quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

CONTO FANTÁSTICO: A MOÇA TECELÃ (FRAGMENTO) - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

 Conto fantástico: A MOÇA TECELÃ (Fragmento)

           Marina Colasanti

        Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo se sentava-se ao tear.

        [...]

        Nada lhe faltava. Na hora da fome, tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.

        Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer. Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou como seria bom ter um marido ao seu lado.

        Não esperou o dia seguinte. Com o capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. [...]

        [...]

        Aquela noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

        E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque, descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

        -- Uma casa melhor é necessária, – disse para a mulher. [...].

        Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente. – Para que ter casa, se podemos ter palácio? – [...].

        [...]

        Afinal o palácio ficou pronto. [...]

        Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia.

        Tecer era tudo o que queria fazer.

        [...] E pela primeira vez, pensou como seria bom estar sozinha de novo.

        [...] Segurou a lançadeira ao contrário, e, jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer o seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins.

        Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

        A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou e, espantado, olhou em volta. [...].

        Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.

Marina Colasanti. A moça tecelã. In: ___. Doze reis e a moça no labirinto do vento. São Paulo: Global, 2006.

Fonte: Língua Portuguesa – Ensino Fundamental anos finais – 7° ano – Caderno 4 – 1ª edição – 1ª impressão – ABDR – 2019 – São Paulo. p. 99-103.

Entendendo o conto:

01 – Agora, vamos verificar como foram trabalhados os elementos da narrativa no conto “A moça tecelã”.

a)   Por qual tipo de narrador esse conto é narrado? Comprove sua resposta com um trecho do texto.

O conto é narrado por um narrador-observador. “Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara”.

b)   Informe quem é o protagonista da narrativa e quem é o antagonista.

A protagonista é a moça, e o antagonista é o marido.

c)   No conto “A moça tecelã”, protagonista e antagonista não têm nomes próprios; eles são identificados por suas características. De acordo com a leitura que você fez do texto, descreva-os com suas palavras.

A moça tinha hábitos simples e precisava de pouco para viver bem; o homem era elegante e tinha o rosto barbado, além de ser dominador e ganancioso.

d)   Em relação ao tempo da narrativa, responda às perguntas:

·        É possível precisar a época em que a história ocorreu? Justifique sua resposta.

Não é possível precisar a época em que a história ocorreu, pois não há nenhum elemento que faça referência a isso.

·        Quanto à duração da história, é possível saber quanto tempo se passou desde o início dos acontecimentos até o fim? Justifique sua resposta.

Não é possível saber, apenas supor que tenha se passado o tempo suficiente para que a moça pudesse tecer o marido e alguns de seus desejos, como o palácio, cansar-se da solidão em que novamente estava vivendo e desfazer todo o trabalho.

e)   Em uma narrativa, é comum o uso de algumas expressões que marcam a passagem do tempo e a sucessão dos acontecimentos, tais como: logo, depois, em breve, durante muito dias, assim. Volte ao texto, localize e sublinhe algumas dessas expressões.

Resposta pessoal do aluno.

f)     Nos contos fantásticos, embora o espaço em que se passa a história seja, geralmente, surreal, fantástico, ele representa um ambiente real. Esse aspecto colabora com a intencionalidade presente no texto: falar de coisas reais a partir do simbólico, do figurado. Explique de que modo essa oposição entre o real e o fantástico se estabelece na história “A moça tecelã” por meio do espaço.

A casa pequena, onde a história começa, transforma-se em uma casa melhor; depois, em um palácio e, novamente, na casa pequena, onde a história termina.

g)   Identifique as partes do enredo que compõem a narrativa do conto “A moça tecelã”.

·        Situação inicialA moça vivia seus dias tecendo as cores do dia e o pouco que precisava para viver.

·        Complicação ou desenvolvimentoSentindo-se sozinha, a moça tece um marido para lhe fazer companhia, mas este, ao saber do poder do tear, pensava apenas nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

·        ClímaxA moça, que sem descanso tecia os caprichos do marido, pensou como seria bom estar sozinha de novo. Assim, decidiu desfazer seu tecido, destecendo o marido, o palácio e todas suas maravilhas.

·        Desfecho A moça, novamente, vê-se em sua pequena casa, tecendo a manhã no horizonte.

02 – O conto inicia descrevendo a protagonista (personagem principal) em sua ação de tear. Os elementos que ela tecia no começo da história mostram que:

(  ) O que ela tecia a tornava uma moça rica e bem dotada.

(  ) O que ela tecia deixava sua casa mais bonita e aconchegante.

(X) O que ela tecia eram elementos da natureza e aqueles essenciais a sua sobrevivência apenas.

03 – “E feliz foi, durante algum tempo”. Por que a felicidade da moça foi momentânea?

      Porque tecer era tudo o que ela queria e tecia os caprichos do marido até ela se dar conta de que estava triste, pois percebeu que os desejos do marido não correspondiam aos seus, além de se perceber “presa” a esses caprichos, o que lhe ocasionou uma tristeza “maior que o palácio com todos os seus tesouros”.

04 – Nos contos fantásticos, uma das características principais é a presença de elementos mágicos, que fogem aos da vida real. Nesse conto de Marina Colasanti, quais são os elementos mágicos que podem caracterizá-lo como um conto fantástico?

      O elemento mágico do conto é o teor da moça, por meio do qual ela tecia seus dias; o alimento, quando sentia fome; um marido, quando se sentiu sozinha, e todos os caprichos dele, até desmanchá-los e voltar a viver sozinha.

05 – O conto “A moça tecelã” pode ser considerado um conto de fadas moderno. Sendo assim, que contraponto podemos fazer em relação ao desfecho (a parte final da narrativa) desse conto e os contos de fadas tradicionais?

      Nos contos de fadas tradicionais, o final feliz acontece quando a protagonista se casa com o príncipe que a salvou do antagonista. No conto lido, a protagonista encontra a felicidade quando volta a viver sozinha, pois seu “príncipe” era, ao mesmo tempo, o antagonista, que a prejudicava.

 

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