CONTO: A BARBA DO FALECIDO
Stanislaw Ponte Preta
Aconteceu em Jundiaí.
Orozimbo Nunes estava passando mal e foi internado pela família no Hospital São
Vicente de Paula, para tratamento. Orozimbo tem muitos parentes, é muito
querido e tem uma filha que cuida dele. Foi a filha, aliás, que internou
Orozimbo.
Anteontem telefonaram para
a filha de Orozimbo Nunes. Era do hospital e a notícia dada foi lamentável.
Orozimbo tinha abotoado o paletó – como dizem os irreverentes.
Isto é, tinha posto o bloco na rua, como dizem os super
irreverentes, comparando enterro a bloco carnavalesco. Enfim, Orozimbo
tinha morrido. A filha de Orozimbo que fizesse o favor de aguardar, porque lá
do hospital iam fazer o carreto, ou seja, iam mandar o defunto a domicílio.
A filha do extinto caiu em
prantos e convocou logo os parentes. Conforme ficou dito acima, Orozimbo era
muito querido. Veio parente da capital, veio parente de Minas, parente do Rio,
enfim, Jundiaí ficou assim de parente de Orozimbo. As providências para o velório foram
logo tomadas, gastou-se dinheiro, compraram-se flores. Estava um velório legal
se não faltasse um detalhe: não havia defunto.
O corpo de Orozimbo não
tinha chegado. A família ligou para o hospital e reclamou. Tinha saído no
expresso-rabecão das seis – informaram. E, de fato, pouco depois
Orozimbo (à sua revelia) chegava. Puseram o embrulho lá dentro,
houve aquela choradeira regulamentar e, na hora de desembrulhar para preparar o
cadáver, alguém notou que a barba de Orozimbo crescera.
– Ele estava tão doente
que nem podia fazer a barba – comentou um dos que ajudavam, com a filha de
Orozimbo, que esperava lá fora.
A filha de Orozimbo
estranhou a coisa. Entregara Orozimbo doente, é verdade, mas Orozimbo chegara
ao hospital perfeitamente escanhoado e não dava tempo de a barba ter crescido
assim tão depressa.
– A barba tá muito grande?
– perguntou a filha de Orozimbo.
Estava. Estava que parecia
barba de músico da Bossa-Nova. Aí a moça desconfiou e foi conferir. Simplesmente
não era Orozimbo. Tinham trocado as encomendas, e talvez naquele momento, outra
família, noutro local, estivesse chorando o Orozimbo errado. Mais que depressa
ligaram para o Hospital São Vicente de Paula e reclamaram contra a ineficiência
do serviço de entregas rápidas.
Nova verificação, para se
saber qual era o embaraço, e a direção do eficiente nosocômio descobriu que
Orozimbo nem sequer morrera. Não houvera uma troca de cadáveres, mas uma troca
de fichas. O que morrera não era Orozimbo, era um barbadinho anônimo. Orozimbo
estava lá, vivinho e, por sinal, passando muito melhor. Podia até ter alta,
assim que desejasse.
Claro, parou a bronca, e a
raiva contra o desleixo transformou-se em pungente alegria. A família foi
buscar Orozimbo (Depois de devolver o barbicha, naturalmente) e o contentamento
foi geral, em receber de volta aquele que já fora pranteado por antecipação e
para o qual já tinham feito aquela vasta despesa para o enterro. Não sei se é
verdade, mas dizem que a família, em sinal de regozijo pela volta de Orozimbo e
também para aproveitar o que sobrara das despesas, ofereceu aos amigos um
velório-dançante.
STANISLAW
PONTE PRETA. Garoto Linha Dura. 3ª Edição,
Editora Sabiá, Rio de Janeiro, 1968.
Entendendo o texto:
Após a leitura do texto, respondas às questões abaixo.
01 – Ao saber do falecimento de Orozimbo, a filha chorou, como era de se
esperar, e imediatamente:
a. ( ) foi ao hospital conferir o fato
b.
(X) comunicou o fato aos parentes
c. ( )providenciou os serviços funerais
d. ( ) preparou a casa para o velório
02 – Segundo os dicionários, velório significa
passar noite em claro na sala onde está exposto um morto. De acordo com o
texto, podemos entender que o velório:
a. ( ) aconteceu por pouco tempo
b. ( ) começou com a chegada do defunto
c. ( ) terminou com a descoberta do erro
d.
(X) não chegou realmente a acontecer.
03 – Os parentes de Orozimbo comentaram o tamanho da barba do falecido
com a filha e, então, ela se admirou. Por quê?
A barba não poderia ter
crescido tanto em tão poucos dias, e a filha ficou admirada porque ainda não
tinha visto o defunto.
04 – O narrador diz que “talvez naquele momento, outra família,
noutro local, estivesse chorando o Orozimbo errado”. Analisada a situação,
haveria essa possibilidade?
Sim (
) não (X). Justifique sua
resposta.
Porque só havia um defunto.
05 – Embora Orozimbo estivesse vivo, a família teve despesas com o
velório. Na sua opinião, a quem cabe a culpa por essa despesa inútil? E por
quê?
Há duas possibilidades de culpados.
1 – A família de Orozimbo, que não
esperou o defunto chegar para se certificar do falecimento.
2 – A direção do hospital, que deu a
informação errada a família.
06 – O narrador informa de modo irreverente que: “Orozimbo tinha
abotoado e paletó” e “posto o bloco na rua”. Reescreva a frase dentro do
português padrão.
Orozimbo tinha falecido (ou morrido).
07 – Localize no texto e transcreva para os espaços uma palavra que
tenha o mesmo significado de:
a) pormenor, particularidade: detalhe.
b) deficiência, inutilidade: ineficácia.
c) hospital: nosocômio.
d) negligência, descuido: desleixo.
e) comovente, incitante: pungente.
f) chorado, lamentado: pranteado.
g) alegria, contentamento: regozijo.
08 – Antigamente, dava-se o nome de rabecão ao contrabaixo (instrumento
musical semelhante do violino, porém muito maior). No texto rabecão tem outro significado.
Qual é?
Carro fúnebre.