sexta-feira, 2 de março de 2018

CAUSO: FILHOTE NÃO VOA - ROLANDO BOLDRIN - COM INTERPRETAÇÃO/GABARITO

CAUSO -   FILHOTE NÃO VOA


   Existe por aí afora muito caboclinho esperto e safado. Imaginem que lá pras bandas do Corgo Fundo tinha um que era tal e qual do jeito que estou falando.
     Pois não é que o dito cujo deu de roubar coisas da igreja de lá? E virava e mexia, o padre saía excomungando o tal, pois não conseguia pegá-lo com a boca na botija, ou melhor, com a mão na mercadoria roubada. 

     E vai daqui e vai dali, continuava sumindo coisa. Ora uma imagem, ora dinheiro dos cofrinhos... Enfim: um despropósito de coragem pra furto.
     Mas – sempre tem um mas – eis que o padre resolve botar um paradeiro na roubança. Arma-se de um trabuco carregado e posta-se às escondidas no escuro da igreja em altas horas e ali espera, atocaiado, pelo ladrãozinho que não deveria demorar para aparecer. Devia ser umas 3 da madrugada quando o padre se depara com um vulto esperto na escuridão. Engatilha o trabuco e aponta no rumo do vulto que, percebendo, se esconde com a carinha de safado por detrás de uma estátua grande de um anjo de asas...
     Padre (falando alto) Quem está aí?
     Ninguém, é claro, responde.
     Padre (mais alto) Quem está aí?
     Ninguém responde.
     Padre (apontando a arma engatilhada) Pois bem. Pela última vez,
vou perguntar: quem está aí? Se não responder, vou pregar fogo.
     A voz (trêmula e disfarçada) É.. é...um anjo, seu vigário. Eu sô um
Anjo...
     Padre (percebendo a malandragem) Que anjo o quê, seu idiota! Voa
Já daí!
     A Voz (caipiresca) Num posso avuá, seu vigário. Eu sô fióti!
     Conta-se que o padre, depois dessa resposta, resolveu ir dormir.

                                BOLDRIN, Rolando. Brasil Almanaque de Cultura Popular, n. 75, jun. 2005.

  1 -   Em seu caderno, explique o significado dos seguintes trechos:
         a)    “Enfim: um despropósito de coragem pra furto”.
             Uma enorme coragem, ousadia para roubar.

         b)    “Mas – sempre tem um mas [...]”.
           Sempre há um entrave, uma contrariedade.

  2 -   No causo, o narrador não descreve fisicamente a personagem que realiza os roubos na igreja, mas faz referência a ela de outras maneira. Em seu caderno, transcreva todas as expressões que fazem uma descrição dessa personagem.
     “Caboclinho esperto e safado”; “um despropósito de coragem pra furto”; “Ladrãozinho”; “Vulto esperto”.

  3 -   O fato de o padre identificar a personagem que roubava pela voz tem uma intenção. Qual?
     O fato de não revelar a identidade de quem furta o causo mais misterioso; é como se o autor reforçasse o mistério de quem era o ladrão. Até o leitor fica sem essa resposta.

4 -   Se o padre continuasse insistindo até descobrir quem é a pessoa, o causo perderia a graça? Por quê?
     Sim. Porque a graça está justamente no fato de a identidade não ser revelada e de o conto ser encerrado com o padre indo dormir. Se o padre insistisse, a piada se estenderia e perderia o seu propósito.

5 - É possível afirmar que o texto apresenta marcas de uma variedade linguística específica?
     Ao empregar os termos "Corpo Fundo", "trabuco", "atocaiado", "Num posso avuá, seu vigário. Eu sô fióti!", e a própria forma como o conto é conduzido, remete a linguagem oral do povo do interior, caipiresca, portanto o texto apresenta marcas de uma variedade linguística específica, a linguagem oral.

INTRODUÇÃO
  Existe por aí afora muito caboclinho esperto e safado. Imaginem que lá pras bandas do Corgo Fundo tinha um que era tal e qual do jeito que estou falando.

CONFLITO
   Pois não é que o dito cujo deu de roubar coisas da igreja de lá? E virava e mexia, o padre saía excomungando o tal, pois não conseguia pegá-lo com a boca na botija, ou melhor, com a mão na mercadoria roubada. E vai daqui e vai dali, continuava sumindo coisa. Ora uma imagem, ora dinheiro dos cofrinhos... Enfim: um despropósito de coragem pra furto.

CLÍMAX
      Mas – sempre tem um mas – eis que o padre resolve botar um paradeiro na roubança.

SOLUÇÃO DO CONFLITO

Arma-se de um trabuco carregado e posta-se às escondidas no escuro da igreja em altas horas e ali espera, atocaiado, pelo ladrãozinho que não deveria demorar para aparecer. Devia ser umas 3 da madrugada quando o padre se depara com um vulto esperto na escuridão. Engatilha o trabuco e aponta no rumo do vulto que, percebendo, se esconde com a carinha de safado por detrás de uma estátua grande de um anjo de asas...
     Padre (falando alto) Quem está aí?
     Ninguém, é claro, responde.
     Padre (mais alto) Quem está aí?
     Ninguém responde.
     Padre (apontando a arma engatilhada) Pois bem. Pela última vez,
vou perguntar: quem está aí? Se não responder, vou pregar fogo.

DESFECHO
    A voz (trêmula e disfarçada) É.. é...um anjo, seu vigário. Eu sô um
Anjo...
     Padre (percebendo a malandragem) Que anjo o quê, seu idiota! Voa
Já daí!
     A Voz (caipiresca) Num posso avuá, seu vigário. Eu sô fióti!
     Conta-se que o padre, depois dessa resposta, resolveu ir dormir.

quinta-feira, 1 de março de 2018

MÚSICA: SÓ OS LOUCOS SABEM - CHARLIE BROWN JR. - COM GABARITO

Música: Só Os Loucos Sabem
                                                           Charlie Brown Jr.

Agora eu sei exatamente o que fazer
Bom recomeçar, poder contar com você
Pois eu me lembro de tudo, irmão
Eu estava lá também
Um homem quando está em paz
Não quer guerra com ninguém

Eu segurei minhas lágrimas
Pois não queria demonstrar a emoção
Já que estava ali só pra observar
E aprender um pouco mais sobre a percepção
Eles dizem que é impossível encontrar o amor
Sem perder a razão
Mas pra quem tem pensamento forte
O impossível é só questão de opinião

E disso os loucos sabem
Só os loucos sabem
Disso os loucos sabem
Só os loucos sabem

Toda positividade eu desejo a você
Pois precisamos disso nos dias de luta
O medo cega os nossos sonhos
O medo cega os nossos sonhos
Menina linda, eu quero morar na sua rua

Você deixou saudade
Você deixou saudade
Quero te ver outra vez
Quero te ver outra vez
Você deixou saudade

Agora eu sei exatamente o que fazer
Vou recomeçar, poder contar com você
Pois eu me lembro de tudo, irmão
Eu estava lá também
Um homem quando está em paz
Não quer guerra com ninguém.

Entendendo a canção:

01 – O texto que foi lido é:
a) uma notícia.
b) uma reportagem.
c) uma letra de música.
d) uma crônica de jornal.
e) um poema social.

02 – Analise as afirmativas:
I – o texto inicia com o autor falando na primeira pessoa do singular.
II – a palavra “loucos” é um adjetivo no contexto em que aparece.
III – a palavra “medo” é um substantivo.

Qual alternativa traz a resposta só com as afirmativas corretas?
a) I, II e III.
b) I e II.
c) II e III.
d) I e III.
e) I.

03 – Podemos conceituar “loucos” nessa música como:
a) alguém que supera limites.
b) alguém que precisa tratamento psicológico.
c) alguém muito feliz.
d) alguém muito paranoico.
e) alguém que tem uma boa opinião.

04 – A palavra “guerra” está no sentido de:
a) conflito.
b) percepção.
c) harmonia.
d) paz.
e) invasão.

05 – Quais os versos da canção mostra que ela deixou saudade e ele deseja vê-la de novo?
      “Você deixou saudade / Quero te ver outra vez.”

06 – De acordo com o título da canção “Só os loucos sabem”, o que o cantor quer nos mostrar?
      Ele mostra muita consideração com outra pessoa e fala também que não quer “guerra” com ninguém.

07 – Nos versos: “Eles dizem que é impossível encontrar o amor / Sem perder a razão.” O que o autor nos mostra?
      Mostra que é possível encontrar o amor. Quem é inteligente sabe que tudo é questão de opinião.

08 – O cantor também diz que todos precisam de positividade para vencer os dias de lutas, retire da canção os versos que falam disso.
      “Toda positividade eu desejo a você / Pois precisamos disso nos dias de luta.”

09 – O que o autor quis dizer no verso “Eu segurei minhas lágrimas”?
      Que ele não queria demonstrar a emoção que sentia.


CONTO: ESSAS MENINAS - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

CONTO: ESSAS MENINAS
               Carlos Drummond de Andrade


       As alegres meninas que passam na rua, com suas pastas escolares, às vezes com seus namorados. As alegres meninas que estão sempre rindo, comentando o besouro que entrou na classe e pousou no vestido da professora; essas meninas; essas coisas sem importância.
         O uniforme as despersonaliza, mas o riso de cada uma as diferencia. Riem alto, riem musical, riem desafinado, riem sem motivo; riem.
         Hoje de manhã estavam sérias, era como se nunca mais voltassem a rir e falar coisas sem importância. Faltava uma delas. O jornal dera notícia do crime. O corpo da menina encontrado naquelas condições, em lugar ermo. A selvageria de um tempo que não deixa mais rir.
         As alegres meninas, agora sérias, tornaram-se adultas de uma hora para outra; essas mulheres.

                    Contos plausíveis. Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 72.
                             Carlos Drummond de Andrade Graña Drummond
                                                             www.carlosdrummond.com.br

 Entendendo o texto:
01 – A primeira parte do conto – os dois primeiros parágrafos – falta de personagens meninas.
     a) Que comportamentos caracterizam os personagens como meninas?
     São estudantes, namoram, estão sempre rindo, conversam coisas sem importância.

     b) O narrador diz que “o uniforme as despersonaliza” – por quê?
     Porque ficam todas iguais.

     c) “O riso as diferencia”; por que as diferencia, se todas riem?
     Cada uma ri de um jeito: alto, musical, desafinado.

     d) As meninas falam de “coisas sem importância”: que exemplo dessas coisas sem importância aparece no conto?
     O besouro que entrou na classe e pousou no vestido da professora.

02 – Na segunda parte do conto – os dois últimos parágrafos – essas meninas passam a ser essas mulheres.
     a) Por que o crime transformou as meninas, “de uma hora para outra”. Em mulheres?
     Respostas pessoal; possibilidades: porque se confrontaram com o mal, a violência; porque experimentaram o sofrimento; porque descobriram a ameaça, o perigo.

     b) Segundo o conto, que diferença há entre ser menina e ser mulher?
     Resposta com base nas características “externas” indicadas no texto: ser menina é ser alegre, rir, conversar coisas sem importância; ser mulher é ser séria, ser adulta. Resposta por inferência: ser menina é desconhecer e ser mulher é conhecer a violência, o sofrimento.

03 – Recorde: o narrador não diz que crime foi cometido nem em quais condições foi encontrado o corpo da menina:
       “O jornal dera notícia do crime. O corpo da menina encontrado naquelas condições, em lugar ermo”.
     a) Em sua opinião, por que o narrador não esclarece que crime foi cometido?
     Resposta pessoal.

     b) Por que o narrador diz apenas “aquelas condições”, sem esclarecer em quais condições o corpo da menina foi encontrado?
     Resposta pessoal.

     c) O narrador não diz que crime foi cometido nem em que condições o corpo foi encontrado, mas o leitor sabe; por que sabe?
     Porque o tipo de crime e as condições em que suas vítimas são encontradas são bem conhecidos, pela frequência em que são noticiados.

04 – O que é que o conto revelou a você, leitor? Escolha entre as opções abaixo ou dê sua própria resposta.
     a) Os criminosos não respeitam nem mesmo meninas estudantes.
     b) A impossibilidade da alegria e do riso num mundo violento.
     c) O amadurecimento que resulta do confronto com a violência.
     d) A transformação de meninas alegres em mulheres sérias.

TEXTO: O TEMPO E VOCÊ - CIÊNCIA HOJE NA ESCOLA - COM GABARITO

TEXTO: O TEMPO E VOCÊ

      Nós estamos sempre construindo convenções de tempo. Você aprendeu a contar a passagem de sua idade a partir de aproximadamente 365 dias depois de seu nascimento. Mas esta não é a única forma possível. Em outras sociedades, como alguns grupos tribais da Amazônia, da África e da Polinésia, contam-se os anos pelos ciclos lunares.
         Também aprendemos que entre a vida adulta e a infância existe a adolescência. Mas essa é uma etapa criada só no final do século XIX. Em muitas sociedades nossas contemporâneas, os jovens passam direto da infância à vida adulta, sem atravessar uma etapa que se chama adolescência. À medida que as sociedades tornam-se mais complexas e centralizadas, quando aumenta a especialização das tarefas e das carreiras profissionais, a preparação necessária ao desempenho das atividades adultas fica mais prolongada e difícil. Crianças e jovens são isolados dos círculos adultos. Essa vida social cria uma “cultura jovem” diferente do mundo adulto. Nessas sociedades, os jovens seriam pessoas biologicamente maduras, mas socialmente imaturas.
         Em casa, desde cedo, quando você entendeu que tem pais e que seus pais têm pais. Já estava aprendendo que há uma diferença de idade entre pais e seus avós. Mais do que um contraste cronológico, você começa a perceber que há diferenças de comportamentos, gostos musicais e valores entre pais e avós. Você mesmo já não concorda com tudo aquilo que seus pais dizem, e eles às vezes estranham seus gostos musicais, vocabulário, ideias de beleza, etc.
         As diferenças de gosto, valores, ideias políticas e até mesmo de técnicas usadas em trabalhos e diversões definem uma geração. Seus avós, seus pais e você são de gerações distintas. Para os estudos de população feitos por historiadores, geógrafos e antropólogos, em geral, convenciona-se chamar o espaço de tempo entre 25 e 30 anos de uma geração. Assim, no ano 2000, podemos dizer que o mundo ocidental cristão passou por cerca de 80 gerações. Mas esta não é a única convenção possível.
         Na nossa sociedade, em que o tempo é contado cada vez mais rapidamente, como podemos observar pelas mudanças repentinas de moda e no ritmo de trabalho, as gerações passam a estar contidas em espaços de tempo cada vez mais curtos, por vezes em décadas. É provável que quem hoje tem entre 10 e 15 anos estude com professores que tem 30 anos. Esses professores definem-se como “alunos de outras épocas”, de “outra geração”. Com relação a você, os professores já sentem diferenças de comportamento.
         A definição de uma geração depende do ponto de referência do qual se parte para perceber contrastes de valores, comportamentos e técnicas das faixas de idade existentes numa sociedade. Embora não esteja sempre condicionada às faixas etárias, muitas vezes, em nossa sociedade, a definição de geração coincide com elas. Em sociedades mais antigas, cuja noção de tempo era diferente da nossa, uma geração poderia perfeitamente coincidir com o que definimos como século, ou mesmo conjunto de séculos.

         Ciência Hoje na Escola, 7: Tempo e Espaço, Rio de Janeiro, 1999, p. 6-7.


Entendendo o texto:
01 – Recorde a primeira frase do texto:
       “Nós estamos sempre construindo convenções de tempo”.
       O texto fala de três das convenções de tempo que nós construímos:
     a) Quais são elas?
     O ano de 365 dias; a adolescência; as gerações.

     b) Por que são consideradas convenções?
Se necessário, confira, num dicionário, o significado de convenção.
     Porque são resultado de um acordo social, conceitos adotados e aceitos pelos indivíduos de uma comunidade.

02 – A sua idade (quantos anos você tem) é definida por uma convenção de tempo.
   a)   Qual é essa convenção?
     A convenção de que a cada 365 dias se completa mais um ano de idade.

  b)   Se você pertencesse a algum dos grupos tribais mencionados no primeiro parágrafo do texto, você teria mais anos ou menos anos do que tem?
     Menos anos (o ciclo lunar tem menos de 30 dias).

03– Segundo o texto, a adolescência é uma invenção social.
        a) Quando foi inventada a adolescência?
     No final do século XIX.

        b) Por que ela foi inventada?
     Porque passou a ser necessário haver um período de tempo entre a infância e a vida adulta para que as pessoas se preparassem para o desempenho das tarefas e profissões mais especializadas exigidas por sociedades que se tinham tornado mais complexas.

     c) Nas sociedades em que existe a adolescência, o que diferencia os adolescentes dos adultos?
     Os jovens foram isolados do mundo adulto, criou-se uma vida social própria dos jovens, uma cultura jovem; os jovens, biologicamente maduros, são considerados imaturos socialmente.

04 – Segundo o texto, uma geração pode ser definida por dois critérios.
     a) Quais são esses dois critérios para definir uma geração?
     Por espaço de tempo, faixa etária; por diferenças de gosto, valores, comportamentos, atitudes políticas, diversões, técnicas de trabalho.

     b) Infere-se do texto que um desses dois critérios é mais adequado para definir uma geração: Qual?
     Diferenças de gosto, de valores, de comportamentos, etc. a inferência pode ser feita com base no penúltimo parágrafo do texto.

05 – Recorde esta afirmação do texto:
       “... no ano 2000, podemos dizer que o mundo ocidental cristão passou por cerca de 80 gerações.”
          a) Nessa afirmação, qual é o conceito de geração?
     O espaço de tempo entre 25 e 30 anos.

     b) Explique qual foi o cálculo para concluir que, no ano 2000, o mundo ocidental cristão passou por cerca de 80 gerações.
     Dividir 2000 por 25 = 80.

        c) Por que o cálculo vale apenas para o mundo ocidental cristão?
     Porque 2000 é ano calculado a partir do nascimento de cristo, portanto, é do mundo cristão, que é sobretudo ocidental.


TEXTO: CONSUMO- O MUNDO DA SEDUÇÃO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

TEXTO:  CONSUMOO MUNDO DA SEDUÇÃO
               Carlos Drummond de Andrade


       É verão. Um rapaz está na praia. Passam por ele várias meninas bonitas que o ignoram. O calor é intenso e ele resolve tomar um refrigerante da marca X. De repente, como num passe de mágica, várias meninas bonitas se aproximam dele com olhar apaixonado. Penduradas em seu pescoço, provam do refrigerante, dizendo: “Torne o seu verão mais quente com o refrescante refrigerante X”. A publicidade cria mundos imaginários?

                       CRÔNICA: OLHADOR DE ANÚNCIO

        Eis que se aproxima o inverno, pelo menos nas revistas, cheias de anúncios de cobertores, lãs e malhas. O que é o desenvolvimento! Em outros tempos, se o indivíduo sentia frio, passava na loja e adquiria os seus agasalhos. Hoje são os agasalhos que lhe batem à porta, em belas mensagens coloridas.
        E nunca vêm sós. O cobertor traz consigo uma linda mulher, que se apresta para se recolher debaixo de sua “nova textura antialérgica”, e a legenda: “Nosso cobertor aquece os corpos de quem já tem o coração quente”. A mulher parece convidar-nos: “Venha também”. Ficamos perturbados. Faz calor, um calor daqueles. Mas a página aconchegante instala imediatamente o inverno, e sentimo-nos na aflita necessidade de proteger o irmão corpo sob a maciez desse cobertor, e...
        Não. A mulher absolutamente não faz parte do cobertor, que é que o senhor estava pensando? Nem adianta telefonar para a loja ou para a agência de publicidade, pedindo endereço da moça do cobertor antialérgico de textura nova. Modelo fotográfico é categoria profissional respeitável, como outra qualquer. Tome juízo, amigo. E leve só o cobertor.
        São decepções de olhado de anúncios. [...].
        Mas sempre é bom tomar conhecimento das mensagens, passada a frustração. É o mundo visto através da arte de vender. “As lojas fazem tudo por amor”. Já sabemos, pela estória do cobertormulher (uma palavra só) que esse tudo é muito relativo. “Em nossas vitrinas a japona é irresistível “Então, precavidos, não passaremos diante das vitrinas. E essa outra mensagem é, mesmo, de alta prudência: “Aprenda a ver com os dois olhos”. Precisamos deles para navegar na maré de surrealismo que cobre outro setor de publicidade: “Na liquidação nacional, a casa X tritura preços”. Os preços virando pó, num país inteiramente líquido: vejam a força da imagem. Rara espécie de animal aparece de repente: “Comprar na loja Y é supergalinha-morta”.
        Prosseguimos, invocados, sonhando “o sonho branco das noites de julho”: “Ponha uma onça no seu gravador”. “A alegria está no açúcar”. “Pneu de ombros arredondados é mais pneu”. “Tip-top tem sabor do céu”. “Use nossa palmilha voadora”. “Seus pés estão chorando por falta das meias Rouxinol, que rouxinolizam o andar”. “Neste relógio, você escolhe a hora”. “Ponha você neste perfume”. “Toda a sua família cabe neste refrigerador e ainda sobra lugar para o peru de Natal”. “Sirva nossa lingerie como champanha; é mais leve e mais espumante”.
        O olhador sente o prazer de novas associações de coisas, animais e pessoas; e esse prazer é poético. Quem disse que a poesia anda desvalorizadas? A bossa dos anúncios prova o contrário. E, ao vender-nos qualquer mercadoria, eles nos dão de presente “algo mais”, que é produto da imaginação e tem serventia, como as coisas concretas, que também de pão abstrato se nutre o homem.

                          Carlos Drummond de Andrade. O poder ultrajovem.
                                             Rio de Janeiro: Record, 1986. P. 151-2.

1 – A crônica “Olhador de anúncio”, como é próprio do gênero, nasce da observação de situações do cotidiano e promove reflexões sobre a realidade.
      a)   Que fato despertou inicialmente a atenção do narrador e serve para introduzir o assunto da crônica lida?
A presença de anúncios de produtos de inverno (cobertores, lãs e malhas) em revistas.

       b)  Que tipo de reflexão o texto promove sobre a realidade?
O texto promove uma reflexão sobre os mecanismos de persuasão (convencimento) da publicidade.

2 – No primeiro parágrafo, o narrador diz:” Eis que se aproxima o inverno, pelo menos nas revistas”. Depois, nesse parágrafo e no seguinte, descreve e comenta o anúncio do cobertor.
    a)  Explique por que o narrador emprega a expressão pelo menos nesse contexto.
Emprega a expressão pelo menos porque não está fazendo frio. Esta calor, mas, nas revistas, já começou a campanha publicitária de inverno.

    b)   Levante hipóteses: Provavelmente, como o narrador completaria a frase “e sentimo-nos na aflita necessidade de proteger o irmão corpo sob a maciez desse cobertor, e...”?
Resposta pessoal.

    c)   Conclua: De que recursos – argumentos, imagens, sensações, etc. – o anunciante se vale para convencer o leitor a consumir o cobertor anunciado?
Os recursos são diversos; eles tentam seduzir o consumidor pelo tato, sugerindo a “nova textura antialérgica”, pelas emoções (“o coração quente”) e pelo erotismo (“venha também”).

3 – Observe o quinto parágrafo do texto. Nele, há várias frases entre aspas, seguidas de outras frases, sem aspas, como neste caso:
        “As lojas fazem tudo por amor. Já sabemos, pela estória do cobertomulher (uma palavra só) que esse tudo é muito relativo”.
      a)   Explique: Por que a afirmação de que “esse tudo é muito relativo”?
O texto deixa claro que a mulher não vai junto com o cobertor; a imagem dela no anúncio é apenas uma forma de atrair a atenção do consumidor.

       b)   O que lembram as frases entre aspas nesse parágrafo?
Slogans utilizados em vários anúncios publicitários.

        c)   Qual é o papel das frases que se seguem às frases entre aspas?
São comentários do narrador sobre os slogans, feitos com o propósito de procurar desmascarar o argumento utilizado pelo anúncio.

4 – Observe estes slogans publicitários destacados pelo narrador:
        - “o sonho branco das noites de julho”
        - “A alegria está no açúcar”
        - “[...] meias Rouxinol, que rouxinolizam o andar”
        - “Sirva nossa lingerie como champanha”

        a) O que esses slogans têm em comum?
            Todos eles procuram associar ao produto uma ideia positiva:
         “sonho branco”, “alegria”,”rouxinolizam”, “champanha”.

       b)Por que o narrador vê semelhança entre esses slogans e a poesia?
    Professor: Sugerimos abrir a discussão com a classe, pois pode ser que alguns alunos tenham dificuldade para responder a questão. Conforme o texto, “O olhador sente o prazer de novas associações de coisas, animais e pessoas; e esse prazer é poético”. Ou seja, a publicidade, assim como a poesia, trabalha a linguagem explorando associações, como as metonímias e as metáforas.

5 – No último parágrafo, o narrador afirma que os anúncios, ao nos venderem mercadorias, nos presenteiam com “algo mais”.
        a)  De acordo com o texto, esse “algo mais” é produto do que?
Esse “algo mais” é produto da imaginação do olhador, origina-se do desejo dele de sonhar ou de se transportar para um mundo especial, sensível, poético.

      b)  Explique a frase final do texto: “que também de pão abstrato se nutre o homem”.
Professor: Sugerimos abrir a discussão com a classe. O narrador se refere à necessidade que o ser humano tem de viver momentos de poesia, sonhar, imaginar, transportar-se para outros mundos.