Autobiografia (Crônica): Maio – Fragmento
Lima Barreto
Estamos em maio, o mês das flores, o
mês sagrado pela poesia. Não é sem emoção que o vejo entrar. Há em minha alma
um renovamento; as ambições desabrocham de novo e, de novo, me chegam revoadas
de sonhos. Nasci sob o seu signo, a treze, e creio que em sexta-feira; e, por
isso, também à emoção que o mês sagrado me traz, se misturam recordações da
minha meninice.
Agora mesmo estou a lembrar-me que, em
1888, dias antes da data áurea, meu pai chegou em casa e disse-me: a lei da
abolição vai passar no dia de teus anos. E de fato passou; e nós fomos esperar
a assinatura no Largo do Paço.
[...]
Havia uma imensa multidão ansiosa, com
o olhar preso às janelas do velho casarão. Afinal a lei foi assinada e, num
segundo, todos aqueles milhares de pessoas o souberam. A princesa veio à
janela. Foi uma ovação: palmas, acenos com lenço, vivas... [...]
Eu tinha então sete anos e o cativeiro
não me impressionava. Não lhe imaginava o horror; não conhecia a sua injustiça.
[...] Mas como ainda estamos longe de ser livres! Como ainda nos enleamos nas
teias dos preceitos, das regras e das leis!
[...]
E maio volta... Há pelo ar blandícias e
afagos; as coisas ligeiras têm mais poesia; os pássaros como que cantam melhor;
o verde das encostas é mais macio; um forte flux de vida percorre e anima
tudo...
O mês augusto e sagrado pela poesia e
pela arte [...] volta; e os galhos da nossa alma que tinham sido amputados – os
sonhos, enchem-se de brotos muito verdes, de um claro e macio verde de pelúcia,
reverdecem mais uma vez, para de novo perderem as folhas, secarem, antes mesmo
de chegar o tórrido dezembro.
E assim se faz a vida, com desalentos e
esperanças, com recordações e saudades, com tolices e coisas sensatas [...].
BARRETO, Lima. Maio. In: BARRETO, Lima. A crônica militante. São Paulo:
Expressão Popular, 2016, p. 279-283.
Fonte: Maxi: Séries
Finais. Caderno 1. Língua Portuguesa – 7º ano. 1.ed. São Paulo: Somos Sistemas
de Ensino, 2021. Ensino Fundamental 2. p. 03-04.
Entendendo a autobiografia:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Amputar: cortar, podar.
·
Blandícia: carícia.
·
Cativeiro: escravidão.
·
Data áurea: Dia da Abolição da Escravatura.
·
Desalento: desencanto.
·
Enlear: embaraçar-se, enrolar-se.
·
Flux: termo inglês para “fluxo”.
·
Ovação: aplausos.
·
Tórrido: seco, árido.
02 – Agora que você já leu a
crônica (autobiografia), conte com suas próprias palavras o que achou da
experiência de ler texto.
Resposta pessoal
do aluno.
03 – Qual é o nome da crônica
e do autor? Você sabe dizer em que livro o texto está publicado?
“Maio” é o título
da crônica. O autor é Lima Barreto. Já o título da obra se encontra no fim do
texto: A crônica militante.
04 – Agora, defina em uma
palavra como você gosta de ser reconhecido.
Resposta pessoal
do aluno.
05 – Identifique, na crônica
de Lima Barreto, palavras que indiquem a ação verbal ligada ao pronome eu.
Vejo, nasci, creio, estou, tinha, etc.
06 – Na crônica “Maio”, o
autor conta um fato que registra sua vida íntima. Diga qual é a data e o dia do
nascimento do autor e o que parece significar para você.
Treze de maio,
sexta-feira. Verifique se eles notam que o autor está falando de uma
“sexta-feira 13”. Explique, então, que a superstição com esse dia já existia no
fim do século XIX.
07 – Como o autor enxerga o
mês de seu nascimento?
Para o autor,
maio é um mês poético e sagrado, em que os sonhos renascem. Provavelmente ele
pensava assim pela associação com o registro histórico da abolição.
08 – Lima Barreto usou a
escrita de uma crônica para registrar um momento de sua vida. Existem outros
meios ou técnicas para registrar um momento da vida? Se sim, conte quais são.
Sim, pois podemos criar registros de
nossas imagens em vídeos, na pintura de quadros ou escrevendo nosso perfil em
um diário, em uma página de rede social, etc.
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