quarta-feira, 26 de outubro de 2022

A XÍCARA E O BULE: UM APÓLOGO - EDUARDO CÂNDIDO - COM GABARITO

 A XÍCARA E O BULE: UM APÓLOGO

                 Eduardo Cândido

 

Após o café da tarde, sobre a mesa da varanda, a Xícara disse para o velho Bule:

– Ah… eu sou a mais bela peça da copa!

A qual respondeu o Bule:

– Tu? Ora essa!

– Sim! Sou a mais bela peça, e a mais importante também! – retrucou a xícara indignada.

– É mesmo? – perguntou o Bule, com ironia.

– Podes rir bule velho! – disse a Xícara, fechando a cara.

– Ora, não me leve a mal. Tu sabes que eu gosto muito de ti – disse amigavelmente o Bule cheio de chá.

Mas dona Xícara, ignorando o senhor Bule, continuou a discorrer amorosamente sobre as suas qualidades admiráveis:

– Pois então. É a mim que os senhores levam à boca, todos os dias, e me cobrem de beijos enquanto bebem o chá. Sou feita de porcelana delicada, com belas florzinhas pintadas de dourado, que refletem a luz e brilham como num sonho. Não é qualquer um da casa que pode me tocar.

O Bule, muito sensato, tentou transmitir uma lição:

– Mas, minha amiga, o que realmente importa é o nosso destino. O que disseste sobre tuas florzinhas é somente vaidade, mas ir à boca dos senhores é o teu dever. E sou eu que fervo a água e preparo o chá no meu interior, o qual é servido por ti. Tal é o meu destino. Tu percebes que nós dois, juntos, temos um sentido na vida?

Dona Xícara riu-se, e disse com desprezo:

– Oh, sim! Então não sou diferente dos copos de vidro grosseiro que as crianças usam para beber? Escuta, filósofo, serei franca contigo: tu tens inveja…

– Inveja? – perguntou o Bule.

– Sim! – respondeu a Xícara – pois eu estou sempre cheirosa e doce, e tu tens cheiro de bule velho e borra de chá. Lavam-me cuidadosamente, e guardam-me no armário de vidro, junto com as louças finas e os cristais, para embelezar a casa; enquanto tu és lavado com palha de aço e te escondem dentro da pia, para que não te vejam. Sou estimada, e quanto mais velha eu me torno, mais valiosa fico. E tu? És velho, manchado, cheio de amassadinhos, e és feito de metal ordinário…

O Bule ia responder alguma coisa, porém desistiu. Como poderia argumentar com uma xícara vaidosa e cabeçuda?

Nesse momento o gato da casa, inesperadamente, pulou em cima da mesa da varanda tentando caçar um besouro. O gato foi tão rápido e desastrado que nem escutou os gritos do senhor Bule e da dona Xícara:

– Cuidado!

Mas era tarde demais, e os dois caíram no chão. O velho Bule, que tinha uma base pesada, caiu e rodou como um pião, ficando em pé quando parou. E a bela Xícara, pobrezinha, espatifou-se nas lajes da varanda.

Uma lágrima de chá deslizou suavemente pela fronte do senhor Bule, enquanto observava a pequena luz de vida que aos poucos desaparecia dos caquinhos de porcelana.

– Minha amiga – disse o Bule, entristecido – escarneceste dos meus amassadinhos. Pois são as marcas da experiência, dos muitos tombos que levei na vida…

E a Xícara, definhando, respondeu num fio de voz:

– Sem essa, convencido! Se não fosse eu, tu não terias a oportunidade de ficar aí, fazendo pose de sábio!…

 Fonte: Maxi: ensino fundamental 2:multidisciplinar:6 º ao 9º ano/obra coletiva: Thais Ginicolo Cabral. 1.ed. São Paulo: Maxiprint,2019.7º ano Caderno 4 p.14-17.

Entendendo o texto

01. O texto “A Xícara e o Bule: um apólogo” é um texto tipo narrativo. Aponte os elementos da narrativa presentes nele.

Como todo texto narrativo literário, esse apólogo tem um narrador, que é narrador-observador, com foco narrativo em 3ª pessoa; personagens: a Xícara e o bule (personagens principais), o gato e o besouro (personagens secundários); tempo: após o café da tarde; espaço: sobre a mesa da varanda; e enredo: discussão dos personagens sobre vaidade e humildade.

02. Esse texto é um apólogo. Quais as principais características desse gênero presentes no texto?

Os personagens principais, a xícara e o bule, que são objetos inanimados, ganham vida, a fim de transmitir um ensinamento: a vaidade destrói a inteligência.

03. Que comportamento humano é analisado e discutido no apólogo de Eduardo Cândido? Explique-o.

O comportamento analisado e discutido nesse apólogo é a vaidade. A Xícara considera-se a peça mais bela e a mais importante da copa.

04. Em um apólogo, os personagens representam traços positivos e negativos do caráter humano, ilustrando suas virtudes e seus vícios. De que forma essa característica do gênero é apresentada no texto?

De modo amigável e sensato, o Bule tenta fazer a Xícara perceber que cada um tem a sua importância e o seu dever, e que, juntos, eles têm um sentido na vida, mas, por conta de sua vaidade, a Xícara é incapaz de perceber isso.

05. Em uma narrativa, chamamos de desfecho a solução do conflito vivido pelos personagens. Comente o desfecho desse apólogo.

A vaidade da Xícara é mantida mesmo após o Bule ter explicado e ela que as marcas que carregava eram sinais de suas experiências, ao que ela atribui ser uma oportunidade de o Bule se fazer de sábio graças a ela.

 

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