Crônica: A
REGREÇÃO DA REDASSÃO
Carlos Eduardo Novaes
Semana passada recebi um telefonema de
uma senhora que me deixou surpreso. Pedia encarecidamente que ensinasse seu
filho a escrever.
-- Mas, minha senhora – desculpei-me –,
eu não sou professor.
-- Eu sei. Por isso mesmo.
Os professores não têm conseguido muito.
-- A culpa não é deles. A falha é do
ensino.
Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEia17G1ryFrFi2nWLQRORAzYYM3QijRm3sZ-iQ6R5KzeuQJTqBYvtoz06PoRfyqeNRmA6Xwvd0_fdYiqCNKtVnBQpJhRbb41-RemE-h4jOBCNz6WBY0cXIFhn7U1LhfQ1vcvVZPi-0fT3x8aShr__WxTgarfDxfuFYGI2QpCGj4wWg8lZI5Lc7DHK8lhv8/s320/REGRE%C3%87AO.jpg
-- Pode ser, mas gostaria que o senhor
ensinasse o menino. O senhor escreve muito bem.
-- Obrigado – agradeci –, mas não
acredite muito nisso. Não coloco vírgulas e nunca sei onde botar os acentos. A
senhora precisa ver o trabalho que dou ao revisor.
-- Não faz mal – insistiu –, o senhor vem
e traz um revisor.
-- Não dá, minha senhora – tornei a me
desculpar –, eu não tenho o menor jeito com crianças.
-- E quem falou em crianças? Meu filho
tem 17 anos.
Comentei o fato com um professor, meu
amigo, que me respondeu: “Você não deve se assustar, o estudante brasileiro não
sabe escrever”. No dia seguinte, ouvi de outro educador: “O estudante
brasileiro não sabe escrever”. Depois li no jornal as declarações de
um diretor da faculdade: “O estudante brasileiro escreve muito mal”. Impressionado,
saí à procura de outros educadores. Todos me disseram: acredite, o estudante
brasileiro não sabe escrever. Passei a observar e notei que já não se escreve
mais como antigamente.
Ninguém mais faz diário, ninguém escreve
em portas de banheiros, em muros, em paredes.
Não tenho visto nem aquelas inscrições,
geralmente acompanhadas de um coração, feitas em casca de árvore. Bem,
é verdade que não tenho visto nem árvore.
-- Quer dizer – disse a um amigo
enquanto íamos pela rua – que o estudante brasileiro não sabe escrever? Isto é
ótimo para mim. Pelo menos diminui a concorrência e me garante emprego
por mais dez anos.
-- Engano seu – disse ele. – A continuar
assim, dentro de cinco anos você terá que mudar de profissão.
-- Por quê? – espantei-me. – Quanto menos
gente sabendo escrever, mais chance eu tenho de sobreviver.
-- E você sabe por que essa geração não
sabe escrever?
-- Sei lá – dei com os ombros –, vai ver
que é porque não pega direito no lápis.
-- Não senhor. Não sabe escrever porque
está perdendo o hábito da leitura. E quando o perder completamente, você vai
escrever para quem?
Taí um dado novo que eu não havia
considerado. Imediatamente pensei quais as utilidades que teria um jornal
no futuro: embrulhar carne? Então vou trabalhar num açougue. Serviria para fazer
barquinhos, para fazer fogueira nas arquibancadas do Maracanã, para forrar
sapato furado ou para quebrar um galho em banheiro de estrada? Imaginei-me
com uns textos na mão, correndo pelas ruas para oferecer às pessoas, assim
como quem oferece hoje bilhete de loteria:
-- Por favor amigo, leia – disse, puxando
um cidadão pelo paletó.
-- Não, obrigado. Não estou interessado.
Nos últimos cinco anos a única coisa que leio é a bula de remédio.
-- E a senhorita não quer ler? – perguntei,
acompanhando os passos de uma universitária. – A senhorita vai gostar. É um
texto muito curioso.
O senhor só tem escrito? Então não
quero. Por que o senhor não grava o texto? Fica mais fácil ouvi-lo no meu gravador.
E o senhor, não está interessado nuns
textos?
-- É sobre o quê? Ensina como ganhar
dinheiro?
-- E o senhor, vai? Leva três e paga
um.
-- Deixa eu ver o tamanho – pediu ele.
Assustou-se com o tamanho do texto:
-- O quê? Tudo isso? O senhor está
pensando que sou vagabundo? Que tenho tempo para ler tudo isso? Não dá para
resumir tudo em cinco linhas?
Carlos Eduardo Novaes.
Fonte: Português – José
De Nicola – Ensino médio – Volume 1 – 1ª edição, São Paulo, 2009. Editora
Scipione. p. 177.
Entendendo a crônica:
01 – No diálogo entre a mãe e
o autor do texto, percebe-se uma crítica velada a respeito dos professores
no Brasil. Identifique a crítica.
A mãe procurou
uma pessoa que não era professor porque os professores de seu filho não conseguiam
ensiná-lo a escrever, o que foi justificado pelo autor que não era culpa deles,
dos professores, mas por causa da falha do ensino. Ora se o ensino é falho
(tem defeitos) e é realizado por professores, então a culpa é daquele
que provoca essa falha, isto é, dos professores. O ensino em si não é
autónomo, mas é o resultado da ação de alguém.
02 – O texto apresenta a causa
porque os estudantes brasileiros não sabem escrever. Qual é?
Porque não leem.
03 – Se os estudantes
brasileiros, segundo o autor, não sabem escrever porque não leem, qual deve
ser a estratégia que os professores devem utilizar para reverter essa situação?
Resposta pessoal
do aluno.
04
– Para você. Que outras causas podem contribuir para que o estudante
brasileiro tenha dificuldades para escrever?
Respostas pessoal
do aluno.
05
– Por que o autor utilizou a grafia errada nas palavras do título do texto?
Porque
naturalmente ele quis chamar a atenção do leitor para o assunto
do seu texto: a dificuldade dos estudantes brasileiros de escrever em
português.
06
– O autor se valeu dos fonemas e suas representações gráficas em português, para
chamar a atenção do leitor. Algumas palavras, em português, podem ter o seu
sentido alterado (ou não) em razão da sua representação gráfica. No caso
do título do texto, houve alteração de sentido? Justifique.
Não. Se forem
pronunciadas, essas mesmas palavras terão o mesmo som: regressão/regreção
– redação/redassão.