quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

POEMA EM LINHA RETA - FERNANDO PESSOA - COM GABARITO

 POEMA EM LINHA RETA

           Fernando Pessoa


 Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

               Apud: Antologia poética de Fernando Pessoa. Introdução e seleção de Walmir Ayala. Rio de Janeiro, Tecnoprint, s/d. p. 122.

               Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 189-191.

Fonte da imagem:https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fcursoderedacao.net%2Fpoema-em-linha-reta-fernando-pessoa%2F&psig=AOvVaw2urcYB_8fUhwgn9CHOXX8e&ust=1608335906496000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCKC986Wc1u0CFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo o poema:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Reles: desprezível, insignificante.

·        Infâmia: comportamento sem ética, sem moral, desonra.

·        Vil: que tem pouco valor, infame.

·        Cobardia: covardia.

·        Parasita: aquele que vive à custa dos outros.

·        Ideal: a perfeição.

·        Absurdo: sem sentido, contrário à razão e à lógica.

·        Oiço: ouço.

·        Grotesco: ridículo.

·        Titubear: vacilar, hesitar.

·        Mesquinho: pobre, mísero.

·        Literalmente: ao pé da letra, no exato sentido da palavra.

·        Enxovalhos: Injúrias, insultos.

·        Vileza: baixeza.

·        Moços de fretes: carregadores de malas.

02 – Copie a alternativa correta. Nos dois versos iniciais, o eu lírico:

a)   Realmente só tem conhecimentos que são campeões em tudo.

b)   Está ironizando; na verdade, os conhecimentos apenas contam vantagens.

c)   Assim como seus conhecimentos, só conhece, até hoje, vitórias.

03 – Por que o poeta fala de conhecidos e não de amigos?

      Porque a falta de sinceridade dessas pessoas o afasta delas. Pode-se inferir que ele não tem amigos.

04 – Como se apresenta o eu poético?

      Apresenta-se como um covarde, vil, sujo, um ser ridículo.

05 – Como você entendeu o verso: “Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo”?

      O poeta julga-se o único ser errado do mundo.

06 – Explique: “Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil.”?

      Todos calam sobre seus erros e só falam das suas virtudes e vitórias.

07 – Na verdade, o eu poético faz uma denúncia. Qual?

      Denuncia a hipocrisia e a falsidade das pessoas.

08 – Retire do poema um verso que demonstre ser dos outros e não do eu poético as afirmações negativas sobre sua personalidade (atente para a concordância verbal).

      “Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”

09 – Como você explicaria o título: Poema em linha reta?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: As pessoas que vivem “disfarçando” suas verdades têm um comportamento sinuoso, e o poeta, ao declarar suas fraquezas, demonstra-se honesto, reto.

10 – Você acredita que este poema transmite uma verdade?

      Resposta pessoal do aluno.

11 – Como o eu poético está se sentindo? Copie a alternativa correta:

a)   Irritado por ter tantas fraquezas de caráter.

b)   Revoltado pelas injustiças que sofre.

c)   Desconsolado porque ninguém tem condições de entende-lo.

d)   Desconsolado por obter só derrotas, enquanto outros conseguem muitas vitórias.

CONTO: UMA AVENTURA NA SELVA (FRAGMENTO) - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

 Conto: Uma aventura na selva (Fragmento)


     Fernando Sabino

        [...]

        Enquanto os demais escoteiros cumpriam cada um sua missão armando o acampamento, a patrulha do Lobo, chefiada pelo Toninho, foi encarregada de catar galhos secos na mata, que servissem de lenha para cozinhar e para o Fogo do Conselho, depois do jantar. Fui com os oito escoteiros, pois ficara mais ou menos agregado a eles, adotado por aquela patrulha como uma espécie de mascote.

        Usando suas machadinhas e facões, os escoteiros se espalharam entre as árvores, cortando galhos aqui e ali. Também eu levava, com orgulho, dependurada ao cinto, a minha faca de campanha. Mas não precisei de usá-la, pois, de acordo com as instruções do comandante da patrulha, minha missão se limitava a recolher do chão todo graveto que encontrasse.

        Distraído com a tarefa, não reparei que me distanciava dos outros, embrenhando-me cada vez mais no meio do mato. Quando percebi que já não mais os via, nem mesmo ouvia suas vozes, procurei regressar, mas não sabia por onde, tantas eram as voltas que havia dado. O mato era denso ao redor, impedindo que eu visse qualquer coisa à distância de uns poucos metros. Mesmo a luz do dia mal chegava onde eu tinha ido parar, impedida pela copa das árvores que se fechavam como um telhado sobre minha cabeça. E o pior é que já começava a anoitecer.

        Procurei prestar atenção, aguçando os ouvidos, para ver se escutava alguma coisa. Realmente deu para captar, ao longe, uns farrapos de conversas e risadas cada vez mais fracas, à medida que se afastavam, eu não conseguia distinguir em que direção. Gritei, gritei, mas não deviam ter me ouvido, pois fiquei esperando um tempão e ninguém apareceu. Senti vontade de chorar, mas resisti: um escoteiro não chora.

        Dava para perceber em que lado o sol se afundava no horizonte, pois seus últimos raios conseguiam varar a parede de árvores, deixando no ar uma cortina de luz. Eu sabia me orientar pelo sol. Bastava virar à esquerda para o poente, e tinha à minha frente o norte, às costas o sul e â direita o leste. Mas de que adiantava? Eu não sabia se o nosso acampamento estava na direção do norte, do sul, do leste ou do oeste. Distraído em olhar o chão à procura de gravetos, eu não havia prestado atenção a nada, e muito menos por onde ia. O que era imperdoável num escoteiro, que deve estar sempre alerta.

        Agora eu descobria que estava completamente perdido, e em breve seria noite. Sabia que tinha ido parar bem longe do acampamento. Devia ter me afastado dos outros uma longa distância, andando sem rumo pela floresta. Era inútil tentar voltar. Eu ia acabar me perdendo de vez, e quando viessem à minha procura, jamais me achariam.

        [...].

      Fernando Sabino. O menino no espelho. Rio de Janeiro: Record, 1986.

                       Fonte: Português – Palavra Aberta – 5ª série – Isabel Cabral – Atual Editora – São Paulo, 1995. p. 02-05.

Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=http%3A%2F%2Fpatrulha-lobo23rn.blogspot.com%2F2011%2F01%2Fpatrulha-lobo.html&psig=AOvVaw3jiQYVFp__HoTEBAj0W5FS&ust=1608335567636000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCJiw2ZKb1u0CFQAAAAAdAAAAABAP

Entendendo o conto:

01 – Vamos observar os elementos dessa narrativa.

a)   Quais são as personagens dessa história?

O menino e o grupo de escoteiros.

b)   O narrador é uma personagem?

Sim.

c)   Onde acontece a história?

No meio da mata.

d)   Quando acontece a história?

Quando os escoteiros cumpriam suas missões.

02 – Vamos relembrar o que acontece nessa história:

a)   Em primeiro lugar, vamos dividi-la em quatro partes, destacando os fatos principais. Os primeiros fatos já foram destacados. Observe:

1 – Em um acampamento de escoteiros, um grupo de meninos é encarregado de recolher galhos secos na mata.

2 – Um dos meninos, considerado como mascote, distrai-se recolhendo gravetos e distancia-se dos demais.

Escreva o que aconteceu de importante nas outras duas partes.

Resposta pessoal do aluno. Sugestão: 3 – O menino percebe que está sozinho e grita pelos companheiros. 4 – Quase noite, completamente só, permanece quieto, esperando que o busquem no meio do mato.

b)   Agora, reconte a história em forma de desenho. Em seu caderno, faça quatro quadrinhos e desenhe em cada um deles uma parte importante da história. Dê um título para cada quadrinho.

Resposta pessoal do aluno.

03 – Você deve ter notado que quem conta essa história é a personagem menino. Em um momento do texto, o menino diz o seguinte: “Também eu levava, com orgulho, dependurada ao cinto, a minha faca de campanha”.

a)   Para que os escoteiros usavam facas, machadinhas e facões?

Para cortar os galhos secos das árvores.

b)   Por que o menino tinha orgulho de carregar uma faca?

Possuir uma faca significava já ser um escoteiro, ser grande.

c)   Ele usou a faca? Por quê?

Não. O comandante da patrulha deu-lhe como missão apenas recolher os gravetos que já estavam no chão. Tudo indica que era pequeno para usar uma faca.

04 – “Eu sabia me orientar pelo sol. Bastava virar à esquerda para o poente, e tinha à minha frente o norte, às costas o sul e à direita o leste.”. Você também sabe se orientar pelo sol? Descubra onde estão norte, sul, leste e oeste em sua classe.

      Resposta pessoal do aluno.

05 – Podemos afirmar que o menino teve medo? Procure no texto e escreva em seu caderno um trecho que comprove a sua resposta.

      Provavelmente, sim. “Senti vontade de chorar.”

06 – Como você se sentiria se estivesse no lugar do menino? O que você faria?

      Resposta pessoal do aluno.

07 – O que você acha que aconteceu ao menino, durante a noite, sozinho, perdido na mata? Imagine que você é o escoteiro perdido e escreva um final para a história.

      Resposta pessoal do aluno.

 

CRÔNICA: UM CÃO, APENAS - CECÍLIA MEIRELES - COM GABARITO

 Crônica: Um Cão, Apenas   

                   Cecília Meireles

        Subidos, de ânimo leve e descansado passo, os quarenta degraus do jardim — plantas em flor, de cada lado; borboletas incertas; salpicos de luz no granito —, eis-me no patamar. E a meus pés, no áspero capacho de coco, à frescura da cal do pórtico, um cãozinho triste interrompe o seu sono, levanta a cabeça e fita-me. E um triste cãozinho doente, com todo o corpo ferido; gastas, as mechas brancas do pêlo; o olhar dorido e profundo, com esse lustro de lágrima que há nos olhos das pessoas muito idosas. Com um grande esforço, acaba de levantar-se. Eu não lhe digo nada; não faço nenhum gesto. Envergonha-me haver interrompido o seu sono. Se ele estava feliz ali, eu não devia ter chegado. Já que lhe faltavam tantas coisas, que ao menos dormisse: também os animais devem esquecer, enquanto dormem...

        Ele, porém, levantava-se e olhava-me. Levantava-se com a dificuldade dos enfermos graves: acomodando as patas da frente, o resto do corpo, sempre com os olhos em mim, como à espera de uma palavra ou de um gesto. Mas eu não o queria vexar nem oprimir. Gostaria de ocupar-me dele: chamar alguém, pedir-lhe que o examinasse, que receitasse, encaminhá-lo para um tratamento... Mas tudo é longe, meu Deus, tudo é tão longe. E era preciso passar. E ele estava na minha frente, inábil, como envergonhado de se achar tão sujo e doente, com o envelhecido olhar numa espécie de súplica.

        Até o fim da vida guardarei seu olhar no meu coração. Até o fim da vida sentirei esta humana infelicidade de nem sempre poder socorrer, neste complexo mundo dos homens.

        Então, o triste cãozinho reuniu todas as suas forças, atravessou o patamar, sem nenhuma dúvida sobre o caminho, como se fosse um visitante habitual, e começou a descer as escadas e as suas rampas, com as plantas em flor de cada lado, as borboletas incertas, salpicos de luz no granito, até o limiar da entrada. Passou por entre as grades do portão, prosseguiu para o lado esquerdo, desapareceu.

        Ele ia descendo como um velhinho andrajoso, esfarrapado, de cabeça baixa, sem firmeza e sem destino. Era, no entanto, uma forma de vida. Uma criatura deste mundo de criaturas inumeráveis. Esteve ao meu alcance, talvez tivesse fome e sede: e eu nada fiz por ele; amei-o, apenas, com uma caridade inútil, sem qualquer expressão concreta. Deixei-o partir, assim, humilhado, e tão digno, no entanto; como alguém que respeitosamente pede desculpas de ter ocupado um lugar que não era o seu.

        Depois pensei que nós todos somos, um dia, esse cãozinho triste, à sombra de uma porta. E há o dono da casa e a escada que descemos, e a dignidade final da solidão.

 Inéditos – crônicas. Rio de Janeiro, Bloch, 1967. p. 19-20.

          Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 208-210.

Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fwww.petz.com.br%2Fblog%2Ffilhotes%2Fdicas-boa-adaptacao-filhote%2F&psig=AOvVaw1wf1w-BK_8MwH_GeB7uNQr&ust=1608335178709000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCNCc782Z1u0CFQAAAAAdAAAAABAJ

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Salpicos: manchas, pingos.

·        Inábil: sem habilidade.

·        Dorido: que sente dor, dolorido.

·        Súplica: pedido.

·        Lustro: brilho.

·        Complexo: complicado, intrincado.

·        Vexar: incomodar, afligir.

·        Limiar: entrada, início.

·        Oprimir: causar opressão, humilhação.

·        Andrajoso: vestido de trapos, esfarrapado.

02 – Onde se dá o encontro da narradora com o cãozinho?

      Em um patamar, provavelmente diante da porta de alguma casa.

03 – Por que o cãozinho se levanta ao ver a narradora?

      Acostumado a ser enxotado, ele se levanta já esperando isso.

04 – Em que frase a narradora dá dimensão humana ao sofrimento do cão?

      “... o olhar dorido e profundo, com esse lustro de lágrima que há nos olhos das pessoas muito idosas”.

05 – O texto permite inferir algumas características pessoais da narradora. Quais?

      Sensibilidade, compreensão do outro, piedade.

06 – Segundo a narradora, existe uma expectativa do cãozinho. Qual seria?

      Ele fica à espera de uma palavra ou de um gesto, olha-a de modo suplicante.

07 – Qual o verdadeiro sentido de: “Mas tudo é longe, meu Deus, tudo é tão longe. E era preciso passar”?

      Auxiliar os outros é muito difícil, e é preciso continuar a nossa vida, sempre cheia de compromissos.

08 – De que a narradora se ressente?

      De não poder ajudar todos aqueles que precisam de ajuda. Na verdade, ela procura apenas justificar-se.

09 – Existe um contraste entre a descrição do cãozinho e a descrição do jardim por onde ele passa para retirar-se. Que contraste é esse?

      Os degraus do jardim, ladeados por flores, contrastam com o cãozinho que está velho, sujo, etc.

10 – Por que a narradora afirma: “... amei-o, apenas, com uma caridade inútil...”?

      Porque ela se compadece do cãozinho, mas nada faz de concreto para ajudá-lo.

11 – Sobre o cãozinho, a impressão mais forte que fica no leitor é a de sua:

a)   Humildade.

b)   Fraqueza.

c)   Dignidade.

d)   Determinação.

12 – O texto “Um cão, apenas” nos mostra:

a)   A impossibilidade de uma pessoa ajudar um cãozinho.

b)   Que a velhice e a solidão são inevitáveis para todos os seres.

c)   Que é possível ser digno mesmo nos momentos mais deprimentes.

d)   Que nem sempre se deve fazer o que se tem vontade.

 

REPORTAGEM: GAROTAS RETOMAM HÁBITO DE ESCREVER DIÁRIOS - GABRIELA CARELLI - COM GABARITO

 Reportagem: Garotas retomam hábito de escrever diários

                    Tido como ultrapassado, “amigo” foi resgatado e já aparece até em novela de TV

Gabriela Carelli

        A rotina repete-se todas as noites. Antes de dormir, com a porta do quarto trancada e longe de pais, mães e irmãos curiosos, milhares de jovens escrevem sobre suas frustações e alegrias. O velho diário, um tanto esquecido nos últimos tempos, voltou à moda. “É um desabafo”, diz a estudante Catarina Rodrigues Papa, de 18 anos, que mantém anotações há mais de três anos.

        A mania, tida havia pouco tempo como ultrapassada, já está sendo citada até em novelas. A personagem da atriz Gabriela Duarte na novela Por Amor, da Rede Globo, não dispensa as confissões ao diário. Outra atriz, Mylla Christie, declarou à imprensa que começou a escrever um durante a viagem recente à Inglaterra na qual posou para a revista Playboy. “Não há nada melhor para esclarecer períodos conturbados.”

        Monique de Godoy Fróes, de 13 anos, foi uma das que aderiram ao diário por causa da novela. “Tinha um há muito tempo, mas depois de ver a Gabriela fazendo anotações, me deu vontade de continuar escrevendo”. No Colégio Elvira Brandão, zona sul, onde ela estuda, os caderninhos de anotações viraram uma febre.

        Reflexão – Para a terapeuta Priscila Derdyk, o diário é uma forma eficaz de as pessoas liberarem sentimentos. “Escrever exige reflexão”. Ela acredita que os adolescentes são os que mais se beneficiam com a mania. “Muitas vezes eles têm medo de expor o que pensam para parentes e amigos.”

      A estudante Marcella Rapolli, de 16 anos, começou a escrever seu diário aos 13 anos. Hoje, ela tem uma gaveta com todos eles guardados. “É muito bom”, conta. “Posso rever tudo por que passei.” Aluna do Colégio Dante Alighieri, nos Jardins, Marcella conta que, no início, só relatava passagens de sua vida. “Este ano comecei a escrever o que sinto”, diz. “Em dias em que tudo dá errado, queimo a beirada da página; em dias bons, colo adesivos e pinto com canetinhas.”

        Apesar da pouca idade, Anna Carolina Junqueira, de 12 anos, diz ter notado um amadurecimento quando compara anotações antigas às atuais. Ao contrário de algumas colegas, que começaram a escrever diários recentemente, Anna tem os seus desde os 66 anos. “Minhas histórias do primário eram cheias de erros de português”, lembra. “E o assunto principal eram os presentes.”

        Namoros – Na adolescência, os interesses mudam. “De cada dez páginas, nove falam sobre o namorado ou mal de alguém”, diz Sofia Cardoso Pereira, de 13 anos.

        Assuntos tão confidenciais exigem segurança total. “A chave da gaveta onde guardo os diários fica escondida”, conta Renata Jensen, de 18 anos. “Assim, fica mais difícil minha mãe descobrir o que não deve”.

        Alguns modelos de diário já vêm equipados com chaves e cadeados. Mas o medo de que alguém descubra segredos faz com que as meninas adotem táticas especiais. Juliana de Carvalho Nogueira, de 14 anos, criou uma linguagem em código. “Mesmo quando meus irmãos conseguem roubar o diário, não entendem nada”, vangloria-se.

O Estado de São Paulo, 27 nov. 1997.

           Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 197-8.

Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fwww.mensagenscomamor.com%2Ffrases-sobre-diarios&psig=AOvVaw0HhWkmvHP_6bMQ1hm5QwNe&ust=1608334769588000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMiXkoqY1u0CFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo a reportagem:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Frustações: decepções, desilusões.

·        Confidenciais: ditos em segredos; secretos.

·        Conturbados: agitados, com muitos problemas.

·        Tática: maneira hábil de encarar as coisas.

·        Eficaz: que funciona bem.

·        Código: conjunto de sinais.

·        Reflexão: pensamento profundo.

·        Vangloria-se: gaba-se.

02 – Qual o principal assunto do texto?

      Por influência de uma personagem de novela, adolescentes voltam à saudável prática de fazer anotações em diários.

03 – Encontre semelhanças entre as entrevistadas.

      Todas são adolescentes que estudam em bons colégios.

04 – Quais são os vilões dos escritores de diário?

      São os bisbilhoteiros dos textos alheios: pais, mães, irmãos.

05 – Como os escritores de diário enganam esses vilões?

        Eles usam códigos para produzir os textos.

06 – Qual é sua opinião sobre as pessoas que leem os diários alheios sem permissão?

      Resposta pessoal do aluno.

07 – Explique a diferença entre: “... só relatava passagens de sua vida” e “Este ano comecei a escrever o que sinto”.

      Com a prática, a garota passou a descrever, além de fatos, emoções e sentimentos.

08 – Como você entendeu as declarações da terapeuta Priscila Derdy?

      A prática de fazer anotações em diários é uma atividade excelente para o equilíbrio psíquico, pois, ao escrever, reflete-se sobre o que está sendo passado para o papel.

09 – “Muitas vezes [os adolescentes] eles têm medo de expor o que pensam para parentes e amigos”. Por que isso acontece? Esse tipo de atitude ocorre só com os adolescentes?

      Resposta pessoal do aluno.

REPORTAGEM: A VENDEDORA DE PEIXE E O CUSTO BRASIL - CLAUDIO DE MOURA CASTRO - COM GABARITO

 REPORTAGEM: A vendedora de peixe e o custo Brasil

         Claudio de Moura Castro – Ensaio

 Em países onde há solidariedade mais forte, o avanço é mais fácil. A esperteza brasileira sai muito cara

        Uma colega de trabalho aqui em Washington abriu uma microempresa para vender peixes do Pará, seu Estado natal. Não resisti a perguntar: Por que uma empresa nos Estados Unidos para vender peixe paraense, em tempos de DDD, fax e Internet à disposição de qualquer comerciante brasileiro de peixes, secos ou molhados? A resposta é simples, mas pouco edificante para as vaidades da pátria amada: americano não compra peixe de brasileiro. Não confia. Não está convencido de que será entregue na hora certa, de que não está podre ou mesmo de que foi pescado. E o pior é que isso não é superstição, preconceito ou má vontade. É algo aprendido à custa de prejuízos e dissabores.

        Já no tempo da borracha os seringueiros colocavam uma pedra na balança para pesar mais. Queixava-se um executivo de multinacional farmacêutica que seus fornecedores brasileiros nem sequer respondiam à correspondência. Um amigo do Espirito Santo, para conseguir exportar mármore, teve de lutar anos para convencer seus clientes americanos de que não era mais um a prometer e não cumprir. Custou aos exportadores de Petrolina entender que uma uvinha murcha escondida no fundo da caixa resultava no contêiner inteiro devolvido. Queixamo-nos dos estivadores, dos buracos nas estradas e dos impostos. É o custo Brasil, dizem todos, assim não podemos exportar! Porém, há outro custo Brasil, mais insidioso e não menos corrosivo: a falta de palavra e de cumprimento.

        Max Weber, em um trabalho clássico, mostra os benefícios que trazem ao comércio e à indústria as virtudes morais do protestantismo. Poder confiar no outro, manter a palavra ou não errar propositadamente no troco são fatores de desenvolvimento econômico tão poderosos quanto a força de trabalho e as maquinarias. Essa ideia antiga ganha roupagens novas nas teorias de Putnam sobre o capital social.

        Nas sociedades em que há forte solidariedade social, o desenvolvimento econômico é mais fácil. Todos jogam no mesmo time, não se dispersam forças defendendo-se das safadezas dos outros. As energias vão para as atividades produtivas, e não para assegurar-se dos direitos e interesses legítimos. Evita-se o custo de precaver-se para não ser passado para trás. Quando um não pode confiar na palavra do outro, multiplicam-se os formalismos legais para garantir o cumprimento. Ou se deixa de fazer o negócio se não há tempo, ou possibilidade, de estar protegido da safadeza do outro. O que podia ser resolvido pelo telefone requer uma visita e uma assinatura. Se o funcionário do banco não pode resolver sem a assinatura do seu chefe, são precisos muitos chefes para a infinidade de assinaturas requeridas em operações triviais. Quando o carro ou o televisor enguiça na garantia, o representante acha logo que tem safadeza do cliente e este que o fabricante vendeu propositadamente um produto defeituoso. O duelo inútil consome o tempo de todos.

        Quando todos são caretas e praticam no cotidiano as virtudes pequeno-burguesas, tudo é mais simples e mais barato, pois se economiza no controle, no vigia, no que vigia o vigia e assim por diante. Quando não confia no outro, a prestação do serviço e o pagamento são feitos cada um na hora mais conveniente para as partes. Mas, se há presunção de desonestidade, a operação parece troca de sequestrado pelo resgate, inconveniente para todos.

        Na verdade, há um círculo virtuoso ou vicioso nessa relação de confiança e desconfiança. Pesquisas demonstram: aqueles que confiam nos outros provocam nas pessoas com quem lidam um comportamento mais coreto. Isto é, quem confia é menos enganado pelo próximo do que os desconfiados, que geram nos outros comportamentos que confirmam as desconfianças. Quando todos são muito espertos, todos têm de gastar seu precioso tempo defendendo-se das espertezas dos outros. A celebrada esperteza brasileira é um dos mais horrendos custos Brasil.

      P.S.: Contou-me ontem a vendedora de peixe que acaba de levar calote de um dos seus fornecedores brasileiros.

                                   Veja, 30 jul. 1997.

          Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 180-2.

Entendendo o texto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Edificante: construtiva.

·        Precaver-se: acautelar-se, prevenir-se.

·        Superstição: crença falsa.

·        Formalismos: medidas que valorizam excessivamente as formalidades, o cumprimento de determinações e requisitos.

·        Preconceito: ideia que se forma antes de observada a realidade.

·        Dissabores: contrariedades.

·        Triviais: comuns, corriqueiras.

·        Contêiner: caixa de aço para transporte de mercadoria.

·        Pequeno-burguesas: próprias da classe média.

·        Insidioso: traiçoeiro.

·        Presunção: suspeita, suposição.

·        Corrosivo: destrutivo.

·        Celebrada: louvada, divulgada de forma positiva.

02 – Por que é difícil vender peixe brasileiro nos Estados Unidos?

      Americano não compra peixe de brasileiro porque não confia na qualidade do produto nem no cumprimento dos prazos de entrega.

03 – De que aspecto do comportamento do brasileiro o texto trata?

      O texto trata da suposta esperteza, da falta de compromisso, do não-cumprimento da palavra dada, do desrespeito aos compromissos assumidos.

04 – Quais são as ideias que o texto opõe ao comportamento do brasileiro?

      São as ideias das virtudes morais: honestidade, solidariedade, correção, confiança no semelhante.

05 – Qual a principal vantagem da honestidade?

      No caso de que trata o texto é a economia de energia, de tempo e de dinheiro.

06 – O texto apresenta uma solução para os problemas provocados por esse comportamento dos brasileiros. Qual seria essa solução?

     A superação do desejo de levar vantagem em tudo e a adoção da honestidade e da solidariedade nos atos do dia-a-dia.

07 – Como você entende: “Quando todos são muito espertos, todos têm de gastar seu precioso tempo defendendo-se das espertezas dos outros”?

      A esperteza geral não traz benefícios para ninguém, mas provoca uma desgastante perda de tempo com milhares de precauções, desconfianças, cuidados para não ser passado para trás.

08 – Quais são as consequências da “esperteza brasileira”?

      O aumento do custo Brasil e o prejuízo decorrente desse aumento para a imagem do país no exterior.

09 – Você já ouviu falar na famosa “lei de Gerson”? Em que consiste? De onde surgiu essa expressão?

      Essa expressão remete ao famoso “jeitinho” do brasileiro, que procura, em todos os momentos, levar vantagem em tudo. Surgiu de um comerciante em que um famoso jogador de futebol da época – Gerson – aconselhava o público a não se esquecer de procurar levar vantagem em tudo.

10 – Como você entende: “... se há presunção de desonestidade, a operação parece troca de sequestrado pelo resgate, inconveniente para todos”?

      Resposta pessoal do aluno.

11 – O que você pensa sobre as afirmações contidas no texto?

      Resposta pessoal do aluno.