sexta-feira, 17 de novembro de 2023

CRÔNICA: UM MENDIGO ORIGINAL - JOÃO DO RIO - COM GABARITO

 Crônica: Um mendigo original

              João do Rio

        Morreu trasanteontem, às 7 da tarde, de uma congestão, o meu particular amigo, o mendigo Justino Antônio.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEXFV9qnz49hYqOHcl2s1PbnzxmWGZ1JoEwK_SsatE_ZtOd53HLHasZ5hMxkj2dNhoyWuHvm5tpcwrzvFr6IyZedLD2DamnVDi1TLoxLhfqpaiasVXlV6jdpjiRMZeUFiZH1e5q-yaHy_IOa5tGKu8fRCDZVKfvZAo7hpFLywoLTyygG14XfTD8X9JCvI/s320/mendigo.png


        Era um homem considerável, sutil e sórdido, com uma rija organização cerebral que se estabelecia neste princípio perfeito: a sociedade tem de dar-me tudo quanto goza, sem abundância mais também sem o meu trabalho – princípio que não era socialista, mas era cumprido à risca pela prática rigorosa.

        A primeira vez que vi Justino Antônio num alfarrabista da Rua São José foi em dia de sábado. Tinha um fraque verde, as botas rotas, o cabelo empastado e uma barba de profeta, suja e cheia de lêndeas. Entrou, estendeu a mão ao alfarrabista.

        – Hoje, não tem.

        – Devo notar que há já dois sábados nada me dás.

        – Não seja importuno. Já disse.

        – Bem, não te zangues. Notei apenas porque a recusa não foi para sempre. Este cidadão, entretanto, vai ceder-me quinhentos réis.

        -- Eu!

        – Está claro. Fica com esta despesinha a mais: quinhentos réis aos sábados. É melhor dar a um pobre do que tomar um chope. Peço, porém, para notares que não sou um mordedor, sou mendigo, esmolo, esmolo há vinte anos. Tens diante de ti um mendigo autêntico.

        – E por que não trabalha?

        – Porque é inútil.

        Dei sorrindo a cédula. Justino não agradeceu, e quando o vimos pelas costas, o alfarrabista indignado prorrompeu contra o malandrim que com tamanho descaro arrancava os níqueis à algibeira alheia. Achei original Justino. Como mendigo era uma curiosa figura perdida em plena cidade, capaz de permitir um pouco de fantasia filosófica em torno de sua diogênica dignidade. Mas o mendigo desapareceu, e só um mês depois, ao sair de casa, encontrei-o à porta.

        – Deves-me dois mil-réis de quatro sábados, e venho ver se me arranjas umas horas usadas. Estas estão em petição de miséria.

        Fi-lo entrar, esperar à porta da saleta, forneci-lhe botas e dinheiro.

        – E se me desses o almoço?

        Mandei arranjar um prato farto, e com a gula de descrevê-lo, fui generoso.

        – Vem para a mesa.

        – A mesa e o talher são inutilidades. Não peço senão o que necessito no momento. Pode-se comer perfeitamente sem mesa e sem talher.

        Sentou-se num degrau da escada e comeu gravemente o pratarraz. Depois pediu água, limpou as mãos nas calças e desceu.

        – Espera aí, homem. Que diabo! Nem dizes obrigado.

        – É inútil dizer obrigado. Só deste o que falta não te faria. E deste por vontade. Talvez fosse até por interesse. Deste-me as botas velhas como quem compra um livro novo. Conheço-te.

        – Conheces-me?

        – Não te enchas, vaidoso. Eu conheço toda a gente. Até para o mês.

        – Queres um copo de vinho?

        – Não. Costumo embriagar-me às quintas; hoje é segunda.

        Confesso que o mendigo não me deixou uma impressão agradável. Mas era quanto possível novo, inédito, com a sua grosseria e as suas atitudes de Sócrates de ensinamentos. E diariamente lembrava a sua figura, a sua barba cheia de lêndeas... Uma vez vi-o na galeria da Câmara, na primeira fila, assistindo aos debates, e na mesma noite, entrando num teatro do Rocio, o empresário desolado disse-me:

        – Ah! não imaginas a vazante! É tal que mandei entrar o Justino.

        – Que Justino?

        – Não conheces? Um mendigo, um tipo muito interessante, que gosta de teatro. Chega à bilheteira e diz: "Hoje não arranjei dinheiro. Posso entrar?" A primeira vez que me vieram contar a pilhéria achei tanta graça que consenti. Agora, quando arranja dez tostões compra a senha sem dizer palavra e entra. Quando não arranja repete a frase e entra. Um que mal faz?

        Fui ver o curioso homem. Estava em pé em geral, prestando uma sinistra atenção às facécias de certo cômico.

        – Justino, por que não te sentas?

        – É inútil. Vejo bem de pé.

        – Mas o empresário...

        – Contento-me com a generosidade do empresário.

        – Mas na Câmara estava sentado.

        – Lá é a comunhão que paga.

        Insisti no interrogatório, a falar da peça, dos atores, dos prazeres, da vida, do Justino conservou-se mudo. No intervalo convidei-o a tomar uma soda, por não ser quinta-feira.

        – Soda é inútil. Estás a aborrecer-me. Vai embora.

        Outra qualquer pessoa ficaria indignadíssima. Eu curvei resignadamente a cabeça e acabei vexado.

        A voz daquele homem, branca, fria, igual, no mesmo tom, era inexorável.

        – É um tipo o teu espectador – disse ao empresário.

        – Ah! ... Ninguém lhe arranca palavra. Sabes que nunca me disse obrigado?

        Eu andava precisamente neste tempo a interrogar mendigos para um inquérito à vida da miséria urbana e alguns dos artigos já haviam aparecido. Dias depois, estando a comprar charutos, entra pela tabacaria adentro o homem estranho.

        – Queres um charuto?

        – Inútil. Só fumo às terças e aos domingos. Os charuteiros fornecem-me. Entrei para receber os meus dois mil-réis atrasados e para dizer que não te metas a escrever a meu respeito.

        – Por quê?

        – Porque abomino a minha pessoa em letra de forma, apesar de nunca a ter visto assim. Se fizeres a feia ação, sou forçado a brigar contigo, sempre que te encontrar.

        A perspectiva de rolar na via pública com um mendigo não me sorria. Justino faria tudo quanto dissera. Depois era um fenômeno de hipnose. Estava inteiramente dominado, escravizado àquela figura esfingética da lama urbana, não tinha forças para resistir à sua calma e fria vontade. Oh! ouvir esse homem! Saber-lhe a vida!

        Como certa vez entretanto, à 1 hora da manhã, atravessasse o equívoco e silencioso jardim do Rocio, vi uma altercação num banco. Era o tempo em que a polícia resolvera não deixar os vagabundos dormirem nos bancos. Na noite de luar, dois guardas civis batiam-se contra um vulto esquálido de grandes barbas. Acerquei-me. Era ele.

        – Vamos, seu vagabundo.

        – É inútil. Não vou.

        – Vai à força!

        – É inútil. Sabem o que é este banco para mim? A minha cama de verão há doze anos! De uma hora em diante, por direito de hábito, respeitam-na todos. Tenho visto passar muito guarda, muito suplente, muito delegado. Eles vão-se, eu fico. Nem tu, nem o suplente, nem o comissário, nem o delegado, nem o chefe serão capazes de me tirar esse direito. Moro neste banco há uma dúzia de anos. Boa-noite.

        Os civis iam fazer uma violência. Tive de intervir, convencê-los, mostrar autoridade, enquanto Justino, recostado e impassível, dizia:

        – Deixa. Eles levam-me, eu volto.

        Afinal os guardas acederam, e Justino deitou-se completamente.

        – Foi inútil. Não precisava. Mas eu sou teu amigo?

        – Meu amigo?

        – Certo. Nunca te pedi nada que te pudesse fazer falta e nunca te menti. Fica certo. Sou o teu melhor amigo, sou o melhor amigo de toda a gente.

        – E não gostas de ninguém.

        – Não é preciso gostar para ser amigo. Amigo é o que não sacrifica.

        E desde então comecei a sacrificar-me voluntariamente por ele, a correr à polícia quando o sabia preso, a procurá-lo quando o não via e desesperado porque não aceitava mais de dois mil-réis da minha bolsa, e dizia, inexorável, a cada prova da minha simpatia:

        – É inútil, inteiramente inútil!

        Durante três anos dei-me com ele sem saber quantos anos tinha ou onde nascera. Nem isso. Apenas ao cabo de seis meses consegui saber que fumava aos domingos e às terças, embebedava-se às quintas, ia ao teatro às sextas e às segundas, e todo dia à Câmara. Nas noites de chuva dormia no chão! Numa hospedaria; em noites secas no seu banco. Nunca tomava banho, pedia pouco, e ao menor alarde de generosidade, limitava o alarde com o seu desolador: é inútil. Teria tido vida melhor? Fora rico, sábio? Amara? Odiara? Sofrera? Ninguém sabia! Um dia disse-lhe:

        – A tua vida é exemplar. És o Buda contemporâneo da Avenida.

        Ele respondeu:

        – É um erro servir de exemplo. Vivo assim porque entendo viver assim. Condensei apenas os baixos instintos da cobiça, exploração, depravação, egoísmo em que se debatem os homens se na consciência de uma vontade que se restringe e por isso é forte. Numa sociedade em que os parasitas tripudiam – é inútil trabalhar. O trabalho é de resto inútil. Resolvi conduzir-me sem ideias, sem interesse, no meio do desencadear de interesses confessados e inconfessáveis. Sou uma espécie de imposto mínimo, e por isso nem sou malandro, nem mendigo, nem um homem como qualquer – porque não quero mais do que isso.

        – E não amas?

        – Nem a mim mesmo porque é inútil. Desses interesses encadeados resolvi, em lugar de explorar a caridade ou outro gênero de comércio, tirar a percentagem mínima, e daí o ter vivido sem esforço com todos os prazeres da sociedade, sem invejas e sem excessos, despercebido como o invisível. Que fazes tu? Escreves? Tempo perdido com pretensões a tempo ganho. Que gozas tu? Teatros, jantares, festas em excesso nos melhores lugares. Eu gozo também quando tenho vontade, no dia de porcentagem no lugar que quero – o menor, o insignificante – os teatros e tudo quanto a cidade pode dar de interessante aos olhos. Apenas sem ser apontado e sem ter ódios.

        – Que inteligência a tua!

        – A verdadeira inteligência é a que se limita para evitar dissabores. Tu podes ter contrariedades. Eu nunca as tive. Nem as terei. Com o meu sistema, dispenso-me de sentir e de fingir, não preciso de ti nem de ninguém, retirando dos defeitos e das organizações más dos homens o subsídio da minha calma vida.

        – É prodigioso.

        – É um sistema, que serias incapaz de praticar, porque tu és como todos os outros, ambicioso e sensual.

        Quando soube da sua morte corri ao necrotério a fazer-lhe o enterro. Não era possível. Justino tinha deixado um bilhete no bolso pedindo que o enterrassem na vala comum "a entrada geral do espetáculo dos vermes".

        Saí desolado porque essa criatura fora a única que não me dera nem me tirara, e não chorara, e não sofrera e não gritara, amigo ideal de uma cidade inteira fazendo o que queria sem ir contra pessoa alguma, livre de nós como nós livres dele, a dez mil léguas de nós, posto que ao nosso lado.

        E também com certa raiva – por que não dizê-lo? – porque o meu interesse fora apenas o desejo teimoso de descobrir um segredo que talvez não tivesse.

        Enfim morreu. Ninguém sabia da sua vida, ninguém falou da sua morte. Um bem? Um mal?

        Nem uma nem outra coisa, porque, afinal, na vida tudo é inteiramente inútil...

João do Rio. Portal da crônica brasileira.

Entendendo a crônica:

01 – Quem era Justino Antônio na crônica?

      Justino Antônio era um mendigo peculiar e original que vivia sem esforço, explorando a generosidade da sociedade.

02 – Qual era o princípio central da vida de Justino Antônio?

      O princípio central de Justino era receber tudo da sociedade sem fazer esforço, vivendo à custa dos outros sem trabalhar.

03 – Como Justino se comportava diante da generosidade dos outros?

      Justino recebia generosidade sem agradecer, mantendo-se indiferente e dizendo que era inútil expressar gratidão.

04 – Qual era a atitude de Justino em relação ao trabalho?

      Ele considerava o trabalho inútil, optando por viver à margem da sociedade sem se envolver em atividades laborais.

05 – Por que o narrador se sentia atraído por Justino?

      O narrador achava Justino original e único por sua postura distante, grosseira e sua filosofia peculiar em relação à vida.

06 – Como Justino se relacionava com eventos culturais, como teatro?

      Ele frequentava o teatro, muitas vezes sem pagar, utilizando-se de frases como "Hoje não arranjei dinheiro. Posso entrar?" para conseguir acesso.

07 – Qual era a visão de Justino sobre amizade e relacionamentos?

      Justino considerava-se amigo das pessoas, mesmo não demonstrando afeto ou gratidão, e acreditava que não era necessário gostar para ser amigo.

08 – Como Justino justificava seu estilo de vida pouco convencional?

      Ele explicava que vivia dessa maneira para evitar conflitos, dissabores e não se submeter aos desejos e falhas humanas.

09 – Por que o narrador se sentiu desolado com a morte de Justino?

      O narrador ficou desolado porque Justino era a única pessoa que não exigia nada dele, não se envolvia emocionalmente e vivia livremente.

10 – Como Justino queria ser enterrado?

      Justino deixou um bilhete pedindo para ser enterrado na vala comum, chamando-a de "a entrada geral do espetáculo dos vermes", refletindo sua visão da futilidade da vida.

 

CONTO: O MENINO QUE RESPIRAVA BORBOLETA - JORGE MIGUEL MARINHO - COM GABARITO

 Conto: O menino que respirava borboleta

              Jorge Miguel Marinho

        Como vou contar essa história para vocês?

        É difícil falar de coisas diferentes. Então já vou logo dizendo que não existe ninguém que não tenha uma coisa só dele, escondida, bem diferente. Ela se esconde debaixo da roupa, no fundo do coração ou no cantinho da cabeça. E pode ser uma verruga enorme nas costas, uma perna mais fina que a outra ou até mesmo uma vontade esquisita de morder uma flor ou uma pessoa.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEibvCmRaPuwYSWpYt6gjb-5t4FfdErnZYD74KF_c6UUUIktuumrQyMc61dHLOFGbhlDe96CV-5mCFFMzQACq6bBrt2JppxAwDG8WIpxPEjJlsySTaYf6-Hu-MIvy7DNtjm3Cvxqw5fQRF2lMU_ps7fiZDaVN5zhMvlNuHpv2jvRJLPaIDRBAffnHsZJXXU/s1600/CACHECOL.jpg


        O menino dessa história se chama Léo, é igual a todo mundo, só que de vez em quando, sem ele querer, escapam do seu corpo magricelo e super branco borboletas de vários tamanhos – todas coloridas e sempre apavoradas.

        Faz tempo que ele sofre e tem a maior vergonha delas. Por causa disso vive se escondendo dos outros, está a cada dia mais calado, parece até aquelas crisálidas que ainda não voam e ficam hibernando dentro de um casulo.

        Léo usa sempre cachecol, porque já saiu borboleta dourada do seu pescoço. Fala o mínimo que pode, principalmente à noite, porque já deixou escapar uma mariposa nervosa, asas pretíssimas, da sua boca. Evita sempre ir ao banheiro da escola porque uma vez chegou a urinar três borboletinhas amarelas, molhadas e chorosas.

        Às vezes, o sol, os outdoors, os postes de luz, os heróis de cinema e das histórias em quadrinhos, os vilões mais simpáticos do mundo inteiro gritam para ele:

        – Léo, respira fundo e mostra esse monte de borboletas para as pessoas.

        Ele nunca escuta, e não é para menos – afinal não é simples sair por aí contando para todo mundo que um dia ou outro escapa uma borboleta de algum lugar de nós. Acho que só uma vez ele ficou em dúvida se mostrava ou não mostrava. Foi quando o vento, que nesse dia estava enlouquecido de tanta ventania, ordenou:

        – Seja homem, rapaz e assuma!

        E na hora uma árvore quase sem folhas e quase sem ar, por causa de todo o atropelo do vento, alertou:

        – Não seja besta, garotão, que soltar borboleta do corpo não é coisa que a gente vai dizendo para qualquer um, assim sem mais nem menos, não.

        Léo se encolheu todo, chegou a se ferir, quase esmagou uma borboleta rajada que estava saindo do seu dedo indicador e acabou ganhando com isso uma tremenda cicatriz na palma da mão esquerda.

        O pai, a mãe e o irmão de Léo não têm esse problema, mas entendem e não tocam no assunto. Com a maior das boas intenções, eles fingem que não existem borboletas, e Léo fica muito ofendido.

        Acho quer vocês estão entendendo o problema do menino e vão entender ainda mais quando eu contar que tudo isso aconteceu só até ontem. É que Ana Claudia, uma garota linda negra como asa de mariposa, com mil trancinhas e miçangas, olhar dengoso e boca de pedir beijo, chegou e foi logo tirando uma borboleta azul com duas antenas xeretas de trás da orelha de Léo. E, soltando o pequeno inseto, convidou:

        – Hoje você vai me dar a mão e entrar comigo na aula!

        É claro que Léo perguntou na hora:

        – E por que justo eu?

        E ela, já de mãos dadas, caminhando colada nele, respondeu:

        – Sei lá, é que eu adoro suas borboletas.

        Foi então que ele teve a impressão de ver saindo da cabeleira crespa e felpuda como lã, lá dentro de umas trancinhas, o bico de um beija-flor bem atrevido. Certeza ele não teve, mas sorriu, respirando fundo, apertou a mão dela e pela primeira vez deixou voar livremente uma borboleta tímida e muito apressada de seu umbigo.

        Eu também não sei direito para onde essa última borboleta ia e por que tanta pressa. Agora, se vocês quiserem saber a minha opinião, ela bem que podia estar com hora marcada para o amor, que, se não tem cara de borboleta, vive voando de coração para coração. É, não tem outra: olha só o jeito de andar da Ana Claudia, pensa na história do Léo.

Jorge Miguel Marinho.

Entendendo o conto:

01 – Quem é o protagonista principal do conto?

      O protagonista é Léo, um menino com um segredo especial: ele involuntariamente libera borboletas de seu corpo.

02 – Por que Léo se esconde das outras pessoas?

      Ele se esconde porque tem vergonha das borboletas que escapam de seu corpo, o que o faz evitar interações e situações em que elas possam ser reveladas.

03 – Como Ana Claudia se envolve na história de Léo?

      Ana Claudia entra na vida de Léo ao descobrir suas borboletas e, em vez de reagir negativamente, ela demonstra interesse e até gosta delas, o que muda a perspectiva de Léo sobre sua singularidade.

04 – Como a família de Léo lida com as borboletas dele?

      A família de Léo finge não perceber as borboletas, talvez por tentarem não constrangê-lo, mas essa atitude o deixa incomodado e ofendido.

05 – Por que Léo reage de maneira negativa quando o vento e uma árvore sugerem que ele assuma suas borboletas?

      Ele se sente envergonhado e se retrai ainda mais, pois a ideia de revelar seu segredo para o mundo é assustadora e constrangedora para ele.

06 – O que muda na atitude de Léo depois do encontro com Ana Claudia?

      A atitude de Léo muda quando Ana Claudia demonstra aceitação e interesse por suas borboletas. Ele começa a se sentir mais à vontade e, pela primeira vez, liberta uma borboleta voluntariamente na presença dela.

07 – Qual é a impressão final que Léo tem sobre o gesto de Ana Claudia?

      Ele percebe o gesto de Ana Claudia como algo especial, algo que o faz sorrir e sentir uma conexão, levando-o a liberar uma borboleta de forma consciente pela primeira vez.

08 – Por que o autor compara o amor a uma borboleta no final do conto?

      O autor faz essa comparação para destacar a leveza, a delicadeza e a liberdade do amor, associando-o ao voo das borboletas que escapam de Léo, sugerindo que o amor também pode ser algo fugaz e belo.

09 – O que as borboletas representam na história de Léo?

      As borboletas simbolizam a singularidade, o segredo, a vergonha e, eventualmente, a aceitação de algo especial e único que todos possuem, mas que geralmente mantêm escondido por medo do julgamento alheio.

10 – Qual é a mudança mais significativa que acontece com Léo ao longo da história?

      A mudança mais significativa é a aceitação gradual de sua singularidade e a abertura para compartilhá-la com alguém que demonstra aceitação genuína, como Ana Claudia. Isso o ajuda a se sentir mais confortável consigo mesmo e com suas borboletas.

 

 

CONTO: AS FLORES DA MORTE - COM GABARITO

 Conto: As flores da morte

        Conta-se que uma moça estava muito doente e teve que ser internada em um hospital. Desenganada pelos médicos, a família não queria que ela soubesse que iria morrer. Todos seus amigos já sabiam. Menos ela. E para todo mundo que ela perguntava se ia morrer, a afirmação era negada.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhv_6_V092YKTE2eZypuSGqcSmF4VsLg8DdIpu7M3QvSnsrB2qdpSnSXrjxMlu-vOJXMO9IH_-pVI3Syi3J7VkFbi24SrZ4PsZoJN7WIGMR1jhPJL3qZmHb_Ne11by7h_zUGvHEZ4NBnq68_gvuBlDwpeLeVOi1z-K3OauQPzaH1P_DsNJ5mJrz6rdLvys/s1600/ROSAS.jpg


        Depois de muito receber visitas, ela pediu durante uma oração que lhe enviassem flores. Caso fosse voltar para casa, queria rosas brancas. Caso fosse ficar mais um tempo no hospital e estivesse em estado grave, queria rosas amarelas. E, rosas vermelhas, caso estivesse próxima sua morte.

        Certa hora, bate à porta de seu quarto uma mulher e entrega a mãe da moça um maço de rosas vermelhas murchas e sem vida. A mulher se identifica como "mãe da Berenice". Nesse meio tempo, a moça que estava dormindo acordou, e a mãe avisou para ela que uma mulher havia deixado um buquê de rosas. Isso, sem saber do pedido que sua filha havia realizado em oração.

        Ela ficou com uma cara de espanto, quando foi informada pela mãe que quem havia trazido as rosas era a mãe da Berenice. A única coisa que a moça conseguiu responder era que a mãe da Berenice estava morta há dez anos.

        A moça morreu naquela mesma noite. No hospital, ninguém viu a tal mulher entrando ou saindo.

Autoria desconhecida. Fonte: http://www.sobrenatural.org

Entendendo o conto:

01 – Qual foi o pedido da moça durante sua oração?

      Ela pediu que lhe enviassem flores: rosas brancas se fosse voltar para casa, rosas amarelas se estivesse em estado grave no hospital, e rosas vermelhas se estivesse próxima da morte.

02 – Por que a família não queria que a moça soubesse sobre seu estado de saúde?

      Os médicos haviam desenganado a moça, mas a família queria protegê-la e evitar que ela soubesse da gravidade de sua condição para não causar sofrimento.

03 – Quem foi a pessoa que entregou as rosas vermelhas murchas e sem vida?

      A mulher que se identificou como a mãe da Berenice.

04 – Qual foi a reação da moça ao saber quem tinha trazido as rosas vermelhas?

      Ela ficou chocada e surpresa, afirmando que a mãe da Berenice estava morta há dez anos.

05 – O que aconteceu com a moça após receber as rosas vermelhas?

      Ela faleceu na mesma noite em que recebeu as rosas vermelhas murchas e sem vida.

06 – Houve alguma confirmação da presença da mulher que entregou as rosas no hospital?

      Não, ninguém no hospital viu a mulher entrando ou saindo, criando um mistério em torno de sua visita.

07 – Qual foi o simbolismo das diferentes cores de rosas no pedido da moça?

      As diferentes cores de rosas representavam diferentes situações: brancas para voltar para casa, amarelas para um estado grave no hospital e vermelhas para estar próxima da morte, cada uma refletindo seu estado de saúde e destino.

 

CONTO: A BELA ADORMECIDA NO BOSQUE - CHARLES PERRAULT - COM GABARITO

 Conto: A BELA ADORMECIDA NO BOSQUE

           Charles Perrault

        Um príncipe amava a caça de tal sorte que viva sempre nas florestas e tapadas, procurando peças. Uma vez perdeu-se num bosque e caiu a noite antes que lograsse sair dele. Lá pela noite cerrada encontrou a cabala de um lavrador que agasalhou como pôde, dando-lhe de cear e conversando. Pela manhã, o príncipe viu por cima do arvoredo as torres de um castelo desconhecido e perguntou quem ali morava. 0 lavrador respondeu que era história velha do tempo antigo. O príncipe insistiu para saber e o velho Ilha contou.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMsotGmOT1SE-4MIumpYNigAI1FlP3i_lN2qgMf_97UAC0r5gy8_JxXVLU60KDDWJyZCtrXZ0lPbaySgZngwou3VLnx1Ur4XIMVM87aSvYCBDicF-cjLOh2K0D6B3YUtQsWrexDytkoJ2IJ-8sTXDANNeFgz5SuYe5Vgq16EX_FYBjFtA3VJ3Hb2XPz9Q/s1600/BOSQUE.jpg


        Era ali o palácio de um rei que não tinha filhos quando muito os desejava ter. Finalmente a rainha deu à luz e houve muita festa, convidando o rei todas as fadas para o batizado, mas esqueceu de convidar a fada mais velha porque não se ouvia mais falar nela, julgando todos que houvesse morri do. No dia do batizado as fadas compareceram e também a fada velha que vinha zangada por não ter sido chamada também. As fadas foram para perto do berço da menina que nascera e deram os dons de ser bonita, alegre, agradável, trabalhadora, prudente, fiel, etc. Quando acabaram, a fada velha fadou que a menina havia de meter às unhas uma pua de roca e morreria aos quinze anos. Todos ficaram muito tristes mas apareceu a fatela mais moça, que se escondera, dizendo que não podia desmanchar os fados já dados mas fadava a menina para que dormisse cem anos sem ficar velha e fosse despertada por um príncipe com quem casaria, sendo muito feliz. O rei proibiu que se fiasse no reino, para que a menina não cumprisse a sina, mas foi debalde porque, com quinze anos, a princesa encontrou uma roca e querendo-a mexer, meteu uma pua nas unhas e caiu como morta. Todos que estavam O castelo adormeceram também e os pais da menina já morreram; o reino mudou-se para longe fé só ficou o castelo que é aquele que se vê todo cercado pela floresta.

        0 príncipe ficou ansioso para verificar a verdade e, despedindo-se do lavrador, dirigiu-se ao caseio, atravessando com dificuldade a mata de espinhos que o cercava. Encontrou um palácio grande e bonito e cheio de gente dormindo por todos os cantos, criados, camareiros, soldados, oficiais, cozinheiros, até os animais dormiam no estábulo e cavalariça. O príncipe subiu e passou por muitas salas douradas onde as damas estavam adormecidas e, num quarto muito adornado, viu uma moça linda dormindo numa cama. Aproximou-se, tomou-lhe a mão, beijou-a e a moça abriu os olhos, sorrindo.

        Logo todo palácio acordou e foi um barulho de ordens e passos, vozes de animais e músicas. O príncipe ficou muitos dias com a princesa, sem ter coragem de deixá-la.

        Voltou para casa e sempre que podia vinha ter ao castelo para ver sua mulher e no correr dos anos, dois filhos vieram, um menino de nome Cravo e uma menina chamada Rosa. A rainha velha vivi desconfiada por seu filho não mais querer ficar na corte, mas nada descobriu. Quando morreu o rei o príncipe foi coroado e mandou buscar a princesa e os dois filhos, recebendo-a como rainha soberana. A rainha velha ficou furiosa e pensou em mandar matar a nora logo que pudesse.

        Sucedeu que o rei foi para a guerra e a rainha velha resolveu fazer mal à inocente princesa. Chamou um criado de sua confiança e mandou que agarrasse o menino Cravo e fizesse dele um guisado! para ela comer. O criado furtou o menino mas não teve coragem de o matar; escondeu-o na sua casa, e matou um cabrito e guisou-o para a rainha velha, que o comeu todo, dizendo estar muito gostoso. Dias depois fez a mesma cousa com a princesa! Rosa e novamente o criado escondeu a menina em sua casa e a rainha velha comeu uma ovelha pensando que comia a neta.

        Faltava a nora que vivia chorando com a perda dos filhos. A rainha velha acusou-a de ser falsa ao filho e mandou prendê-la, condenando-a a ser queimada viva na praça pública. Arrumaram a fogueira e a princesa já estava amarrada ao poste e o carrasco com o archote na mão para pôr fogo a tudo, quando apareceu o rei, correndo a brida solta, em socorro de sua mulher, cuja sorte lhe fora comunicada pelo criado que fugira para ir ao seu encontro. O rei agradou muito a mulher, e a rainha velha, logo que o viu, saltou pela janela, quebrando o pescoço nas lajes do pátio. O criado foi buscar Cravo e Rosa e os entregou aos pais, contando o que fizera. O rei o recompensou muito bem, trazendo-o sempre perto a si, e todos viveram felizes.

Charles Perrault.

Entendendo o conto:

01 – Quem era o príncipe e como ele descobriu o castelo adormecido?

      O príncipe era um amante da caça que se perdeu no bosque e, por acaso, encontrou o castelo adormecido enquanto procurava por um lugar para se abrigar durante a noite.

02 – Qual foi a maldição lançada sobre a princesa no dia do seu batizado?

      A fada mais velha, não convidada para o batizado, amaldiçoou a princesa, prevendo que ela se feriria com a roca de fiar e morreria aos quinze anos.

03 – Como a maldição da fada foi amenizada?

      A fada mais jovem, que estava escondida, não pôde desfazer o feitiço, mas transformou a maldição em um sono de cem anos, do qual a princesa seria despertada por um príncipe.

04 – O que o príncipe fez para acordar a princesa adormecida?

      Ele encontrou a princesa adormecida em um quarto do castelo, aproximou-se dela, tomou sua mão e a beijou, o que a despertou do longo sono.

05 – Quais foram as ações da rainha velha para prejudicar a princesa e sua família?

      Ela ordenou que um criado matasse o menino Cravo para servir como guisado e posteriormente tentou fazer o mesmo com a princesa Rosa, além de acusar a nora de falsidade e condená-la à queima pública.

06 – Como a rainha velha foi derrotada no final?

      O rei chegou a tempo de salvar sua esposa da execução, o que levou a rainha velha a se desesperar e a saltar pela janela, resultando em sua própria morte.

07 – O que aconteceu com a família real depois da derrota da rainha velha?

      Com a derrota da rainha velha, a família real foi reunida, os filhos foram recuperados e o rei recompensou o criado por suas ações, trazendo-o para perto dele. Todos viveram felizes após esses eventos.

 

CONTO: ACIDENTE NA ESTRADA - PAULO HENRIQUE GARCIA - COM GABARITO

 Conto: ACIDENTE NA ESTRADA

           Paulo Henrique Garcia

        Todos os anos eu passava as férias de julho na fazenda dos meus tios, no interior do Rio de Janeiro. Os fatos que vou contar aconteceram em 1989, quando eu tinha 17 anos. Eles mudaram minha fé e visão do mundo.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7twSTUWUjk5WF8byLvu4mnJke8ZaHRdtvqzgPTxvGp_inZSzArfcZZX1pHL-hzIg-1_slKC9885oYPtOsZo8TT0ICq8rBuastaifpoF5xakolP7EsT2xrENH-jRIc_1VtDuzNEYJ_Ghn0092iJxPKeCHR2AvnW5EzJwJCXCrEYIQFCRTZcTpnHhsu0P0/s1600/LAMPIAO.jpg


        Meu tio, dois primos e eu estávamos jogando baralho enquanto, esperava minha tia terminar o jantar. A fazenda era muito antiga. Minha família morava ali há várias gerações. Infelizmente, nessa época, não havia eletricidade no campo. E os geradores eram muito caros para meu tio, então, era tudo iluminado através da vela e do lampião, o que dava um aspecto tenebroso ao lugar. Nesse dia, chovia muito forte e os cachorros estavam dentro da casa, mesmo assim estavam muito inquietos.

        “Eu não gosto quando eles estão assim, sempre acontece algo estranho” – disse meu tio apontando os cachorros. Todos nós rimos do comentário, que, no momento, pareceu engraçado. Ainda estávamos rindo, quando ouvimos alguém bater forte na porta. Todos nós pulamos, por conta do susto. Meu tio foi atender a porta, seguido de minha tia que veio rápido da cozinha ver quem era a visita inesperada. Quando meu tio abriu a porta, vimos um homem que estava todo molhado da chuva. Eu sabia que não era conhecido, porque eu conhecia todos os vizinhos da redondeza.

        “Eu capotei meu carro ali na estrada. Preciso de ajuda, pois minha mulher está machucada e precisa de cuidados médicos. Eu vi sua casa da estrada e...” – disse o homem, sem fôlego, até ser interrompido por meu tio.

        “Não precisa explicar mais.” – disse meu tio pegando a chaves da caminhonete saindo.

        Sem perguntar nada, eu entrei com eles no veículo e partimos. Em um minuto, já estávamos onde o carro se encontrava. Eu e meu tio corremos para o carro, o homem ficou lá dentro do carro, paralisado, olhando na direção do carro e chorando quieto. Eu e meu tio agachamos, para ver a situação da mulher dele e para nosso choque ali estava o homem que bateu na porta da fazenda, todo ensanguentado. Sua mulher não estava diferente. Eu fiquei com medo, mas meu tio me olhou e disse:

        “Rápido temos que levar os dois para o hospital.” – Disse ele, ignorando o fato sinistro e forçando a porta para abrir. Tiramos os dois do carro e os levamos para o hospital. O homem, como eu e meu tio sabíamos, já estava morto. A mulher estava com ferimentos bastantes graves, mas sobreviveu. Algumas horas depois, saímos do hospital e fomos de volta para a fazenda. Quando chegamos, contamos a história para meus primos e minha tia. Eles ficaram morrendo de medo. Terminei de contar a história e alguém bateu na porta. Meus primos correram para o quarto com medo. Meu tio abriu a porta, só que desta vez não tinha ninguém.

Paulo Henrique Garcia. Texto disponível em: http://www.contosehistoriasdeterror.com/

Entendendo o conto:

01 – Qual é o cenário principal do conto?

      O conto se passa em uma fazenda no interior do Rio de Janeiro, durante as férias de julho, onde a falta de eletricidade cria um ambiente sombrio.

02 – Quem são os personagens principais e como eles reagem à situação do acidente?

      Os principais são o narrador (Paulo Henrique), seu tio e seus primos. Eles agem com calma e prestatividade ao se depararem com o acidente na estrada, ajudando o homem acidentado e sua esposa.

03 – Como o ambiente da fazenda é descrito e como isso contribui para a atmosfera do conto?

      A fazenda é descrita como antiga e sem eletricidade, iluminada por velas e lampiões, o que cria um ambiente tenebroso. A chuva forte e a inquietação dos cachorros aumentam a sensação de tensão.

04 – Qual é o momento crucial que causa uma reviravolta na história?

      O momento crucial é quando o homem acidentado aparece na porta da fazenda pedindo ajuda, e mais tarde é descoberto que ele é a mesma pessoa que já havia batido na porta anteriormente, mas agora está gravemente ferido.

05 – Qual é a reação da família ao descobrir a verdade sobre o homem acidentado?

      Apesar do choque e medo inicial, a família age com compaixão e rapidez, levando os feridos para o hospital sem hesitação.

06 – Como o conto termina e que efeito tem sobre os personagens?

      Após retornarem da visita ao hospital, a família conta a história para os outros membros, que ficam assustados. Posteriormente, quando batem na porta novamente e não há ninguém, cria-se um clima de suspense e mistério.

07 – Qual é a mensagem ou lição principal transmitida pelo conto?

      O conto transmite a mensagem de agir com bondade e prestatividade diante de situações difíceis, mesmo quando elas são assustadoras ou perturbadoras. Também explora o elemento do desconhecido e como ele pode nos afetar, mantendo um ar de mistério no desfecho da história.

CONTO: CEGO E AMIGO GEDEÃO À BEIRA DA ESTRADA - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 Conto: Cego e amigo Gedeão à beira da estrada

            Moacyr Scliar

        — Este que passou agora foi um Volkswagen 1962, não é, amigo Gedeão?

        — Não, Cego. Foi um Simca Tufão.

        — Um Simca Tufão? … Ah, sim, é verdade. Um Simca potente. E muito econômico. Conheço o Simca Tufão de longe. Conheço qualquer carro pelo barulho da máquina.

 Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi11tmmjxlfQFOaOmdVyWPdkHs1Qh8Irp5unQdnpJbyXFUo3Lr3NvHKt6aohIfdfsVFbvI0k0Yuahy9KV9ncw3XBtuQ22hJ3OtNI00s6QUY0tNOHBvTeJQTYcKOEph9rptDEmyDigCHlEGEgYMOnz_HFCOX0UCjkxy1p3xiSso0octc4yxvDYF1-ulVno0/s1600/SIMCA.jpg


        Este que passou agora não foi um Ford?

        — Não, Cego. Foi um caminhão Mercedinho.

        — Um caminhão Mercedinho! Quem diria! Faz tempo que não passa por aqui um caminhão Mercedinho. Grande caminhão. Forte. Estável nas curvas. Conheço o Mercedinho de longe… Conheço qualquer carro. Sabe há quanto tempo sento à beira desta estrada ouvindo os motores, amigo Gedeão? Doze anos, amigo Gedeão. Doze anos.

        É um bocado de tempo, não é, amigo Gedeão? Deu para aprender muita coisa. A respeito de carros, digo. Este que passou não foi um Gordini Teimoso?

        — Não, Cego. Foi uma lambreta.

        — Uma lambreta… Enganam a gente, estas lambretas. Principalmente quando eles deixam a descarga aberta.

        Mas como eu ia dizendo, se há coisa que eu sei fazer é reconhecer automóvel pelo barulho do motor. Também, não é para menos: anos e anos ouvindo!

        Esta habilidade de muito me valeu, em certa ocasião… Este que passou não foi um Mercedinho?

        — Não, Cego. Foi o ônibus.

        — Eu sabia: nunca passam dois Mercedinhos seguidos. Disse só pra chatear. Mas onde é que eu estava? Ah, sim.

        Minha habilidade já me foi útil. Quer que eu conte, amigo Gedeão? Pois então conto. Ajuda a matar o tempo, não é? Assim o dia termina mais ligeiro. Gosto mais da noite: é fresquinha, nesta época. Mas como eu ia dizendo: há uns anos atrás mataram um homem a uns dois quilômetros daqui. Um fazendeiro muito rico. Mataram com quinze balaços. Este que passou não foi um Galaxie?

        — Não. Foi um Volkswagen 1964.

        — Ah, um Volkswagen… Bom carro. Muito econômico. E a caixa de mudanças muito boa. Mas, então, mataram o fazendeiro. Não ouviu falar? Foi um caso muito rumoroso. Quinze balaços! E levaram todo o dinheiro do fazendeiro. Eu, que naquela época j á costumava ficar sentado aqui à beira da estrada, ouvi falar no crime, que tinha sido cometido num domingo. Na sexta-feira, o rádio dizia que a polícia nem sabia por onde começar. Este que passou não foi um Candango?

        — Não, Cego, não foi um Candango.

        — Eu estava certo que era um Candango… Como eu ia contando: na sexta, nem sabiam por onde começar.

        Eu ficava sentado aqui, nesta mesma cadeira, pensando, pensando… A gente pensa muito. De modos que fui formando um raciocínio. E achei que devia ajudar a polícia. Pedi ao meu vizinho para avisar ao delegado que eu tinha uma comunicação a fazer. Mas este agora foi um Candango!

        — Não, Cego. Foi um Gordini Teimoso.

        — Eu seria capaz de jurar que era um Candango. O delegado demorou a falar comigo. De certo pensou: “Um cego? O que pode ter visto um cego?” Estas bobagens, sabe como é, amigo Gedeão. Mesmo assim, apareceu, porque estavam tão atrapalhados que iriam até falar com uma pedra. Veio o delegado e sentou bem aí onde estás, amigo Gedeão. Este agora foi o ônibus?

        — Não, Cego. Foi uma camioneta Chevrolet Pavão.

        — Boa, esta camioneta, antiga, mas boa. Onde é que eu estava? Ah, sim. Veio o delegado. Perguntei:

        “Senhor delegado, a que horas foi cometido o crime?”

        — “Mais ou menos às três da tarde, Cego” — respondeu ele. “Então” — disse eu. — “O senhor terá de procurar um Oldsmobile 1927. Este carro tem a surdina furada.

        Uma vela de ignição funciona mal. Na frente, viajava um homem muito gordo. Atrás, tenho certeza, mas iam talvez duas ou três pessoas.” O delegado estava assombrado. “Como sabe de tudo isto, amigo?” — era só o que ele perguntava. Este que passou não foi um DKW?

        — Não, Cego. Foi um Volkswagen.

        — Sim. O delegado estava assombrado. “Como sabe de tudo isto?” — “Ora, delegado” — respondi. — “Há anos que sento aqui à beira da estrada ouvindo automóveis passar. Conheço qualquer carro. Sem mais: quando o motor está mal, quando há muito peso na frente, quando há gente no banco de trás. Este carro passou para lá às quinze para as três; e voltou para a cidade às três e quinze.” — “Como é que tu sabias das horas?” — perguntou o delegado. — “Ora, delegado” — respondi. — “Se há coisa que eu sei — além de reconhecer os carros pelo barulho do motor — é calcular as horas pela altura do sol.” Mesmo duvidando, o delegado foi… Passou um Aero Willys?

        — Não, Cego. Foi um Chevrolet.

        — O delegado acabou achando o Oldsmobile 1927 com toda a turma dentro. Ficaram tão assombrados que se entregaram sem resistir. O delegado recuperou todo o dinheiro do fazendeiro, e a família me deu uma boa bolada de gratificação. Este que passou foi um Toyota?

        — Não, Cego. Foi um Ford 1956.

O texto acima foi publicado no livro “Para Gostar de Ler — Volume 9 — Contos”, Editora Ática — São Paulo, 1984, pág. 26.

Entendendo o conto:

01 – Quem são os personagens principais no conto?

      Cego e seu amigo Gedeão são os protagonistas.

02 – Qual é a habilidade peculiar do Cego no conto?

      Ele consegue identificar os carros que passam pela estrada apenas pelo som dos motores.

03 – Quantos anos o Cego passou sentado à beira da estrada?

      O Cego passou doze anos sentado à beira da estrada.

04 – O que aconteceu nas proximidades da estrada há alguns anos, conforme mencionado no conto?

      Um fazendeiro muito rico foi assassinado com quinze tiros e roubaram todo o seu dinheiro.

05 – Como o Cego ajudou a resolver o crime do assassinato do fazendeiro?

      Ele usou sua habilidade de reconhecer carros pelo som do motor e calcular horas pela posição do sol para identificar o veículo envolvido no crime, um Oldsmobile 1927.

06 – Qual foi a reação do delegado ao ouvir as informações precisas do Cego sobre o crime?

      Ele ficou surpreso e assombrado, duvidando das habilidades do Cego.

07 – Como o Cego explicou sua capacidade de saber a hora do crime?

      Além de reconhecer carros pelo som do motor, ele afirmou que sabia calcular as horas pela posição do sol.

08 – Qual foi o desfecho do conto após a resolução do crime?

      O delegado encontrou o veículo envolvido e recuperou o dinheiro roubado, e o Cego recebeu uma gratificação da família do fazendeiro.

09 – O que o Cego pensava sobre a noite e o dia?

      Ele preferia a noite por ser fresca, mas acreditava que contar histórias ajudava a passar o tempo mais rapidamente.

10 – O que o Cego dizia sobre sua habilidade de reconhecer carros e o que isso lhe valeu?

      Ele afirmava conhecer qualquer carro pelo barulho do motor, e essa habilidade lhe foi útil para resolver o crime do fazendeiro.

 

 

CONTO: NÓS, O PISTOLEIRO, NÃO DEVEMOS TER PIEDADE - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 Conto: Nós, o pistoleiro, não devemos ter piedade

           Moacyr Scliar

        Nós somos um terrível pistoleiro. Estamos num bar de uma pequena cidade do Texas. O ano é 1880. Tomamos uísque a pequenos goles. Nós temos um olhar soturno. Em nosso passado há muitas mortes. Temos remorsos. Por isto bebemos.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgn1dC3i5jdVmNOke3I50RynvNy9SN1TObY-cjdwqd9mzRgXTPuCyBIwOTcwdVbZvWcQTnSC5ik8S3IjNDUbbvOjrLwlKeCaI3muSN3KqES7Qr1zQCuva1DGLL3y9kiVPIMS0EmT3DCnA5b9KmZvxUj_evdNk6P7kvYB4Y0FF7o02hNRslFQx3oB0jrcaY/s1600/TEXAS.jpg


        A porta se abre. Entra um mexicano chamado Alonso. Dirige-se a nós com despeito. Chama-nos de gringo, ri alto, faz tilintar a espora. Nós fingimos ignorá-lo. Continuamos bebendo nosso uísque a pequenos goles. O mexicano aproxima-se de nós. Insulta-nos. Esbofeteia-nos. Nosso coração se confrange. Não queríamos matar mais ninguém. Mas teremos de abrir uma exceção para Alonso, cão mexicano.

        Combinamos o duelo para o dia seguinte, ao nascer do sol. Alonso dá-nos mais uma pequena bofetada e vai-se. Ficamos pensativo, bebendo o uísque a pequenos goles. Finalmente atiramos uma moeda de ouro sobre o balcão e saímos. Caminhamos lentamente em direção ao nosso hotel. A população nos olha. Sabe que somos um terrível pistoleiro. Pobre mexicano, pobre Alonso.

        Entramos no hotel, subimos ao quarto, deitamo-nos vestido, de botas. Ficamos olhando o teto, fumando. Suspiramos. Temos remorsos.

        Já é manhã. Levantamo-nos. Colocamos o cinturão. Fazemos a inspeção de rotina em nossos revólveres. Descemos.

        A rua está deserta, mas por trás das cortinas corridas adivinhamos os olhos da população fitos em nós. O vento sopra, levantando pequenos redemoinhos de poeira. Ah, este vento! Este vento! Quantas vezes nos viu caminhar lentamente, de costas para o sol nascente?

         No fim da Rua Alonso nos espera. Quer mesmo morrer, este mexicano.

        Colocamo-nos frente a ele. Vê um pistoleiro de olhar soturno, o mexicano. Seu riso se apaga. Vê muitas mortes em nossos olhos. É o que ele vê.

        Nós vemos um mexicano. Pobre diabo. Comia o pão de milho, já não comerá. A viúva e os cinco filhos o enterrarão ao pé da colina. Fecharão a palhoça e seguirão para Vera Cruz. A filha mais velha se tornará prostituta. O filho menor ladrão.

        Temos os olhos turvos. Pobre Alonso. Não se devia nos ter dado suas bofetadas. Agora está aterrorizado. Seus dentes estragados chocalharam. Que coisa triste.

        Uma lágrima cai sobre o chão poeirento. É nossa. Levamos a mão ao coldre. Mas não sacamos. É o mexicano que saca. Vemos a arma na sua mão, ouvimos o disparo, a bala voa para o nosso peito, aninha-se em nosso coração. Sentimos muita dor e tombamos.

        Morremos, diante do riso de Alonso, o mexicano.

        Nós, o pistoleiro, não devíamos ter piedade.

Moacyr Scliar.

Entendendo o conto:

01 – Quem são os personagens principais do conto?

      O narrador, um pistoleiro com um passado sangrento, e Alonso, um mexicano que desafia o pistoleiro para um duelo.

02 – Qual é o cenário e a época em que a história se passa?

      O cenário é um bar em uma pequena cidade do Texas, por volta do ano 1880.

03 – Por que o pistoleiro sente remorsos ao longo da história?

      O pistoleiro tem remorsos devido ao seu passado de violência e morte. Ele não deseja matar mais ninguém, mas é provocado por Alonso.

04 – Como o pistoleiro reage às provocações de Alonso?

      O pistoleiro inicialmente tenta ignorar as provocações de Alonso, mas depois concorda com um duelo ao nascer do sol no dia seguinte.

05 – O que é revelado sobre o destino de Alonso e sua família no final do conto?

      O conto revela que Alonso morre no duelo. Descreve também as consequências desse evento para sua família: a viúva, os filhos e suas vidas após a morte de Alonso.

06 – Qual é a ironia trágica presente no desfecho da história?

      O pistoleiro, que inicialmente sentia remorsos e não queria matar mais ninguém, acaba sendo morto por Alonso, mostrando a ironia do destino.

07 – Que reflexão sobre a falta de piedade e as consequências da violência o conto sugere?

      O conto questiona a natureza da violência e da falta de piedade, mostrando como a vingança e a brutalidade podem gerar um ciclo interminável de sofrimento e tragédia para todos os envolvidos.