A XÍCARA E O BULE: UM APÓLOGO
Eduardo Cândido
Após o café da
tarde, sobre a mesa da varanda, a Xícara disse para o velho Bule:
– Ah… eu sou a mais
bela peça da copa!
A qual respondeu o
Bule:
– Tu? Ora essa!
– Sim! Sou a mais
bela peça, e a mais importante também! – retrucou a xícara indignada.
– É mesmo? –
perguntou o Bule, com ironia.
– Podes rir bule
velho! – disse a Xícara, fechando a cara.
– Ora, não me leve a
mal. Tu sabes que eu gosto muito de ti – disse amigavelmente o Bule cheio de
chá.
Mas dona Xícara,
ignorando o senhor Bule, continuou a discorrer amorosamente sobre as suas
qualidades admiráveis:
– Pois então. É a
mim que os senhores levam à boca, todos os dias, e me cobrem de beijos enquanto
bebem o chá. Sou feita de porcelana delicada, com belas florzinhas pintadas de
dourado, que refletem a luz e brilham como num sonho. Não é qualquer um da casa
que pode me tocar.
O Bule, muito
sensato, tentou transmitir uma lição:
– Mas, minha amiga,
o que realmente importa é o nosso destino. O que disseste sobre tuas florzinhas
é somente vaidade, mas ir à boca dos senhores é o teu dever. E sou eu que fervo
a água e preparo o chá no meu interior, o qual é servido por ti. Tal é o meu
destino. Tu percebes que nós dois, juntos, temos um sentido na vida?
Dona Xícara riu-se,
e disse com desprezo:
– Oh, sim! Então não
sou diferente dos copos de vidro grosseiro que as crianças usam para beber?
Escuta, filósofo, serei franca contigo: tu tens inveja…
– Inveja? –
perguntou o Bule.
– Sim! – respondeu a
Xícara – pois eu estou sempre cheirosa e doce, e tu tens cheiro de bule velho e
borra de chá. Lavam-me cuidadosamente, e guardam-me no armário de vidro, junto
com as louças finas e os cristais, para embelezar a casa; enquanto tu és lavado
com palha de aço e te escondem dentro da pia, para que não te vejam. Sou
estimada, e quanto mais velha eu me torno, mais valiosa fico. E tu? És velho,
manchado, cheio de amassadinhos, e és feito de metal ordinário…
O Bule ia responder
alguma coisa, porém desistiu. Como poderia argumentar com uma xícara vaidosa e
cabeçuda?
Nesse momento o gato
da casa, inesperadamente, pulou em cima da mesa da varanda tentando caçar um
besouro. O gato foi tão rápido e desastrado que nem escutou os gritos do senhor
Bule e da dona Xícara:
– Cuidado!
Mas era tarde
demais, e os dois caíram no chão. O velho Bule, que tinha uma base pesada, caiu
e rodou como um pião, ficando em pé quando parou. E a bela Xícara, pobrezinha,
espatifou-se nas lajes da varanda.
Uma lágrima de chá
deslizou suavemente pela fronte do senhor Bule, enquanto observava a pequena
luz de vida que aos poucos desaparecia dos caquinhos de porcelana.
– Minha amiga –
disse o Bule, entristecido – escarneceste dos meus amassadinhos. Pois são as
marcas da experiência, dos muitos tombos que levei na vida…
E a Xícara,
definhando, respondeu num fio de voz:
– Sem essa,
convencido! Se não fosse eu, tu não terias a oportunidade de ficar aí, fazendo
pose de sábio!…
Entendendo o texto
01.
O texto “A Xícara e o Bule: um apólogo” é um
texto tipo narrativo. Aponte os elementos da narrativa presentes nele.
Como todo texto narrativo literário, esse apólogo tem um narrador,
que é narrador-observador, com foco narrativo em 3ª pessoa; personagens: a
Xícara e o bule (personagens principais), o gato e o besouro (personagens
secundários); tempo: após o café da tarde; espaço: sobre a mesa da varanda; e
enredo: discussão dos personagens sobre vaidade e humildade.
02.
Esse texto é um apólogo. Quais as principais
características desse gênero presentes no texto?
Os personagens principais, a xícara e o bule, que são objetos inanimados,
ganham vida, a fim de transmitir um ensinamento: a vaidade destrói a
inteligência.
03.
Que comportamento humano é analisado e
discutido no apólogo de Eduardo Cândido? Explique-o.
O comportamento analisado e discutido nesse apólogo é a vaidade. A
Xícara considera-se a peça mais bela e a mais importante da copa.
04.
Em um apólogo, os personagens representam
traços positivos e negativos do caráter humano, ilustrando suas virtudes e seus
vícios. De que forma essa característica do gênero é apresentada no texto?
De modo amigável e sensato, o Bule tenta fazer a Xícara perceber que
cada um tem a sua importância e o seu dever, e que, juntos, eles têm um sentido
na vida, mas, por conta de sua vaidade, a Xícara é incapaz de perceber isso.
05.
Em uma narrativa, chamamos de desfecho a
solução do conflito vivido pelos personagens. Comente o desfecho desse apólogo.
A vaidade da Xícara é mantida mesmo após o Bule ter explicado e ela
que as marcas que carregava eram sinais de suas experiências, ao que ela
atribui ser uma oportunidade de o Bule se fazer de sábio graças a ela.
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