se não fosse isso teria eu vindo?
        Podíamos ficar onde estávamos, tranquilamente sentados no sofá... Para que serviria a vida, se ela fosse uma cadeira? Viver é gastar, esperdiçar a sua existência, como uma riqueza que Deus dá para ser prodigalizada. Os que só cuidam de preservá-la dos perigos, esses são os piores avarentos!
        --- E quem se priva a si do mais belo sentimento, quem se esquiva de amar, não é avaro também da vida, avaro do seu coração e das riquezas de sua alma? A senhora o é, S. Emília! Oh! Não negue!
        --- Como ele se engana, meu Deus! – exclamou Emília erguendo ao céu os belos olhos.
        --- Que diz?... Então posso acreditar enfim?
        E murmurei arquejante.
        Nunca até aquele momento, durante dois meses vividos em doce intimidade e no conchego estrito de nossas almas, nunca a palavra amor fora proferida em referência a nós. Emília dava-me, como já sabes, todas as preferências a que podia aspirar o escolhido do seu coração, e assumira para comigo o despotismo da mulher amada com paixão. Ela imperava em mim como soberana absoluta. Seu olhar tiranizava-me, e fazia em minha alma a luz e a treva.

                  ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Editora Ática, 1980, p. 43-44.

1 – Sobre o texto lido, só NÃO podemos afirmar:
a)     A presença de um narrador de 1ª pessoa contribui para a verossimilhança do relato e para o tom íntimo da narrativa.
b)    A onisciência do narrador é marcada pelo domínio dos fatos narrados e pela utilização do tempo pretérito.
c)     Existe no texto um leitor privilegiado, expresso pela presença da 2ª pessoa do singular.
d)    São utilizados, além da narração, o diálogo entre os protagonistas e a descrição do cenário.
e)     O narrador, de 1ª pessoa, por não ser personagem, assume uma postura crítica quanto ao relato.

2 – Podemos dizer que o texto apresenta o:
a)     Sentimento amoroso como algo sublime e divino, responsável pela plena felicidade do ser amante.
b)    Personagem masculino como o elemento dominador da situação amorosa.
c)     Protótipo do personagem feminino encontrado nos romances românticos: a mulher etérea e submissa.
d)    Tipo de atmosfera cara a vários autores românticos, evidenciado pela presença da noite e de elemento natural soturno, compondo a paisagem.
e)     Racionalismo, a sobriedade e a contenção emocional como elementos caracterizadores dos protagonistas.

3 – “Para que serviria a vida, se ela fosse uma cadeira? Viver é gastar, esperdiçar a sua existência, como uma riqueza que Deus dá para ser prodigalizada. Os que cuidam de preservá-la dos perigos, esses são os piores avarentos!”
        Na concepção de Emília, a vida é:
a)     Bela por ser perigosa e cruel.
b)    Riqueza distribuída pelos avarentos.
c)     Dádiva a ser fruída.
d)    Prisão, embora sedutora e bela.
e)     Pródiga e, paradoxalmente, avara.

4 – As figuras de linguagem presentes em:
      “E quem se priva a si do mais belo sentimento (...)”
      “Ela imperava em mim como soberana absoluta.”
      “(...) e fazia em minha alma a luz e a treva.”
              São respectivamente:
a)     Metáfora, símile e prosopopeia.
b)    Pleonasmo, silepse e antítese.
c)     Catacrese, símile e antítese.
d)    Pleonasmo, símile e antítese.
e)     Pleonasmo, metáfora e metonímia.

5 – “(...), as únicas em todo a casa que ainda apareciam frouxamente esclarecidas.”
          Esclarecidas, no texto acima, significa:
a)     Lúcidas.
b)    Explicadas.
c)     Cultas.
d)    Claras.
e)     Limpas.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

CONTO: A OVELHA NEGRA - ÍTALO CALVINO - COM GABARITO

CONTO:   A OVELHA NEGRA
                   ÍTALO CALVINO

        Havia um país onde todos eram ladrões.
        À noite, cada habitante saía, com a gazua e a lanterna, e ia arrombar a casa de um vizinho. Voltava de madrugada, carregado, e encontrava a sua casa roubada.
        E assim todos viviam em paz e sem prejuízo, pois um roubava o outro, e este, um terceiro, e assim por diante, até que se chegava ao último, que roubava o primeiro. O comercio naquele país só era praticado como trapaça, tanto por quem vendia como por quem comprava. O governo era uma associação de delinquentes vivendo à custa dos súditos, e os súditos por sua vez só se preocupavam em fraudar o governo. Assim a vida prosseguia sem tropeços, e não havia ricos nem pobres.
        Ora, não se sabe como, ocorre que no país apareceu um homem honesto. À noite, em vez de sair o saco e a lanterna, ficava em casa fumando e lendo romances.
        Vinham ladrões, viam a luz acessa e não subiam.
        Essa situação durou algum tempo: depois foi preciso fazê-lo compreender que, se quisesse viver sem fazer nada, não era essa uma boa razão para não deixar os outros fazerem. Cada noite que ele passava em casa era uma família que não comia no dia seguinte.
        Diante desses argumentos, o homem honesto não tinha o que objetar. Também começou a sair de noite para voltar de madrugada, mas não ia roubar. Era honesto, não havia nada a fazer. Andava até a ponte e ficava vendo passar a água embaixo. Voltava para a casa e a encontrava roubada.
        Em menos de uma semana o honesto ficou sem um tostão, sem o que comer, com a casa vazia. Mas até aí tudo bem, porque era culpa sua; o problema era que o seu comportamento criava uma grande confusão. Ele deixava que lhe roubassem tudo e, ao mesmo tempo, não roubava ninguém; assim, sempre havia alguém que, voltando para casa de madrugada, achava a casa intacta: a casa que o homem honesto deveria ter roubado. [...] E, além disso, os que vinham para roubar a casa do homem honesto sempre a encontravam vazia; assim iam ficando pobres. [...]

                                                               Ítalo Calvino. “A ovelha negra”. In Um general na biblioteca.
                                                                                 São Paulo: Companhia da Letras, 2001, pp. 31-32
Entendendo o Conto.
01.   O conto A ovelha negra propõe uma situação inicial em que se apresenta a rotina de uma população.
a.- Qual é a rotina dos habitantes desse país?
Os habitantes do país imaginado por Ítalo Calvino costumam roubar uns aos outros.

b.- Cite um trecho que comprove que a situação inicialmente apresentada na narrativa estabelece um equilíbrio, um estado de normalidade e rotina.
“Assim a vida prosseguia sem tropeços [...]”

c.- O que há de estranho, do povo de vista moral, na situação inicial apresenta no texto?
O fato de o normal ser que cada cidadão roube o outro e que isso proporcione paz parece absurdo do ponto de vista moral.

02.    Na narrativa de Ítalo Calvino, a situação de equilíbrio do país é alterada. Que fato causa desequilíbrio na vida social? Por quê
O surgimento de um homem honesto provoca desequilíbrio, porque ele rompe o ciclo “roubar e ser roubado” que mantinha a sociedade funcionando. A atitude do homem de ficar em sua casa à noite impedia que outros viessem roubá-la.

a.    A partir da situação inesperada que alterou a rotina social, os personagens tomam atitudes.
- Como os habitantes reagiram?
Eles procuraram convencer o homem honesto de que deveria sair de sua casa para que outros a pudessem saquear.
b.- O que pretendiam os moradores com essa reação?
Os moradores pretendiam restabelecer a normalidade daquele país onde todos eram ladrões.

c.   O homem honesto aceitou a sugestão dos habitantes, mas essa atitude intensificou o conflito, instaurando o clímax da narrativa. Explique por quê.
A tentativa de fazer o homem honesto sair de casa não restabeleceu o equilíbrio social porque, como ele continuava não roubando ninguém.

d.    A narrativa de Ítalo Calvino deve ser considerada uma ironia; caso contrário, estaria condenando a existência de homens honestos. Explique em que consiste a ironia do texto “A ovelha negra”.
A ironia do texto de Calvino reside no fato de a honestidade ser entendida como um mal para a sociedade, provocando a injustiça social, enquanto o roubo traia a paz entre os cidadãos.

03.    O título é constituído pela expressão metafórica “ovelha negra”.
a.- Qual o significado habitual dessa expressão?
A expressão “ovelha negra” habitualmente se refere ao membro de um grupo, de uma comunidade que é diferente, causando transtornos, normalmente por cometer ações inaceitáveis, reprováveis.

b.-Por que se pode afirmar que, no contexto da narrativa de Ítalo Calvino, esse título é irônico?
No contexto da narrativa, a expressão é irônica porque, se é verdade que o homem honesto destoa dos demais membros da população, por outro lado, ele age da melhor forma possível, seguindo valores positivos, normalmente elogiáveis e desejáveis.
  


MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS- ROMANTISMO - MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA - COM GABARITO


 MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS
  Manuel Antônio de Almeida


        “Logo que pode andar e falar tornou-se um flagelo; quebrava e rasgava tudo que lhe vinha à mão. Tinha uma paixão decidida pelo chapéu armado do Leonardo; se este o deixava por esquecimento em algum lugar ao seu alcance, tomava-o imediatamente, esperava com ele todos os móveis, punha-lhe dentro tudo o que encontrava, esfregava-o em uma parede, e acabava por varrer com ele a casa; até que Maria, exasperada pelo que aquilo havia de custar aos ouvidos, e talvez às costas, arrancava-lhe das mãos a vítima infeliz. Era, além de traquinas, guloso; quando não traquinava, comia. A Maria não lhe perdoava; trazia-lhe bem maltratada uma região do corpo; porém ele não se emendava, que era também teimoso, e as travessuras recomeçavam mal acabava a dor das palmadas.
        Assim chegou aos sete anos.
        Afinal de contas a Maria sempre era saloia, e o Leonardo começava a arrepender-se seriamente de tudo que tinha feito por ela, e tinha razão porque, digamos depressa e sem mais cerimônia, havia ele desde certo tempo concebido fundadas suspeitas de que era atraiçoado. Havia alguns meses atrás tinha notado que um certo sargento passava-lhe muitas vezes pela porta, e enfiava olhares curiosos, através das rótulas: uma ocasião, recolhendo-se, parecera-lhe que o vira encostado à janela. Isto porém passou sem mais novidade.
        Depois começou a estranhar eu um certo colega seu o procurasse em casa, para tratar de negócios do ofício, sempre em horas desencontradas: porém isto também passou breve. Finalmente aconteceu por três ou quatro vezes esbarrar-se junto de casa com o capitão do navio em que tinha vindo de Lisboa, e isto causou-lhe sérios cuidados. Um dia de manhã entrou sem ser esperado pela porta adentro; alguém que estava na sala abriu precipitadamente a janela, saltou por ela para a rua, e desapareceu.
        À vista disso nada havia a duvidar; o pobre homem perdeu, como se costuma dizer, as estribeiras; ficou cego de ciúmes. Largou apressado sobre um banco uns autos que trazia embaixo do braço, endireitou para Maria com os punhos cerrados.
        --- Grandessíssimo! ...
        E a injúria que ia soltar era tão grande que o engasgou... e pôs-se a tremer com todo o corpo.
        A Maria recuou dois passos e pôs-se em guarda, pois também não era das que receava com qualquer cousa.
        --- Tira-te, ó Leonardo!
        --- Não chames mais pelo meu nome, não chames... que tranco-te esta boca a socos...
        --- Safe-se daí! Quem lhe mandou pôr-se aos namoricos comigo a bordo?
        Isto exasperou o Leonardo; a lembrança do amor aumentou-lhe a dor da traição e o ciúme e a raiva de que se achava possuído transbordaram em socos sobre Maria, que depois de uma tentativa inútil de resistência desatou a correr, a chorar e a gritar:
        --- Ai... ai... acuda, Senhor Compadre... Senhor Compadre!
        Porém o compadre ensaboava nesse momento a cara de um freguês e não podia larga-lo.
        Portanto a Maria pagou caro e por junto todas as contas. Escolheu-se a choramingar em um canto.
        O menino assistira a toda essa cena com imperturbável sangue-frio: enquanto a Maria apanhava e o Leonardo esbravejava, ele ocupava-se tranquilamente em rasgar as folhas dos autos que este tinha largado ao entrar, e em fazer delas uma grande coleção de cartuchos.
        Quando, esmorecida a raiva, o Leonardo pôde ser alguma cousa mais do que ciúme, reparou então na obra meritória em que se ocupava o pequeno.
        Enfureceu-se de novo: suspendeu o menino pelas orelhas, fê-lo dar no ar uma meia-volta, ergue o pé direito, assenta-lhe em cheio sobre os glúteos, atirando-o sentado a quatro braças de distância.
        --- És filho de uma pisadela e de um beliscão; mereces que um pontapé te acabe a casta.
                                                                                  Manuel Antônio de Almeida.
1 – Sobre o texto:
a)     O tema de que trata o texto NÃO era característico do Romantismo. Cite-o.
Traição.

b)    Por que os personagens NÃO são representativos do romance romântico?
São movidos pelo ciúme, desamor, falta de consideração, defeitos que as personagens românticas não apresentam.
       




SENHORA - ROMANTISMO - JOSÉ DE ALENCAR - COM GABARITO

  SENHORA

        --- O senhor não retribuiu meu amor e nem o compreendeu. Supôs que eu lhe deva apenas a preferência entre outros namorados, e o escolhia para herói dos romances, até aparecer algum casamento, que o senhor, moço honesto, estimaria para colher à sombra o fruto de suas flores poéticas. Bem vê que eu distingo dos outros, que ofereciam brutalmente mas com franqueza e sem rebuço, a perdição e a vergonha.
        Seixas abaixou a cabeça.
        --- Conheci que não amava-me, como eu desejava e merecia ser amada. Mas não era sua a culpa e só minha que não soube inspirar-lhe a paixão que eu sentia. Mais tarde, o senhor retirou-me essa mesma afeição com que me consolava e transportou-a para outra, em que não podia encontrar o que eu lhe dera, um coração virgem e cheio de paixão com que o adorava. Entretanto, ainda tive forças para perdoar-lhe e amá-lo.
        A moça agitou então a fronte com uma vibração altiva:
        --- Mas o senhor não me abandonou pelo amor de Adelaide e sim pelo seu dote, um mesquinho dote de trinta contos! Eis o que não tinha direito de fazer, e o que jamais lhe podia perdoar! Desprezasse-me embora, mas não descesse da altura em que o havia colocado dentro de minha alma. Eu tinha um ídolo; o senhor abateu-o de seu pedestal, e atirou-o no pó. Essa degradação do homem a quem eu adorava, eis o seu crime; a sociedade não tem lei para puni-lo, mas há um remorso para ele. Não se assassina assim um coração que Deus criou para amar, incutindo-lhe a descrença e o ódio.
        Seixas, que tinha curvado a fronte, ergueu-a de novo e fitou os olhos da moça. Conservava ainda as feições contraídas e gotas de suor borbulhavam na raiz dos seus cabelos negros.
        --- A riqueza que Deus me concedeu chegou tarde; nem ao menos permitiu-me o prazer da ilusão, que tem as mulheres enganadas, Quanto a recebi, já conhecia o mundo e as suas misérias; já sabia que a moça rica é um arranjo e não uma esposa; pois bem, disse eu, essa riqueza servirá para dar-me a única satisfação que ainda posso ter neste mundo. Mostrar a esse homem que não me soube compreender, que mulher o amava, e que alma perdeu. Entretanto, ainda eu afagava uma esperança. Se ele recusa nobremente a proposta aviltante, eu irei lançar-me a seus pés. Suplicar-lhe-ei que aceite a minha riqueza, que a dissipe se quiser, mas consinta-me que eu o ame. Esta última consolação, o senhor arrebatou. Que me restava? Outrora ataca-se o cadáver ao homicida, para expiação da culpa; o senhor matou-me o coração; era justo que o prendesse ao despojo de sua vítima. Mas não desespere, o suplício não pode ser longo: constante martírio a que estamos condenados acabará por extinguir-me o último alento; o senhor ficará livre e rico.
                                                 Jose de Alencar. Senhora. São Paulo: Moderna.
1 – Sobre o texto:
a)     Pelo discurso de Aurélia, percebemos que o texto registra uma oposição com que a sociedade da época soube conviver. Que oposição é essa?
Amor e Dinheiro.

b)    Aurélia, porque não foi amada à altura da sua dedicação a Seixas, impõe a este uma “punição”. Cite-a.
Viver ao seu lado forçosamente.

c)     O que Aurélia sugere em suas palavras no último período?
Que, por força da dor de amar sem ser amada, morreria cedo, e Seixas estaria livre e herdaria sua riqueza.

d)    Aurélia é personagem típica do romance romântico? Justifique.
SIM. Pela postura nobre, motivada pela emoção, justa e amorosa.

e)     Com que adjetivos poderíamos caracterizar o estado de espírito de Aurélia?
Magoada / Ofendida / Humilhada / Desprezada.

f)      Comente o discurso da Aurélia a partir do fato de ser o texto romântico.
Apresenta um discurso nobre, eloquente, de tom declamatório.


O GUARANI - ROMANTISMO - JOSÉ DE ALENCAR - COM GABARITO


 O GUARANI

        Os gritos e bramidos dos selvagens, que continuavam com algumas interrupções, foram-se aproximando da casa; conhecia-se que escalavam o rochedo nesse momento.
        Alguns minutos se passaram numa ansiedade cruel. D. Antônio de Mariz depositou um último beijo na fronte de sua filha; D. Lauriana apertou ao seio a cabeça adormecida da menina e envolveu-se numa manta de seda.
        Peri, com o ouvido atento, o olhar fito na porta, esperava. Ligeiramente apoiado sobre o espaldar da cadeira às vezes estremecia de impaciência e batia com o pé sobre o pavimento da sala.
        De repente um grande clamor soou em torno da casa; as chamas lamberam com as suas línguas de fogo as frestas das portas e janelas; o edifício tremeu desde os alicerces com o embate da tromba de selvagens que lançava nomeio do incêndio.
        Peri, apenas ouviu o primeiro grito, reclinou sobre a cadeira e tomou Cecília nos braços; quando o estrondo soou na porta larga do salão, o índio já tinha desaparecido.
        Apesar da escuridão profunda que reinava em todo o interior da casa, Peri não hesitou um momento; caminhou direto ao quarto onde habitara sua senhora, e subiu à janela.
        Uma das palmeiras da cabana estendia-se por cima do precipício e apoiava-se a trinta palmos de distância sobre um dos galhos da árvore que os aimorés tinham abatido durante o dia que tiraram aos habitantes da casa a menor esperança de fuga.
        Peri, apertando Cecília nos braços, firmou o pé sobre essa ponte frágil, cuja face convexa tinha quando muito algumas polegadas de largura.
        Quem lançasse os olhos nesse momento para aquela banda da esplanada veria ao pálido clarão do incêndio deslizar-se lentamente por cima do precipício um vulto hirto, como um desses fantasmas que, segundo a crença popular, atravessam à meia-noite as velhas ameias de algum castelo em ruínas.
        A palmeira oscilava, e Peri, embalando-se sobre o abismo, adiantava-se vagarosamente para a encosta oposta. Os gritos dos selvagens repercutiam nos ares de envolta com o estrépito dos tacapes que abalavam as portas da sala e as paredes do edifício.
        Sem se inquietar com a certa tumultuosa que deixava após si, o índio ganhou a margem oposta, e segurando com uma mão nos galhos da árvore, conseguiu tocar a terra sem o menor acidente.
        Então, fazendo uma volta para não aproximar-se do campo dos aimorés, dirigiu-se à margem do rio; aí estava escondida entre as folhas a pequena canoa que serviria outrora para os habitantes da casa atravessarem o Paquequer.
        Durante a ausência de uma hora que Peri tinha feito, quando deixava Cecília adormecida, ele havia tudo preparado para essa empresa arriscada que devia salvar sua senhora.
        Graças à sua atividade espantosa, armou com o auxílio da corda a ponte pênsil sobre o precipício, correu ao rio, amarrou a canoa no lugar que lhe pareceu mais propício, e em duas viagens levou esse barquinho que ia servir de morada a Cecília durante alguns dias, tudo quanto a menina podia crescer.
                                                                                                     JOSE DE ALENCAR.
1 -  O texto, sem deixar dúvidas, é legítimo representante do tipo de romance do Romantismo. Que afirmação NÃO comprovaria essa tese?
a)     A tendência a desenvolver um discurso comovente e emocionante.
b)    A configuração, pelos seus atos, da personagem como herói.
c)     A narrativa marcada por situações que conduzem ao suspense, técnica essa que prendia o leitor aos acontecimentos.
d)    O emprego estilístico da hipérbole, denunciando a maneira sentimentalmente exagerada de conduzir a narrativa.
e)     O apego ao descritivismo da realidade imediata com a finalidade de dar verossimilhança aos fatos narrados.

2 – De que modo podemos ver a presença da personagem Peri como personagem típica da criação poética do Romantismo?
       Através da sua bravura.

3 – Qual o ponto de vista da narrativa?
       Narrativa em 3ª pessoa, narrador onisciente.