Crônica: Estojo escolar
Carlos Heitor Cony Noite dessas, ciscando num desses
canais a cabo, vi uns caras oferecendo maravilhas eletrônicas, bastava
telefonar e eu receberia um notebook capaz de me ajudar a fabricar um navio,
uma estação espacial.
Minhas necessidades são mais
modestas: tenho um PC mastodôntico, contemporâneo das cavernas da informática.
E um laptop da mesma época que começa a me deixar na mão. Como pretendo viajar
esses dias, habilitei-me a comprar aquilo que os caras anunciavam como o top do
top em matéria de computador portátil.
No sábado, recebi um embrulho complicado
que necessitava de um manual de instruções para ser aberto. Depois de mil
operações sofisticadas para minhas limitações, retirei das entranhas de isopor
o novo notebook e coloquei-o em cima da mesa. De repente, como vem acontecendo
nos últimos tempos, houve um corte na memória e vi diante de mim o meu primeiro
estojo escolar. Tinha 5 anos e ia para o jardim de infância.
Era
uma caixinha comprida, envernizada, com uma tampa que corria nas bordas do
corpo principal. Dentro, arrumados em divisões, havia lápis coloridos, um
apontador, uma lapiseira cromada, uma régua de 20 cm e uma borracha para apagar
meus erros.
Da caixinha vinha um cheiro gostoso,
cheiro que nunca esqueci e que me tonteava de prazer. Fechei o estojo para
proteger aquele cheiro, que ele ficasse ali para sempre, prometi-me
economizá-lo. Com avareza, só o cheirava em momentos especiais.
Na tampa que protegia estojo e cheiro
havia gravado um ramo de rosas muito vermelhas que se destacavam do fundo
creme. Amei aquele ramalhete – olhava aquelas rosas e achava que nada podia ser
mais bonito.
O notebook que agora abro é negro, não
tem rosas na tampa e, em matéria de cheiro, é abominável. Cheira vilmente a
telefone celular, a cabine de avião, ao aparelho de ultrassonografia onde outro
dia uma moça veio ver como sou por dentro. Acho que piorei de estojo e de vida.
CONY, C. H.
Crônicas para ler na escola. São Paulo: Objetiva, 2009. Disponível em:
ENTENDENDO
A CRÔNICA
1) No Texto, o sentido denotativo e o sentido conotativo convivem. O trecho do texto
em que há somente denotação é:
(A) “Noite dessas, ciscando
num desses canais a cabo, vi uns caras oferecendo maravilhas eletrônicas”.
(B) “Minhas necessidades
são mais modestas”.
(C) “contemporâneo das
cavernas da informática”.
(D) “retirei das entranhas
de isopor o novo notebook e coloquei-o em cima da mesa.”
(E) “houve um corte na
memória e vi diante de mim o meu primeiro estojo escolar.”
2) Com base na leitura de
todo o Texto, entende-se que ele tem como foco a contraposição entre
(A) cheiro de notebook e
cheiro de estojo
(B) requinte e simplicidade
(C) sociedade e indivíduo
(D) presente e
passado
(E) trabalho e lazer
3) A partir da frase que
finaliza o Texto – “Acho que piorei de estojo e de vida” –, constata-se que o
autor
(A) comportava-se
de modo nostálgico.
(B) era fortemente apegado
ao objeto.
(C) carregava consigo objetos
inusitados.
(D) tinha muito cuidado com
seus pertences.
(E) apresentava um perfil
marcado pelo egoísmo.
4) O termo mastodôntico, em “tenho um PC
mastodôntico, contemporâneo das cavernas da informática”, pode ser substituído,
sem prejuízo do sentido do trecho, por
(A) enorme
(B) potente
(C) grotesco
(D) funcional
(E) imponente
5) No que diz respeito à
norma-padrão da língua, a frase cujo verbo em destaque apresenta regência
adequada é:
(A) A lembrança da infância
implica na volta de bons momentos.
(B) Estojos de madeira e
lápis coloridos eram os objetos que os alunos mais gostavam.
(C) As minhas mais marcantes
lembranças sempre chegam aonde vou.
(D) Quando
necessário, os instrutores assistem aos usuários da nova tecnologia, e essa
ajuda é fundamental para muitos.
(E) Os alunos de hoje
preferem mais o laptop do que lápis e canetas.
6) Releia o trecho abaixo.
Tenho um PC mastodôntico, contemporâneo das cavernas da informática.
a) Considerando
o contexto, qual é o sentido da palavra destacada?
Gigantesco.
b) Ainda
nesse mesmo contexto, por que o cronista diz que seu “PC mastodôntico” é “contemporâneo
das cavernas da informática”?
Porque ele é muito antigo. O
cronista usa a expressão “cavernas da informática” para sugerir um tempo muito
antigo, o tempo das cavernas.
7)
Em relação ao trecho transcrito na questão
anterior, responda às questões.
a) Trata-se
de uma oração? Por quê?
Identifique os elementos que justificam sua
resposta.
Sim, é uma oração porque é um
enunciado organizado em torno de um verbo,
tenho.
O sujeito é eu, sujeito oculto (ou desinencial) e o predicado é “tenho
um PC mastodôntico contemporâneo das cavernas da informática”.
b) Em
que pessoa verbal o trecho está escrito? A mesma pessoa se mantém no restante
do texto? Justifique com mais dois exemplos.
Está escrito na 1ª pessoa, que se
mantém em todo o texto.
Exemplos: vi, eu
receberia, me (ajudar), minhas (necessidades), etc.
c) Que
efeito de sentido o uso dessa pessoa verbal produz no texto? De que forma isso
se relaciona aos assuntos tratados?
O efeito é de subjetividade. O
autor conta alguma coisa que lhe aconteceu recentemente, mas também narra
lembranças.
Todo os acontecimentos são
observados de acordo com seu próprio ponto de vista.
8)
Para responder às questões a seguir, releia o
terceiro parágrafo do texto.
a) Reconstitua
a sucessão de acontecimentos do parágrafo, indicando o aconteceu em cada um dos
três momentos seguintes.
·
O que o cronista recebeu no sábado?
Recebeu um embrulho.
·
O que ele fez?
Depois de muito lutar com o pacote,
abriu a caixa e retirou seu novo notebook.
·
O que aconteceu de repente?
De repente, houve um corte em sua
memória e ele se viu com 5 anos, diante de seu estojo escolar.
b) Essa
sucessão de acontecimentos caracteriza que tipo de sequência?
Narrativa.
c) Quais
foram os três marcos temporais usados para assinalar a sucessão dos
acontecimentos?
“No sábado”, “depois” e “de repente”.
9) Releia a última frase da
crônica.
Por que, em sua opinião, o autor
diz que piorou de estojo e de vida?” Associe sua resposta à compreensão dos
parágrafos anteriores.
Resposta pessoal.
Sugestão: A
crônica faz uma comparação entre sua vida no passado e no presente, valorizando
positivamente o que ele tinha no passado.
Ao relembrar o estojo, ele o compara ao notebook impessoal que comprou e
considera que o estojo tinha suas qualidades. Da mesma forma, sua vida era mais
simples e feliz.
10)Entre
as características a seguir, quais caracterizam o texto lido como uma crônica?
Assinale-as.
a) Relata
um fato atual, apresentando dados objetivos e depoimentos dos envolvidos.
b) Usa um fato trivial, comum, para falar de emoções, sentimentos e
impressões pessoais.
c) Serve-se de comparações e outros recursos expressivos de valor
literário, ainda que utilizando o registro informal.
d) Dirige-se
ao leitor para relembrar acontecimentos e comprovar um ponto de vista usando
linguagem formal e culta.