Artigo de opinião: Ortografia é lei?
Aldo Bizzocchi
Toda lei estabelece deveres e
proibições, bem como sanções a quem a transgride. A ortografia oficial da
língua portuguesa é uma lei, votada pelo Congresso e sancionada pelo
Executivo, mas que não prevê punições ao seu descumprimento. Por que obedecer a
ela então?
Se um comerciante afixar um cartaz com
erros ortográficos na fachada de sua loja (existem muitos casos assim, alguns
até hilários), estará ele sujeito a multa? (Só para lembrar: uma lei que previa
multas para placas e cartazes com erros de português, inclusive de gramática,
entrou em vigor em São Paulo há alguns anos, mas nunca “pegou”,
provavelmente por falta de fiscais qualificados.)
Se um escrivão de polícia transcrever
com erros de grafia o depoimento de uma testemunha, pode o advogado da outra
parte pedir a anulação desse depoimento? Se um jornal, livro ou revista
sair com erro ortográfico – o que não é incomum –, pode o leitor exigir o seu
dinheiro de volta e mesmo acionar o Procon?
Evidentemente, a resposta a todas essas
perguntas é não. Então que lei é essa que não precisa ser cumprida, exceto por
medo de uma sanção social (ser tachado de ignorante)? A rigor, a única situação
em que um erro ortográfico implica punição juridicamente inquestionável são os
concursos públicos. Parece então que a grafia “correta” das palavras é muito
mais uma questão de hábito do que de legislação. Tanto que muitas línguas
sequer têm uma ortografia oficial, o que há são hábitos de escrita
arraigados, que todos seguem apenas para facilitar a comunicação.
O novo Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa, que tanta celeuma tem levantado, sobretudo em
Portugal, procura unificar por força de lei a grafia do português quando o
inglês, idioma bem mais influente e difundido do que o nosso, tem duas grafias
tradicionais (a britânica e a norte-americana) e nenhuma oficial. Isso parece
coisa da nossa cultura legiferante.
BIZZOCCHI, Aldo.
Ortografia é lei? São Paulo, 15 out. 2012. Disponível em: http://revistalingua.com.br/textos/blog-abizzocchi/ortografia-e-lei-271797-1.asp. Acesso
em: 19 ago. 2015.
Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e
Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 218-221.
Entendendo o artigo de
opinião:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Procon: sigla de Programa de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão
vinculado à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, responsável por
políticas de proteção e defesa do consumidor.
·
Implica: ocasiona, envolve, provoca.
·
Arraigado: enraizado, permanente, fixo; que mantém a mesma ideia,
opinião ou hábito.
·
Celeuma: discussão veemente, embate de ideias, discordância.
·
Cultura
legiferante: hábitos e
costumes baseados excessivamente em leis; excesso de legislação na vida
cotidiana das pessoas.
02 – Ao escrever seus textos,
você costuma ter dúvidas quanto à grafia das palavras?
Resposta pessoal
do aluno.
03 – Em sua opinião, o que
pode motivar dúvidas desse tipo?
Resposta pessoal do aluno.
04 – Você sabia que a
ortografia oficial da língua portuguesa é regida por uma lei?
Resposta pessoal
do aluno.
05 – Uma contradição pode
ser definida como incoerência entre uma afirmação atual e uma afirmação
anterior. Identifique e explique a contradição apresentada na introdução do
artigo de opinião.
Aldo Bizzocchi
apresenta uma contradição no trecho “A ortografia oficial da língua portuguesa
é uma lei, votada pelo Congresso e sancionada pelo Executivo, mas que não prevê
punições ao seu descumprimento”. Ao fazer tal afirmação, o autor revela uma
incoerência no próprio conceito de lei, já que, conforme exposto, “Toda lei
estabelece deveres e proibições, bem como sanções a quem a transgride”. O uso
da conjunção mas expressa esse
contraponto, essa quebra na expectativa: uma lei descumprida deveria prever
punições, mas não é o que ocorre no caso da ortografia.
06 – No desenvolvimento de
sua tese, o articulista apresenta algumas situações hipotéticas, como a do
comerciante e a do escrivão que cometem erros ortográficos. Com que
objetivo, provavelmente, ele utiliza essa estratégia argumentativa?
Provavelmente,
para apresentar situações hipotéticas e provar que, de modo geral, o
descumprimento da lei não acarreta punição.
07 – O autor descreve
algumas situações em que o desrespeito às normas ortográficas pode gerar
problemas. Que problemas são esses?
Preconceito
contra aqueles que não as seguem; reprovação em concursos públicos.
08 – Em sua opinião, que
outros problemas o descumprimento das normas ortográficas pode acarretar?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão:
Dificilmente as incorreções ortográficas são punidas juridicamente e que
atitudes de discriminação contra quem comete esse tipo de erro não se
justificam.
09 – Qual é a conclusão
apresentada no penúltimo parágrafo do texto?
Aldo Bizzocchi conclui
que as normas ortográficas podem ser mais uma questão de hábito do que de
legislação. Ele cita exemplos de línguas que não têm ortografia oficial, mas
mantêm hábitos arraigados de grafia apenas para facilitar a comunicação.
10 – No último parágrafo do
artigo, o autor contrapõe a ortografia do português à do inglês. Explique a que
conclusão ele chega ao fazer esse contraponto.
No último
parágrafo, o autor questiona a validade do novo Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa, criado com o objetivo de unificar a grafia do português nos países
lusófonos. Como contraponto, ele cita o inglês, língua que tem duas grafias
tradicionais (a britânica e a estadunidense), mas nenhuma oficial. Com isso,
conclui que o esforço de unificação da grafia do português se deve à “cultura
legiferante” do Brasil, um país regido por um número excessivo de leis que
quase nunca são cumpridas.
11 – Qual é o principal
objetivo do artigo de opinião “Ortografia
é lei?”, de Aldo Bizzocchi?
Convencer o leitor de que a legislação em
relação à ortografia não funciona.
12 – Leia novamente estes
trechos:
Se um comerciante afixar um cartaz com erros
ortográficos na fachada de sua loja [...].
·
Se um escrivão de polícia transcrever com
erros de grafia [...].
·
Se um jornal, livro ou revista sair com erro
ortográfico [...].
Com que objetivo o autor do artigo pode
ter empregado esse tipo de oração condicional?
Provavelmente,
para levar o leitor a questionar a validade da lei que regulamenta a
ortografia.
13 – Releia estes outros
trechos:
·
Ortografia é lei?
·
Por que obedecer a ela então?
Explique o efeito produzido pelo
emprego dessas frases interrogativas no artigo de opinião.
O emprego dessas
frases interrogativas é uma estratégia argumentativa. Ao utilizá-las, o autor
busca a adesão do leitor à sua tese.
14 – Que recursos
estilísticos predominam na construção do texto? Cite pelo menos dois e dê
exemplos.
O autor emprega,
principalmente, a ironia e o humor. A ironia, por exemplo, está presente na
pergunta “Se um comerciante afixar um cartaz com erros ortográficos na fachada
de sua loja (existem muitos casos assim, alguns até hilários), estará ele
sujeito a multa?”. O humor também é construído na suposição de que os erros
ortográficos não seriam punidos pela escassez de pessoas capazes de seguir a
norma ortográfica: “[...] uma lei que previa multa [...] entrou em vigor [...],
mas nunca ‘pegou’, provavelmente por falta de fiscais qualificados.”
15 – Na língua portuguesa,
um mesmo fonema pode ser grafado com letras diferentes. Leia:
·
Então que lei é essa que não precisa ser
cumprida, exceto por medo de uma sanção social (ser tachado de ignorante)?
·
O país vivia de expedientes, isto
é, de cinquenta em cinquenta anos, descobria-se nele um produto que ficava
sendo a sua riqueza. Os governos taxavam-no a
mais não poder [...].
BARRETO,
Lima. Os Bruzundangas. São Paulo: Ática, 1998. p. 29.
O que você observou em relação à grafia
e ao sentido das palavras destacadas?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: Essas palavras são homônimas homófonos, ou seja, palavras
idênticas na pronúncia, mas diferentes na grafia e no significado. O ch em tachar tem o sentido de “pôr tacha ou defeito em alguém, acusar,
censurar, notar; Em taxar significa “tributar, colocar preço, aplicar multa ou
taxa, etc. os dois representam o mesmo fonema.
16 – Estabeleça a
diferença de sentido entre as palavras homófonas a seguir:
a)
Caçar e cassar – Caçar: perseguir
animais silvestres a tiro, a rede, para aprisionar ou matar; procurar, buscar. Cassar: tornar nulo ou sem efeito.
b)
Acender e ascender – Acender: pôr
fogo, fazer arder; queimar, incendiar. Ascender:
subir; elevar-se; erguer-se.
c)
Seção e sessão – Seção: parte
de um todo, segmento. Divisão. Sessão:
espaço de tempo que dura uma reunião, um congresso, um encontro, um espetáculo;
a realização de um trabalho, a apresentação de um filme, de uma peça teatral,
etc.
d)
Apreçar e apressar – Apreçar:
perguntar ou pesquisar o preço de algo; ajustar o preço, atribuir grande preço
ou valor. Apressar: tornar rápido ou
mais rápido, acelerar; antecipar; abreviar.
17– Leia este verbete:
Sanção. Do
latim sanctione, “ato de tornar santo, respeitado.”
S. f.
1. Aprovação dada a uma
lei pelo chefe do Estado. 2. Parte da lei em que se apontam as penas
contra infratores dela. 3. Pena ou recompensa com que se tenta
garantir a execução de uma lei [...].
Com base nessas acepções, explique o
sentido das palavras destacadas em cada item:
a)
Toda lei estabelece deveres e
proibições, bem como sanções a
quem a transgride.
Sanções: penas, punições com que se procura garantir a execução de uma lei.
b)
A ortografia oficial da língua portuguesa é
uma lei, votada pelo Congresso e sancionada pelo
Executivo, mas que não prevê punições ao seu descumprimento.
Sancionada: que foi aprovada, oficializada, assinada, garantida pelo Poder
Executivo.
c)
Então que lei é essa que não precisa ser
cumprida, exceto por medo de uma sanção social
(ser tachado de ignorante)?
Sanção (social): pena, punição ou recriminação da sociedade a quem transgride
ou não cumpre uma lei.