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sexta-feira, 7 de junho de 2019

POEMA: A PALO SECO - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

Poema: A palo seco       

              João Cabral de Melo Neto

Se diz a palo seco
o cante sem guitarra;
o cante sem; o cante;
o cante sem mais nada;
se diz a palo seco
a esse cante despido:
ao cante que se canta
sob o silêncio a pino.

O cante a palo seco
é o cante mais só:
é cantar num deserto
devassado de sol;
é o mesmo que cantar
num deserto sem sombra
em que a voz só dispõe
do que ela mesma ponha.

O cante a palo seco
é um cante desarmado:
só a lâmina da voz
sem a arma do braço;
que o cante a palo seco
sem tempero ou ajuda
tem de abrir o silêncio
com sua chama nua.

O cante a palo seco
não é um cante a esmo:
exige ser cantado
com todo o ser aberto;
é um cante que exige
o ser-se ao meio-dia,
que é quando a sombra foge
e não medra a magia.

O silêncio é um metal
de epiderme gelada,
sempre incapaz das ondas
imediatas da água;
A pele do silêncio
pouca coisa arrepia:
o cante a palo seco
de diamante precisa.

Ou o silêncio é pesado,
é um líquido denso,
que jamais colabora
nem ajuda com ecos;
mais bem, esmaga o cante
e afoga-o, se indefeso:
a palo seco é um cante
submarino ao silêncio.

Ou o silêncio é levíssimo,
é líquido e sutil
que se ecoa nas frestas
que no cante sentiu;
o silêncio paciente
vagaroso se infiltra,
apodrecendo o cante
de dentro, pela espinha.

Ou o silêncio é uma tela
que difícil se rasga
e que quando se rasga
não demora rasgada;
quando a voz cessa, a tela
se apressa em se emendar:
tela que fosse de água,
ou como tela de ar.

A palo seco é o cante
de todos mais lacônico,
mesmo quando pareça
estirar-se um quilômetro:
enfrentar o silêncio
assim despido e pouco
tem de forçosamente
deixar mais curto o fôlego.

A palo seco é o cante
de grito mais extremo:
tem de subir mais alto
que onde sobe o silêncio;
é cantar contra a queda,
é um cante para cima,
em que se há de subir
cortando, e contra a fibra.

A palo seco é o cante
de caminhar mais lento:
por ser a contra-pelo,
por ser a contra-vento;
é cante que caminha
com passo paciente:
o vento do silêncio
tem a fibra de dente.

A palo seco é o cante
que mostra mais soberba;
e que não se oferece:
que se toma ou se deixa;
cante que não se enfeita,
que tanto se lhe dá;
é cante que não canta,
cante que aí está.

A palo seco canta
o pássaro sem bosque,
por exemplo: pousado
sobre um fio de cobre;
a palo seco canta
ainda melhor esse fio
quando sem qualquer pássaro
dá o seu assovio.

A palo seco cantam
a bigorna e o martelo,
o ferro sobre a pedra
o ferro contra o ferro;
a palo seco canta
aquele outro ferreiro:
o pássaro araponga
que inventa o próprio ferro.

A palo seco existem
situações e objetos:
Graciliano Ramos,
desenho de arquiteto,
as paredes caiadas,
a elegância dos pregos,
a cidade de Córdoba,
o arame dos insetos.

Eis uns poucos exemplos
de ser a palo seco,
dos quais se retirar
higiene ou conselho:
não o de aceitar o seco
por resignadamente,
mas de empregar o seco
porque é mais contundente.

A educação das pedras. Rio de Janeiro: Alfaguara.
Quaderna. In: Poesias Completas,1975, p.160.

Entendendo o poema:

01 – Releia estes versos do poema “A palo seco”, de João Cabral de Melo Neto: “Se diz a palo seco
                        O cante sem guitarra;

                        O cante sem; o cante;
                        O cante sem mais nada;”

        João Cabral, que viveu muitos anos na Espanha, emprega a expressão espanhola “A palo seco”, que se refere a algo simples e direto, sem rodeios.
a)   Aplicando esse conceito à poesia, o que seria um canto “A palo seco”?
É um canto seco, essencial, sem excessos.

b)   Nesses versos, o poeta constrói um canto “A palo seco”? Por quê?
Sim, pois o poeta vai reduzindo e enxugando verso ao seu limite, conforme se observa na sequência: O canto sem guitarra – O canto sem – O cante.

02 – João Cabral cita em seu poema o escritor Graciliano Ramos. Considerando o que conhece sobre esse autor, você concorda com o poeta quando ele diz que o estilo de Graciliano Ramos pode ser considerado “A palo seco”?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sim, pois ele também escreve com exatidão de arquiteto, d modo enxuto e racional.

03 – Na última estrofe, há uma oposição entre “aceitar o seco” e “empregar o seco”.
a)   Explique essa diferença.
“Aceitar o seco” é uma condição sem escolha.

b)   Segundo a perspectiva do texto, qual é a vantagem de escrever “A palo seco”?
O verso “A palo seco” tem mais força, é mais contundente.


sexta-feira, 24 de maio de 2019

POEMA: MORTE E VIDA SEVERINA - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

Poema: Morte e Vida Severina
             João Cabral de Melo Neto

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias. 
[...]

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida). 
[...]
João Cabral de Melo Neto. Poesias completas. cit. p. 203-4.

FALAM  AS DUAS CIGANAS QUE HAVIAM
APARECIDO COM OS VIZINHOS 



  --  Atenção peço, senhores,
para esta breve leitura:
somos ciganas do Egito,
lemos a sorte  futura.
Vou dizer todas as coisas
que desde já posso ver
na vida desse menino
acabado de nascer:
aprenderá a engatinhar
por aí, com aratus,
aprenderá a caminhar
na lama, como goiamuns,
e a correr o ensinarão
o anfíbios caranguejos,
pelo que será anfíbio
como a gente daqui mesmo.
Cedo aprenderá a caçar:
primeiro, com as galinhas,
que é catando pelo chão
tudo o que cheira a comida
depois, aprenderá com
outras espécies de bichos:
com os porcos nos monturos,
com os cachorros no lixo.
Vejo-o, uns anos mais tarde,
na ilha do Maruim,
vestido negro de lama,
voltar de pescar siris
e vejo-o, ainda maior,
pelo imenso lamarão
fazendo dos dedos iscas
para pescar camarão.

  
--  Atenção peço, senhores,
também para minha leitura:
também venho dos Egitos,
vou completar a figura.
Outras coisas que estou vendo
 é necessário que eu diga:
não ficará a pescar
de jereré toda a vida.
Minha amiga se esqueceu
de dizer todas as linhas
não pensem que a vida dele
há de ser sempre daninha.
Enxergo daqui a planura
que é a vida do homem de ofício,
bem mais sadia que os mangues,
tenha embora precipícios.
Não o vejo dentro dos mangues,
vejo-o dentro de uma fábrica:
se está negro não é lama,
é graxa de sua máquina,
coisa mais limpa que a lama
do pescador de maré 
que vemos aqui vestido
de lama da cara ao pé.
E mais: para que não pensem
que em sua vida tudo é triste,
vejo coisa que o trabalho
talvez até lhe conquiste:
que é mudar-se destes mangues
daqui do Capibaribe
para um mocambo melhor
nos mangues do Beberibe.


O Carpina fala com o retirante que esteve
de fora, sem tomar parte em nada.
João Cabral de Melo Neto

(...) -- Severino retirante,
deixe agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, Severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida Severina.

                                          Poesias completas. cit. p. 236-41.
Entendendo o poema:
01 – De acordo com o texto de o significado das palavras abaixo:  
·        Aratu: pequeno caranguejo de cabeça triangular.
·    Goiamum: tipo de crustáceo que vive em lugares lamacentos, em tocas que ele mesmo cava.
·        Monturo: grande quantidade de lixo.
·   Jereré: aparelho feito de madeira e rede usado na pesca de siris, camarões e peixes pequenos.
·        Mucambo: barraco.
·        Carpina: carpinteiro.

02 – Severino é um substantivo próprio, é o nome do retirante, protagonista da história. No entanto, a palavra severino é empregada como adjetivo nas expressões “morte severina” e “vida severina”. Interprete: qual é o sentido da palavra severina nessas situações?
      Em “morte severina”, tem o sentido de uma morte anunciada pelas péssimas condições de vida; e em “vida severina”, de uma vida sofrida, de luta pela sobrevivência.

03 – De origem medieval, os autos são textos teatrais que representam um nascimento, quase sempre o de Cristo, encenado por ocasião das festas do Natal.
No fragmento lido de Morte e vida severina:
a)   A presença de duas personagens confere ambientação mística à cena. Quais são essas personagens?
As duas ciganas.

b)   Elas correspondem a que personagens da cena do nascimento de Cristo?
Correspondem aos três reis magos.

c)   O que há em comum entre o bebê nascido e Cristo?
A origem humilde, o conteúdo de esperança que representa, o destino incerto.

04 – Ambas as ciganas fazem previsões quanto ao futuro bebê.
a)   Em que se diferenciam as previsões?
A primeira cigana prevê que o bebê será um homem ligado ao rio; a segunda, que será um operário.

b)   Em que se assemelham?
Em ambas as profissões, ele será um homem socialmente marginalizado, mais um severino.

05 – Na conversa entre Severino e mestre carpina, o retirante pergunta ao mestre “se não vale mais saltar / fora da ponte e da vida”. De acordo com o texto:
a)   Quem acaba respondendo a Severino?
A vida.

b)   Qual é a resposta dada?
A vida, mesmo quando severina, vale a pena.

06 – Nos últimos versos, mestre capina diz:
        “Mesmo quando é uma explosão
         como a de há pouco, franzina;
         mesmo quando é a explosão
         de uma vida severina.”

        O texto, no conjunto, faz uma forte crítica social. Contudo, pela ótica que ele apresenta, há esperança?
      Sim, pois cada vida que brota, mesmo tendo um destino “severino”, renova as esperanças de uma vida melhor.

07 – A explosão de mais “uma vida severina” parece dar continuidade a essa corrente de severinos. Eles não estão somente no sertão seco do Nordeste; estão em todo o país, severinamente lutando contra a “morte em vida”.
a)   Afinal, quem são os severinos deste país?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: São os trabalhadores em geral, que, no campo ou na cidade, lutam pela vida, apesar da miséria, da ineficácia dos governantes, da corrupção, etc.

b)   Como se justifica o título da obra: Morte e vida severina?
Morte e vida se equivalem, pois a vida é uma luta constante contra a morte, uma luta para manter-se a vida, mesmo que “severina”, isto é, sofrida.




sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

POEMA: QUESTÃO DE PONTUAÇÃO - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

Poema: Questão de pontuação
          João Cabral de Melo Neto

                    
Todo mundo aceita que ao homem
cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem tem alma dionisíaca);

viva em ponto de interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação (na política):

o homem só não aceita do homem
que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive
o inevitável ponto final.


João Cabral de Melo Neto. Agrestes. Poesia. Rio de Janeiro, Nova Fronteira: 1985

Entendendo o poema:

01 – O assunto de um texto nem sempre equivale ao tema. O tema são as ideias mais profundas de um texto. No poema lido, por exemplo, o assunto é a pontuação, mas o tema é outro. Observe a que são associados os sinais de pontuação e responda: Qual é o tema do poema?
      A vida.

02 – Todo o desenvolvimento do poema nasce da afirmação contida nos dois versos iniciais:
“Todo mundo aceita que ao homem / cabe pontuar a própria vida”. O que o eu lírico quer dizer com esses versos?
      Todos aceitam que o homem é dono de seu destino, que ele pode decidir sobre sua própria vida.

03 – Ao longo do poema são mencionados quatro sinais de pontuação.
a)   Quais são esses sinais?
O ponto de exclamação, o ponto de interrogação, a virgula e o ponto (final).
b)   O que eles representam em relação à vida? Assinale a melhor resposta:
(  ) Representam os erros que o homem comete na vida.
(X) Representam diferentes formas de viver, que cabe ao homem escolher.
(  ) Representam os problemas que cada ser humano encontra em sua trajetória de vida.

04 – Na 1ª estrofe do poema, a vida é associada ao ponto de exclamação, relacionado ao verso “(dizem: tem alma dionisíaca)”. Veja alguns dos sentidos da palavra dionisíaco registrados no dicionário:
Dionisíaco: relativo a Dioniso, Deus da mitologia grega; o mesmo que desinibido, espontâneo, vibrante, entusiástico, agitado, natural, irracional, anárquico.
a)   Qual ou quais desses sentidos essa palavra apresenta no contexto?
Espontâneo, vibrante, entusiástico.

b)   Que relação existe entre a palavra dionisíaco e o ponto de exclamação?
Ambos estão associados a um estado de espírito alegre, extrovertido, entusiástico.

05 – Na 2ª estrofe, há referências a viver “em ponto de interrogação” e “equilibrando-se entre vírgulas”.
a)   Por que o ponto de interrogação é associado à filosofia e à poesia?
Porque a filosofia e a poesia fazem questionamentos sobre a vida, sobre a razão das coisas, etc.

b)   Para você, o que é viver “equilibrando-se entre vírgulas”?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: É viver resolvendo problemas, superando dificuldades de vida, vencendo obstáculos.

c)   Levante hipóteses: O que poderia ser uma vida “sem pontuação (na política)”?
É uma vida em que a pessoa não tem seus direitos de cidadão respeitados, em que ela é desconsiderada socialmente.

06 – Leia a última estrofe:
a)   O que representa a “frase” que cada um de nós vive?
A própria vida.

b)   E o que representa, na frase da vida, o ponto final?
A morte.

c)   Troque ideias com os colegas e dê uma interpretação coerente aos versos “O homem só não aceita do homem / que use a só pontuação fatal.”
1ª O homem só não aceita que o homem ponha fim à própria vida (suicídio);
2ª O homem não aceita que o homem tira a vida de outro homem (homicídio);
3ª O homem não aceita que o homem viva conformadamente, sem participar, sem propor mudanças.




quinta-feira, 26 de julho de 2018

POESIA: TECENDO A MANHÃ - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

Poesia: Tecendo a Manhã
           João Cabral de Melo Neto


Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem 


os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão. 

                              Neto, João Cabral de Melo. Poesias completas.
                4. ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1986. p. 19-20.
Entendendo a poesia:
01 – Podemos dizer que o texto se inicia com uma afirmação? Justifique sua resposta.
      Sim, pois o primeiro período do texto formula uma condição como indispensável: a solidariedade na construção da manhã. Essa afirmação é fundamental para o desenvolvimento posterior do texto, pois coloca o fator solidariedade como essencial ao trabalho dos galos.

02 – A elipse é a omissão de palavras ou termos facilmente subentendidos. Aponte as ocorrências de elipse no texto. Qual a finalidade do seu emprego?
      As elipses mais significativas são as formas verbais referentes aos gritos dos galos no terceiro e no quinto verso. A nosso ver, são formas de amarrar ainda mais fortemente a estrutura do texto, tornando-a coesa e econômica. Além disso, “imitam” o fluxo dos gritos entre os galos; estes não deixam o grito morrer, assim como as elipses impedem que a frase “expire”.

03 – Relacione os três últimos versos da primeira estrofe com as ideias que vimos discutindo sobre a capacidade de tecer um texto.
      É pertinente relacionar a tessitura da manhã com a tessitura da estrutura de um texto. Espera-se que o aluno faça essa leitura, entre outras possíveis.

04 – Qual a ideia dominante na segunda estrofe do texto? O que ocorre à manhã, uma vez tecida?
      A manhã, tecida, ganha autonomia e passa a envolver a todos os que a produziram. Numa leitura presa aos referentes imediatos, deve-se ressaltar para o aluno a beleza da imagem cabralina: Ela consegue captar a alegria do amanhecer que, despertado e tecido pelos galos, acaba por envolve-los. Numa leitura ligada à produção textual, deve-se realçar a autonomia adquirida pelo texto (particularmente, no caso, o texto poético) em relação ao seu produtor.

05 – O texto de João Cabral está bem tecido? Por quê?
      Espera-se que o aluno destaque os elementos coesivos do texto de João Cabral utilizando o instrumental de que dispõe, a saber, os conceitos de repetição, progresso, não-contradição e relação.

06 – Como você relaciona o resultado do trabalho dos galos com o resultado do seu trabalho de elaborador de textos?
      Espera-se que o aluno reflita sobre seu trabalho de produtor de textos, procurando enfoca-lo como um trabalho de tecelão, capaz de construir arquiteturas tão bem tramadas e tão independentes como a manhã do poeta.


sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

POEMA: TECENDO A MANHÃ - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

POEMA: TECENDO A MANHÃ
                 João Cabral de Melo Neto

Um galo sozinho não tece uma manhã;
Ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
E o lance a outro; de um outro galo
Que apanhe o grito que um galo antes
E o lance a outro; e de outros galos
Que com muitos outros galos se cruzem
Os fios de sol de seus gritos de galo,
Para que a manhã, desde uma teia tênue,
Se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
Se erguendo tenda, onde entrem todos,
Se entretendendo para todos, no toldo
(A manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
Que, tecido, se eleva por si: luz balão.

                          MELO NETO, João Cabral de. Tecendo a manhã. In:_______.
       Poesias completas. 2. ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1975. p. 19-20.

Entendendo o texto:

01 – Qual é o assunto do poema?
       É o tecido da manhã, feito por gritos de galos.

02 – Transcreva do poema todas as expressões que designam a manhã.
       Teia tênue, tela, tenda, toldo, toldo de um tecido tão aéreo, luz balão.

03 – Ocorrem no poema várias aliterações em t e d. O que elas podem significar?
       O entrechocar dos fios de um tecido que está sendo feito: a manhã, tecido aéreo.

04 – Quais as conotações possíveis para galo, manhã e o ato de tecer.
       Galo = homem; manhã = futuro. Note que se pode ler no poema “a manhã” = “amanhã”; ato de tecer = a solidariedade, a união entre os homens, de cuja ação (gritos) resulta o futuro.


quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

POEMA: SEVILHA - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

POEMA: SEVILHA
                 João Cabral de Melo Neto

A cidade mais bem cortada
Que vi: Sevilha;
Cidade que veste o homem
Sob medida.
Justa ao tamanho do corpo
Ela se adapta,
Branda e sem quinas, roupa
Bem recortada.
Cortada só para um homem,
Não todo o humano:
Só para o homem pequeno
Que é o sevilhano.
Que ao sevilhano Sevilha
Tão bem se abraça
Que é como se fosse roupa
Cortada em malha.

Ao corpo do sevilhano
Toda se ajusta
E ao raio de ação do corpo
Ou sua aventura.
Nem com os gestos do corpo
Nunca interfere,
Qual roupa ou cidade que é
Cortada em série.
Sempre à medida do corpo
Pequeno ou pouco:
Ao teto baixo do míope,
Aos pés do coxo.
Nunca tem panos sobrando
Nem bairros longe;
Sempre ao alcance da perna
Que não tem bonde.

O sevilhano usa Sevilha
Com intimidade,
Como se só fosse a casa
Que ele habitasse.
Com intimidade ele usa
Ruas e praças:
Com intimidade de quarto
Mais que de casa.
Com intimidade de roupa
Mais que de quarto
E intimidade de camisa
Mais que casaco.
E mais que intimidade,
Até com amor,
Como um corpo que se usa
Pelo interior.

O modelo não é indicado
A nenhum nórdico:
Lhe ficará muito curto
E ele incômodo.
Ou ele ficará tão ridículo
Como um automóvel,
Dos que ali, elefânticos,
Tesos, se movem.
Nas ruas que o sevilhano
Fez para si mesmo,
Pequenas e íntimas para
Seu aconchego.
Sevilhano em quem se encontra
Ainda o gosto
De ter a vida à medida
Do próprio corpo.

                          MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro.
                                                                             Nova Aguilar, 1994. p. 252-254.

Entendendo o poema:

01 – Interpretemos algumas figuras do poema. O que significa dizer que:
           a)     Sevilha não é cortada em série?
      Sevilha é um lugar sem outro igual (um lugar ímpar).

           b)    Os bairros estão ao alcance do pé?
      Os bairros são próximos.

           c)     O modelo não é indicado a nenhum nórdico?
      Os nórdicos (escandinavos) são, em geral, bastante altos. O poeta usa essa imagem para enfatizar as qualidades de Sevilha como uma cidade não muito grande.

02 – Segundo o poeta, os automóveis são objetos adequados a Sevilha? Por quê?
       Os automóveis não são adequados a Sevilha porque as ruas são estreitas e aconchegantes.


segunda-feira, 23 de outubro de 2017

POEMA: O OVO DE GALINHA - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

POEMA: O OVO DE GALINHA
                 João Cabral de Melo Neto
                    I
Ao olho mostra a integridade
De uma coisa num bloco, um ovo.
Numa sé matéria, unitária,
Maciçamente ovo, num todo.

Sem possuir um dentro e um fora,
Tal como as pedras, sem miolo:
E só miolo: o dentro e o fora
Integralmente no contorno.



No entanto, se ao olho se mostra
Unânime em si mesmo, um ovo,
A mão que o sopesa descobre
Que nele há algo suspeitoso:


Que seu peso não é o das pedras,
Inanimado, frio, goro;
Que o seu é um peso morno, túmido,
Um peso que é vivo e não morto.


                         II
O ovo revela o acabamento
A toda mão que o acaricia,
Daquelas coisas torneadas
Num trabalho de toda a vida.

E que se encontra também noutras
Que entretanto mão não fabrica:
Nos corais, nos seixos rolados
E em tantas coisas esculpidas.

Cujas formas simples são obra
De mil inacabáveis lixas
Usadas por mãos escultoras
Escondidas na água, na brisa.

No entretanto, o ovo, e apesar
Da pura forma concluída,
Não se situa no final:
Está no ponto de partida.
[...]
               João Cabral de Melo Neto. Obra completa. Rio de Janeiro.
            Aguilar, 1994. p. 302-3. By Herdeiros de João de Melo Neto.

Goro: choco, podre.
Seixo: cascalho.
Sopesar: calcular com a mão o peso de alguma coisa.
Túmido: dilatado, intumescido.

Interpretação do texto:

1 – O poeta escolheu como motivo de seu poema um elemento do mundo físico: o ovo de galinha. Que aspectos desse elemento mais impressionam o eu poético?
      O acabamento perfeito e o peso.

2 – Sopesar o ovo leva a sentir nele um “peso vivo”. Como você entendeu essa característica do objeto descrito?
      No poema, o peso é classificado como “morno”, “túmido”. Comente com os alunos que o eu poético exemplifica cada característica que percebe no objeto descrito.

3 – A palavra acabamento remete à ideia de objeto concluído. Que metáforas do poema designam:
a – O agente desse acabamento;
      “... mãos escultoras/escondidas na água, na brisa”.

b – A ferramenta utilizada por esse agente;
      “... mil inacabáveis lixas”.

c – A contradição que o eu poético identifica nesse acabamento.
      “No entretanto, o ovo, e apesar/da pura forma concluída,/não se situa no final:/está no ponto de partida”.
Professor(a): as ideias de partida e acabamento são antitéticas.

4 – Como você entendeu a contradição exposta pelo eu poético na estrutura do ovo?
      Ovos encerram matrizes de novas vidas; são, por isso, ponto de partida, não de chegada, embora sua forma pareça já concluída, esculpida.

5 – Pense nos cinco sentidos humanos. Na descrição do ovo, quais desses sentidos são privilegiados?
      O tato e a visão.

6 – Esse poema é constituído de cinco partes, das quais transcrevemos duas. A estrutura de cada uma delas é idêntica: São dezesseis versos distribuídos em quatro estrofes. Logo, cada estrofe tem quatro versos. Esse tipo de preocupação formal é bem diferente da que predominou entre os modernistas da primeira fase. Explique essa afirmativa em seu caderno.
      A liberdade formal foi a reivindicação fundamental dos modernistas da primeira fase.