Texto: NÃO COMPLIQUEM O NOSSO
IDIOMA
Na bolsa, só cheque e cartão de
crédito. Cadê dinheiro para pagar o estacionamento? Recorri ao personal
banking. No drive thru, a primeira máquina estava out of order.
Fui à segunda. Nada feito: sistema off line. Liguei para o hot
line. Expliquei meu aperto à operadora. "Vamos estar providenciando o
conserto do caixa. A senhora pode acessar sua conta em outro terminal. O mais
próximo fica no shopping." Fui lá. O sistema estava on line. Embolsei
R$ 100 cash.
O inglês invadiu as instituições
bancárias. Antes, timidamente. Restringia-se ao traveller’s check, ao
Credicard e a aplicações inacessíveis aos comuns dos mortais. Depois, ficou
atrevido. Foi deixando o português para trás. Para chegar lá, trilhou dois
caminhos. Um cuidadosamente traçado pelo marketing. Os bancos
passaram a oferecer produtos na linguagem do cliente. Ou melhor: na linguagem
que impressiona o cliente. Embalar o serviço na língua do Tio Sam valoriza a
oferta. Dá-lhe status. Telemarketing, personal manager, phone
banking & cia. são filhotes dessa estratégia.
Deu a mão? A gringa avançou pro braço.
Sem convite, foi além das meras palavras. Chegou à estrutura da língua. Fincou
pé nos verbos. Exemplos não faltam. Um deles: substituir o futuro
"providenciarei" pelo "vamos estar providenciando". Outro:
trocar o pretérito "foi desligado" pelo "tem sido
desligado".
De onde vêm os monstrengos? Das
traduções malfeitas. O inglês tem muitas formas verbais compostas. É o caso do
"I’ll be sending". Três verbos para dizer nosso simples
"enviarei", traduzido por "vou estar enviando". Há também
o past perfect. "The telephone has been desconected" quer
dizer, simplesmente, "o telefone foi desligado". Não tem nada a ver
com "tem sido desligado", que indica uma ação que começou no passado
e continua no presente. Com o avanço da informática e do marketing a coisa
piorou. A literatura dessas novidades é praticamente em língua inglesa. Nós
consumimos as traduções.
Invasão de língua estrangeira tem
várias razões. Uma é o prestígio. O inglês avançou nas nossas fronteiras porque
é falado pela maior potência do planeta, que vende como ninguém sua música, seu
cinema, sua televisão, sua literatura, sua tecnologia e o american way of
life. Outra é a receptividade. Nós, já dizia Glauber Rocha, temos complexo
de vira-lata. O que vem de fora é melhor.
O inglês deita e rola. O disque
virou disk. Do disk-pizza. ao disk-entulho, passando
pelo disk-sushi e disk-bombeiro. Liquidação é sale.
Moda, fashion. Camiseta, t-shirts. Relatório, paper.
Acampar, camping. Revisão médica, check-up. Por que os bancos
ficariam pra trás? Fundo se naturalizou fund. Taxa de
risco, spread. Loan, empréstimo.
O inglês na vida tupiniquim não é
novidade. Vem de longe. Mas se firmou graças a Hollywood, à Segunda Guerra
Mundial e ao avanço tecnológico. Ava Garner, Greta Garbo, Clark Gable, Rodolfo
Valentino, James Dean, Elvis Presley e cia. deram asas à imaginação deste país
colonizado. Bom ser bonito e famoso como eles. Mascar chicletes, tomar
Coca-Cola, fumar Camel e usar óculos Rayban viraram
obsessão.
A guerra trouxe os gringos até aqui.
Vivíamos a política da boa vizinhança com os Estados Unidos. Natal, Recife, São
Luís, Belém foram invadidas pelo povo do norte em nome da sagrada aliança
contra Hitler, Mussolini e todas as forças do mal encarnadas no
Eixo.
Inventaram que aí nasceu a palavra
forró. Os gringos promoviam festas para si. Eram privacy. Volta e meia,
abriam. Aí era for all, para todos. Nossos caboclos, analfabetos em
português e duplamente em inglês, simplificaram a pronúncia. For
all virou o nordestíssimo forró. Puro folclore. Forró é redução de
forrobodó. Mas a versão tem sido tão insistentemente repetida que virou
verdade.
A familiaridade com o inglês deixou-nos
ousados. Hoje aportuguesamos termos que nem sonhavam figurar no Aurélio. Muito
menos no Vocabulário Ortográfico. A informática serve de exemplo. Com ela,
nossa criatividade alça vôos. E ultrapassa os limites da máquina. Deletar tomou
a vez do velho apagar. Printar expulsou o
imprimir. Startar cassou o começar.
É isso. Quem não aderiu se
tornou out. Que corra atrás do prejuízo. Peça help. E vire in.
SQUARISI, Dad.
Revista Exame, 18 nov. 1998. p. 170.
Fonte: Linguagem
Nova. Faraco & Moura. Editora Ática. 8ª série. p. 136-40.
Entendendo o texto:
01 – O primeiro parágrafo do
texto é predominantemente narrativo, dissertativo ou descritivo? justifique sua
resposta.
É predominantemente
narrativo, pois a autora relata uma situação em que necessitava de dinheiro e
como o conseguiu.
02 – Embora a situação
exposta nesse primeiro parágrafo seja comum, cotidiano, é uma situação especial
para o assunto que vai ser desenvolvido no texto. Por quê?
Porque está
relacionada aos serviços bancários, onde o inglês predomina. Esse fato permite
à autora empregar inúmeros termos nessa língua e mostrar sua influência no
português.
03 – “Embalar o serviço na
língua do Tio Sam valoriza a oferta.” Tio
Sam é referência a que país?
Aos Estados
Unidos.
04 – “Deu a mão? A gringa
avançou pro braço.”
a)
Como a autora explica o “avançar para o
braço”?
A influência do inglês não ficou só nas palavras; chegou à estrutura
da língua.
b)
Que recurso ela usa no texto para provar essa
afirmação?
A exemplificação.
05 – Você conhece pessoas
que dizem: “vou estar enviando” em vez de “vou enviar” ou qualquer expressão
similar? Procure observar, anote alguns exemplos e reescreva-os, empregando a
forma verbal mais adequada. Em São Paulo, esse uso é bastante comum.
Resposta pessoal
do aluno.
06 – No quinto parágrafo,
uma das razões apontadas para a invasão da língua estrangeira é que o inglês “é
falado pela maior potência do planeta”. Relacione essa afirmação com os termos
do inglês empregados nos dois primeiros parágrafos.
Devido ao poder
econômico dos Estados Unidos, “maior potência do planeta”; a influência do
inglês se faz sentir grandemente na terminologia relativa aos serviços das
instituições bancárias, guardiães da moeda.
07 – Na linha 17, que
expressão a autora emprega em lugar de etc.?
Explique esse emprego.
A autora usa a
expressão “& cia.”, que faz parte da linguagem comercial (= e companhia).
Esse emprego reforça, no texto, de modo bem-humorado, a ideia do fator
econômico como um determinante da invasão da língua inglesa.
08 – A influência do inglês
no Brasil não é recente, tem raízes históricas, segundo a autora. Quais são
essas raízes?
Influência do
cinema hollywoodiano, da Segunda Guerra Mundial – que trouxe norte-americanos
para cá – e do avanço tecnológico.
09 – Que atitudes trazidas
pelo cinema hollywoodiano foram identificadas, na imaginação dos brasileiros,
ao american way os life, segundo o texto?
Mascar chicletes, tomar Coca-Cola, fumar
Camel e usar óculos Rayban.
10 – A autora afirma que a
origem que se divulga da palavra forró
como derivada do inglês é “invenção”, “puro folclore”. Por que, ao expor seus
argumentos, ela usou o adjetivo nordeste no superlativo: nordestíssimo?
Provavelmente,
quis acentuar o absurdo de se atribuir uma palavra tão característica da
cultura do Nordeste à influência americana.