terça-feira, 28 de julho de 2020

CRÔNICA: UM SONHO DE SIMPLICIDADE - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

Crônica: Um sonho de simplicidade       

                  Rubem Braga

        Então, de repente, no meio dessa desarrumação feroz da vida urbana, dá na gente um sonho de simplicidade. Será um sonho vão? Detenho-me um instante, entre duas providencias a tomar, para me fazer essa pergunta. Por que fumar tantos cigarros? Eles não me dão prazer algum; apenas me fazem falta. São uma necessidade que inventei. Por que beber uísque, por que procurar a voz de mulher na penumbra ou amigos no bar para dizer coisas vãs, brilhar um pouco, saber intrigas?

        Uma vez, entrando numa loja para comprar uma gravata, tive de repente um ataque de pudor, me surpreendendo assim, a escolher um pano colorido para amarrar ao pescoço.

        A vida poderia ser mais simples. Precisamos de uma casa, comida, uma simples mulher, que mais? Que se possa andar limpo e não ter fome, nem sede, nem frio. Para que beber tanta coisa gelada? Antes eu tomava água fresca da talha, e a água era boa. E quando precisava de um pouco de evasão, meu trago de cachaça.

        Que restaurante ou boate me deu o prazer que tive na choupana daquele velho caboclo no Acre? A gente tinha ido pescar no rio, de noite. Puxamos a rede afundando os pés na lama, na noite escura, e isso era bom. Quando ficamos bem cansados, meio molhados, com frio, subimos a barranca, no meio do mato, e chagamos à choça de um velho seringueiro. Ele acendeu um fogo, esquentamos um pouco junto do fogo, depois me deitei numa grande rede branca – foi um carinho ao longo de todos os músculos cansados. E então ele me deu um pedaço de peixe moqueado e meia caneca de cachaça. Que prazer em comer aquele peixe, que calor bom em tomar aquela cachaça e ficar algum tempo a conversar, entre grilos e vozes distantes de animais noturnos.

        Seria possível deixar essa eterna inquietação das madrugadas urbanas, inaugurar de repente uma vida de acordar bem cedo? Outro dia vi uma linda mulher, e senti um entusiasmo grande, uma vontade de conhecer mais aquela bela estrangeira: conversamos muito, essa primeira conversa longa em que a gente vai jogando um baralho meio marcado, e anda devagar, como a patrulha que faz um reconhecimento. Mas por que, para que, essa eterna curiosidade, essa fome de outros corpos e outras almas?

        Mas para instaurar uma vida mais simples e sábia, então seria preciso ganhar a vida de outro jeito, não assim, nesse comércio de pequenas pilhas de palavras, esse ofício absurdo e vão de dizer coisas, dizer coisas… Seria preciso fazer algo de sólido e de singelo; tirar areia do rio, cortar lenha, lavrar a terra, algo de útil e concreto, que me fatigasse o corpo, mas deixasse a alma sossegada e limpa.

        Todo mundo, com certeza, tem de repente um sonho assim. É apenas um instante. O telefone toca. Um momento! Tiramos um lápis do bolso para tomar nota de um nome, um número… Para que tomar nota? Não precisamos tomar nota de nada, precisamos apenas viver – sem nome, nem número, fortes, doces, distraídos, bons, como os bois, as mangueiras e o ribeirão.

Rubem Braga

Entendendo a crônica:

01 – No texto, o narrador:

a)   Questiona o artificialismo do convívio social.

b)   Revela-se cauteloso na defesa de um outro estilo de vida.

c)   Cobra do ser humano uma atitude em face da vida que coincide com o Carpe Diem.

d)   Estabelece proximidade entre o viver urbano e o viver rural.

e)   Requer da sociedade uma postura mais solidária no convívio social.

02 – “Um sonho de simplicidade”, para o narrador, seria ter uma vida:

a)   Ligada aos bens / riquezas materiais.

b)   Despojada, cuidando tão-somente de um viver filantrópico.

c)   Em que o relacionamento entre as pessoas atendesse a convenções.

d)   Em que a atividade física fosse intensa e servisse de bálsamo para a alma

e)   De evasão ara um mundo de sonhos, em detrimento do mundo real.

03 – O narrador:

a)   No primeiro parágrafo, afirma a inutilidade de sonhar com outras formas de viver.

b)   No segundo parágrafo, revela uma consciência crítica do seu comportamento urbano.

c)   No terceiro parágrafo, põe em destaque a necessidade de afeto no relacionamento humano.

d)   No quarto parágrafo, enfatiza as dificuldades que o homem enfrenta na vida rural.

e)   No penúltimo parágrafo, apresenta a quebra da rotina da vida como inviável.

04 – A alternativa cujo fragmento apresenta a mesma ideia do narrador no parágrafo final é:

a)   “Os livros são objetos transcendentes / mas podemos amá-los do amor táctil”.

b)   “Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso / (É, sem dúvida, sobretudo o verso) / É o que pode lançar mundos no mundo”.

c)   “Caminhando contra o vento / sem lenço, sem documento / No sol de quase dezembro / Eu vou”.

d)   “Enquanto os homens exercem seus podres poderes / Índios e padres e bichos, negros e mulheres / E adolescente / Fazem o carnaval”.

e)   “Sei que a arte é irmã da ciência / Ambas filhas de um Deus fugaz / Que faz num momento e o mesmo momento desfaz”.

05 – Em seu sonho de simplicidade, o autor idealiza sobretudo:

a)   Uma depuração maior no seu estilo de escrever, marcado por excessivo refinamento.

b)   As pequenas necessidades da rotina, que cada um de nós cria inconscientemente.

c)   Uma relação mais direta e vital do homem com os demais elementos da natureza.

d)   O aperfeiçoamento do espírito, por meio de reflexões constantes e disciplinadas.

e)   A paixão ingênua que pode nascer com a voz de uma mulher na penumbra.

06 – Considere as seguintes afirmações:

I – O autor condiciona a conquista de uma vida mais simples à possibilidade de viver sem precisar produzir nada, sem executar qualquer tipo de trabalho, afora o da pura imaginação.

II – Alimentar um tal sonho de simplicidade é, na perspectiva do autor, uma característica exclusiva dos escritores que não mantém relações mais concretas com o mundo.

III – Cigarros, gravatas e telefones são elementos utilizados pelo autor para melhor concretizar o mundo que representa uma antítese ao seu sonho de simplicidade.

Em relação ao texto, está correto SOMENTE o que se afirma em:

a)   I.

b)   II.

c)   III.

d)   I e II.

e)   II e III.

07 – Na frase: “Mas, para instaurar uma vida mais simples e sábia, seria preciso ganhar a vida de outro jeito, não assim, nesse comércio de pequenas pilhas de palavras, esse ofício absurdo e vão de dizer coisas, dizer coisas...”. O autor:

a)   Ressalta, com a repetição de dizer coisas, a importância de seu trabalho de escritor, pelo qual revela aos outros as verdades mais profundas.

b)   Justifica com a expressão comércio de pequenas pilhas de palavras a visão depreciativa que tem de seu próprio ofício.

c)   Apresenta como consequência de instaurar uma vida mais simples e sábia o fato de ganhar a vida de outro jeito.

d)   Utiliza a expressão não assim para apontar uma restrição à vida que seria preciso ganhar de outro jeito.

e)   Se vale da expressão ofício absurdo e vão para menosprezar o trabalho dos escritores que se recusam a profissionalizar-se.

08 – A grafia de TODAS as palavras está correta na frase apresentada na alternativa:

a)   A proposta do texto soa extravagante para quem não apreciar uma vida simples e natural.

b)   A sujeição a velhas manias impede que se possa adotar comportamentos inovadores.

c)   A vida displicente do homem moderno impõe um ritmo insano à rotina urbana.

d)   A vida mais próxima da Natureza resgata a simplicidade, que empecilhos de toda ordem nos impedem de desfrutar.

e)   A vida natural exclue, é obvio, os desvalores que encluímos no nosso dia-a-dia.

09 – No fragmento retirado do texto de Rubem Braga “Sem nome, nem número, fortes, doces, distraídos, bons, como os bois, as mangueiras e o ribeirão”, o emprego da vírgula se justifica por:

a)   Isolar adjunto adverbial quando antecipado na frase.

b)   Destacar termos com função sintática diversa.

c)   Enfatizar palavras repetidas ainda que necessárias.

d)   Destacar as funções de vocativo e de aposto.

e)   Separar termos que exercem a mesma função sintática.

10 – A alternativa que contém uma palavra formada exatamente pelo mesmo processo pelo qual se obteve “seringueiro” é:

a)   Cigarros.

b)   Desarrumação.

c)   Penumbra.

d)   Reconhecimento.

e)   Simplicidade.

 

 


sexta-feira, 24 de julho de 2020

MÚSICA(ATIVIDADES): LUÍZA - TOM JOBIM - COM QUESTÕES GABARITADAS

Música(Atividades): Luíza

                                                     Tom Jobim

Rua
Espada nua
Boia no céu imensa e amarela
Tão redonda a Lua
Como flutua
Vem navegando o azul do firmamento
E no silêncio lento
Um trovador, cheio de estrelas
Escuta agora a canção que eu fiz
Pra te esquecer, Luiza
Eu sou apenas um pobre amador
Apaixonado
Um aprendiz do teu amor
Acorda amor
Que eu sei que embaixo desta neve mora um coração

Vem cá, Luiza
Me dá tua mão
O teu desejo é sempre o meu desejo
Vem, me exorciza
Dá-me tua boca
E a rosa louca
Vem me dar um beijo
E um raio de Sol
Nos teus cabelos
Como um brilhante que partindo a luz
Explode em sete cores
Revelando então os sete mil amores
Que eu guardei somente pra te dar Luiza
Luíza
Luíza

Composição: Antônio Carlos Jobim.

Entendendo a canção:

01 – Indique a opção que apresenta uma afirmação correta:

a)   Antônio Carlos Jobim apresenta grandes influências da literatura ocidental em seus versos, já que os mesmos são inspirados na produção poética Greco-parnasiana.

b)   Esta é uma composição escrita nos moldes camonianos de Os Lusíadas, que descreve a paisagem, a fauna e flora, os costumes e tradições do indianismo.

c)   O autor Antônio Carlos Jobim, sofre a forte influência poética de Lord Byron e Musset, que também é conhecida como influência da Geração de Orpheu.

d)   O lirismo amoroso constitui a fonte de todo o lirismo europeu e, consequentemente, brasileiro, percebendo-se a sua influência ainda hoje, como vemos nesta canção de Antônio Carlos Jobim.

02 – De que fala esta canção?

      O fio condutor é o amor não correspondido.

03 – Que verso expõe a frieza de Luíza?

      “Eu sei que embaixo dessa neve mora um coração”.

04 – O que o eu lírico diz neste verso: “O teu desejo é sempre o meu desejo”?

      O eu lírico diz que ainda não tem vontades próprias já que o desejo de Luíza é sempre o desejo dele.

 


POEMA: O FERRAGEIRO DE CARMONA - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

Poema: O Ferrageiro de Carmona    

                 João Cabral de Melo Neto

Um ferrageiro de Carmona
que me informava de um balcão:
«Aquilo? É de ferro fundido,
foi a fôrma que fez, não a mão.

Só trabalho em ferro forjado
que é quando se trabalha ferro;
então, corpo a corpo com ele,
domo-o, dobro-o, até o onde quero.

O ferro fundido é sem luta,
é só derramá-lo na fôrma.
Não há nele a queda-de-braço
e o cara-a-cara de uma forja.

Existe grande diferença
do ferro forjado ao fundido;
é uma distância tão enorme
que não pode medir-se a gritos.

Conhece a Giralda em Sevilha?
De certo subiu lá em cima
Reparou nas flores de ferro
dos quatro jarros das esquinas?

Pois aquilo é ferro forjado.
Flores criadas numa outra língua.
Nada têm das flores de fôrma
moldadas pelas das campinas.

Dou-lhe aqui humilde receita,
ao senhor que dizem ser poeta:
o ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ter diarreia.

Forjar: domar o ferro à força,
não até uma flor já sabida,
mas ao que pode até ser flor
se flor parece a quem o diga.

                           João Cabral de Melo Neto, in 'Serial e Antes, A Educação pela Pedra e Depois, Rio de Janeiro, 1997'

Entendendo o poema:

01 – O poema mostra:

(F) O fazer poético como um processo racional, fundamentado em modelos preexistentes.

(F) A relação criador-criatura enfocada sob uma perspectiva irônica.

(V) Uma analogia entre o ofício do ferrageiro e o do poeta.

(V) A “flor” forjada como exemplo de obra de arte criativa.

(F) A criação da poesia como um processo cuja marca é a fluência das palavras, sem controle seletivo.

(V) A verossimilhança, o efeito de verdade na obra de arte, ligada à ação persuasiva do artefato sobre objeto natural.

(V) A ação de forjar ligada à marca da pessoalidade no processo criativo, contrapondo-se ao plano do fundir, cuja marca é a ausência do sujeito.

02 – João Cabral de Melo Neto, mais conhecido como o “poeta das simetrias”, apresenta um texto exato e extremamente racionalizado. Em seus poemas, rompe com o mito da poesia de inspiração, pois prega que a poesia não está no sentimento do poeta ou mesmo na beleza dos fatos, mas na organização do texto, no rigor de sua construção. Com base no poema, analise as afirmativas a seguir:

I – O poema é construído a partir de oposições semânticas, como a que existe entre “ferro forjado” e “ferro fundido”.

II – O eu lírico valoriza o trabalho com ferro fundido e desqualifica o com ferro forjado.

III – O poema se utiliza da metáfora do trabalho do ferreiro para falar do fazer poético.

É correto o que se afirma em:

a)   Apenas I.

b)   Apenas II.

c)   I e III.

d)   Apenas a III.

03 – De que se trata o poema?

      Fala do ato de criação do fazer poético.

04 – O poeta recorre a que comparação para ilustrar sua fala?

      Ele recorre à comparação do ato de forjar o metal e o ato de engendrar as palavras.

05 – Que palavras o eu lírico usa que revela-se como autoritário, firme e austero o ato de escrever?

      Ferro, forjado, fundido.

06 – Para reproduzir a labuta do ato criativo o eu lírico recorre a quê advérbios?

      Corpo a corpo, cara a cara, a gritos, a mão.

 


POEMA: À TELEVISÃO - JOSÉ PAULO PAES - COM GABARITO

Poema: À televisão             

           José Paulo Paes


Teu boletim meteorológico

me diz aqui e agora

se chove ou se faz sol.

Para que ir lá fora?

 

A comida suculenta

que pões à minha frente

como-a toda com os olhos.

Aposentei os dentes.

 

Nos dramalhões que encenas

há tamanho poder

de vida que eu próprio

nem me canso em viver.

 

Guerra, sexo, esporte

-- me dás tudo, tudo.

Vou pregar minha porta:

já não preciso do mundo.

  PAES, J. P. Prosas seguidas de odes mínimas. São Paulo. Companhia das Letras, 1992.

Entendendo o poema:

01 – No poema, à televisão é humanizada, assumindo o papel de interlocutor do eu poético, Identifique o elemento linguístico que melhor caracteriza essa humanização e transcreva um verso em que ele apareça.

      O uso da segunda pessoa gramatical.

      Um dentre os versos: Teu boletim meteorológico / que pões à minha frente / nos dramalhões que encenas / me dás tudo, tudo.

02 – Indique o tema geral do poema e explique como ele é abordado criticamente por José Paulo Paes.

      O tema geral é a sociedade do espetáculo ou a presença da tecnologia na vida do homem.

      No texto a televisão representa esse tem geral, simbolizando a solidão humana.

 


POEMA: VIDA MENOR - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

Poema: Vida menor

          Carlos Drummond de Andrade

A fuga do real,

ainda mais longe a fuga do feérico,

mais longe de tudo, a fuga de si mesmo,

a fuga da fuga, o exílio

sem água e palavra, a perda

voluntária de amor e memória,

o eco

já não correspondendo ao apelo, e este fundindo-se,

a mão tornando-se enorme e desaparecendo

desfigurada, todos os gestos afinal impossíveis,

senão inúteis, a desnecessidade do canto, a limpeza

da cor, nem braço a mover-se nem unha crescendo.

Não a morte, contudo.

 

Mas a vida: captada em sua forma irredutível,

já sem ornato ou comentário melódico,

vida a que aspiramos como paz no cansaço

(não a morte)

vida mínima, essencial; um início; um sono;

menos que terra, sem calor; sem ciência nem ironia;

o que se possa desejar de menos cruel: vida

em que o ar, não respirando, mais envolva;

nenhum gasto de tecidos; ausência deles;

confusão entre manhã e tarde, já sem dor,

porque o tempo não mais se divide em sessões; o tempo

elidido, domado.

Não o morto nem o eterno ou o divino,

apenas o vivo, o pequenino, calado, indiferente

e solitário vivo.

Isso eu procuro.

                                   ANDRADE, Carlos Drummond de. In: Antologia poética. Rio de Janeiro: Record, 1993, p. 234-5.

Entendendo o poema:

01 – De acordo com o ideal de vida do sujeito poético, a existência humana:

(V) Deve ser simples e desapegada de valores materiais.

(F) Constitui-se um breve espaço da vida humana marcada pela vulgaridade.

(F) Tem seu verdadeiro sentido quando associada à realidade sobrenatural e divina.

(V) Deve estar isenta da preocupação com a passagem do tempo, eliminando, assim, as angústias do homem.

(V) Deve ser desvinculada de envolvimentos com a realidade social.

02 – O poema apresenta:

(V) Enumeração e reiteração de ideias, visando à expressividade.

(V) Funções emotiva e poética da linguagem.

(V) Liberdade formal.

(F) Temática de caráter social, representando bem uma arte engajada.

(F) Uma linguagem referencial, daí a objetividade no enfoque do tema.

03 – O título do poema pode ser usado como uma categoria antropológica, para quê?

      Para pensar as condições da subjetividade, em um ambiente de elevada representação histórica.


POEMA: O SERTANEJO FALANDO - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

Poema: O Sertanejo Falando

             João Cabral de Melo Neto

A fala a nível do sertanejo engana:
as palavras dele vêm, como rebuçadas
(palavras confeito, pílula), na glace
de uma entonação lisa, de adocicada.
Enquanto que sob ela, dura e endurece
o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
incapaz de não se expressar em pedra.


Daí porque o sertanejo fala pouco:
as palavras de pedra ulceram a boca
e no idioma pedra se fala doloroso;
o natural desse idioma fala à força.
Daí também porque ele fala devagar:
tem de pegar as palavras com cuidado,
confeitá-la na língua, rebuçá-las;
pois toma tempo todo esse trabalho.

                               (A educação pela pedra, 1962-1965). Fonte: www.academia.org.br O Sertanejo Falando (João Cabral de Melo Neto)

Entendendo o poema:

01 – É possível observar no poema a ocorrência de suas funções da linguagem, que são:

a)   Referencial e poética.

b)   Fática e poética.

c)   Poética e metalinguística.

d)   Emotiva e metalinguística.

02 – O poema nos revela que realidade?

      A realidade de um meio ambiente específico, da terra da educação pela pedra, terra em que “de nascença a pedra entranha a alma”, terra do martírio dos apedrejados pelas forças da natureza e pelas leis pedregosas da história.

03 – No verso: “As palavras dele vêm como rebuçadas”, o que o eu lírico quis dizer?

      Que a língua imposta é insuficiente e inadequada como instrumentos de expressão e comunicação no seu verdadeiro mundo, e por isso ele não quer obedecer às fronteiras que essa língua lhe impõe.

04 – Em que verso o eu lírico diz que é incapaz de se expressar nessa língua sem sofrer?

      “As palavras de pedra ulceram a boca”.

05 – Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes afirmações sobre o poema.

(F) O eu lírico do poema é o próprio sertanejo que reflete sobre sua forma de falar.

(V) A ideia dos quatro primeiros versos da primeira estrofe é retomada nos quatro últimos da segunda; neles é descrita a melodia aparentemente doce da fala do sertanejo.

(V) Os quatro últimos versos da primeira estrofe estão relacionados aos quatro primeiros da segunda; neles é descrita a essência rude do falar sertanejo.

(F) O sertanejo falando opõe-se aos demais poemas de A educação pela pedra; nele João Cabral de Melo Neto apresenta um rigor formal, uma preocupação com a estrutura do poema, ausente no restante do livro.

A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:

a)   V – V – V – F.

b)   F – V – F – V.

c)   V – F – V – V.

d)   F – F – F – V.

e)   F – V – V – F.

06 – Esse poema consta na primeira parte de A educação pela pedra, considerada pelo autor sua obra máxima. Depois de uma leitura atenta, responda:

a)   Qual o contraste entre a busca da palavra e o resultado sua execução na boca do sertanejo?

A busca da palavra pelo sertanejo é, segundo o poema, um processo árduo: “As palavras de pedra ulceram a boca / o natural desse idioma fala à força”. No que se refere a sua execução na boca do sertanejo, “as palavras vêm, como rebuscadas (...), na glace / de uma entonação lisa, de adocicada”, as palavras enganam e parecem mais soltas e espontâneas do que realmente são. Dessa forma, o contraste entre a busca áspera e o resultado na execução aparentemente suave da língua pelo sertanejo fica evidente.

b)   A que se refere, no texto, a palavra ela, no primeiro verso da segunda estrofe? Justifique sua resposta.

No primeiro verso da segunda estrofe, a palavra refere-se à fala do sertanejo que, segundo o eu lírico, engana por parecer lisa e adocicada, quando é, na verdade, ao natural, “falada à força”. Trata-se de um pronome pessoal utilizado como elemento anafórico.

 





CRÔNICA: SONDAGEM - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

Crônica: SONDAGEM

            Carlos Drummond de Andrade

       O carteiro, conversador amável, não gosta de livros. Tornam pesada a carga matinal, que na sua opinião, e dado o seu nome burocrático, devia constituir-se apenas de cartas. No máximo algum jornalzinho leve, mas esses pacotes e mais pacotes que o senhor recebe, ler tudo isso deve ser de morte!

      Explico-lhe que não é preciso ler tudo isso, e ele muito se admira:

      -- Então o senhor guarda sem ler? E como é que sabe o que tem no miolo?

        -- Em primeiro lugar, Teodorico, nem sempre eu guardo. Às vezes dou aos amigos, quando há alguma coisa que possa interessar a eles.

        -- Mas como sabe que pode interessar, se não leu?

        Esclareço a Teodorico que não leio de ponta a ponta, mas sempre abro ao acaso, leio uma página ou umas linhas, passo os olhos no índice, e concluo.

        Meu crédito diminui sensivelmente a seus olhos. Não lhe passaria pela cabeça receber qualquer coisa do correio sem ler inteirinha.

        -- Mas, Teodorico, quando você compra um jornal se sente obrigado a ler tudo que está nele?

        -- Aí é diferente. Eu compro o jornal para ver os crimes, o resultado do seu-talão-vale-um-milhão etc. Leio aquilo que me interessa.

        -- Eu também leio aquilo que me interessa.

        -- Com o devido respeito, mas quem lhe mandou o livro desejava que o senhor lesse tudinho.

        -- Bem, faz-se o possível, mas...

        -- Eu sei, eu sei. O senhor não tem tempo.

        -- É.

        -- Mas quem escreveu, coitado! Esse perdeu o seu latim, como se diz.

        -- Será que perdeu? Teve satisfação em escrever, esvaziou a alma, está acabado.

        A ideia de que escrever é esvaziar a alma perturbou meu carteiro, tanto quanto percebo em seu rosto magro e sulcado.

        -- Não leva a mal?

        -- Não levo a mal o quê?

        -- Eu lhe dizer que nesse caso carece prestar mais atenção ainda nos livros, muito mais! Se um cidadão vem à sua casa e pede licença para contar um desgosto de família, uma dor forte, dor-de-cotovelo, vamos dizer assim, será que o senhor não escutava o lacrimal dele com todo o acatamento?

        -- Teodorico, você está esticando demais o meu pensamento. Nem todo livro representa uma confissão do autor, ainda ontem você me trouxe uma publicação do Itamaraty sobre o desenvolvimento da OPA, que drama de sentimento há nisso?

        -- Bem, nessas condições...

        -- E depois, no caso de ter uma dor moral, escrevendo o livro o camarada desabafa, entende? Pouco importa que seja lido ou não, isso é outra coisa.

        Ficou pensativo; à procura de argumento? Enquanto isso, eu meditava a curiosidade de um carteiro que se queixa de carregar muitos livros e ao mesmo tempo reprova que outros não os leiam integralmente.

        -- Tem razão. Não adianta mesmo escrever.

        -- Como não adianta? Lava o espírito.

        -- No meu fraco raciocínio, tudo é encadeado neste mundo. Ou devia ser. Uma coisa nunca acontece sozinha nem acaba sozinha. Se a pessoa, vamos dizer, eu, só para armar um exemplo, se eu escrevo um livro, deve existir um outro - o senhor, numa hipótese - para receber e ler esse livro. Mas se o senhor não liga a mínima, foi besteira eu fazer esse esforço, e isso é o que acontece com a maioria, estou vendo.

        -- Teodorico! você... escreveu um livro?

        Virou o rosto.

        -- De poesia, mas agora não adianta eu lhe oferecer um exemplar. Até segunda, bom domingo para o senhor.

        -- Escute aqui, Teodorico...

        -- Bem, já que o senhor insiste, aqui está o seu volume, não repare os defeitos, ouviu? Esvaziei bastante a alma, tudo não era possível!

(Fonte: ANDRADE, Carlos Drummond de. Sondagem. In: WERNECK, Humberto (Org.). Boa companhia: crônicas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p.31-33.)

Entendendo a crônica:

01 – O carteiro questionou o narrador sobre o fato de esse não ler todos os livros que recebe, por quê?

a)   Se admirava da capacidade de leitura do narrador.

b)   Se queixava de ter que carregar o peso dos livros.

c)   Queria convencer o narrador a ler o seu livro.

d)   Queria saber se alguém lia tantos livros.

02 – Em qual frase está expressa uma opinião do narrador?

a)   “O carteiro, conversador amável, não gosta de livros”.

b)   “Esclareço a Teodorico que não leio de ponta a ponta...”.

c)   “Explico-lhe que não é preciso ler tudo isso...”.

d)   “... leio uma página ou umas linhas...”.

03 – A crônica inicia-se com a seguinte consideração do narrador. “O carteiro, conversador amável, não gosta de livro”. Explique como isso entra em contradição no final da crônica.

      No final da crônica contradiz essa afirmação, porque é revelado que o carteiro havia escrito um livro de poesias.

04 – O autor faz parte da situação narrada ou está como observador, de fora?

      Ele é narrador-personagem, pois ele participa da história e a conta na 1ª pessoa.

05 – Explique o período a seguir, tendo em vista o assunto tratado no texto: “Meu crédito diminui sensivelmente a seus olhos”.

      Significa que a boa reputação de leitor do narrador diminuiu bastante diante do carteiro Teodorico.

06 – No trecho: “Teodorico, você está esticando demais seu pensamento”, a expressão em destaque pode ser interpretado como:

      Ele está querendo muitas explicações sobre o porquê do autor não ler os livros.

07 – Ao longo do texto, percebemos que o narrador e o carteiro possuem posturas diferentes quanto à leitura de livros.

a)   Retire do texto um argumento utilizado pelo narrador na tentativa de convencer Teodorico de que mesmo que não se leia completamente um livro a experiência da escrita e válida.

O narrador argumenta que quem escreveu o texto teve satisfação em escrever, esvaziou a alma, lavou o espírito. Isso demonstra que, mesmo que ninguém o leia, vale a pena escrever o livro.

b)   Agora retire do texto um contra argumento utilizado por Teodorico que se opõe a ideia do narrador.

Teodorico pensa que tudo no mundo é encadeado, uma coisa não acontece ou acaba sozinha. Portanto, se uma pessoa escreve um livro deve haver outra que o leia.

c)   Após analisar os argumentos de ambas partes, dê sua opinião. Qual argumento você considerou o mais coerente e convincente? Explique sua resposta.

Resposta pessoal do aluno.

08 – Segundo o autor, uma pessoa só escreve para se lida? Explique.

      Não. Escreve para esvaziar a alma.

09 – Identifique algumas características do gênero crônica presentes no texto.

      - Narrativa curta;

      - Poucos personagens;

      - Fatos da vida cotidiana;

      - Linguagem simples, coloquial.

10 – O autor, para reforçar sua tese em relação à leitura dos livros que recebe, compara a leitura dos livros com a do jornal. Identifique o argumento utilizado na comparação.

      “-- Mas, Teodorico, quando você compra um jornal se sente obrigado a ler tudo que está nele?

        -- Aí é diferente. Eu compro o jornal para ver os crimes, o resultado do seu-talão-vale-um-milhão etc. Leio aquilo que me interessa.

        -- Eu também leio aquilo que me interessa.”