ARTIGO DE OPINIÃO: O MITO DO TEMPO REAL
Luli Radfahrer
O
descompasso entre a velocidade das máquinas e a capacidade de compreensão de seus
usuários leva a um quadro de ansiedade social sem precedentes. Em blogs, redes
sociais, podcasts e mensagens eletrônicas diversas todos pedem desculpas pela
demora em responder às demandas de seus interlocutores, impacientes como nunca.
E-mails que não sejam atendidos em algumas horas acabam encaminhados para
outras redes, em um apelo público por uma resposta.
No desespero por contato instantâneo,
telefones chamam repetidamente em horas impróprias, mensagens de texto são
trocadas madrugada adentro, conversas multiplicam-se por comunicadores
instantâneos e toda ocasião – do trânsito ao banheiro, do elevador à cama, da
hora do almoço ao fim de semana – parece uma lacuna propícia para se resolver
uma pendência.
A resposta imediata a uma requisição é
chamada tecnicamente de “tempo real”, mesmo que não haja nada verdadeiramente
real nem humano nessa velocidade. O tempo imediato, sem pausas nem espera, em
que tudo acontece num estalar de dedos é uma ficção. Desejá-lo não aumenta a
eficiência. Pelo contrário, pode ser extremamente prejudicial.
O contato estabelecido com o mundo
real é marcado por demoras e esperas, tempos aparentemente perdidos em que boa
parte da reflexão e do aprendizado acontecem. Entupir cada pausa com textos,
músicas, jogos, vídeos e atividades multitarefa leva a uma sobrecarga cognitiva
que só aumenta o estresse e a frustração. Conectados por tempo integral, todos
parecem estar cada vez mais tensos, divididos, esquartejados entre várias
demandas, muitas delas desnecessárias.
A dependência da conexão é tamanha que
leva usuários de smartphones a sofrerem uma espécie de síndrome de abstinência
cada vez que são submetidos ao extremo desconforto cada vez que os esquecem ou
veem sua bateria esgotar.
Muitos combatem a superficialidade nas
relações digitais pelos motivos errados, questionando a validade dos “amigos”
no Facebook ou “seguidores” no Twitter ao compará-los com seus equivalentes
analógicos. O problema não está na tecnologia, mas na intensidade dispensada em
cada interação. Seja qual for o meio em que ele se dê, o contato entre
indivíduos demanda tempo, e nesse tempo não é só a informação pura e simples
que se troca. Festas, conversas, leituras, relacionamentos, músicas e filmes de
qualidade não podem ser acelerados ou resumidos a sinopses. Conversas, ao vivo
ou mediadas por qualquer tecnologia, perdem boa parte de sua intensidade com a
segmentação. O tempo empenhado em cada uma delas é muito valioso, não faz
sentido economizá-lo, empilhá-lo ou segmentá-lo. O tempo humano (que talvez
seja irreal, se o “outro” for provado real) é bem mais devagar. Nossas vidas
são marcadas tanto pela velocidade quanto pela lentidão.
Acelerado, multitarefa e disponível em
páginas e bases de dados cada vez maiores e interligadas, o conteúdo da rede é
congelado em prateleiras cada vez maiores e mais complexas. Se por um lado essa
compilação FÁCILita o acesso à informação, por outro ela achata a percepção de
continuidade, tempos e processos. Na grande biblioteca digital tudo acontece no
presente contínuo. O passado é achatado, o futuro vem por mágica.
Essa quebra da sequência histórica faz
com que muitos processos pareçam herméticos ou misteriosos demais. Quando não
há uma compreensão das etapas componentes de um processo, não há como intervir
nelas, propondo correções, adaptações ou melhorias. Tal impotência leva a uma
apatia, em que as condições impostas são aceitas por falta de alternativa. Escondidos seus processos industriais, os produtos
adquirem uma aura quase divina, transformando seus usuários em consumidores
vorazes, que se estapeiam em lojas à procura do último aparelho eletrônico que
se proponha a preencher o vazio que sentem.
Incapazes de propor alternativas ou
sugerir mudanças, os consumidores bovinos são estimulados pela publicidade a um
gigantesco hedonismo e pragmatismo. A FÁCILidade de acesso à abundância leva a
uma passividade e a um pensamento pragmático que defende a ideia de “vamos
aproveitar agora, pois quando acontecer um problema alguém terá descoberto a
solução”, visível na forma com que se abordam problemas de saúde, obesidade,
consumo, lixo eletrônico, esgotamento de recursos e poluição ambiental.
Em alta velocidade há pouco espaço para
a reflexão. Reduzidos a impulsos e reflexos, corremos o risco de deixar para
trás tudo aquilo que nos diferencia das outras espécies.
(Luli Radfahrer. Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luliradfahrer/1191007-o-mito-do-tempo-real.shtml.)
01) O tema de um texto é o seu tópico
central, em torno do qual todas as informações convergem para que o texto tenha
unidade. Em vista desse aspecto, assinale a alternativa que apresenta o tema
sobre o qual o texto versa.
a) A falta de paciência em esperar por
respostas.
b) A dinâmica das interações na contemporaneidade.
c) O excesso de informações disponíveis
no mundo virtual.
d) O esvaziamento das relações humanas
nos dias de hoje.
02)(UTFPR) Analise o uso da crase no
fragmento:
Escondidos seus processos industriais, os produtos adquirem uma aura
quase divina, transformando seus usuários em consumidores vorazes, que se
estapeiam em lojas à procura do último aparelho eletrônico.
Assinale a alternativa em que o emprego
da crase se justifica pelo mesmo uso que no fragmento acima.
a)
Ela ficou parada à espera de uma oportunidade para dar sua opinião.
b)
Os imigrantes sírios voltaram à terra de
seus antepassados.
c)
Todos os funcionários do jornal foram à
Lapa inaugurar a gráfica.
d)
Dirigia-se àquela população como seu
reduto eleitoral.
e)
A placa indicava que era proibido virar à
esquerda nesta rua.
03. (PUC-PR) Leia as sentenças e assinale
o que se pede a seguir.
I. Em 2014, os brasileiros, confiantes e crédulos, saíram a consumir,
como se consumo fosse investimento. E o Estado agora nos convoca à pagar também
suas dívidas, que não são nossas. (Veja. São Paulo: Abril, p.23, 10 jun.2015.
Adaptado).
II. Pode-se dizer que as gerações
da Idade Média falam às gerações atuais por meio das grandes obras de arquitetura
que exprimem a devoção e o espírito da época. (WHITNEY, W. A vida da linguagem.
Petrópolis: Vozes, 2010. p.17).
III. À linguagem é uma expressão destinada a transmissão do pensamento.
IV. O atendimento a gestantes foi suspenso ontem à tarde e a Prefeitura
pouco pode fazer a curto prazo para amenizar a situação.
V. Transmita a cada um dos pacientes às instruções necessárias à
continuidade do tratamento.
O sinal indicativo de crase está
adequadamente empregado na(s) alternativa(s):
a)
IV somente.
b)
I, III e V.
c)
II, III e IV.
d)
I e IV.
e)
II e IV.
04. (Fatec-SP) Assinale a alternativa que
apresenta o correto emprego da crase.
a) Alguns atletas olímpicos irão à São Paulo fazer exames médicos
periódicos.
b) À um ano dos jogos Olímpicos do Rio, é impossível adquirir alguns
ingressos.
c) Nossos atletas, à partir dessa semana, serão submetidos a novos
treinamentos.
d) Nenhum atleta dessa delegação pode comer o que deseja o tempo
todo, à vontade.
e) A homenagem à João Carlos de Oliveira, o João do Paulo, resgata a
nossa história olímpica.
05. (Acafe-SC) Assinale a alternativa correta
quanto ao acento indicador da crase.
a) Em tempos de doenças transmitidas à seres humanos pelo mosquito Aedes
aegypti, médicos de todo o país dirigem-se à Curitiba para estudar temas
transversais relacionados a dengue, a Chikungunya e ao zika.
b) Convém não confundir a habitação voltada a moradia própria, mesmo que
irregular, com a ação de especuladores, que, às vezes, invadem às áreas de
preservação permanente e vendem até barracos prontos.
c) Temos que aprender à punir com o voto todos os corruptores, da
direita a esquerda, ano a ano, independentemente da cor partidária.
d) Rosamaria recebeu do Juizado Militar a
opção da liberdade vigiada e pôde sair da cadeia, embora a liberação tivesse
fortes limitações como proibição de deixar a cidade, de chegar a casa após as
22h e de trabalhar.
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