Texto: SEGURA A ONÇA QUE EU SOU CAÇADOR DE PREÁ
Não passava de um modesto caçador de preá. Era Bentinho Alves, dos Alves de
Arió do Pará. Em dia de semana gastava os olhos no pilulador da Farmácia Brito.
Em tempo de feriado consumia as vistas no rasto das preás. Até que resolveu
caçar bicho de maior escama:
--- Comigo agora é na onça! Ou mais que onça! Na tal da pantera negra.
Foi quando deu em Arió do Pará um doutor de erva aparelhado para fazer os
maiores serviços de mato adentro. Mediante uns trocados, o curandeiro botava
macaco para desgostar de banana e tamanduá correr com perna de coelho.
Bentinho, exagerado, mandou que o especial em erva preparasse simpatia capaz de
fazer morrer na pólvora de sua espingarda as caças mais grossas, coisa assim no
montante de uma capivara de banhado ou uma onça das mais pintadas. E no ardume
do entusiasmo:
--- Ou mais! É aparecer e morrer.
O curandeiro tirou uma baforada do covil dos peitos e mandou que Bentinho
largasse no rodapé do arvoredo mais galhoso uma figa de guiné de sociedade com
fumo de rolo e pó de unha de tatu. Bentinho não fez outra coisa. E montado
nessa simpatia, uma quinzena adiante, o aprendiz de botica entrava no mato. E
bem não tinha dado meia dúzia de passos já o trabalho do curandeiro fazia
efeito na forma de uma onçona de três metros de barriga por quatro de raiva.
Bentinho, diante daquela montanha de carne e pelo, largou a espingarda para
subir de lagartixa pelo primeiro pé de pau que encontrou na alça de mira. E enquanto
subia Bentinho falava para Bentinho:
--- Curandeiro exagerado! Isso não é onça para aprendiz de farmácia. Isso é
onça para doutor formado. Ou mais!
E voltou para sua caça miúda de preá.
CARVALHO,
José Cândido de. Os mágicos municipais.
Rio de Janeiro, José Olympio, 1984. p. 24-5.
Entendendo
o texto:
01 –
Após a leitura atenta do texto, divida-o em apresentação, complicação, clímax e
desfecho.
Apresentação:
do início até “... rastro das preás”.
Complicação: de “Até que resolveu...” até “... pantera negra”.
Clímax: surgimento da onça e fuga de Betinho.
Desfecho: último parágrafo.
02 –
Qual o tempo verbal que predomina na apresentação? Esse tempo é apropriado para
indicar uma situação que se estende ao longo do tempo?
É o pretérito imperfeito do indicativo (passava, era, gastava, consumia), tempo
apropriado para exprimir uma ação que se prolonga por um período de tempo no
passado.
03–
Qual o tempo verbal que surge ao ter início a complicação? Qual a principal
diferença entre esse tempo e aquele que domina a apresentação?
É o
pretérito perfeito do indicativo (resolveu), apropriado para exprimir ações
pontuais no passado, ou seja, ações que ocorrem e se encerram num ponto (e não
num período) do passado.
04–
Releia atentamente o quinto parágrafo do texto e observe os tempos verbais que
aí aparecem. Procure justificar seu emprego.
Pretérito
perfeito do indicativo (tirou, mandou e outros) – indica ações
realizadas e completas num ponto do passado.
Pretérito imperfeito do indicativo (entrava, fazia e outros)
– indica ações que se prolongam por um período de tempo no passado ou que são
concomitantes a outras ações passadas.
Pretérito
mais-que-perfeito (tinha dado) – indica ação passada em relação a
outra ação passada.
Imperfeito do subjuntivo (largasse) – usado numa oração
subordinada.
05 – A
fala de Bentinho para Bentinho (sexto parágrafo) pode ser considerada uma
avaliação da narrativa? Comente.
SIM, ela tem o valor de uma avaliação de todo o acontecido. Esse tipo de
avaliação é, aliás, frequente na estrutura narrativa.
06 –
Resuma a narrativa em três momentos: estado inicial, transformações e estado
final.
Estado
inicial: Bentinho, pilulador e caçador de preás.
Transformações:
Bentinho metendo-se a caçador de onça e pantera negra; chegada do doutor de
erva e realização de sua simpatia; encontro de Bentinho com a pintada.
Estado
final: Bentinho, caçador de preás.
07 –
Que tipo de narrador o texto utiliza? Justifique sua resposta com trechos do
próprio texto.
O texto
é narrado em terceira pessoa. O aluno deve apontar como justificativa qualquer
passagem em que o narrador use a terceira pessoa (pronome ou nome próprio) para
designar o personagem (por exemplo, “E montado nessa simpatia, uma quinzena
adiante, o aprendiz de botica entrava no mato.”).
08 – O
primeiro período de texto nos apresenta o protagonista por meio de uma
afirmação. Seu desenvolvimento confirma essa colocação inicial? Comente.
Sem
dúvida. A frase é quase um vaticínio, uma afirmação de um destino ao qual não
se pode fugir.
09 –
Quem exerce o papel de antagonista?
A onça.
10 –
De que forma é caracterizado o personagem coadjuvante?
“... doutor de erva aparelhado para fazer os maiores serviços de mato adentro.
Mediante uns trocados, o curandeiro botava macaco para desgostar de banana e
tamanduá correr com perna de coelho.” Deve-se observar como o autor cria um
tipo com rápidas pinceladas.