Artigo de opinião: Ciência brasileira, últimos suspiros?
Helena Nader e Luiz Davidovich
Há 30 anos, uma semente de soja plantada no solo do Mato Grosso, se germinasse, não floresceria. Neste ano, o Estado produzirá 30 milhões de toneladas da oleaginosa.
Na década de 1940, a produtividade
média do plantio de soja no Brasil era de 700 kg por hectare; hoje, é de 3.000
kg/h, e há produtores que já conseguem extrair 8.000 kg/h.
Milagre? Não, ciência e tecnologia.
Pesquisadores da Embrapa e de nossas universidades conseguiram fazer a soja,
originária de regiões de clima temperado, produzir em abundância em regiões de
baixas latitudes e clima quente. O Brasil é vice-líder na produção, com 108
milhões de toneladas.
No mar, não foi diferente. A Petrobras
ultrapassou a camada pré-sal e descobriu petróleo em profundidades jamais
alcançadas. Vidência? Não, ciência e tecnologia.
Cientistas e engenheiros do Centro de
Pesquisas da Petrobras (Cenpes), somados a colegas de universidades
brasileiras, são os primeiros artífices do sucesso da empresa em águas superprofundas
e, portanto, protagonistas da autossuficiência brasileira no setor.
Na década de 1940, o então tenente
coronel Casimiro Montenegro Filho dava os primeiros passos para a construção da
indústria aeronáutica no país. O Brasil nem sequer fabricava bicicletas, mas já
começava a esboçar a Embraer, hoje terceira maior fabricante de aviões do
planeta. Premonição? Não, ciência e tecnologia.
As raízes da Embraer estão no
Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) e no Instituto
Tecnológico de Aeronáutica (ITA), duas instituições baseadas no conhecimento
idealizadas por Montenegro há mais de 70 anos.
Histórias de sucesso como essas não se
repetirão em nosso país: os recentes cortes no orçamento do Ministério da
Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações terão como consequência o
desmonte dessas atividades no país.
O aperto do cinto orçamentário começou
em 2014, aumentou em 2015 e se agravou em 2016. Em 2017, piorou ainda mais:
nossa ciência será tratada a pão e água.
Os
cortes anunciados pelo governo federal em 30 de março estabelecem o orçamento
do ministério neste ano em R$ 3,275 bilhões para custeio e investimentos. Esse
valor representa uma volta a 2005, quando o orçamento executado foi de R$ 3,249
bilhões.
A
diferença é que nesses 11 anos nosso sistema de ciência e tecnologia cresceu
exponencialmente. Em 2006 publicamos 33.498 artigos em periódicos científicos
indexados; em 2015, foram 61.122, o que fez o Brasil subir duas posições no
ranking mundial de produção científica, alcançando o 13º lugar.
Em 2006, nossos cursos de doutorado
tinham 46.572 alunos e titularam 9.366 deles. Em 2015, foi o dobro: 102.365 e
18.625, respectivamente. Os programas de pós-graduação passaram de 2.266 para
3.828. Os grupos de pesquisa, em 2006, eram 21.024 e abrigavam 90.320 pessoas.
Em 2016, passamos para 37.460 e 199.566, respectivamente.
Essa evolução foi sustentada por um
orçamento crescente. Em valores corrigidos pelo IPCA até 2016, o orçamento
praticado no ano de 2005 foi de R$ 6,467 bilhões. O orçamento atual do
ministério, após os cortes, corresponde a cerca de 50% desse valor, com o
agravante de que agora estão inclusas as despesas do extinto Ministério das
Comunicações.
Como pesquisa e desenvolvimento não se
fazem com milagres, clarividências ou premonições, mas sim com investimentos
constantes, a ciência brasileira caminha para a ruína.
Teremos um país talvez com um ajuste
fiscal perfeito, mas com um atraso econômico e social digno de uma república de
bananas exatamente o contrário dos países com economia moderna, baseada em
ciência e tecnologia, como EUA, Alemanha, Reino Unido, Japão, Coreia do Sul e
China.
HELENA NADER,
professora titular de biologia molecular da Unifesp, é presidente da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
LUIZ DAVIDOVICH,
professor titular do Instituto de Física da UFRJ – Universidade Federal do Rio
de Janeiro, é presidente da Academia Brasileira de Ciências.
NADER, Helena;
DAVIDOVICH, Luiz. Ciência brasileira, últimos suspiros? Folha de S. Paulo: São
Paulo, 12 abr. 2017. Opinião, p. A3.
Fonte: Língua Portuguesa – Programa mais MT – Ensino
fundamental anos finais – 9° ano – Moderna – Thaís Ginícolo Cabral. p. 332-340.
Entendendo o artigo de opinião:
01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·
Ajuste
fiscal: processo em que se busca
reequilibrar as receitas e as despesas de um governo, por meio da redução de
gastos e/ou do aumento da arrecadação de impostos.
·
Artífice: trabalhador; quem cria ou inventa algo, autor.
·
Clima
temperado: em que a temperatura não é muito
alta nem muito baixa.
·
Exponencialmente: em grande quantidade.
·
Embrapa: sigla da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, uma
instituição pública de pesquisas agropecuárias vinculada ao Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento e fundada em 1973.
·
Hectare: unidade de medida agrária que corresponde a 10 mil m².
·
IPCA: sigla de Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo,
criado para medir a variação de preços para o consumidor final e, assim,
verificar a inflação de um período. Ele é medido mês pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE).
·
Regiões
de baixa latitude: regiões próximas da
linha do Equador.
02 – Retome as ideias que
você levantou antes da leitura do texto e comente com seus colegas e professor.
a) Sua hipótese sobre a ideia defendida no texto se confirmou?
Resposta pessoal do aluno.
b) A leitura do artigo de opinião atendeu à sua expectativa de antes da leitura? Justifique.
Resposta pessoal do aluno.
03 – Aponte qual trecho
extraído do texto indica o fato que motivou a escrita do artigo de opinião.
I – Nesse ano, o Estado
produzirá 30 milhões de toneladas de oleaginosa.
II – Como pesquisa e
desenvolvimento não se fazem com milagres, clarividências ou premonições [...].
III – Os cortes anunciados pelo governo federal em 30 de março
estabelecem o orçamento do ministério neste ano em R$ 3,275 bilhões para
custeio e investimentos.
IV – Teremos um país talvez
com um ajuste fiscal perfeito [...].
NADER, Helena;
DAVIDOVICH, Luiz. Ciência brasileira, últimos suspiros? Folha de S. Paulo: São
Paulo, 12 abr. 2017. Opinião, p. A3.
· Por que os demais trechos são respostas incorretas? Explique.
A alternativa I é incorreta porque apresenta um fato secundário que
serve à argumentação principal desenvolvida no artigo. Já os trechos II e IV
representam a opinião dos autores sobre o tema em discussão.
04 – Os artigos de opinião
costumam abordar assuntos e/ou acontecimentos atuais polêmicos, que foram
noticiados e têm interesse público.
a) Esse texto trata de que acontecimento relevante no âmbito social?
O texto lido trata de um acontecimento, relevante socialmente, que
estava em pauta na época da publicação do artigo: a questão dos valores
destinados ao investimento em Ciência e Tecnologia, pois impacta no
desenvolvimento do país.
b) Por que esse acontecimento pode ser considerado controverso?
Esse acontecimento pode ser considerado controverso porque o
montante desse investimento não é um consenso. Há quem defenda que, em momentos
de crise econômica, o governo deve remanejar essas verbas para outros setores.
05 – O artigo de opinião é
um texto assinado que expressa um ponto de vista pessoal ou de um grupo.
a) Quem são os autores do artigo de opinião lido?
Helena Nader e Luiz Davidovich.
b) Que informações é possível obter sobre esses autores? Como é possível obtê-las?
É possível saber qual é a profissão e os cargos que eles ocupam nas
instituições ligadas à Ciência. No final do artigo há uma breve apresentação
que destaca as informações sobre cada autor.
c) Qual é a relação dos autores com o tema abordado no artigo?
Os dois autores são professores universitários, pesquisadores e
lideram instituições que congregam membros da comunidade científica brasileira.
06 – Sobre a recepção do
artigo de opinião, responda:
a) Os autores se dirigem a qual perfil de leitor? Justifique sua resposta.
A um perfil de leitor que costuma acompanhar o noticiário, pois os
autores não apresentam muitos detalhes sobre o que levou ao corte orçamentário,
pressupondo, assim, que os leitores tenham algum conhecimento sobre o tema em
discussão.
b) Com qual finalidade os autores apresentam essa discussão aos leitores?
Os autores apresentam a discussão a fim de sensibilizar os leitores
para sua causa (contra os cortes orçamentários).
07 – O artigo de opinião é
um gênero argumentativo que defende uma tese, ou seja, uma ideia central em
torno da qual o texto se organiza.
a) Como os autores se posicionam frente ao fato que motiva o texto?
Eles são contra os cortes feitos no orçamento destinado à área de
pesquisa e tecnologia.
b) Transcreva o parágrafo em que a tese do artigo lido fica evidente.
“Histórias de sucesso como essas não se repetirão em nosso país: os
recentes cortes no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações terão como consequência o desmonte dessas atividades no país.”
08 – Releia os três
primeiros parágrafos do artigo de opinião.
a) Os autores demonstram que a produção de soja no Brasil cresceu enormemente ao longo do tempo. Que dados eles utilizam para comprovar isso?
Dados a respeito da produção de soja no estado do Mato Grosso há
trinta anos e hoje, e da produtividade do plantio de soja no Brasil na década
de 1940 e hoje.
b) A que se atribui o aumento de produtividade?
Ele é atribuído à ciência e à tecnologia, especialmente às pesquisas
desenvolvidas pela Embrapa sobre a produção de soja.
c) A que se refere a palavra oleaginosa no primeiro parágrafo?
Refere-se à soja.
09 – Releia os parágrafos 1°
ao 7° do artigo de opinião.
a) Em quais outros setores o Brasil se destacou, além da produção de soja?
O Brasil se destacou na exploração de petróleo a altíssima
profundidade e na fabricação de aviões.
b) Com que finalidade esses setores são destacados no texto?
Com a finalidade de exemplificar a importância da ciência e da
tecnologia para o desenvolvimento do país e mostrar que o desmonte dessas
atividades, causado pelos cortes orçamentários, traria graves consequências
para a nação.
10 – As frases a seguir
foram retiradas desse artigo de opinião. Observe que há uma estrutura de
pergunta-resposta que se repete três vezes, de maneira diferente.
I – Milagre? Não, ciência e
tecnologia.
II – Vidência? Não, ciência
e tecnologia.
III – Premonição? Não,
ciência e tecnologia.
NADER, Helena;
DAVIDOVICH, Luiz. Ciência brasileira, últimos suspiros? Folha de S. Paulo: São
Paulo, 12 abr. 2017. Opinião, p. A3.
a) Qual é o efeito dessa repetição no texto?
Ela dá ênfase à posição de que descobertas que beneficiam o país
economicamente não são fruto de milagre, vidência ou premonição, mas sim da
ciência e da tecnologia.
b) Em que outro momento, no texto, a ideia expressa por essa repetição é retomada?
No parágrafo “Como pesquisa e desenvolvimento não se fazem com
milagres, clarividências ou premonições, mas sim com investimentos constantes,
a ciência brasileira caminha para a ruína.”
c) Qual é o efeito dessa retomada de ideia?
Ao retomar essa ideia, os autores sintetizam a discussão feita no
artigo e reforçam, na conclusão do artigo, sua tese de que é preciso investir
nas áreas de ciência e tecnologia.
11 – Releia o trecho a
seguir.
“O aperto do cinto orçamentário começou
em 2014, aumentou em 2015 e se agravou em 2016. Em 2017, piorou ainda mais:
nossa ciência será tratada a pão e água.”
NADER, Helena;
DAVIDOVICH, Luiz. Ciência brasileira, últimos suspiros? Folha de S. Paulo: São
Paulo, 12 abr. 2017. Opinião, p. A3.
a) Transcreva duas expressões que aparecem com linguagem figurada nesse trecho.
São as expressões aperto do
cinto e a pão e água.
b) De acordo com o contexto, qual é o sentido de cada uma dessas expressões?
A expressão apertar o cinto
significa reduzir gastos e a pão e água
significa com pouquíssimos recursos.
c) Por que os autores optaram pelo uso da linguagem figurada?
Ao optar pela linguagem figurada, os autores deixam explícito seu
posicionamento a respeito dos cortes e também seu julgamento sobre o modo como
o governo lida com a política pública para C&T.
d) Esse trecho ainda apresenta uma gradação. Identifique e explique o efeito de sentido que esse recurso expressivo provoca.
A gradação ocorre com a enumeração dos verbos começou, aumentou, se agravou e piorou. Essa construção e a escolha lexical fazem com que o leitor
atente para a posição levantada pelos autores: a crescente piora da situação
orçamentária para C&T.
12 – Por que razão os
autores utilizam diversos dados numéricos referentes à produção científica
nacional?
Para comprovar
que o sistema de ciência e tecnologia cresceu nos últimos 11 anos em razão de
os valores para a área terem sido corrigidos pelo IPCA nesse período.
13 – A partir da
apresentação dos dados numéricos e das porcentagens, é possível chegar a qual
conclusão?
A conclusão de
que a ciência brasileira só pode continuar progredindo se o governo corrigir o
orçamento de acordo com a inflação. Com o corte de investimentos pela metade,
não será possível avançar no setor.
14 – Há vários tipos de
argumento que podem ser usados para comprovar uma tese.
· Observe o quadro e preencha-o, associando o tipo de argumento aos parágrafos correspondentes no texto, observando como os autores organizam seus argumentos.
Tipo de argumento – Parágrafos – comentário
Causa-consequência: 1°
ao 7° -- Os
autores trazem histórias de sucesso ligadas à ciência para afirmar que a falta
de investimento causará o desmonte do setor.
Comparação: 15° -- Os
autores comparam o Brasil aos países desenvolvidos que, ao contrário do Brasil,
investem em C&T.
Exemplificação: 11°
e 12° -- Os
autores exemplificam, com números, a produção cientifica nacional entre 2005 e
2011.
15 – Releia o penúltimo parágrafo do texto.
a) Copie uma construção metafórica presente no parágrafo.
A construção metafórica é “a ciência brasileira
caminha para a ruína”.
b) Essa construção metafórica retoma qual ideia apresentada? Com qual finalidade?
Essa construção retoma a ideia já explicitada no
título (“últimos suspiros”) e na tese (“desmonte do país”) de que, sem ciência,
o país sofre grandes perdas, ou seja, se desestrutura por completo.