CONTO: Medo
Tudo calmo. Archimedes estava só, em
casa. Quando chegou, avistara um bilhete sobre a mesa, próximo à cesta de
frutas.
“Filho, seu pai e eu precisamos viajar.
Sua avó não está passando bem. Há comida pronta no freezer, aqueça no
micro-ondas. Na geladeira tem leite e iogurte. Ah! Verduras também! Não te
esqueças de colocar o relógio para despertar. Nada de “perder” a hora. Voltamos
logo. Beijo de seu pai e sua mãe. Te amamos”
A casa era toda sua! Ninguém para
mandá-lo tomar banho, escovar os dentes, dormir cedo, bom demais! Os pais se
esqueciam de que ele já não era um menino, que tinha vinte anos. Grande foi a
tentação de convidar os amigos e fazer uma festança! Havia comida, os amigos
podiam trazer a bebida. Nem entrariam na casa, a bagunça seria do lado de fora
à beira da piscina. Chegou a pegar o celular para convidar os amigos, mas a
razão aconselhou que era uma péssima ideia. Como iria fazer uma festa sem
deixar vestígios e sem que a empregada desse com a língua nos dentes?
– Sem
chance! – concluiu. – Melhor aquietar o facho.
Andou pela casa, preparou um lanche e o
silêncio despertou-lhe a vontade de ler. Por que não terminar a leitura daquele
livro de Edgar Allan Poe, cheio de mistérios? Procurou por entre a bagunça que
era seu quarto. De posse, daquele que seria seu companheiro por algumas horas,
rumou para a sala disposto a escachar-se no sofá, onde só era permitido
sentar-se. Pés sobre ele, nem pensar! Sua mãe quase tinha um ataque de nervos
toda vez que o via, ou ao pai, tirando um cochilo sobre o mesmo. Era caro
demais, dizia ela, para que o fizessem de cama.
Iniciou a leitura por “Berenice”. A
história era por demais envolvente, a sensação de medo traduzia-se em aumento
de adrenalina, o que só ratificava sua preferência pelo autor.
Um forte ribombo acompanhado de um
risco luminoso cortando o céu, anunciava mudança no tempo. Uma chuva forte
estava a caminho, bem próxima. “Atmosfera perfeita”, pensou. Levantou-se para
fechar a janela que havia deixado aberta e constatou que o céu estava
estrelado. Intrigado, voltou ao sofá para iniciar a leitura de outra
história.
Tão logo se acomodou, despertou-lhe a
atenção uma pequena caixa vermelha sobre o aparador que ficava próximo à
janela.
– São os
dentes de Berenice – murmurou, em tom irônico.
Nem bem abriu o Edgar Allan Poe, a
porta da sala fechou-se com um estrondo, e uma lufada de vento invadiu o
cômodo, revirando a toalha da mesa e o jornal que o pai havia deixado sobre o
aparador.
–
Archimedes, por quê? Eu te amo tanto! Por que, meu amor?
– O que
está acontecendo? – balbucia, pálido de terror.
Diante de si, no umbral da porta, está
Carla, sangue escorrendo da boca desdentada. O terror intenso põe o rapaz em
pé, que, em um movimento violento, quebra o vaso de porcelana da dinastia Ming,
adquirido pela mãe em um leilão. Paralisado pelo pavor, vê Carla afastar-se em
meio a soluços de dor.
– Carla, espera! O que aconteceu? – grita
desesperado, tentando segui-la, mas é impedido pela mesa de centro. A dor no
joelho é tão forte que ele cai.
Quando finalmente consegue levantar-se,
o que viu aterrorizou-o ainda mais, lá estava, no sofá revestido de fino veludo
italiano, uma pasta de folhas de alface, pepino, catchup e mostarda; no chão,
os cacos do pequeno tesouro garimpado pela mãe em uma viagem a Hong Kong. Da
caixinha vermelha sobre o aparador, nem sinal.
Foi o som do telefone tocando que o
tirou do estado catatônico em que se encontrava.
–
Alô.
– Archimedes! Espero que tenhas uma
desculpa muito boa para o fato de ter me deixado plantada na frente do cinema,
ou eu arranco o teu couro! – berrava Carla.
Desligou o telefone sem dizer uma palavra.
Estava em uma enrascada tremenda, destruiu o sofá e a obra de arte da qual a
mãe tanto se gabava. Maldito Edgar Allan Poe e suas histórias! Por culpa dele,
quem ficaria sem os dentes, assim que a mãe chegasse, era ele! E ainda perderia
a namorada que não ia acreditar que ele estava em casa lendo, adormeceu e, por
isso, não fora ao encontro marcado.
Odenilde Nogueira Martins
- Medo: In: Caso encerrado.
01 – Certamente você já
escreveu um bilhete. Quais elementos esse gênero textual precisa apresentar?
Deve conter os seguintes elementos:
destinatário (a pessoa que receberá o bilhete), mensagem, nome legível do
emissor e data.
02 – Identifique o
destinatário e o emissor do bilhete.
Destinatário: filho; emissor: mãe.
03 – Há, no bilhete escrito
pela mãe, um vocativo. Identifique-o.
Filho – Archimedes.
04 – Explique o uso de aspas
na palavra "perder", segundo parágrafo.
A palavra "perder" foi usada no sentido figurado e
denota ironia.
05 – O que significa
"aquietar o facho"?
Significa: sossegar, ficar quieto.
06 – No trecho: "...o
que só ratificava sua preferência pelo autor.", "ratificava"
significa:
(a) - Corrigir, emendar,
alinhar, endireitar,
(b) - Confirmar,
autenticar um ato ou compromisso.
07 – Quem é Edgar Allan
Poe?
Edgar Allan Poe é um escritor.
08– Identifique no conto
"Medo":
a - Foco narrativo, tipo de narrador;
Terceira pessoa,
narrador observador;
b - Espaço físico da narrativa (onde);
Casa da personagem
Archimedes, mais precisamente, a sala de estar;
c - espaço temporal ( quando),
comprove;
Tempo indefinido: os fatos aconteceram à noite:
"Levantou-se para fechar a janela que havia deixado aberta e
constatou que o céu estava estrelado."
09 – Quem é Berenice?
Berenice é personagem de uma das histórias do livro de Edgar
Allan Poe.
10 – Que fato despertou a
atenção do rapaz?
Uma pequena caixa vermelha sobre o aparador que ficava
próximo à janela.
11 – O que aterrorizou mais
Archimedes?
Ver, no sofá revestido de fino veludo
italiano, uma pasta de folhas de alface, pepino, catchup e mostarda; no chão,
os cacos do pequeno tesouro garimpado pela mãe em uma viagem a Hong Kong.
12 – Que fato traz o rapaz à
realidade?
O som do telefone tocando.
13 – Quem estava
telefonando? O que dizia?
Carla. Dizia que
arrancaria o couro dele se ele não tivesse uma boa desculpa para o fato de
tê-la deixado esperando na frente do cinema.
14 – Podemos concluir que
tudo não passara de...
... um sonho.
15 – A que conclusão
Archimedes chegou após o telefonema?
Concluiu que
estava em uma enrascada tremenda, destruiu o sofá e a obra de arte da qual a
mãe tanto se gabava. E ainda perderia a namorada que não ia acreditar que ele
estava em casa lendo, adormeceu e, por isso, não fora ao encontro marcado.