sexta-feira, 26 de abril de 2019

REPORTAGEM : EXAME DE ADMISSÃO - REVISTA SUPERINTERESSANTE - COM GABARITO

REPORTAGEM: Exame de admissão

        As danças e cantos se estendem noite adentro. Mas, assim que o dia amanhece, um grupo de índios corre até a pequena maloca e liberta a menina que estava presa. Ela não tinha feito algo de errado. Ao contrário, era personagem de uma festa — o ritual que os mamaindês de Mato Grosso e Rondônia chamam de festa da moça nova. Três meses antes, a indiazinha menstruara pela primeira vez e, como manda a tradição, ficou reclusa, sem poder ver a luz do Sol, aos cuidados das mulheres mais velhas. Enquanto isso, o grupo se esmerou em preparar a festa de sua libertação: o grande dia em que a pequena mamaindê passaria a ser considerada apta ao casamento e à maternidade. Muito mais complicada é a passagem da infância à vida adulta nas sociedades modernas. Para começar, a transição leva muito mais tempo, a partir dos 12, 13 anos de idade, e é chamada, desde o século XIX, de adolescência. “Nas sociedades mais complexas não existe um momento determinado em que se reconheça essa passagem como nas sociedades indígenas”, observa a socióloga Aspásia Camargo, da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. De fato, os rituais são outros, próprios de um período longo, e se diluem pelos diferentes grupos sociais. Determinar o início da adolescência é relativamente fácil, pois coincide com a puberdade, quando ocorrem grandes mudanças biológicas.
        Mais difícil é precisar o final dessa fase. De qualquer forma, existem alguns marcos. O vestibular, por exemplo, é um deles e se dá por volta dos 18 anos. Nessa idade os jovens adquirem algumas prerrogativas dos adultos, embora, legalmente, não sejam ainda considerados maiores de idade, o que só vai se dar aos 21 anos. Na faculdade, eles sabem que têm de estudar para concluir o curso e já podem enfrentar o mercado de trabalho. É também aos 18 anos que podem tirar carteira de motorista e pedir o carro ao pai, que antes se negava a emprestar. Podem tirar título de eleitor e, quem sabe, em breve, escolher o presidente da República. Casar, no entanto, só aos 21 anos, a menos que sejam emancipados antes pelos pais. Se já tiverem um emprego, não precisarão mais depender da mesada paterna — serão donos de seu próprio nariz e, aos olhos da sociedade, adultos. Mas chegar até a esse estágio, virar gente grande, são anos de indefinição: quando entram na puberdade, os jovens deixam de ser crianças, mas ainda não são considerados adultos.
Para marcar presença diante da sociedade, chamando a atenção para essa travessia, assumem comportamentos e atitudes peculiares. Aí vale tudo: desde cortar o cabelo estilo “calha” — raspado dos lados, com uma franja em forma de onda caída na testa — até se vestir de preto da cabeça aos pés, com as calças coalhadas de tachinhas douradas ou prateadas, no melhor estilo “dark”. Os menos extremados usam os tão comuns jeans, tênis e camisetas, e não se diferenciam tanto dos mais velhos, acostumados a se vestir assim também. A peculiaridade está em usar geralmente as mesmas marcas de jeans e determinados modelos de tênis, de preferência sem cadarço. Os adolescentes adoram as bermudas largas e floridas, as saias confortáveis e os relógios de pulseiras coloridas, que combinam com as cores das roupas. A entrada na puberdade implica não só alterações corporais, mas também uma reviravolta psicológica. “Garotos e garotas jogam fora aspectos infantis e aspiram a ser adultos”, explica o psiquiatra paulista Içami Tiba, que há dezoito anos trabalha com adolescentes. Nessa época. diz ele, “a principal mudança é a atitude diante dos pais: se antes obedeciam, agora se opõem às ordens recebidas, e o resultado são as primeiras desavenças familiares”.

                                              Revista Superinteressante, mar. 1988.

Entendendo o texto:

01 – Releia atentamente o texto “Exame de admissão”. Em seguida, responda a estas questões:
a)   No início do primeiro parágrafo, o texto se inicia com verbos no presente (estendem, amanhece, corre, liberta). Depois, o enunciador-narrador utiliza uma série de verbos em tempos do passado. Que significados têm esses tempos verbais nesse trecho do texto?
O presente utilizado no início marca uma época simultânea ao momento da narração (presente do enunciador-narrador). Os tempos do passado remetem o enunciatário-leitor a uma época de tempo anterior ao momento da narração expresso pelo presente.

b)   Para assinalar a anterioridade, ou seja, o momento anterior em relação ao momento da libertação da garota indígena, o enunciador-narrador do texto utiliza, logo no primeiro parágrafo, uma expressão de tempo. Localize essa expressão no texto. Que tempo verbal é utilizado para reforçar a ideia de anterioridade temporal?
A expressão é “três meses antes”, e o tempo verbal é o mais-que-perfeito simples do indicativo (menstruará), que indica a anterioridade em relação ao passado.

c)   No trecho a seguir, a que período de tempo a expressão “enquanto isso” se refere? Explique.
“Enquanto isso, o grupo se esmerou em preparar a festa de sua libertação: o grande dia em que a pequena mamaindê passaria a ser considerada apta ao casamento e à maternidade.”
A expressão se refere ao período em que a garota indígena ficou reclusa, que é simultâneo à preparação da festa. Ela indica que as ações (reclusão da garota e preparação da festa) são simultâneas.

d)   “Exame de admissão” é uma reportagem. Localize no texto o início e o fim do trecho narrativo.
Início: “As danças e cantos...”. Fim: “... apta ao casamento e à maternidade”.


MENSAGEM: RECOMEÇAR... CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - PARA REFLEXÃO


Mensagem: RECOMEÇAR...
                    Carlos Drummond de Andrade


        Não importa onde você parou, em que momento da vida você cansou, o que importa é que sempre é possível e necessário “Recomeçar”.
        Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo.
        É renovar as esperanças na vida e o mais importante: acreditar em você de novo.
        Sofreu muito nesse período?
        Foi aprendizado.
        Chorou muito?
        Foi limpeza da alma.
        Ficou com raiva das pessoas?
        Foi para perdoá-las um dia.
        Sentiu-se só por diversas vezes?
        É por que fechaste a porta até para os outros.
        Acreditou que tudo estava perdido?
        Era o início da tua melhora.
        Pois é! Agora é hora de iniciar, de pensar na luz, de encontrar prazer nas coisas simples de novo.
        Que tal um novo emprego? Uma nova profissão? Um corte de cabelo arrojado, diferente?
        Um novo curso, ou aquele velho desejo de apender a pintar, desenhar, dominar o computador, ou qualquer outra coisa?
        Olha quanto desafio. Quanta coisa nova nesse mundão de meu Deus te esperando.
        Tá se sentindo sozinho? Besteira!
        Tem tanta gente que você afastou com o seu “período de isolamento”, tem tanta gente esperando apenas um sorriso teu para “chegar” perto de você.
        Quando nos trancamos na tristeza, nem nós mesmos nos suportamos.
        Ficamos horríveis.
        O mau humor vai comendo nosso fígado, até a boca ficar amarga.
        Recomeçar!
        Hoje é um bom dia para começar novos desafios.
        Onde você quer chegar? Ir alto?
        Sonhe alto, queira o melhor do melhor, queira coisas boas para a vida, pensamentos assim trazem para nós aquilo que desejamos.
        Se pensarmos pequeno, coisas pequenas teremos.
        Já se desejarmos fortemente o melhor e principalmente lutarmos pelo melhor, o melhor vai se instalar na nossa vida.
        E é hoje o dia da Faxina Mental.
        Joga fora tudo que te prende ao passado, ao mundinho de coisas tristes, fotos, peças de roupa, papel de bala, ingressos de cinema, bilhetes de viagens, e toda aquela tranqueira que guardamos quando nos julgamos apaixonados.
        Jogue tudo fora.
        Mas, principalmente, esvazie seu coração. Fique pronto para a vida, para um novo amor.
        Lembre-se somos apaixonáveis, somos sempre capazes de amar muitas e muitas vezes.
        Afinal de contas, nós somos o “Amor”.
                                                       (Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 24 de abril de 2019

POEMA: PSICOLOGIA DE UM VENCIDO - AUGUSTO DOS ANJOS - COM QUESTÕES GABARITADAS

Poema: Psicologia de um vencido

              Augusto dos Anjos

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco, 


Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Augusto dos Anjos. Eu e Outras Poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

Entendendo o poema:

01 – A linguagem do poema surpreende e modifica uma tradição poética brasileira, em grande parte construída com base em sentimentalismo, delicadezas, sonhos e fantasias.
a)   Destaque do texto vocábulos empregados poeticamente por Augusto dos Anjos e tradicionalmente considerados antipoéticos.
Carbono, amoníaco, epigênesis, hipocondríaco, verme, etc.

b)   De que área do conhecimento humano provêm esses vocábulos?
Provêm da ciência, particularmente da Química.

02 – O poema pode ser dividido em duas partes: a primeira trata do próprio eu lírico; a segunda, da morte.
a)   Como o eu lírico encara a vida e a si mesmo nas duas primeiras estrofes?
Vê a vida e a si mesmo de forma pessimista, pois entende que o homem é matéria, química, e considera que tudo caminha para a destruição.

b)   Que enfoque é dado à morte nas duas últimas estrofes?
A morte é considerada o destina final de toda forma de vida. Cabe ressaltar também a crueza do tratamento dado à morte, representada pela imagem do verme a comer “sangue podre”.

03 – O título é uma espécie de síntese das ideias do poema. Justifique-o.
      Embora o título contenha a palavra psicologia, o poema detém-se a tratar da matéria das substâncias químicas que formam o eu, evitando maior introspecção. Apesar disso, é possível constatar o negativismo interior do eu lírico, que se considera “vencido” em virtude da fragilidade física do ser humano e da força implacável da morte.

04 – O poema é centrado no eu. Apesar disso, pode-se dizer que suas ideias são universalizantes? Justifique.
      Sim. Porque a condição humana retratada pelo poema (constituição e fragilidade física do ser humano, fatalidade da morte) não é exclusiva do eu lírico, mas universal.

05 – Identifique no texto ao menos uma característica naturalista e outra simbolista.
      A característica naturalista do poema está no cientificismo; A característica simbolista, encontra-se na visão decadentista do eu lírico sobre a vida.

06 – O poema tem como temática:
a)   A influência dos signos do zodíaco sobre a vida humana.
b)   Os medos enfrentados pelos homens durante a infância.
c)   A angústia diante da decomposição fatal do corpo humano.
d)   As doenças que levam o homem à morte.

07 – Apresenta uma comparação os versos:
a)   “Sofro, desde a epigênese da infância
A influência dos signos do zodíaco”.
b)   “Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...”
c)   “E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra”.
d)   “Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que escapa da boca de um cardíaco.”

08 – São palavras que fazem parte do vocabulário científico:
a)   Guerra e terra.
b)   Zodíaco e ânsia.
c)   Inorgânica e epigênese.
d)   Signos e operário.

09 – Segundo os versos do poema, o eu lírico:
a)   É uma pessoa cardíaca.
b)   Declarou guerra à vida.
c)   Sente-se um verme.
d) Considera-se um sofredor.

10 – “Monstro de escuridão e rutilância”, o verso apresenta:
a)   Uma antítese.   
b)   Um eufemismo. 
c)   Uma hipérbole. 
d) Uma metonímia.

11 – O verme representa para o eu lírico:
a)   Uma doença.
b)   Um predador.  
c)   Um aliado.  
d) Uma solução.


SONETO: Ó VIRGENS! ANTÔNIO NOBRE - COM QUESTÕES GABARITADAS

Soneto: Ó Virgens!
        
     Antônio Nobre

Ó virgens que passais, ao sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me transporte ao meu perdido lar...

Cantai-me, n'essa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formosura, o luar!

Cantai! cantai as límpidas cantigas!
Das ruinas do meu Lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas.

Que eu vi morrer num sonho, como um ai.
Ó suaves e frescas raparigas;
Adormecei-me nessa voz... Cantai! 
 In A. Soares Amora. Presença da literatura portuguesa.
“O Simbolismo”. São Paulo, Difel, 1974.
Entendendo o soneto:
01 – Que características do Simbolismo percebemos na expressão “ao meu perdido Lar”?
      Duas características: o uso de letras maiúsculas em substantivos comuns, dando-lhes um sentido de transcendência, de valor absoluto e a ideia de um “lar” metafísico, distante, de uma origem nostálgica, sobrenatural, idealizada.

02 – Com o sujeito lírico vislumbra o seu “transporte” a esse “perdido Lar”? Trata-se de um transporte real ou imaginário?
      A forma é o canto ardente da Virgens que passam; este canto transporta o sujeito lírico ao seu amigo lar imaginariamente, porque o evocam, fazem-no lembrar-se dele.

03 – Na segunda estrofe, quais são os objetos do canto das Virgens e o que representam para o sujeito lírico?
      As virgens cantam o sol, o mar, o campo (“A fartura da seara reluzente”) e o luar, isto é, os elementos da natureza, que representam o vinho e a graça, ou seja, a embriaguez e o encantamento, par o sujeito lírico.

04 – Transcreva o verso da 3ª estrofe em que melhor se perceba a musicalidade, presente em todo o poema.
      O verso é: “Cantai! Cantai as límpidas cantigas!”

05 – Que recursos sonoros essencialmente simbolistas do verso transcrito são responsáveis por sua musicalidade?
      As repetições de palavras e de sons, como as vogais a e i (assonância) e as consoantes c e t (aliterações).

06 – No desfecho do soneto (as duas estrofes finais), como percebemos as seguintes características simbolistas do poema:
a)   A recusa da realidade.
Percebemos a recusa da realidade pela expressão “... ilusões antigas / Que eu vi morrer num sonho...”.

b)   O desejo de evasão, a evocação da morte.
Ambas as ideias estão implícitas na vontade de adormecer, ouvindo o canto das Virgens, com a qual o sujeito lírico termina o soneto.


CRÔNICA: PRETO NO BRANCO - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: Preto no Branco
               Luís Fernando Veríssimo

     “Escrevo peças porque escrever diálogos é a única maneira respeitável de você se contradizer.” Tom Stoppard

        Um palco vazio. Entram dois homens, um vestido de preto e o outro vestido de branco. Eles representam os dois lados do Autor. Isso a plateia já sabe porque está escrito no programa. Pelo Autor. Ou por um dos lados do Autor, já que o outro era contra. O outro lado do Autor queria que o espectador deduzisse no transcorrer do diálogo que os dois autores representam a mesma pessoa, porque, na sua opinião, dar muitas explicações para a plateia subverte a relação de cumplicidade misturada com hostilidade que deve existir entre palco e público, e nada destrói este clima mais depressa do que o público descobrir que está entendendo tudo. Os dois lados do Autor discutiram muito sobre isto e prevaleceu o lado que queria ser perfeitamente claro, mesmo com o perigo de frustrar o público. Palco vazio. Dois homens, representando os dois lados do Autor. Um todo de preto, o outro todo de branco.
        Homem de Branco – Preto.
        Homem de Preto – Branco.
        Branco – Por que não cinza?
        Preto – Vem você com essa absurda mania de conciliação. Essa volúpia pelo entendimento. Essa tara pelo meio-termo!
        Branco – Senão fosse isso, nós não estaríamos aqui. Foi minha moderação que nos manteve longe de brigas. Foi minha ponderação que nos preservou. Se eu fosse atrás de você...
        Preto – Nós teríamos vivido! Pouco, mas com um brilho intenso. Teríamos dito tudo que viesse à cabeça. Distinguido o pão do queijo com audácia. Posto pingos destemidos em todos os “is”. Dado nome completo a todos os bois!
        Branco – Em vez disso, fomos civilizados. Isto é, contidos e cordatos.
        Preto – E temos tiques nervosos para provar.
        Branco – Você preferiria ter dito a piada que magoaria o amigo? A verdade que destruiria o amor? O insulto que nos levaria ao Pronto-Socorro, setor de traumatismo?
        Preto – Preferiria. Para poder dizer que não me calei. Para poder dizer “Eu disse!”
        Branco – Ainda bem que não é você quem manda em nós.
        Preto – Não, é você. Sempre fazemos o que você determina. Ou não fazemos. Não dizemos. Não vivemos! Estou dentro de você, fazendo, dizendo e vivendo só em pensamento. Se ao menos eu pudesse sair aos sábados...
        Branco – Para que, para nos matar? Pior, para nos envergonhar?
        Preto – Melhor se envergonhar pelo dito e o feito do que pelo não dito e não adiado. Você sabe que cada soco que um homem não dá encurta a sua vida em 17 dias? E cada vez que um homem pensa em sair dançando um bolero e se controla, seu fígado aumenta? E cada...
        Branco – Bobagem. Ainda bem que eu sou verdadeiro nós.
        Preto – Não, eu sou o verdadeiro você.
        Branco – Você só é nós em pensamento. Você é minha abstração.
        Preto – Sou tudo o que em nós é autentico e não reprimido. O seja: você é minha falsificação.
        Branco – Você não é uma pessoa, é uma impulsão.
        Preto – Você não é pessoa, é uma interrupção.
        Branco – Mas quem aparece sou eu.
        Preto – Então o que estou fazendo neste palco, e ainda por cima de malha justa?
        Branco – Você só está aqui como uma velha tradição teatral, o interlocutor. Um artifício cênico, para o Autor não falar sozinho.  “Escrever diálogos é a única maneira respeitável de você se contradizer.” Tom Stoppard.
        Preto – Quer dizer que eu só entrei em cena para dizer...
        Branco – Branco. E eu...
        Preto – Preto. Por quê?
        Branco – Para mostrar à plateia que todo homem é a soma, ou a mescla, das duas contradições. Que no fim o destino comum de todos, cremados ou não cremados, não é ser branco ou preto, é ser cinza.
        Preto – Mostrar a quem?
        Branco – A pla... Onde está a plateia?!
        Preto – Foram todos embora.
        Branco – Será porque não entenderam o diálogo?
        Preto – Acho que foi porque entenderam.

Luiz Fernando Verissimo. Preto e Branco. Publicado originalmente no jornal
O Estado de São Paulo – Caderno 2, em 25/11/2001.
Entendendo a crônica:

01 – Releia a citação de Tom Stoppard, utilizada como epígrafe por Veríssimo, e responda: que características do gênero dramático motivam aquele autor a escrever peças de teatro? Explique.
      As caraterísticas são o diálogo – forma básica da linguagem dramática – e o conflito. Segundo Stoppard, o diálogo teatral é uma maneira de o autor se contradizer, ou seja, de discutir e conflitar consigo mesmo.

02 – Por que o texto “Preto no Branco” pode ser considerado uma paródia de uma peça teatral?
      O texto foi publicado como uma crônica, para os leitores de um jornal, e Veríssimo não pretende que ela seja representada em um palco, como se fosse teatro. É, portanto, como crônica, um texto narrativo. Suas características, porém, são as do gênero dramático: atores representando personagens no palco, conflito, diálogo, discurso direto, sem intermediação ou interferência de narrador. Essa imitação do teatro tem uma intenção crítica e até zombeteira.

03 – Uma peça de teatro normalmente não tem narrador. Seu texto é construído essencialmente de diálogos. O autor, no entanto, entremeia o texto de rubricas – orientações e explicações dirigidas aos encenadores (diretor, atores, cenógrafos...). Essas rubricas têm características narrativas e descritivas. Identifique, na crônica, o parágrafo que parodia a rubrica de um texto teatral.
      O primeiro parágrafo.

04 – A rubrica atribui um significado alegórico às personagens, que representam os dois lados ou personalidades conflitantes do autor.
a)   Que características do autor são simbolizadas pela cor branca, atribuída à primeira personagem?
A cor branca simboliza a clareza, a moderação, a ponderação, o espírito conciliador, cordato, propenso ao entendimento.

b)   E pela cor negra, atribuída à segunda personagem?
A cor negra simboliza a sinceridade, a autenticidade, o respeito à verdade, a audácia, a coragem, a emoção, o impulso.



ARTIGO DE OPINIÃO: VIOLÊNCIA EPIDÊMICA - DRÁUZIO VARELLA - COM QUESTÕES GABARITADAS

ARTIGO DE OPINIÃO: Violência epidêmica
                            
              Dráuzio Varella

        A violência urbana é uma enfermidade contagiosa. Embora possa acometer indivíduos vulneráveis em todas as classes sociais, é nos bairros pobres que ela adquire características epidêmicas.
        A prevalência varia de um país para outro e entre as cidades de um mesmo país, mas, como regra, começa nos grandes centros urbanos e se dissemina pelo interior. A incidência nem sempre é crescente; mudança de fatores ambientais e medidas mais eficazes de repressão, por exemplo, podem interferir em sua escalada.
        As estratégias que as sociedades adotam para combater a violência flutuam ao sabor das emoções, raramente o conhecimento científico sobre o tema é levado em consideração. Como reflexo, a prevenção das causas e o tratamento das pessoas violentas evoluíram muito pouco no decorrer do século XX, ao contrário dos avanços ocorridos no campo das infecções, câncer, diabetes e outras enfermidades.
        A agressividade impulsiva é consequência de perturbações nos mecanismos biológicos de controle emocional. Tendências agressivas surgem em indivíduos com dificuldades adaptativas que os tornam despreparados para lidar com as frustrações de seus desejos.
        A violência urbana é uma doença com múltiplos fatores de risco, dos quais os mais relevantes são a pobreza e a vulnerabilidade biológica.
        Os mais vulneráveis são os que tiveram a personalidade formada num ambiente desfavorável ao desenvolvimento psicológico pleno. A revisão dos estudos científicos já publicados permite identificar três fatores principais na formação das personalidades com maior inclinação ao comportamento violento:
1) crianças que apanharam, foram abusadas sexualmente, humilhadas ou desprezadas nos primeiros anos de vida;
2) adolescência vivida em famílias que não lhes transmitiram valores sociais altruísticos, formação moral e não lhes impuseram limites de disciplina;
3) associação com grupos de jovens portadores de comportamento antissocial.
        Na periferia das cidades brasileiras vivem milhões de crianças que se enquadram nessas três condições de risco. Associadas à falta de acesso aos recursos materiais, à desigualdade social, à corrupção policial e ao péssimo exemplo de impunidade dado pelos chamados criminosos de colarinho-branco, esses fatores de risco criam o caldo de cultura que alimenta a violência crescente nas cidades.
        Na falta de outra alternativa, damos à criminalidade a resposta do aprisionamento. Embora pareça haver consenso de que essa seja a medida ideal e de que lugar de bandido é na cadeia, não se pode esquecer de que o custo social de tal solução está longe de ser desprezível. Além disso, seu efeito é passageiro: o criminoso fica impedido de delinquir apenas enquanto estiver preso. Ao sair, estará mais pobre, terá rompido laços familiares e sociais e dificilmente encontrará quem lhe dê emprego. Ao mesmo tempo, na prisão, terá criado novas amizades e conexões mais sólidas com o mundo do crime.
        Construir cadeias custa caro; administrá-las, mais ainda. Para agravar, obrigados a optar por uma repressão policial mais ativa, aumentaremos o número de prisioneiros a ponto de não conseguirmos edificar prisões na velocidade necessária para albergá-los. As cadeias continuarão superlotadas, e o poder dentro delas, nas mãos dos criminosos organizados.
        Seria mais sensato investir o que gastamos com as cadeias em educação, para prevenir a criminalidade e tratar os que ingressaram nela. Mas, como reagir diante da ousadia sem limites dos que fizeram do crime sua profissão sem investir pesado no aparelho repressor e no aprisionamento, mesmo reconhecendo que essa é uma guerra perdida?
        Estamos nesse impasse!
        Na verdade, não existe solução mágica a curto prazo. Precisamos de uma divisão de renda menos brutal, motivar os policiais a executar sua função com dignidade, criar leis que acabem com a impunidade dos criminosos bem sucedidos e construir cadeias novas para substituir as velhas, mas isso não resolverá o problema enquanto a fábrica de ladrões colocar em circulação mais criminosos do que nossa capacidade de aprisioná-los.
        Só teremos tranquilidade nas ruas quando entendermos que ela depende do envolvimento de cada um de nós na educação das crianças nascidas na periferia do tecido social. O desenvolvimento físico e psicológico das crianças acontece por imitação. Sem nunca ter visto um adulto, ela andará literalmente de quatro pelo resto da vida. Se não estivermos por perto para dar atenção e exemplo de condutas mais dignificantes para esse batalhão de meninos e meninas soltos nas ruas pobres das cidades brasileiras, vai faltar dinheiro para levantar prisões.
        Enquanto não aprendemos a educar e oferecer medidas preventivas para que os pais evitem ter filhos que não serão capazes de criar, cabe a nós a responsabilidade de integrá-los na sociedade por meio da educação formal de bom nível, das práticas esportivas e da oportunidade de desenvolvimento artístico.
                                        VARELLA, Dráuzio. In. Folha de São Paulo, 9 março 2002.
Entendendo o texto:
01 – No texto “Violência epidêmica”, afirma-se que nos bairros pobres a violência urbana “adquire características epidêmicas”. Considerando o conceito de epidemia (doença infecciosa que ataca simultaneamente grande número de indivíduos), explique como o autor justifica essa afirmação.
      Pessoas vulneráveis (que sofreram abusos quando crianças, que não foram bem orientadas pela família, que tiveram contato com jovens de comportamento anti-social) encontram terreno fértil (desigualdade social, corrupção, impunidade, etc.) e acabam “se contaminando” com a violência urbana – epidemia que se alastra sobretudo na periferia das cidades brasileiras.

02 – Esse texto apresenta introdução, desenvolvimento e conclusão. Identifique tal divisão.
      Introdução: “A violência urbana é uma enfermidade contagiosa (...) diabetes e outras enfermidades (1° e 3° parágrafo).
      Desenvolvimento: “A agressividade impulsiva é consequência (...). Estamos nesse impasse!” (4° e 11° parágrafo).  
     Conclusão: “Na verdade, não existe solução mágica (...) desenvolvimento artístico” (12° e 14° parágrafo).

03 – A organização de um texto pode ser observada ao se extrair de cada parágrafo a ideia desenvolvida em cada um. O texto “Violência epidêmica” tem 14 parágrafos. Qual é a ideia principal de cada um?
      1° – A violência é uma enfermidade contagiosa, epidêmica.
      2° – Ela começa nos grandes centros e se dissemina no interior.
      3° – Nas estratégias para combate-la, o conhecimento científico não é considerado.
      4° – A agressividade impulsiva deve-se às perturbações nos mecanismos biológicos de controle emocional.
      5° – A violência urbana é uma doença com fatores de risco.
      6° – Há três causas principais na formação de personalidades com inclinação ao comportamento violento: crianças que apanham ou foram abusada sexualmente; convivência com família que não transmite valores sociais e formação moral adequados; associação com jovens de comportamento anti-social.
      7° – Na periferia das cidades brasileiras milhões de crianças se enquadram em condições de risco, agravadas por outros fatores, aumentando a violência nas cidades.
      8° – Consenso de que lugar de bandido é na cadeia tem alto custo social e efeito passageiro.
      9° – Além de cadeias custarem caro, optar por repressão policial mais ativa aumentará o número de prisioneiros.
      10° – O mais sensato é investir em educação.
      11° – Há um impasse.
      12° – Vários fatores foram apontados como solução; melhor divisão de renda, motivar policiais, criar leis, construir novas cadeias.
      13° – É preciso o envolvimento de todos na educação de crianças menos favorecidas.
      14° – Uma solução seria aprender a educar, oferecer medidas preventivas e integrar essas crianças à sociedade.

04 – Na introdução, é apresentada a tese, para inteirar o leitor do que será desenvolvido em seguida. Identifique essa tese.
      A violência urbana é uma enfermidade contagiosa.

05 – Segundo o texto, o conhecimento cientifico é pouco aplicado na prevenção das causas e no tratamento das pessoas violentas. Qual seria a utilidade desse conhecimentos?
      De acordo com o autor, a agressividade impulsiva é consequência de perturbações nos mecanismos biológicos de controle emocional, devendo, portanto, ser tratada cientificamente e não “flutuar ao sabor das emoções”.

06 – Enumeração é uma das características do texto dissertativo. Nesse texto o Varella, foi utilizada para apontar as causas pela formação de personalidades com maior inclinação ao comportamento violento. Escreva, com suas próprias palavras, quais são essas causas.
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: a) Crianças que apanharam, foram abusadas sexualmente, humilhadas ou desprezadas nos primeiros anos de vida. b) Adolescentes mal orientados pela família. c) Companhia de jovens com comportamento anti-social.

07 – No desenvolvimento, o autor seleciona aspectos que desenvolvem a tese de forma ordenada, evitando detalhes desnecessários e incoerência em relação ao que é afirmado no início. Quais são esses aspectos?
      Pobreza e vulnerabilidade biológica como fatores de risco da violência; enumeração de fatores responsáveis por personalidades com inclinação ao comportamento violento; condições que agravam esses fatores; aprisionamento como método ineficaz empregado para combater a violência.

08 – Procurando instigar o leitor a refletir, o argumentador de “Violência epidêmica” também recorre ao questionamento do senso comum. Cite o trecho em que ele utiliza esse recurso.
      “Embora pareça haver consenso de que essa seja a medida ideal e de lugar de bandido é na cadeia, não se pode esquecer (...)”

09 – O autor é favor da construção de cadeias novas em substituição às velhas. A partir dessa posição, ele defende o argumento de que “lugar de bandido é na cadeia”? Justifique sua resposta.
      Não. Segundo ele, o criminoso não se recupera nas cadeias, que são dispendiosas e insuficientes para o número crescente de marginais. Presos, eles convivem com elementos perniciosos que agravam sua agressividade e, quando saem das prisões, não têm o apoio da família e da sociedade. Sem emprego, o criminoso se torna muito mais violento.

10 – Referindo-se à criança, Dráuzio Varella afirma: “Sem nunca ter visto um adulto, ela andará literalmente de quatro pelo resto da vida”. Que conclusão está implícita nessa afirmação?
      As crianças se desenvolvem física e psicologicamente por imitação. Precisam, portanto, de pessoas que lhes deem o exemplo de condutas mais dignificantes, tanto na família como na sociedade, o que por si só já reduziria a violência.

11 – Para defender sua tese de que a violência urbana é epidêmica, o autor recorre a vários argumentos, procurando convencer o leitor. Identifique um trecho em que a argumentação se baseie na relação de causa e consequência.
      Sugestão: “Associadas à falta de acesso aos recursos materiais (...) esses fatores de risco criam o caldo de cultura que alimenta a violência crescente nas cidades.”

12 – O texto dissertativo procura convidar o leitor a participar de uma discussão. Sê um exemplo, no texto de Dráuzio Varella, em que isso pode ser percebido.
      Sugestão: “Seria mais sensato investir (...) mesmo reconhecendo que isso é uma guerra perdida?”.

13 – Na conclusão, o argumentador retorna o que foi dito no início: a violência é uma doença contagiosa. Ele afirma que não existe solução mágica para o problema da violência urbana, portanto é preciso adotar algumas medidas. Quais são elas?
      Melhor divisão de renda, motivação de policiais, criação de leis contra a impunidade, novas cadeias para substituir as velhas, envolvimento de todos na educação de crianças menos favorecidas, exemplos de condutas mais dignificantes, integração à sociedade por meio de educação formal de bom nível, práticas esportivas e desenvolvimento artístico.