sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

CRÔNICA: QUANDO A ESCOLA É DE VIDRO - ADAPTADO DE: RUTH ROCHA - COM GABARITO

 CRÔNICA: QUANDO A ESCOLA É DE VIDRO

                                        Adaptado de Ruth Rocha


       Naquele tempo eu até que achava natural que as coisas fossem daquele jeito. Eu ia pra escola todos os dias de manhã e quando chegava, logo, logo, eu tinha que me meter no vidro.

      É, no vidro! Cada menino ou menina tinha um vidro. O tamanho dependia da classe em que a gente estudava. Se você estava no primeiro ano ganhava um vidro de um tamanho. Se estava no segundo, o vidro era um pouquinho maior. E assim por diante.

       A gente só podia tirar o vidro na hora do recreio ou na aula de educação física. Mas aí a gente já estava desesperado de tanto ficar preso, e começava a correr, a gritar, a bater uns nos outros.

        Se a gente reclamava? Alguns reclamavam. E então os grandes diziam que sempre tinha sido assim; ia ser assim o resto da vida. Uma vez um colega meu disse que existiam lugares onde as escolas não usavam vidro nenhum. Então a professora respondeu que era mentira, que isso era conversa de comunistas. Ou até coisa pior...

         Mas, um dia veio para a minha escola um menino, o Firuli, que parece que era favelado, carente, essas coisas. Aí não tinha vidro pra botar esse menino. Então os professores acharam que não fazia mal, não, já que ele não pagava a escola mesmo...

         Então o Firuli começou a assistir às aulas sem estar dentro do vidro. Ele desenhava melhor, respondia perguntas mais depressa e era muito mais engraçado. Os professores não gostavam nada disso... Nós morríamos de inveja dele, que ficava no bem-bom, de perna esticada.

          Então um dia um menino da minha classe falou que também não ia entrar no vidro. Dona Demência ficou furiosa, deu um coque nele e ele acabou tendo que se meter no vidro. Já no outro dia a coisa tinha engrossado. Oito meninos não queriam saber de entrar nos vidros.

          Dona Demência mandou chamar seu Hermenegildo, o diretor da escola. Ele começou a pegar os meninos e enfiar à força dentro dos vidros. Para cada um que ele enfiava dentro do vidro – já tinha dois fora. Todo mundo começou a correr dele e na correria começamos a quebrar os vidros. E quebramos um, depois outro e outro.

          Os professores das outras classes mandaram ver o que estava acontecendo. Ao saber da farra que estava na 6ª série todo mundo ficou assanhado e começou a sair dos vidros. Na pressa começaram a esbarrar uns nos outros e os vidros começaram a cair e a quebrar.

          Foi um custo botar ordem na escola e o diretor achou melhor mandar todo mundo pra casa. Então eles descobriram que a maior parte dos vidros estava quebrada e que ia ficar muito caro comprar aquela vidraria toda de novo.

          Diante disso seu Hermenegildo pensou um bocadinho, e começou a contar pra todo mundo que em outros lugares tinha umas escolas que não usavam vidro nem nada, e que dava bem certo, as crianças gostavam muito mais. E que de agora em diante ia ser assim: nada de vidro. E que a escola agora ia se chamar Escola Experimental.

          Dona Demência ainda disse timidamente:

          - Mas seu Hermenegildo, Escola Experimental não é bem isso...

         Seu Hermenegildo não se perturbou:

         - Não tem importância. A gente começa experimentando isso. Depois a gente experimenta outras coisas...

         E foi assim que na minha terra começaram a aparecer as Escolas Experimentais.

               Adaptado de: Ruth Rocha. Admirável mundo louco; uns pelos outros; quando a escola é de vidro. Rio de Janeiro: Salamandra, 1986.

Fonte: Livro – Português – 5ª série – Palavra Aberta- Isabel Cabral – Atual Editora- São Paulo, 1995 – p.86-89.

Fonte da imagem acima:https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fwww.slideshare.net%2Fmaristelamafort%2Fescola-de-vidro1%2F2&psig=AOvVaw3D7K8M2JFcC4lF2TZwiZMF&ust=1610819442504000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCNDnsKHAnu4CFQAAAAAdAAAAABAD


Entendendo o texto

        1.   Vamos dividir essa história em três grandes partes.

             A primeira parte mostra como funcionava a escola de vidro.

         A segunda parte mostra a chegada de um novo aluno e as suas diferenças em relação aos demais.

        A terceira parte mostra as consequências da chegada desse novo aluno.

       Agora, você vai identificar onde começa e onde termina cada parte.

      1º Do início até “coisa pior”;

      2º “Mas, um dia, veio [...]” até “perna esticada”;

      3º “Então um dia” até o final.

         2.   Pense e responda:

a)   Onde se passa a história?

Nossa escola.

b)   Quem são as personagens da história?

Os alunos antigos; Firuli, o novo aluno; dona Demência e o diretor.

c)   O narrador também é personagem?

Sim.

3.   Com base no que conta o narrador-personagem, caracterize as seguintes personagens:

a)   Firuli

Menino pobre, com habilidades mais desenvolvidas devido à liberdade que tinha.

b)   Dona Demência

Professora rígida, tradicional.

4.   Imagine-se dentro de um vidro.

a)   Você pode se mexer livremente?

Possivelmente não.

b)   Você pode falar com outras pessoas?

Resposta pessoal.

c)   Como você se sente dentro do vidro?

Resposta pessoal.

5.   Todos nós sabemos que é impossível assistir às aulas dentro de um vidro de verdade.

       a)   Então, o que significa, no texto, os alunos permanecerem “dentro de um vidro”?

Falta de liberdade.

 

       b)   Como seria uma “escola de vidro”? Descreva-a com suas palavras.

  Uma escola sem participação dos alunos, alunos passivos.

 6.   No recreio e na aula de Educação Física, sem os vidros, os alunos corriam, gritavam e se batiam. Por quê?

              Porque não estavam acostumados a ter liberdade.

              7.   Alguns alunos começaram a se recusar a entrar nos vidros.

      a)   O que causou esse fato?

      Firuli não ter de ficar dentro do vidro.

     b)   Qual foi a consequência da recusa dos alunos em entrar nos vidros?

     Uma confusão, na qual os vidros foram quebrados.

 

 

 

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

POEMA: NOME DA GENTE - PEDRO BANDEIRA - COM GABARITO

 POEMA:  Nome da gente


            
        Pedro Bandeira

 

Por que é que eu me chamo isso

e não me chamo aquilo?
Por que é que o jacaré

não se chama crocodilo?



Eu não gosto

do meu nome 
Não fui eu

quem escolheu. 
Eu não sei

por que se metem 
com um nome

que é só meu!


O nenê

que vai nascer 
vai chamar

como o padrinho,

vai chamar

como o vovô, 
mas ninguém

vai perguntar
o que pensa

o coitadinho.


Foi meu pai quem decidiu 
que meu nome fosse aquele. 
Isto só seria justo 
se eu escolhesse

o nome dele.


Quando eu tiver um filho, 
não vou pôr nome nenhum. 
Quando ele for bem grande, 
ele que procure um!

 Pedro Bandeira. Cavalgando o arco-íris. São Paulo: Moderna, 1984.

Livro: Português – 5ª série – Palavra Aberta – Isabel Cabral – Atual Editora – p.47.


ATIVIDADE ESCRITA

Pense e responda:
1) Quem escolheu seu nome?

    Resposta pessoal.

2) Se você não se chamasse ________ que nome gostaria de ter?     

    Resposta pessoal.

3) Qual o assunto principal do poema?

    O poema fala sobre o nome das pessoas.

4) Quem escolheu o nome da pessoa do poema?

     Foi o pai que escolheu o nome.

5) O que o menino diz sobre o seu nome?

     Que não gosta de seu nome, porque não foi ele que escolheu.

6) O que ele vai fazer quando tiver um filho?

     Não vou por nome nenhum.

 

TEXTO: O ALMOÇO - ADAPTADO DE: LYGIA BOJUNGA NUNES (A BOLSA AMARELA) - COM GABARITO

 Texto: O Almoço

      Trouxeram a travessa de bacalhoada e botaram bem na minha frente. A bacalhoada soltava mais fumaça que qualquer chaminé, e a fumaceira passava rentinho do meu nariz.

        Encheram o meu prato. Tomei coragem e falei:

        - Tia Brunilda, a senhora vai me desculpar, mas se tem comida que eu não topo é bacalhau.

      - Bobagem da Raquel, ela gosta sim – o meu pai falou.

      Olhei pra minha mãe e ela fez cara de quem diz: “não cria caso, sim, Raquel?” Vi que ia dar alteração. Então mandei recado pro estômago aguentar firme, e comecei a mastigar devagar. Foi aí que o Alberto se abaixou pra apanhar o guardanapo e gritou:

           - Ih pessoal, vocês já viram o tamanho da bolsa da Raquel? O que é que você carrega aí dentro, hem, Raquel?

           - Nada. Não carrego nada, viu? – respondi já meio afobada. Aí o Alberto falou:

           - Vou espiar essa bolsa, pra ver o que é que ela tem. – Mas disse aquilo cantando. Com a música de “Vou passear na floresta, enquanto seu lobo não vem”.

           Meu coração disparou. Tudo que o Alberto dizia que ia fazer, fazia mesmo.

           - Vou espiar essa bolsa, pra ver o que é que ela tem. – Se levantou da mesa e veio vindo pra perto de mim. Estendia as mãos assim que nem garra de monstrinho, e fazia cada careta horrível.

            O pessoal desatou a rir: Principalmente a tia Brunilda. Ria de chorar. Me levantei, e botei a bolsa atrás de mim. Aí o Alberto começou a me fazer cócega pra ver se eu saía da frente da bolsa. Pra quê! Fiquei na maior chateação:

           - Tia Brunilda, diz pro Alberto parar com isso, sim?

           Ela ria.

           - Vou espiar essa bolsa, pra ver o que é que ela tem. – E toca a fazer cócega.

           Fui pra perto da tia Brunilda:

          - A senhora acha engraçado tudo o que o Alberto faz, não é? Ele pode fazer maior besteira do mundo que a senhora acha graça.

          Minha irmã fechou a cara:

          - Não fala assim com a tia Brunilda.

          - Ela não tá ligando a mínima o que o Alberto faz comigo, por que é que eu vou ligar pra ela?

          - Raquel?

          - Porque vocês tão sempre ligando, é?

          - Não precisa dizer mais nada, Raquel.

          - Vou espiar essa bolsa...

          - Porque vocês tão sempre paparicando ela, é?

          - Raquel, eu disse chega.

          - ...pra ver o que é que ela tem.

          - Porque ela é rica, é?

          - Eu disse chega!

          - Vou espiar essa bolsa...

          - Porque ela tá sempre dando presente, é?

          - Chega!!!

                                                    Adaptado de: Lygia Bojunga Nunes. A bolsa amarela. Rio de Janeiro: Agir, 1979.

Fonte: Livro: Português – 5ª série – Palavra Aberta- Isabel Cabral – Atual Editora – p. 66-68.

Entendendo o texto

      1.   Várias personagens participam do almoço na casa da tia Brunilda.

a)   Quais são as personagens dessa história?

Raquel, Alberto, tia Brunilda, os pais e a irmã de Raquel.

 b)   Quem é a personagem mais importante da história?

Raquel.

2.   O narrador também é personagem?

             Sim. Raquel narra a história.

           3.   Raquel não gostava de bacalhoada.

   a)   Ela conseguiu deixar de comer dessa comida? Por quê?

Não. Sua mãe a repreendeu, dando a entender que haveria problemas sérios se ela não comesse.

 b)   O que você acha de alguém ser obrigado pelos mais velhos a comer o que não gosta?

Resposta pessoal.

4.   Alberto cismou em pegar a bolsa de Raquel para ver o que tinha dentro.

    a)   Como Raquel se sentiu?

Ficou desesperada, seu coração disparou.

 b)   Como você se sentiria se alguém quisesse pegar algo seu, à força, para expor a todo o mundo?

Resposta pessoal.

 c)   Das ações da personagem Alberto, podemos concluir algumas de suas características. Que características são essas?

Desrespeitoso, cruel, provocativo, invasivo.

5.   “O pessoal desatou a rir. Principalmente a tia Brunilda. Ria de chorar.”

   a)   O que você acha da atitude que os adultos tiveram diante do que acontecia com Raquel?

Resposta pessoal.

 b)   Na sua opinião, por que ninguém fez nada para proteger a menina?

Resposta pessoal.

 6.   Sem nenhum apoio, Raquel começa a falar “coisas indesejáveis” para sua família.

    a)   O que ela disse que é “indesejável”? Escreva com suas próprias palavras.

Ela acusou a família de “paparicar” a tia Brunilda porque era rica e dava presentes.

b)   Como a família reagiu ao que Raquel disse?

Impediram-na de continuar a falar.

7.   O “clima” do almoço na casa da tia Brunilda estava calmo ou tenso?

             Tenso.

            8.   O texto termina com alguém gritando “-Chega!!!” para Raquel.

            O que você acha que aconteceu depois disso? Escreva um ou dois parágrafos, finalizando a história.

            Resposta pessoal.

 

 

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

TEXTO: O PRINCIPEZINHO E A RAPOSA - ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY - COM GABARITO

 TEXTO: “O PRINCIPEZINHO E A RAPOSA”


E foi então que apareceu a raposa:
- Bom dia – disse a raposa.
- Bom dia – respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.
- Eu estou aqui disse a voz – debaixo da macieira...
- Quem és tu? Perguntou o principezinho. Tu és bem bonita...
- Sou uma raposa – disse a raposa.
- Vem brincar comigo – propôs o principezinho. Estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo – disse a raposa – não me cativaram ainda.
- Ah! Desculpa – disse o principezinho. Após uma reflexão, acrescentou.
- Que quer dizer “cativar”?
- Tu não és daqui – disse a raposa. – Que procuras?
- Procuro os homens – disse a raposa têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas
também.  É a única coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas?
- Não – disse o principezinho – Eu procuro amigos. Que quer dizer “cativar”?
- É uma coisa muito esquecida – disse a raposa. – Significa “criar laços...”
- Criar laços?
- Exatamente – disse a raposa – Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente
igual  a cem  mil  outros  garotos.  E  eu não  tenho  necessidade  de ti.  E tu não tens também
necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas,
se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu
serei para ti única no mundo...
- Começo a compreender – disse o principezinho – Existe uma flor..., eu creio que ela me
cativou...
- E possível – disse a raposa – Vê se tanta coisa na Terra...


(O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry. São Paulo: Círculo do Livro, 1992)

Fonte: Livro: Português - 5ª série - Palavra Aberta - Isabel Cabral - Atual Editora - p.108-110.


INTERPRETAÇÃO DE TEXTO


1. No início da conversa, o principezinho convida a raposa para brincarem juntos.
a) Como está se sentindo o principezinho?

     Está triste.
b) Por que a raposa recusa o convite do principezinho?

     Porque ainda não foi cativada; não há nada de especial entre os dois.


2) “- Os homens – disse a raposa – têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que eles fazem.”

a) Por que é incômodo para a raposa que os homens tenham fuzis e cacem?

     Porque homens caçam raposas.
b) Por que, para a raposa, é interessante que os homens criem galinhas?

    Porque raposas comem galinhas.


3) Que quer dizer “cativar”?
- É uma coisa muito esquecida – disse a raposa – Significa “criar laços..”
a) O que significa “criar laços”?

     Fazer amizade, estabelecer uma relação.


b) O que a raposa quis dizer com “É uma coisa muito esquecida”?

     Quis dizer que as pessoas não têm o hábito de fazer amigos de verdade.


c) Você concorda com a raposa? Por quê?

     Resposta pessoal.

4) De acordo com a raposa, quando as pessoas se tornam amigas, elas passam a ter necessidade uma da outra?

    Sim.

CRÔNICA: A MENININHA E O GERENTE - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 CRÔNICA: A MENININHA E O GERENTE

                        Carlos Drummond de Andrade


- Não, paizinho, não! Quero ir com você!

- Mas, meu bem, não posso levar você lá. O lugar não é próprio. Não vou demorar nada, só dez minutos. Seja boazinha, fique me esperando aqui.

- Não, não! – a garotinha soluçava. Agarrou-se à calça do pai como quem se agarra a uma prancha no mar. Ele insistia:

- Que bobagem, uma menina da sua idade fazendo um papelão desses!

- Você não volta!

- Volto, ora essa, juro que volto, meu amor.

Prometendo, ele passava o olhar pela rua, impaciente. Ela baixara a cabeça, chorando. Estavam diante da papelaria. O gerente assistia à cena. O homem aproximou-se dele:

- Faz-me o obséquio de tomar conta de minha filha por alguns instantes? Vou a um lugar desagradável e não posso levá-la comigo.

- Mas...

- Quinze minutos no máximo. É ali adiante. Muito obrigado, hein?

E sumiu. A garotinha continuava de olhos baixos, imóvel, dorso da mão esquerda junto à boca. O gerente passou-lhe a mão nos cabelos, de leve.

- Vem cá.

Ela não se mexeu.

- Como é que você se chama? Carmem? Luíza? Marlene?

Como não respondesse, o gerente foi desfiando nomes, sem esperança de acertar. Mas ao dizer “Estela”, a cabecinha moveu-se, confirmando.

- Estela, você sabe que está com um vestido muito bonito?

 

Estela tirou a mão dos olhos, examinou o próprio vestido e não disse nada.

Mas o gelo fora rompido. Daí a pouco o gerente mostrava-lhe a caixa registradora e autorizava-a a marcar uma venda de 200 cruzeiros.

- Olha um gatinho. Ele mora aqui?

- Mora.

- E que nome tem?

- Papel.

- Mentiroso!

- Então pergunte a ele.

O gato acordou, deixou-se afagar e tornou a dormir, desta vez nos braços de Estela.

O gerente olhou o relógio; tinham se passado quinze minutos, o homem não aparecia. “Bonito se ele não vier mais. O que eu vou fazer com esta garotinha, na hora de fechar?”

Tentou lembrar o rosto do desconhecido, impossível. Já pensava em telefonar para a polícia, quando Estela o puxou pela perna:

- Além da máquina e do gatinho, você não tem mais nada para me mostrar?

Ele abarcou com a vista a loja toda e achou-a mal sortida, pobre. “Eu devia ter aberto uma loja de brinquedos, pelo menos um bazar.” Experimentou com Estela o apontador de lápis, o grampeador. E o homem não vinha. “É, não vem mais.” Estela andava de um lado para o outro, dona do negócio. Ele, inquieto.

- Não mexa nas gavetas, filhinha.

- Não sou sua filhinha.

- Desculpe.

- Desculpo se você deixar eu abrir.

- Então deixo.

 

Dentro havia balões, estrelinhas, saldo do último Natal. E ele que não se lembrava daquilo. Estela riu de sua ignorância, e o homem não vinha. O movimento de fregueses declinava. Na calçada, as filas de lotação iam crescendo. Daí a pouco, a noite.

Estela soprou um balão, outro, quis soprar dois ao mesmo tempo. Um estourou. Ela assustou-se. Ele riu.

“Se o homem não aparecesse mais, que bom! Aliás, a cara dele era de calhorda. Ainda bem que me escolheu.” Levaria Estela para casa. A mulher ia estranhar, fariam dela uma filha – a filha que praticamente não tinham mais, pois casara e morava longe, no Peru. E se o pai reclamasse depois? Ora, quem entrega a filha a um estranho, diz que vai demorar quinze minutos, passa uma hora e não volta, merece ter uma filha?

O empregado arriava a cortina de aço quando apareceram duas pernas, um tronco inclinado, uma cabeça.

- Dá licença? Demorei mais do que pensava, desculpe. Muito obrigado ao senhor. Vamos, filhinha?

O gerente virou o rosto, para não ver, mas chegou até ele a despedida de Estela:

- Até logo, homem do balão!

E a filha mais longe ainda, no Peru.

 

(DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Para gostar de ler, v.3. São Paulo. Ática, 1979.)

Fonte: Livro: Português  5ª Série – Palavra Aberta – Isabel Cabral. Atual Editora,1995, p.187-190.

Fonte da imagem:https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fbr.pinterest.com%2Fpin%2F775745104543302184%2F&psig=AOvVaw2VUZuqgakwrbuu62cxNiLA&ust=1610653952733000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCLjqldjXme4CFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo o texto

1.   Podemos dividir o texto em cinco partes. Leia a frase que resume os acontecimentos de cada parte e diga onde começa e onde termina cada uma.

1ª parte: O pai não pode levar a filha aonde vai.

Do início até “meu amor”.

         2ª parte: O pai deixa a filha com o gerente.

         De “Prometendo” até “sumiu”.

         3ª parte: O gerente tenta aproximar-se da menina.

        De “A garotinha” até “disse nada”.

       4ª parte: A menina e o gerente tornam-se bons companheiros.

        De “Mas o gelo” até “ter filha”.

       5ª parte: O pai retorna.

       De “O empregado” até o final.

2.   Quais são as personagens dessa história?

A menina, o gerente e o pai da menina.

3.   Dê as características da personagem gerente. Baseie-se em suas ações e em pensamentos mostrados pelo texto.

Honesto, sonhador, etc.

4.   Onde aconteceu a história?

Numa papelaria.

5.   Vamos observar o tempo da história.

a)   Essa história acontece nos dias de hoje ou em um passado mais distante? Por quê?

Nos dias de hoje. Existe a presença de elementos como “grampeador”, por exemplo.

b)   Quanto tempo, aproximadamente, a menina fica com o gerente? Algumas horas? Um dia? Vários dias?

Cerca de uma hora.

6.   O narrador da história também é personagem?

                 Não.

7.   O gerente “abarcou com a vista a loja toda e sentiu-a mal sortida, pobre”.

a)   A loja realmente era pobre ou o gerente considerou-a pobre por causa da menina?

Considerou pobre por causa da menina. Não havia artigos que pudessem interessar a uma criança.

b)   Com que coisas da loja Estela se distraiu?

Com o gato, o apontador, o grampeador, os balões e as estrelinhas.

c)   O gerente queria agradar Estela?

Sim.

8.   Um determinado fato preocupou o gerente.

a)   Que fato o preocupa?

O pai da menina começa a demorar.

b)   Podemos afirmar que, à medida que o tempo passa, a preocupação do gerente se transforma em desejo? Que desejo?

Sim. Ele começa a desejar que o pai da menina não volte para poder “adotá-la”.

9.   Quando o pai de Estela chegou para leva-la embora, o gerente ficou contente? Como ele se sentiu? Retire um trecho do texto que comprove a sua resposta.

             Não. Ele ficou triste, meio frustrado. “O gerente virou o rosto, para não ver [...]”.

domingo, 10 de janeiro de 2021

SONETO: SUAVE MARI MAGNO - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 SONETO: Suave Mari Magno

                     Machado de Assis

Lembra-me que, em certo dia,

Na rua, ao sol do verão,

Envenenado morria

Um pobre cão.

 

Arfava, espumava e ria,

De um riso espúrio e bufão,

Ventre e pernas sacudia

Na convulsão.

 

Nenhum, nenhum curioso

Passava, sem se deter,

Silencioso,

 

Junto ao cão que ia morrer,

Como se lhe desse gozo,

Ver padecer.

 Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=http%3A%2F%2Fwww.literatura-brasileira.com%2F2015%2F09%2Fsuave-mari-magno.html&psig=AOvVaw1MmuBxafTIeDg336JOFgJQ&ust=1610367351832000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCKDw1YSske4CFQAAAAAdAAAAABAD

Glossário:

Espúrio: não genuíno, ilegítimo, ilegal, falsificado.

 

Entendendo o poema

 1.   Que paradoxo o poema aponta nas reações do cão envenenado?

Ao mesmo tempo em que ‘arfava’, ‘espumava’ e ‘sacudia o ventre e as pernas’ – reações esperadas no caso de um animal em convulsão causada pelo veneno -, o cão, surpreendentemente, ‘ria’ ‘um riso espúrio e bufão’.

2.   Por que se pode afirmar que os passantes, diante dele, também agem de forma paradoxal?

Pode-se afirmar que os passantes também agem de forma paradoxal porque seria de se esperar deles algum compadecimento diante do animal. No entanto, o que se nota é que ‘todo’ passante detinha-se, em silêncio, com quem experimenta um prazer ao observar o padecimento do animal que ia morrer.

 3.   Em vista dessas reações paradoxais, justifique o título do poema.

O título do poema indica o sentimento de prazer dos passantes que se comportam como se estivessem imunes ao sofrimento de que padece o cão, muito embora ninguém esteja livre da dor e da morte.

Por isso, o riso espúrio e bufão do animal agonizante parece assinalar a ironia diante dessa pretensa isenção por parte daqueles que o observam com perversa curiosidade.

4.   A maioria das palavras empregadas é de substantivos concretos? Isso determina que o texto é figurativo ou abstrato?

O texto é figurativo, pois faz uso de vários substantivos concretos. É um texto que representa o mundo.

5.   Há presença de paradoxos no texto de Machado de Assis?

Utiliza-se da figura de um cão para analisar as ações humanas e seus acontecimentos. São vários os substantivos concretos que denotam as reações paradoxais do cão: dia, rua, sol de verão, cão, riso, ventre, pernas, convulsão. Tais elementos determinam o paradoxo que consiste na coexistência da dor com o riso no momento da morte.

6.   Qual a reação dos curiosos que passavam por ali?

Concomitantemente, os curiosos que por ali passavam também agiam de forma paradoxal, pois se detinham junto ao cão, silenciosamente, em atitude contemplativa que sugere muita atenção. O paradoxo, nesse caso, consiste no prazer diante da dor alheia.

7.   O que se pode concluir da análise do poema?

O eu lírico faz uso de vários substantivos concretos para criar uma atmosfera abstrata que traduz uma alegoria em que a dor de um cão moribundo desperta prazer nos passantes. A dor alheia causa prazer porque quem a contempla não a está sentindo.

 

 

sábado, 9 de janeiro de 2021

POEMA: IGNIÇÃO - ANTÔNIO OSÓRIO - COM GABARITO

 POEMA: Ignição

                           Antônio Osório

Meus versos, desejo-vos na rua,
nas padiolas, pelo chão, encardidos
como quem ganha com eles a vida,
e o papel vá escurecendo ao sol,
a chuva o manche, a capa
ganhe dedadas, a companhia
aderente de um insecto,
as palavras se humildem mais
e chegue a sua vez de comoverem alguém
que compre, um faminto ajudando.

Meus versos, desejo-vos nas bibliotecas
itinerantes, gostaríeis de viajar
por aldeias, praias, escolas primárias,
despertar o rápido olhar das crianças,
estar nas suas mãos
completamente indefeso
e, sobretudo, que não vos compreendam.
Oxalá escrevam, risquem, atirem no recreio
umas às outras como pélas os livros
e sonhem, se possível, com algum verso
que súbito se esgueire pela sua alma.

António Osório, in 'Décima Autora'

https://www.citador.pt/poemas/ignicao-antonio-osorio

 Entendendo o poema

1)   A quem o eu lírico se dirige no início de cada estrofe?

O uso da segunda pessoa do plural (desejo-vos) indica que o eu lírico dirige-se inicialmente aos seus próprios versos por meio do vocativo.

2)   No início da segunda estrofe, que reações contraditórias ele espera das crianças?

A partir do início da segunda estrofe, o eu lírico manifesta desejo de que as crianças sejam leitores de seus versos, que tenham curiosidade por eles e, contraditoriamente, que tais versos não sejam por elas compreendidos.

3)   Ao final da segunda estrofe, que desejo ele manifesta a respeito do futuro da poesia?

No final da segunda estrofe o eu lírico expressa seu desejo de despertar nas crianças a inspiração e o gosto pela poesia, para que ela, se possível, deem continuidade à arte de fazer poesias.

4)   Que sugere o título “Ignição”, após a leitura do poema?

Sugere que o eu lírico através dos versos seriam a “ignição” nas almas das crianças, os futuros poetas.